domingo, dezembro 07, 2025

ADÉLIA PRADO, CLARICE LISPECTOR, JAMIE MARGOLIN, RICARDO AIDAR & ARTE NA ESCOLA

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Nunca senti que ser mulher me tenha impedido de algo ou que tenha feito qualquer diferença... Tem muito a ver com o papel da mulher na família e com o que também carregamos e assumimos... Se você sabe que é isso que realmente quer fazer, porque é difícil entrar nesse mercado, persista e persista....

Trechos da entrevista (Classic FM, 2017) ao som das trilhas sonoras de The Cider House Rules (1999) e Chocolate (2000), da compositora britânica Rachel Portman (Rachel Mary Berkeley Portman). Veja mais aqui.

 

Fábula das cores coevas... - Era Julie introspectiva inaugurando o amanhecer, a imensidão azul do céu no teto do quarto; a lâmpada apagada, o Sol e as estrelas. No seu desamparo de viúva, o pensamento invasivo de uma cena: um troglodita à saída de uma caverna se deslumbra ao avistar um ser - como se visse o Sol da primeira manhã, ou o raio primevo rasgando o céu do seu mundo. Não era, mas muito lhe apetecia. Era ela e os olhos dele cheios de ternura. Arrebatado, ele então demonstrou sua afeição exibindo sua musculosa virilidade, ao suspender uma enorme fraga sobre a cabeça e, logo em seguida, às mesuras jogou-a contra ela, como se dissesse: toma, segura! Coitada, era o modo da aptidão dele para o amor. Não! Viu-se ali esmagada pela brutalidade de todas as milenares coações punitivas das leis de deuses estúpidos, cultuadas por sacerdotes cretinos e implementadas legalmente dos pais para os maridos detentores do Código de Hamurabi, das Leis de Manu e de toda insensata legislação dos humanos. Ao mesmo tempo, viu-se invadida por lembranças e a enredaram às tramas, as quais negou o quanto pode: foi tomada pela insolência de Antígona e enfrentou a si mesma e a todos. E teve raiva por que viu-se Hypátia tombando diante da fanática fúria cristã. E barganhou por ser apenas uma costela inútil e portadora do pecado de Eva, só para ganhar tempo. E se deprimiu porque era Juliette na pele do sofrimento Claudel. Não adiantava chorar, lamentava-se questionando o quanto era livre se estava diante de tantos flagelos seculares. Despertou assustada aceitando, enfim, seu pesadelo: adotou o nome de solteira, a sua vulnerável armadura, a luta contra o chão e a silenciosa depressão, a sanidade recuperada. Não dispunha de corrimão ou mãos solidárias. Sofria: a filha morta, as perdas, a vida esvaziada. Dispôs-se a se safar das armadilhas, sobrevivente do azul triste da queda absoluta. Estava disposta até a matar, se fosse preciso, um mero alívio, não fazia nada, a não ser revolver-se a si própria na sua autorreclusa estagnada, quando precisava escapar do passado, desligar a tomada. Aí fechou os olhos: a sinfonia inacabada, a liberdade vazia era o fundo de um poço azul. Já era Dominique prisioneira numa cela branca de um dia nublado. Novas rememorações a tomaram e, no meio delas, viu-se Joana d’Arc entre vozes ocultas e condenada pela Inquisição. Viu-se Ana Bolena executada inexoravelmente. Viu-se Isabella Morra sob golpes dos irmãos. Viu-se vagando nas trevas da caça às bruxas, súcubus às fogueiras e na perseguição da imposta culpa judaico-cristã às pecadoras da boceta maldita; o suicídio de Dandara, Francelina Maria degolada, e todos olvidavam de Olympe de Gouges porque prosperava o Código Napoleônico. Viu-se Bridget Cleary abatida pela misoginia, enquanto formava coro entre histéricas loucas com suas doenças insanas. E repassava a sua vida entrecortada por golpes históricos levando-a surpreendida pela vingança de Karol, humilhado perdedor, parvo apaixonado. Ah, havia perdido a química, não o queria mais: a Polônia jamais seria França, o amor e o ódio, o desejo e a fome, o desigual e a infelicidade de abrir mão do amor, a punição severa e a constatação em riste: o ama. E nesse sentimento ali o branco de todas as cores, juntas, iguais. Fechou-se em si e já era Valentine: o sangue da memória, as paixões, o mundo e as ilusões. Atordoada por atropelar uma cadela desamparada de um cínico e amargo juiz aposentado – na verdade, um espião da vida alheia. E assim o julgamento de Rosa Luxemburgo condenada, de Olga capturada, de Sharon Tate grávida, de Dian Fossey na cabana, das feiticeiras da Papua-Nova Guiné, das crianças e mães do Congo, dos feminicídios de Ciudad Juárez; de Dorothy Stang na floresta, da Chiara Páez espancada e a revolta #NiUnaMenos, o protesto sufocado de Marisela Escobedo: estão matando muitas mulheres! E as manchetes jornalísticas coetâneas: vereadora é abatida a tiros, juíza é morta pela polícia, militar assassinada pelo marido soldado, dona de casa esfaqueada pelo cônjuge, professora é alvejada por pai de aluno, servidoras são trucidadas por colega de trabalho, psicóloga estrangulada por suposto paciente, deputada é escalpelada em matagal, miss é tragicamente morta por perseguidor, e todas não menos humilhadas, estupradas, perseguidas, vilipendiadas, lançadas do alto de edifícios, queimadas vivas e forçadas ao silêncio eterno da matança, de penas infligidas por homicidas autoritários, extremistas, fundamentalistas, toscos com seu deus odioso e enlouquecido carrasco: o machismo mata! E corrói a humanidade. Então ela precisava rever as suas boas intenções diante da barbárie, temia e os seus medos estavam por trás dos acontecimentos, seus receios esgarçando elos esfarrapados que se reagarravam uns aos outros pelos horrores das coincidências e nada disso nunca foi nem será por acaso, tudo se repete, o eterno retorno. E sangrava com a mão escondida, o semblante trancado, o olhar indiferente de existir quando queria viver, com a sua amabilidade nos relâmpagos da boca e o coração atormentado: a injustiça é a maior escuridão das leis lesadas. Era o xadrez da morte: a vida não era só uma trilogia de Kieslowski - a dança letal era a desgraça ocidental, entre o medo e a metáfora: a confluência de devires e absurdos, as contradições e o paradoxo. Até mais ver.

 

Mayim Bialik: Eu não quero dizer que tudo acontece por uma razão, mas todos os dias estão alinhados ao lado do outro por uma razão. O melhor que você pode fazer é fazer cada dia bem com bondade e como uma boa pessoa... Veja mais aqui, aqui & aqui.

Michèle Lamont: Penso que as reivindicações de reconhecimento devem ser levadas muito a sério pelos decisores políticos e cientistas sociais. Ainda temos que entender como a desigualdade e a estigmatização se articulam umas com as outras... Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.

Sophie Kinsella: Pensando bem, o que é mais importante? Roupas ou o milagre de uma nova vida?... Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

 

ANTES DO NOME

Imagem: Acervo ArtLAM.

Não me importa a palavra, esta corriqueira. \ Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe, \ os sítios escuros onde nasce o “de”, o “aliás”, \ o “o”, o “porém” e o “que”, esta incompreensível \ muleta que me apóia. \ Quem entender a linguagem entende Deus \ cujo Filho é Verbo. Morre quem entender. \ A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda, \ foi inventada para ser calada. \ Em momentos de graça, infrequentíssimos, \ se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão. \ Puro susto e terror.

Poema da poeta, professora, filósofa e escritora Adélia Prado (Adélia Luzia Prado de Freitas), destacando-se o texto Erótica é a alma, da autora: Todos vamos envelhecer... Querendo ou não, iremos todos envelhecer. As pernas irão pesar, a coluna doer, o colesterol aumentar. A imagem no espelho irá se alterar gradativamente e perderemos estatura, lábios e cabelos. A boa notícia é que a alma pode permanecer com o humor dos dez, o viço dos vinte e o erotismo dos trinta anos. O segredo não é reformar por fora. É, acima de tudo, renovar a mobília interior: tirar o pó, dar brilho, trocar o estofado, abrir as janelas, arejar o ambiente. Porque o tempo, invariavelmente, irá corroer o exterior. E, quando ocorrer, o alicerce precisa estar forte para suportar. Erótica é a alma que se diverte, que se perdoa, que ri de si mesma e faz as pazes com sua história. Que usa a espontaneidade pra ser sensual, que se despe de preconceitos, intolerâncias, desafetos. Erótica é a alma que aceita a passagem do tempo com leveza e conserva o bom humor apesar dos vincos em torno dos olhos e o código de barras acima dos lábios. Erótica é a alma que não esconde seus defeitos, que não se culpa pela passagem do tempo. Erótica é a alma que aceita suas dores, atravessa seu deserto e ama sem pudores. Aprenda: bisturi algum vai dar conta do buraco de uma alma negligenciada anos a fio. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

 

UMA REVOLTAQuando o amor é grande demais torna-se inútil: já não é mais aplicável, e nem a pessoa amada tem a capacidade de receber tanto. Fico perplexa como uma criança ao notar que mesmo no amor tem-se que ter bom-senso e medida. Ah, a vida dos sentimentos é extremamente burguesa. Texto extraído da coleção Clarice Lispector: crônica para jovens (4 vols., Rocco, 2011), da escritora e jornalista Clarice Lispector (Chaya Pinkhasivna Lispector – 1920-1977). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

 

A CRISE CLIMÁTICA NÃO EXISTE NO VÁCUO - [...] Cada coisa linda que vejo é como um triste lembrete de tudo o que estamos perdendo. É doloroso porque você sabe que está indo embora. [...] Sempre foi uma realidade aterrorizante para mim, algo pairando sobre toda a minha vida. [...] Eu vejo um lugar bonito, mas é agridoce porque está sendo destruído e não vai estar lá quando eu crescer. [...]. Trecho da entrevista (BBC/LifeGate Daily, 2019), concedida pela ativista climática estadunidense Jamie Margolin.

 

ARTE NA ESCOLA:

NÓS CRIAMOS O MUNDO, SÓ ESQUECERAM DE CONTAR.

Numa iniciativa das professoras Fátima Portela e Luciana Flávia, os alunos do 6º ao 9º, da Escola CAIC José do Rego Maciel, de Palmares (PE), apresentaram no último dia 27 de novembro, a culminância do projeto Afro-Indígena, com a temática “Nós criamos o mundo, só esqueceram de contar”.  A exposição contou com apresentações da linha do tempo com a história e arte afro-indígena, leituras, capoeira e um destaque para a obra Quarto de Pensão, da escritora Carolina Maria de Jesus. Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.

&

VERNISSAGE RICARDO BERTACIN AIDAR

Ocorreu neste domingo, 07 de dezembro, a abertura no Espaço RGAOBE – Arte Ofício e Bem Estar, em São Paulo, da vernissagem do artista plástico e engenheiro civil Ricardo Bertacin Aidar. Ele participou com suas obras da publicação Dareladas (CriaArt, 2024), é integrante do Gentamiga Ateliê (SP) e participa da plataforma Ubqub (SP). Veja mais aqui, aqui & aqui.

 

ITINERARTE – COLETIVO ARTEVISTA MULTIDESBRAVADOR:

Veja mais sobre MJ Produções, Gabinete de Arte & Amigos da Biblioteca aqui.

 


segunda-feira, dezembro 01, 2025

ROSA MECHIÇO, ČHIRANAN PITPREECHA, ALYSON NOEL, INDÍGENAS & DITADURA MILITAR

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som de Uma Antologia do Violão Feminino Brasileiro (Sesc Consolação, 2025), da violonista, cantora, compositora e arranjadora Helô Ferreira. Ela é bacharela e mestre em violão, produtora do Samba das Mulheres e do Festival Cancioneiras: Música Feminina em Primeira Pessoa, além de consultora do Instituto OuvirAtivo.

 

De festa em tragédia se desfaz e refaz... – Era dia de boi do barão, o mais festivo de Alagoinhanduba, eructação extravagante do bafo pros pipocos louvadores do maioral arrojado. Não só, girândolas de atrativos demorados, mais de semana no giro de roda gigante, montanha russa, tobogãs, escorregos, barcaças, tiro ao alvo, barracas de fogos e jogos, artistas variados no palanque e, embaixo, o desfile vistoso de curau do muito com domingueira nos trinques, dentes no quarador de bumba-meu-boi, mesuras adiantadas pra matuta bonita dos olhos vivos nas tranças de sonsa: Roda a saia, fulô, pro aroma do amor. De todo canto, caravanas; comitivas das lonjuras mais ignotas. Era gente como a praga! Chega dava gosto de ver, maior arrocho, entre transeuntes de fisionomia ignorada. Zeca Biu mesmo queria era se aproveitar dos muitos festejos, dava uma de vaqueiro aos traques para render o Espácio, tudo no faz de conta, peido-de-véia nos cascos do que foi Surubim, batia pé no Rabicho da Geralda, ou vaias pro Mão-de-pau, danças do Boi-Barroso que não tolerava apartação, nem vaquejada; e o mimoso Pintadinho na queda de rabo da mucica ou de vara pra virar o mocotó e o pescoço quebrado: Hê, Zebedeu, ô boi do cu cagado! Aboio do tanto pro ABC do Boi Prata, aplausos pra décima do Bico Branco, claque convocada pro romance do Boi Liso, qual boi-de-mamão, se passando por calemba, de fita ou de reis, ou vai na-vara quem não foi boi-santo, o zebu Mansinho do Padre Cícero; e praquele que morreu na boiada, mandava logo buscar outro lá no Piauí, pra festa de solfas e gestas, no meio dum feixe de capim verde, jogado num roçado qualquer pra ouvir aqueles da conversa de Rosa. Um primor de variedades. De repente, maior rebuliço! O que foi? Corre! E pé na bunda, saia na cabeça, zigue-zague, puxavanques, barruada de fuças, pernas enganchadas, a roda virou e girou os assustados, correria em todas as direções. A confusão exorbitou de quase ninguém sair do lugar, travados de pavor. O pânico formou alarido, assombrados metiam-se dentro de loca que fosse escapando do obnóxio. Esconderijos impossíveis arranjados na hora, escondidos no desembesto. Que droga é nove? Trancados e trêmulos, onde estavam apavorados, nem podiam sequer falar, nem se entendiam. Zeca Biu coração saindo pela boca, tremia mais que vara verde, os dentes chacoalhavam no queixo. Via-se gente desmaiando, morto carregando vivo, todos na carreira pra se abrigar, menino que perdeu os pais, mulher à procura do marido, quem perdeu a fé desgraçado, quem escafedeu de nunca mais voltar, quem perdeu a coragem paralisado, quem perdeu o norte e se desencontrou, quem cegou de vez, ou emudecia pra sempre, ou endoidava, como se safar daquela tragédia, um escarcéu. Oxe! O que foi? Não viu o boi brabo da venta fumaçando? Quem viu nada não. Balbuciou-se: Será a volta do feroz Jauaraicica que saiu do remoinho do Uirapiá? Danou-se! Cadê um vaqueiro bom nessa hora? Era. Tanger como? Perigava era mais penar. Parece mais o touro de Pasifae! Vixe! Isso é peta! Quem não soubera da fúria majestosa dum bicho desse pelos arredores, hem? Mesmo. E agora? O desencontro tamanho de nem darem fé de armas, espingardas, rifles, pistolas, garruchas que espoletas, pólvoras, coisas do tipo: Cadê moral pra mira? Brabo perdia a homência ofendendo a coragem com o serviço efetivo de dar cabo daquela rumorosa situação vexatória; certificava-se a frouxidão, o que de enorme se fizera. Isso não tem cabimento! O povo amuava. Alguém afirmou solene e saiu: É Ápis! Quem? Um boi endemoninhado! Como assim? Oxe, o cara foi lá no boi! Quem é esse lelé? Eis que um incipiente anônimo discípulo do doutor Zé Gulu esclareceu respostante: É Apolônio. O marido da Maria Biruteia? Não, o de Tiana. Ficou no mesmo, nunca vi mais gordo! Parece mais um metido a Jesus! Pois é, o mundo é muito grande para um único salvador... Essa é boa, conta outra! Ora, vamos tomar pé da situação, gente! E quem é esse tal de Ápis tão brabo? Um deus egípcio associado com Ptah e que personifica a Terra! Entendi nada, de novo. Como é que é? Simboliza a vida e a morte, era venerado em Mênfis! Pronto. Conversa! Pelo jeito quer matar a gente tudinho! Será? E tem muitos outros nomes! E quem és tu, cara pálida falador? George de Wells. Quem? Deixa pra lá, ouça! Num pode! Veja! E o medo virou curiosidade e, desta, expectativa: O que vai fazer aquele embirutado ali? Ouve-se um berrante, o boi se aquieta diante da presença daquele estranho: O boi sentou-se sobre o silêncio de Deus... Pronto, agora é o Touro Sentado. Chi! Silêncio. E explicou a cena: Apascentou a fera. Vixe! E era hora vagarosa, o barbatão moroso, os chifres retiniam afoiceados, o focinho estremecedor, o mugido trovejado, bulia as ventas estarrecedor, afinal refestelava com aquele que parecia domá-lo, estalando os dedos e, ambos, pareciam numa amizade antiga e tomaram apaziguada direção de sumirem por léguas. Aaaaaaahhhhhhh! Aos poucos cabeças apareciam às portas que se abriam furtivas, janelas escancaravam com esmaecidas luzes acesas, conversagens, remoques, corajosos atrasados e o converseiro tomou conta: havia quem quisesse pegar aquele que escapava de todas as emboscadas, não temia nem vaqueiro nem cavalo, mas cadê coragem? Daria um bom repasto! Heresia! Oxe! Quem não quer? Aquele porte, que lombo! Sequiosos, lambiam os beiços: o coração, fígado, os quartos, saborosos. E queriam o sebo pra temperar feijão e fazer sabão; queriam o couro vacum pra fazer surrão e carregar farinha; queriam a língua fritada pros comensais; queriam os miolos pruma panelada, os cascos pra canoa, os olhos pro botão das casacas, os chifres para colher temperar banquetes, as costelas pro cavador de cacimbas, as canelas pra mão pisar milho, a pá pra tamborete, o rabo pra bastão nas mãos das velhas, o esterco pra estrume embelezar florada, a baba pra remédio, os pelos pra amuleto, a urina pra remédios, o sangue pra cabidela, o nome pras gestas e solfas e o resto que sobrasse pras relíquias de sortilégios do beato Zé Lourenço. E depois colocar um boi Ápis de barro numa manjedoura encantada pros milagres cotidianos. Doer de bicho é graça! Desalmado, o boi também é gente, também sofre o sentimento. Os temores se dissipavam, ressabiados iam íntimos pras suas casas. Foram então surpreendidos pelos retardatários capangas do barão à caça do fabuloso boi, agora já era tarde. Zeca Biu ainda tomado pelo susto, seguia mais que impressionado, a ponto de não conseguir pregar os olhos: a imagem viva do perigo e a desgraça de quase morrer. Cochilava aos sobressaltos, com pesadelos recorrentes. Passou a noite dorminhoco, assaltado pela ameaça dum ataque, de ver o dia amanhecer e não dormir quase nada. Enfim, despertou sonolento, ainda tomado pelo susto. Abriu a porta e fez menção de ir pro quintal, cismou, bateu os pés e paralisou aterrorizado: o boi estava lá, entre os seus tantos outros bichos, maior intimidade. E agora? Até mais ver.

 

Florbela Espanca: O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais, há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesmo compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que se não sente bem onde está, que tem saudades... sei lá de quê!... Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

Willa Cather: Os tolos acreditam que ser sincero é fácil; só o artista, o grande artista, sabe o quão difícil é... Há coisas que se aprendem melhor na calmaria e outras na tempestade... Os mortos bem que poderiam tentar falar com os vivos, assim como os velhos com os jovens... Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.

Camille Claudel: Caí num abismo. Vivo num mundo tão curioso, tão estranho. Do sonho que era a minha vida, isto é o meu pesadelo... Há sempre alguma coisa que falta e que me atormenta... Não quero dizer nada porque sei que não posso protegê-lo do mal que vejo... Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

 

A REBELDIA DE UMA FLOR

Imagem: Acervo ArtLAM.

A mulher tem duas mãos \ Agarrar com força a essência da vida \ Os tendões retorcidos são dilacerados pelo trabalho. \ Não se enfeitando com sedas brilhantes. \ A mulher tem dois pés. \ Para alcançar seus sonhos, \ Para permanecermos unidos, firmes \ Não se alimentar do trabalho alheio. \ A mulher tem olhos \ Em busca de uma nova vida. \ Para olhar para longe, através da Terra. \ Não lançar olhares amorosos em tom de flerte. \ Mulher de coração, \ Uma chama constante \ Aumentar a força, criar uma massa, \ Porque ela, ela é uma pessoa. \ A mulher tem uma vida. \ Apagar os vestígios do mal com a razão. \ Ela tem valor como pessoa livre. \ Não como servo da luxúria. \ Uma flor tem espinhos afiados. \ Não desabrochando para um admirador \ Ela floresce para criar \ A glória da terra.

Poema da premiada poeta e feminista tailandesa Čhiranan Pitpreecha (Čhiranan Prasertkul ou Phitprīchā).

 

EM BUSCA DA ETERNIDADE – [...] Fico impressionada com o fato de que o que antes parecia uma revelação devastadora e transformadora agora é apenas mais um evento infeliz em uma longa série deles. O tempo e a clareza têm o poder de suavizar as arestas. [...] Às vezes, a explicação mais simples é aquela que está bem na sua frente. [...] O amor não te enlouquece. Não é drama, caos e insegurança. Não quando é verdadeiro. O amor é ancorador, curador, a força mais estabilizadora do mundo. [...]. Trechos extraídos da obra Chasing Eternity (Entangled Publishing, LLC, 2024), da escritora estadunidense Alyson Noel, que na sua obra Ruling Destiny (Entangled Publishing, LLC 2023), ela expressou que: […] Não importa o que nos separe — oceanos, continentes ou até mesmo o próprio tempo — sempre encontraremos o caminho de volta um para o outro. [...] Ao longo da história, são os inconformistas que realmente desbravam o mundo em seu tempo. [...] Homens fracos sempre foram aterrorizados pelo poder inato das mulheres fortes — de todas as mulheres, na verdade. E mulheres que temem seu próprio poder sempre apoiaram esses mesmos homens fracos. Um ciclo vicioso. [...]. Também noutro de seus livros, o Stealing Infinity (Entangled: Teen, 2022), ela menciona que: […] A combinação inebriante de extremo conforto e luxo, aliada à monotonia da rotina, faz com que os dias se misturem tão perfeitamente que é fácil esquecer a que mundo realmente pertenço. [...]. Ela é autora de obras como Saving Zoë (2019), Dark Flame (2010), Evermore (2009), Blue Moon (2009) e Shadowland (2009). Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.

 

A BANALIZAÇÃO DA VIDA HUMANA - [...] por que será que se banaliza a vida humana? Por qual razão os homens optam pela violência para reivindicar o que quer que seja ao invés de optarem pela via do diálogo e consenso? O que move e/ou motiva um ser humano a tirar a vida de outro humano? Por que Deus, sendo um Deus Bondoso, Omnipotente, e com todos os atributos belos que tem, conforme os meus pais e os catequistas me ensinavam, permite ou deixa que tais atrocidades aconteçam? Por que será que um Deus Justo consente tanta injustiça sobre os inocentes? Por que será que ele, sendo um Deus Bom, fez homens bons e dobem e, de modo igual, em contrapartida, homens maus, adeptos do mal e, em função disso, impendiosos? O que impede que os homens vivam em paz e em harmonia uns com os outros? Qual será a raiz da maldade e da violência existente no interior do homem e, por conseguinte, no mundo? Se sou ensinada que Deus fez-nos (criou-nos) à sua imagem e semelhança será que, pelo facto de existirem homens bons e maus, ele também é, simultaneamente, bom e mau, bondoso e maldoso, justiceiro e vingativo? Afinal quem é esse Deus, ou que Deus é esse, tão poderoso, que admite e/ou autoriza os maus a tomarem conta dos bons, que permite que a maldade (o mal e o mau) prevaleça sobre a bondade (bem e bom) e não o contrário? Será por isso que, após a morte, existe o paraíso como recompensa para os bons e o inferno como castigo para os maus? Estas e outras questões, de forma recorrente, atravessavam o meu juízo, se quisermos pensamentos e, de certo modo, pelo facto de, intrinsecamente, constituírem uma preocupação, sobretudo pela incapacidade de, na altura, poder ter ou dar uma resposta cabal às mesmas, mais do que me interessavam, lamentavelmente, acabavam sufocando e perturbando o meu juízo. Talvez, no fundo, o que realmente me interessava era que nós, o povo moçambicano, vivêssemos em paz e harmonia. Era o fim da guerra. Era, mais do que a possibilidade, a necessidade premente de termos uma vida digna, uma vida isenta de todo o tipo de escassez. [...] Cada país subdesenvolvido/pobre assume uma função produtiva. Os subdesenvolvidos ficam responsáveis com a parte de produção sem muito valor agregado e os desenvolvidos/ricos ficam responsáveis pela marca, montagem e venda do produto e com o lucro final, que é a “maior parte do bolo”. Assim, seria oportuno notarem (os estudantes) que este panorama marcou o início das transnacionais, cuja sede é, por via de regra, estabelecida no país rico e as filiais, quase sempre, nos países pobres. O país rico somente tem o controle da economia e da indústria. É a hegemonia globalizada. [...] Trechos da entrevista Relatos de uma Filósofa: Entrevista com Rosa Mechiço (Abatirá - Revista de Ciências Humanas e Linguagens, 2021), concedida pela filósofa e professora moçambicana Rosa Mechiço.

 

INDÍGENAS & DITADURA MILITAR

O livro Indígenas e ditadura: crimes e corrupção no SPI e na FUNAI (Telha, 2024), do historiador e professor da Rede Estadual de Pernambuco, Rodrigo Lins Barbosa, é a continuidade dos estudos realizados para a dissertação de mestrado O Estado e a questão indígena: crimes e corrupção no SPI e na FUNAI (1964-1969) (UFPE,2016), na qual trata sobre a política indigenista no Serviço de Proteção aos Índios, o governo militar e a questão indígena, a violência contra indígenas e corrupção no SPI e na FUNAI, concluindo que: [...] os crimes contidos no extenso Relatório Figueiredo, que se situa em torno dos 20 anos finais do SPI, envolvendo a existência de casos de abandono e de violência contra indígenas em várias regiões do Brasil, principalmente, na Amazônia e no Centro-Oeste. Observamos que os indígenas, muitas vezes, resistiram na defesa de suas terras contra fazendeiros, seringueiros, grileiros, garimpeiros, madeireiros e à instalação de empresas seringalistas, mineradoras e madeireiras. Entre os casos, nos chama à atenção a existência de funcionários e diretores do SPI que se omitiram aos casos de violência e invasões em terras indígenas, sendo coniventes e até participantes das negociações e delitos. [...] Casos de violências contra índios ocorreram ao mesmo tempo do avanço das frentes de expansão nas regiões da Amazônia e do Centro-Oeste, observando várias formas de usurpação e exploração das terras indígenas. Algo que provocaria mudanças drásticas nos modos de vida e na cultura dos índios [...] as violências contra indígenas existiram e continuam existindo independente se o governo tem uma postura ditatorial ou democrática, porque os interesses econômicos sempre tem se sobressaído aos Direitos e garantias desses povos, que almejam viver em suas terras e manterem seus costumes. Os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade tiveram o papel de trazer para a visibilidade estas “violações de direitos humanos por agentes do Estado na repressão aos opositores”. Cabe ao Estado apurar as denúncias e investigar os casos de violências, em especial, às comunidades e indivíduos indígenas, mas não apenas a esses, bem como às pessoas mortas porque recusavam os ditames negligentes, repressivos e autoritários do Governo Militar, coadunado com os interesses das corporações agroindustriais. No Brasil, as questões econômicas sempre influenciaram a realidade dos povos indígenas, por interesses de fazendeiros, seringalistas, grileiros, empresas mineradoras, madeireiras, bem como políticos e o próprio Estado com a implantação de projetos governamentais, como a recente construção da Hidrelétrica Belo Monte que, se concluída, além de trazer danos ambientais, como a inundação das matas com o desvio do rio Xingu, e a escassez de animais nativos para a caça e a pesca das populações locais que sobrevivem da terra, mas também o desalojamento de comunidades pertencentes à terra. No momento, a Hidrelétrica Belo Monte está sendo debatida e criticada por ambientalistas, antropólogos, promotores públicos e pelos índios. [...]. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

 

&

USINA DE ARTE

Veja mais aqui.

 

ITINERARTE – COLETIVO ARTEVISTA MULTIDESBRAVADOR:

Veja mais sobre MJ Produções, Gabinete de Arte & Amigos da Biblioteca aqui.


 


domingo, novembro 23, 2025

CONCEIÇÃO EVARISTO, PIEDAD BONNETT, ANITA PRESTES & ARTE AFRO NA ESCOLA

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som de J. Brahms: Symphony n.4 in E minor Op. 98 (Teatro B32 -SP, 2025) & Mozart: Piano Concerto n.23, K. 488 (Anfiteatro Camargo Guarnieri USP, 2023), com a SP Chamber Orchestra, sob a regência da maestra e pianista Giovanna Elias.

 

Fábula em ata: o doce com gosto de guarda-chuva velho no paladar... - Quando padre Quiba pisou pela primeira vez o chão de Alagoinhanduba, logo foi embalado por uma revelação feita visagem que julgou premonitória: teve a convicção de que ali estava o local para sua ascensão aos céus. Ficou inebriado ao visualizar claramente seu próprio nome inscrito na hagiografia celestial, como um recipiendário escolhido e santificado pela hagiologia sagrada, no panteão da hierarquia católica. O devaneio era mais que real e via-se nitidamente ocupando a santa ceia, ao lado direito de Deus e à esquerda da santa Maria, com Jesus do outro lado. Impava de satisfação ao prever ali o monsenhor que seria além de protonotário apostólico: o prelado de honra de sua santidade, ou até mesmo capelão, ou quem sabe cônego, realizando o sonho de ser um presbítero que logo chegaria a vigário-geral, alcançaria o episcopado para posar de bispo numa diocese para chamar de sua; e dela galgar para arcebispo e ser um primaz, um patriarca e cardeal, até se tornar: o papa Quiba I, o dono da porratoda do clero. Eita! Chega ofegava de empáfia, levitando na quimera de realizar prodígios de repartir bênçãos e fabulosas riquezas entre todos. Não previa ele, evidentemente, catombos pelo caminho, claro. E logo o primeiro: foi surpreendido já na chegada pela recepção calorosa da irmã Eufêmia. Vixe! Um despropósito: deu-lhe na hora um arrepio de ficar paralisado diante daqueles olhos graúdos mimosos, aqueles lábios formosos naquela boca bem talhada, a pele sedosa, a fala mansa, minha nossa! Cruz-credo! Viu-se tomado por um prurido que lhe subiu pelas pernas e explodiu numa agonia pélvica incontida. Valha-me, Deus! Que é que é isso? Viagem longa, dissimulou; mas por dentro: Isso é um pedaço de mau caminho, valei-me! Julgara coisa de mil demônios num só ser a consumi-lo de uma sarna da moléstia. Recuperou-se do mal estar e, com um pé na frente e outro atrás, desconfiado e aos tropicões, ele foi levado pela generosíssima sóror à casa paroquial, local em que era aguardado por séquito de fiéis pendurados por todo ambiente, com regabofe suntuoso e festivo, de vivas e salves. Foi surpreendido e vibrava porque tudo aquilo convalidava sua fantasia, tudo a favor e se enchia de ar, levando corda com os aplausos e louvações. Na hora do discurso, ele estava tão eufórico – não era pra menos, sabia, havia chegada a sua vez! -, ao abrir a boca para abafar idolatrado e segurando o microfone na maior pregação, tinha tanto pra dizer entusiasmado e repetiu seu nome diversas vezes, Quiba Quiou, e engasgou-se, enrolou a língua, arregalou os olhos e quase aos gritos de tão arrebatado, despencou de vez aos prantos: Nunca fui tão bem tratado na minha vida! Óóóóóóóó! Só se recompôs disso uns cinco ou seis meses depois, a ficha foi caindo e tomou pé da situação ao tombar num monte de quebra-molas, um em cima do outro, tome catabi. Danou-se! Ih, a coisa começava a catingar na trepidação. Partiu ineivado aos solavancos e, como não era lá muito achegado a monges e frades, fossem beneditinos, dominicanos, jerônimos ou mesmo basilianos, muito menos com franciscanos, salesianos ou scalabrinianos, deu logo um chega-pra-lá! Pronto, faxina feita! Menos um. Seu negócio mesmo era com as freiras e seria a partir delas que faria dali uma cidade cristã por excelência, aspirando domínio total sobre os fiéis e, assim, o levariam, indubitavelmente, à redenção da glória venerada. Procurou intimidade com elas, quando deparou com outro óbice: Quem é esse? Ah, esse é o nosso Bidião, o coroinha – Consigo repugnou: Ah, o cheleléu das freiras! Ô cabra de pêia! Gostou disso não: Isso é um desaforo! E com o tempo teve justificada sua antipatia, tendo de engolir indigestos ossos, caroços, amargores, purgantes e pedras inchadas de tão repugnantes, tudo atravessado goela abaixo. A coisa começou mesmo de véspera e foi tangendo tudo pras colisões que sucederam com o sacristão. De primeira: As poltronas da Marocas - A vida imita a arte! Logo o auxiliar que já não era lá bem quisto que se diga, passou a ser tratado por hagiômaco, quando não néscio ou parvo: Isso é um desgraçado! Nem foram superadas as primeiras intrigas, um novo escarcéu medonho inchou de mesmo: o padroeiro da cidade! Isso é um vitupério! E o pároco partiu pra cima do assessor, quando outro estouro estilhaçou e não conseguiu segurar a espoletada: Os milagres de Gideão! Isso é embuste do anticristo! Mas a coisa pegou de juntar gente pro fuxico, da bola dele murchar de tanto se espremer: Que asco! Mal teve fôlego para se restabelecer direito e outra cipoada lascou fedendo: a hagiomaquia do Zebedeu! Será o Benedito? Foi o ponto alto e fedeu, aí: fodeu tudo! É a besta-fera! Bastava ouvir alguém mencionar ou ele mesmo dar de cara com o nome de Bidião, que tinha logo um troço incontrolável e se danava a dar logo um sinal quiasmático de desaprovação: Esse abominável! E agitava o bastão inseparável que carregava consigo, o Calígula, prometendo pisas bem dadas nas costelas do malcriado: Vai ver! A coisa chegou ao ponto máximo na temperatura, quando soube que falavam da burrinha que ele arrastava pronde fosse: diziam que era um jumento. Como? Aí enfureceu-se de quase revolver-se dentro da batina, movendo céus e infernos, vociferando: Vou capar esse safado e excomungá-lo de vez! Oxe! As irmãs caíram em pânico e acharam por bem poupar o afilhado: providenciaram traslado e manutenção eterna longe dali. Cadê-lo? Quem? O salafrário? Alistou-se no serviço militar. Ainda pego aquele fi-duma-égua, ah, se pego! Esse esconjurado ainda me paga! O seu lugar está garantido nos quintos dos infernos, cheleléu! Benzodeus! Pax tecum! Aí as pinguins se perfilaram clementes ao seu redor e, para acalmá-lo encheram-no de ocupações que o fizeram sonhar de novo, como no primeiro dia que ali chegou, esquecendo os percalços que desnortearam até então. Com as sugestivas contribuições delas, logo ele retomou com afinco os seus propósitos superiores. Vexou-se cismado, pois, dizia ver as inteiras coisas ocultas e, de antemão, cheio-de-não-me-digas, estreitou convívio às risadagens com as beatas mais achegadas e outras aliadas pro seu plantel. E como passou a ver o capeta por todo canto e coisas, botou gosto ruim nas saias e decotes das moças e senhoras, passou a visitar rearrumando enfermos e apenados, mudou o fardamento das escolas, definiu o horário e o montante das esmolas, escolhia os pretendentes e maridos pras solteiras e viúvas desimpedidas, organizava a fila de cegos, aleijados, enfermos, precisados e até ufanos abastados para receberem a hóstia consagrada; determinou a criação dum conselho de orações perenes de manhã, de tarde e de noite na igreja, pelas casas, rua afora, todo mundo no rosário, como um apostolado para quem comprasse títulos de sócios do santuário ou adquirentes dos cargos e das indulgências dispostas para abrir as portas do paraíso, enquanto aplicava benzeduras, penitências, cânticos e orações; definia quem seria admitido para integrar os peregrinos de santas e santos – Quem der mais, tá dentro! -, a hora e o preço dos batizados, o dia das novenas, o sacramento dos casórios, as procissões, os benditos diários, as confissões regulares – aliás, as confissões é que eram seu álibi, sabia, cavilava. Suas pregações levaram-no a realizar procissões meia-noite em ponto, saindo da capela do cemitério e percorrendo todos os logradouros da localidade, findando ao amanhecer do dia, prum brevíssimo descanso, mera cochilada  e retomava probo logo todo santo dia, de segunda a domingo, ininterruptamente, sob argumento ameaçador: O céu é inacessível! Prometia o purgatório: O peso do pecado é enorme. Só entraria no céu quem desse uma joia e comprasse não sei quantos frascos de água-benta, um tanto de litros da garrafada, caixas de licores e vinhos, crucifixos, broches, amuletos e brebotes vários, tudo por ele fabricado para salvação de sua gente e manutenção da paróquia. Afora isso, vendia e trocava de tudo, quando não chantageava uma ou outro empancando suas resoluções. E vangloriava-se do tanto que fez e mais fará para não sei quantos moribundos, quantas almas pecadoras veladas foram e seriam ainda salvas por sua intervenção, e se metia no ofício das trevas, maldizendo de gente despeitada - catimbozeiros, xangozeiros, crente evangélico, espírita e falsos profetas, arreda escoria funesta do fim do mundo! E providenciava as quatro festas do ano e que duravam meses, desde a Folia de Reis até o pastoril do Natal pro Ano Novo: Aqui é pra louvar Deus todo dia e o ano todo! E virava a noite insone a rondar pelos quatro cantos da cidade com suas visitas inicialmente bem-vindas e, com o tempo, passaram a inoportunas no café da manhã, no lanche das 10, no almoço, nos petiscos da tarde, na ceia e na hora de pegar no sono, lá estava ele suspendendo casais no vucovuco, com o sermão de que sexo era só pra reprodução e, armado do crucifixo afugentava o demônio e exigia mil rezas de joelhos e ele ali conferindo o cumprimento inarredável: - Esse homem num dorme não é? Fala baixo, ele vive no ar direto feito cantiga de grilo! Santa paciência! Tornou-se assim vigilante da fé fazendo serão todo dia, sempre de plantão e, invariavelmente, de sopetão flagrava deslizes, beijos insolentes, mãos bobas no cós das saias, agarramentos afetados e inferninhos que combatia todo diverso e ardido da fúria. E se achasse uma alma doida, sacudia água benta e aplicava exorcismo persignando-se a obrigar todos os presentes arrodearem a endemoninhada para acuá-la com remelexos de varar a madrugada por uns três dias encarreados e sem bater pestana. Quando não era isso e, como o cemitério era limítrofe com o baixo meretrício, convocava todos numa vigília diuturna barrando os que quisessem passar pros chambregos pecaminosos ou quem ousasse pular o muro pego no flagra. E mais: por conta de seu inexorável capricho, ganhou vasta titulatura antipática nos cochichos secretos dos fiéis: Empata-foda, Boca-de-ponche, Trinca-colhão, Missionário entrão, Má-notícia, Sá-porra-afoita, e como invariavelmente inchava com uma prisão de ventre eterna, vez em sempre aliviava-se soltando uns peidinhos nababescos, de deixar todo mundo inturido por anos: Eita, cu-fedorento da praga! Isso pega, cagão-besta-fera! Ninguém aguentava mais e ele, todo adiantado, nem se dava conta de que caía nas graças e desgraças do povo, de quase ninguém mesmo nem mais se lixar pra sua presença folclórica, cortando caminho, evitando-o, dele beiço dobrado, bicudo, escorado choramiando: Ih, acabou-se o que era doce, parece! Até mais ver.

 

Duília de Mello: Começamos a ver o Universo como nunca tínhamos visto antes... O futuro é agora!... Veja mais aqui, aqui & aqui.

Anne Rice: Temos medo do que nos faz diferentes... O mundo não precisa de mais mediocridade ou apostas protegidas... Veja mais aqui, aqui & aqui.

Charlaine Harris: Há anos vivo à beira da loucura. Sou rápida e precisa em identificar instabilidades em outras pessoas... Sou autodidata e aprendi através de livros de gênero... Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

 

DO FOGO QUE EM MIM ARDE

Imagem: Acervo ArtLAM.

Sim, eu trago o fogo, \ o outro, \ não aquele que te apraz. \ Ele queima sim, \ é chama voraz \ que derrete o bivo de teu pincel \ incendiando até às cinzas \ O desejo-desenho que fazes de mim. \ Sim, eu trago o fogo, \ o outro, \ aquele que me faz, \ e que molda a dura pena \ de minha escrita. \ é este o fogo, \ o meu, o que me arde \ e cunha a minha face \ na letra desenho \ do autorretrato meu.

Poema da escritora e linguista Conceição Evaristo (Maria da Conceição Evaristo de Brito), que é autora dos romances: Ponciá Vicêncio (2003), Becos da Memória (2006) e Canção para Ninar Menino Grande (2022) e do livro Poemas da recordação e outros movimentos (2017), entre outros. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

 

O QUE FAZER COM OS PEDAÇOS... - [...] Às vezes, a dor é elétrica. Como um choque que atravessa a carne. "Quanto, de zero a dez?", pergunta o médico em todas as consultas. "Às vezes cinco, às vezes sete, às vezes nove", ela responde, mas o que ela realmente quer dizer é nunca um, nunca dois, nunca menos que cinco. Sempre dor. Outras vezes, a dor é ardente, aguda. Como um prego quente. Ou profunda, como uma espátula raspando o osso. Mas ela parou de reclamar há muito tempo. Porque reclamar exige ouvidos, palavras, compaixão. E, em vez disso, encontra apenas silêncio, um gesto de irritação, uma acusação. Quando a dor é insuportável ou constante, ela nos isola. [...] Porque uma história — qualquer história — é algo que sempre vence o vazio, que cria um vínculo ou sustenta aquele que ainda existe. [...] Porque aos vinte anos, uma biblioteca é uma ilusão, aos quarenta um lugar de realização, e aos sessenta um lembrete constante de que a vida não será longa o suficiente para ler todos os livros. [...] Sim. Sempre há um "sim". Quando fechamos uma porta, quando nos viramos depois de dizer adeus, quando terminamos um trabalho que levou horas, meses ou anos, quando uma cortina se fecha. [...]. Trechos extraídos da obra Qué hacer con estos pedazos (Alfaguara, 2021), da poeta, professora e dramaturga colombiana Piedad Bonnett, autora de obras tais como Lo que no tiene nombre (2013) e Explicaciones no pedidas (2011). Veja mais aquí & aquí.

 

A LUTA CONTRA O CAPITALISMO - [...] A luta é longa e difícil. Não acho que o que está acontecendo hoje é repetição do passado. [...] A luta é longa, feita de vitórias e derrotas. Para ter vitória final, é demorado, complicado, tem muitos fatores, então eu acho que não foi nada em vão. Tudo isso são forças se acumulando dentro disso tudo, acontecendo derrotas também, não só a vitória. Por isso, às vezes, tem períodos longos que são de derrota, realmente. [...] A gente vê aí a polarização econômica, cada vez mais grupos trilionários acumulam a maior parte da riqueza produzida no mundo e as grandes massas trabalhadoras com dificuldades crescentes. [...] O capitalismo está em crise econômica, em primeiro lugar, mas não só. Crise política, social, quer dizer, as coisas não funcionam mais como funcionavam. Isso leva a uma desigualdade social crescente. São os trilionários acumulando riqueza gigantesca e as grandes massas populares cada vez com uma parcela reduzida do que se gera no mundo. [...] A burguesia mundial e a brasileira pagam muito bem seus intelectuais para produzir uma história falsificada. Isso não é só no Brasil, é no mundo inteiro. Isso não é só no Brasil, é no mundo inteiro. Quer dizer, a história oficial, que inclusive é apresentada às crianças nas escolas, uma grande parte é falsificação [...]. Trecho da entrevista (A União, 2025), concedida pela química, professora e historiadora Anita Prestes (Anita Leocádia Benário Prestes), que noutra entrevista (PCB, 2015), sobre Getúlio Vargas ela expressou: [...] Uns endeusam, outros atacam. A verdade é que o Getúlio Vargas foi uma figura muito complexa. Ocupou uma posição importante na história do Brasil do século XX e que deve ser avaliada nas suas condições. Ele era representante da elite brasileira. Entrou para a política porque fazia parte da oligarquia agrária do Rio Grande do Sul. Foi muito influenciado na década de 1930 por ideologias de caráter autoritário e fascista que estavam em ascensão no mundo. E, claro, foi o que serviu de base para atingir os objetivos propostos pelo grupo que ele representava. No entanto, a cabeça pensante do grupo era o general Pedro Aurélio de Góes Monteiro, criador da chamada doutrina Góes Monteiro, hoje pouco conhecida. O objetivo da doutrina era a reconstrução do Brasil a partir de um estado autoritário centralizador e corporativista. E foi o que colocaram em prática com a Revolução de 1930, chegando ao auge com o Estado Novo. Uma das promessas da doutrina era fazer com que o Estado desse um salto no processo de industrialização. Até 1930, tínhamos um país com indústrias leves. A partir dessa política, o Brasil começou a investir em indústrias pesadas, o que era muito importante para a defesa nacional. O Góes Monteiro viu isso também como um instrumento de combate às manifestações. Para criar um cenário favorável à industrialização, o governo estabeleceu um arrocho salarial e uma série de medidas prejudiciais a maior parte da população e benéfica ao desenvolvimento capitalista. Houve resistência dos setores populares e as insatisfações foram combatidas com bastante repressão. [...]. É autora dos livros Os militares e a Reação Republicana: As Origens do Tenentismo (1994), A Coluna Prestes (1997), Tenentismo pós-30: continuidade ou ruptura? (1999), Anos Tormentosos (2002), Olga Benário Prestes - uma comunista nos arquivos da Gestapo (2017) e Viver é tomar partido: memórias (2019), entre outros.

 

ARTE DA CONSCIÊNCIA NEGRA NA ESCOLA

Os alunos do 9º B e 8º C da Escola Caic, sob a supervisão da professora Fátima Portela, e os alunos do 7º ano A, da Escola Ivonete Ferreira Lins, sob orientação da professora Luciana Girlan, realizaram atividades de Arte Afro, por ocasião das comemorações do Dia da Consciência Negra, em Palmares (PE). Foram atividades de pinturas em telha, confecção de máscaras e pequenos quadros com a temática. Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.

 

ITINERARTE – COLETIVO ARTEVISTA MULTIDESBRAVADOR:

Veja mais sobre MJ Produções, Gabinete de Arte & Amigos da Biblioteca aqui.



 


ADÉLIA PRADO, CLARICE LISPECTOR, JAMIE MARGOLIN, RICARDO AIDAR & ARTE NA ESCOLA

    Imagem: Acervo ArtLAM . Nunca senti que ser mulher me tenha impedido de algo ou que tenha feito qualquer diferença... Tem muito a ver ...