Ao som de Uma Antologia do Violão Feminino
Brasileiro (Sesc Consolação, 2025), da violonista, cantora, compositora e
arranjadora Helô Ferreira. Ela é bacharela e mestre em violão, produtora
do Samba das Mulheres e do Festival Cancioneiras: Música Feminina em Primeira
Pessoa, além de consultora do Instituto OuvirAtivo.
De festa em
tragédia se desfaz e refaz... – Era dia de boi do barão, o mais festivo de
Alagoinhanduba, eructação extravagante do bafo pros pipocos louvadores
do maioral arrojado. Não só, girândolas de atrativos demorados, mais de semana no
giro de roda gigante, montanha russa, tobogãs, escorregos, barcaças, tiro ao
alvo, barracas de fogos e jogos, artistas variados no palanque e, embaixo, o desfile
vistoso de curau do muito com domingueira nos trinques, dentes no quarador de bumba-meu-boi,
mesuras adiantadas pra matuta bonita dos olhos vivos nas tranças de sonsa: Roda
a saia, fulô, pro aroma do amor. De todo canto, caravanas; comitivas das lonjuras
mais ignotas. Era gente como a praga! Chega dava gosto de ver, maior arrocho,
entre transeuntes de fisionomia ignorada. Zeca Biu mesmo queria era se aproveitar
dos muitos festejos, dava uma de vaqueiro aos traques para render o Espácio,
tudo no faz de conta, peido-de-véia nos cascos do que foi Surubim, batia pé no Rabicho da Geralda, ou vaias pro Mão-de-pau, danças do Boi-Barroso que não tolerava
apartação, nem vaquejada; e o mimoso Pintadinho na queda de rabo da mucica ou
de vara pra virar o mocotó e o pescoço quebrado: Hê, Zebedeu, ô boi do
cu cagado! Aboio do tanto pro ABC do Boi Prata, aplausos pra décima do Bico
Branco, claque convocada pro romance do Boi Liso, qual boi-de-mamão, se passando
por calemba, de fita ou de reis, ou vai na-vara quem não foi boi-santo, o zebu
Mansinho do Padre Cícero; e praquele que morreu na boiada, mandava logo buscar
outro lá no Piauí, pra festa de solfas e gestas, no meio dum feixe de capim
verde, jogado num roçado qualquer pra ouvir aqueles da conversa de Rosa.
Um primor de variedades. De repente, maior rebuliço! O que foi? Corre! E pé na
bunda, saia na cabeça, zigue-zague, puxavanques, barruada de fuças, pernas
enganchadas, a roda virou e girou os assustados, correria em todas as direções.
A confusão exorbitou de quase ninguém sair do lugar, travados de pavor. O pânico
formou alarido, assombrados metiam-se dentro de loca que fosse escapando do
obnóxio. Esconderijos impossíveis arranjados na hora, escondidos no desembesto.
Que droga é nove? Trancados e trêmulos, onde estavam apavorados, nem podiam
sequer falar, nem se entendiam. Zeca Biu coração saindo pela boca, tremia mais
que vara verde, os dentes chacoalhavam no queixo. Via-se gente desmaiando, morto
carregando vivo, todos na carreira pra se abrigar, menino que perdeu os pais,
mulher à procura do marido, quem perdeu a fé desgraçado, quem escafedeu de
nunca mais voltar, quem perdeu a coragem paralisado, quem perdeu o norte e se
desencontrou, quem cegou de vez, ou emudecia pra sempre, ou endoidava, como se
safar daquela tragédia, um escarcéu. Oxe! O que foi? Não viu o boi brabo da
venta fumaçando? Quem viu nada não. Balbuciou-se: Será a volta do feroz Jauaraicica
que saiu do remoinho do Uirapiá? Danou-se! Cadê um vaqueiro bom nessa hora? Era.
Tanger como? Perigava era mais penar. Parece mais o touro de Pasifae!
Vixe! Isso é peta! Quem não soubera da fúria majestosa dum bicho desse pelos arredores,
hem? Mesmo. E agora? O desencontro tamanho de nem darem fé de armas,
espingardas, rifles, pistolas, garruchas que espoletas, pólvoras, coisas do
tipo: Cadê moral pra mira? Brabo perdia a homência ofendendo a coragem com o
serviço efetivo de dar cabo daquela rumorosa situação vexatória; certificava-se
a frouxidão, o que de enorme se fizera. Isso não tem cabimento! O povo amuava. Alguém
afirmou solene e saiu: É Ápis! Quem? Um boi endemoninhado! Como assim? Oxe, o
cara foi lá no boi! Quem é esse lelé? Eis que um incipiente anônimo discípulo
do doutor Zé Gulu esclareceu respostante: É Apolônio. O marido da
Maria Biruteia? Não, o de Tiana. Ficou no mesmo, nunca vi mais gordo! Parece
mais um metido a Jesus! Pois é, o mundo é muito grande para um único salvador...
Essa é boa, conta outra! Ora, vamos tomar pé da situação, gente! E quem é esse
tal de Ápis tão brabo? Um deus egípcio associado com Ptah e que personifica a
Terra! Entendi nada, de novo. Como é que é? Simboliza a vida e a morte, era
venerado em Mênfis! Pronto. Conversa! Pelo jeito quer matar a gente tudinho! Será?
E tem muitos outros nomes! E quem és tu, cara pálida falador? George de Wells. Quem? Deixa pra lá, ouça! Num pode! Veja! E o medo virou curiosidade
e, desta, expectativa: O que vai fazer aquele embirutado ali? Ouve-se um
berrante, o boi se aquieta diante da presença daquele estranho: O boi sentou-se
sobre o silêncio de Deus... Pronto, agora é o Touro Sentado. Chi! Silêncio. E explicou a cena: Apascentou a fera. Vixe! E era hora vagarosa, o barbatão moroso, os
chifres retiniam afoiceados, o focinho estremecedor, o mugido trovejado, bulia
as ventas estarrecedor, afinal refestelava com aquele que parecia domá-lo, estalando
os dedos e, ambos, pareciam numa amizade antiga e tomaram apaziguada direção de
sumirem por léguas. Aaaaaaahhhhhhh! Aos poucos cabeças apareciam às portas que
se abriam furtivas, janelas escancaravam com esmaecidas luzes acesas, conversagens,
remoques, corajosos atrasados e o converseiro tomou conta: havia quem quisesse
pegar aquele que escapava de todas as emboscadas, não temia nem vaqueiro nem
cavalo, mas cadê coragem? Daria um bom repasto! Heresia! Oxe! Quem não quer? Aquele
porte, que lombo! Sequiosos, lambiam os beiços: o coração, fígado, os quartos, saborosos.
E queriam o sebo pra temperar feijão e fazer sabão; queriam o couro vacum pra
fazer surrão e carregar farinha; queriam a língua fritada pros comensais; queriam
os miolos pruma panelada, os cascos pra canoa, os olhos pro botão das casacas,
os chifres para colher temperar banquetes, as costelas pro cavador de cacimbas,
as canelas pra mão pisar milho, a pá pra tamborete, o rabo pra bastão nas mãos
das velhas, o esterco pra estrume embelezar florada, a baba pra remédio, os pelos
pra amuleto, a urina pra remédios, o sangue pra cabidela, o nome pras gestas e
solfas e o resto que sobrasse pras relíquias de sortilégios do beato Zé
Lourenço. E depois colocar um boi Ápis de barro numa manjedoura encantada pros milagres
cotidianos. Doer de bicho é graça! Desalmado, o boi também é gente, também
sofre o sentimento. Os temores se dissipavam, ressabiados iam íntimos pras suas
casas. Foram então surpreendidos pelos retardatários capangas do barão à caça
do fabuloso boi, agora já era tarde. Zeca Biu ainda tomado pelo susto, seguia
mais que impressionado, a ponto de não conseguir pregar os olhos: a imagem viva
do perigo e a desgraça de quase morrer. Cochilava aos sobressaltos, com pesadelos
recorrentes. Passou a noite dorminhoco, assaltado pela ameaça dum ataque, de
ver o dia amanhecer e não dormir quase nada. Enfim, despertou sonolento, ainda
tomado pelo susto. Abriu a porta e fez menção de ir pro quintal, cismou, bateu
os pés e paralisou aterrorizado: o boi estava lá, entre os seus tantos outros
bichos, maior intimidade. E agora? Até mais ver.
Florbela Espanca: O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais, há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesmo compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que se não sente bem onde está, que tem saudades... sei lá de quê!... Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.
Willa Cather:
Os tolos acreditam que ser
sincero é fácil; só o artista, o grande artista, sabe o quão difícil é... Há
coisas que se aprendem melhor na calmaria e outras na tempestade... Os mortos
bem que poderiam tentar falar com os vivos, assim como os velhos com os jovens... Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.
Camille Claudel: Caí num abismo. Vivo num mundo tão curioso, tão estranho. Do sonho que
era a minha vida, isto é o meu pesadelo... Há sempre alguma coisa que falta e
que me atormenta... Não quero dizer nada porque sei que não posso protegê-lo do
mal que vejo... Veja mais aqui, aqui,
aqui, aqui & aqui.
A REBELDIA DE UMA FLOR
Imagem: Acervo ArtLAM.
A mulher tem duas mãos \ Agarrar com força a
essência da vida \ Os tendões retorcidos são dilacerados pelo trabalho. \ Não
se enfeitando com sedas brilhantes. \ A mulher tem dois pés. \ Para alcançar
seus sonhos, \ Para permanecermos unidos, firmes \ Não se alimentar do trabalho
alheio. \ A mulher tem olhos \ Em busca de uma nova vida. \ Para olhar para
longe, através da Terra. \ Não lançar olhares amorosos em tom de flerte. \ Mulher
de coração, \ Uma chama constante \ Aumentar a força, criar uma massa, \ Porque
ela, ela é uma pessoa. \ A mulher tem uma vida. \ Apagar os vestígios do mal
com a razão. \ Ela tem valor como pessoa livre. \ Não como servo da luxúria. \ Uma
flor tem espinhos afiados. \ Não desabrochando para um admirador \ Ela floresce
para criar \ A glória da terra.
Poema da premiada poeta e feminista tailandesa Čhiranan
Pitpreecha (Čhiranan Prasertkul ou Phitprīchā).
EM BUSCA DA ETERNIDADE
– [...] Fico impressionada com o fato de que o que antes parecia
uma revelação devastadora e transformadora agora é apenas mais um evento
infeliz em uma longa série deles. O tempo e a clareza têm o poder de suavizar
as arestas. [...] Às vezes, a
explicação mais simples é aquela que está bem na sua frente. [...] O
amor não te enlouquece. Não é drama, caos e insegurança. Não quando é
verdadeiro. O amor é ancorador, curador, a força mais estabilizadora do mundo.
[...]. Trechos extraídos da obra Chasing Eternity (Entangled Publishing, LLC, 2024), da escritora
estadunidense Alyson Noel, que na sua obra Ruling Destiny (Entangled
Publishing, LLC 2023), ela expressou que: […] Não
importa o que nos separe — oceanos, continentes ou até mesmo o próprio tempo —
sempre encontraremos o caminho de volta um para o outro. [...] Ao longo da história, são os inconformistas que realmente
desbravam o mundo em seu tempo. [...] Homens fracos sempre foram
aterrorizados pelo poder inato das mulheres fortes — de todas as mulheres, na
verdade. E mulheres que temem seu próprio poder sempre apoiaram esses mesmos
homens fracos. Um ciclo vicioso. [...]. Também
noutro de seus livros, o Stealing Infinity (Entangled: Teen, 2022), ela
menciona que: […] A combinação inebriante de extremo
conforto e luxo, aliada à monotonia da rotina, faz com que os dias se misturem
tão perfeitamente que é fácil esquecer a que mundo realmente pertenço. [...].
Ela é autora de obras como Saving Zoë (2019), Dark Flame (2010), Evermore
(2009), Blue Moon (2009) e Shadowland (2009). Veja mais aqui,
aqui, aqui & aqui.
A BANALIZAÇÃO DA VIDA HUMANA - [...] por que será que se banaliza a
vida humana? Por qual razão os homens optam pela violência para reivindicar o
que quer que seja ao invés de optarem pela via do diálogo e consenso? O que
move e/ou motiva um ser humano a tirar a vida de outro humano? Por que Deus,
sendo um Deus Bondoso, Omnipotente, e com todos os atributos belos que tem,
conforme os meus pais e os catequistas me ensinavam, permite ou deixa que tais
atrocidades aconteçam? Por que será que um Deus Justo consente tanta injustiça
sobre os inocentes? Por que será que ele, sendo um Deus Bom, fez homens bons e
dobem e, de modo igual, em contrapartida, homens maus, adeptos do mal e, em
função disso, impendiosos? O que impede que os homens vivam em paz e em
harmonia uns com os outros? Qual será a raiz da maldade e da violência
existente no interior do homem e, por conseguinte, no mundo? Se sou ensinada
que Deus fez-nos (criou-nos) à sua imagem e semelhança será que, pelo facto de
existirem homens bons e maus, ele também é, simultaneamente, bom e mau, bondoso
e maldoso, justiceiro e vingativo? Afinal quem é esse Deus, ou que Deus é esse,
tão poderoso, que admite e/ou autoriza os maus a tomarem conta dos bons, que
permite que a maldade (o mal e o mau) prevaleça sobre a bondade (bem e bom) e
não o contrário? Será por isso que, após a morte, existe o paraíso como recompensa
para os bons e o inferno como castigo para os maus? Estas e outras questões, de
forma recorrente, atravessavam o meu juízo, se quisermos pensamentos e, de
certo modo, pelo facto de, intrinsecamente, constituírem uma preocupação,
sobretudo pela incapacidade de, na altura, poder ter ou dar uma resposta cabal
às mesmas, mais do que me interessavam, lamentavelmente, acabavam sufocando e
perturbando o meu juízo. Talvez, no fundo, o que realmente me interessava era
que nós, o povo moçambicano, vivêssemos em paz e harmonia. Era o fim da guerra.
Era, mais do que a possibilidade, a necessidade premente de termos uma vida
digna, uma vida isenta de todo o tipo de escassez.
[...] Cada país subdesenvolvido/pobre assume uma função produtiva. Os
subdesenvolvidos ficam responsáveis com a parte de produção sem muito valor
agregado e os desenvolvidos/ricos ficam responsáveis pela marca, montagem e
venda do produto e com o lucro final, que é a “maior parte do bolo”. Assim,
seria oportuno notarem (os estudantes) que este panorama marcou o início das
transnacionais, cuja sede é, por via de regra, estabelecida no país rico e as
filiais, quase sempre, nos países pobres. O país rico somente tem o controle da
economia e da indústria. É a hegemonia globalizada. [...] Trechos da
entrevista Relatos de uma Filósofa: Entrevista com Rosa Mechiço (Abatirá
- Revista de Ciências Humanas e Linguagens, 2021), concedida pela filósofa e
professora moçambicana Rosa Mechiço.
INDÍGENAS
& DITADURA MILITAR
O
livro Indígenas e ditadura: crimes e corrupção no SPI e na FUNAI (Telha,
2024), do historiador e professor da Rede Estadual de Pernambuco, Rodrigo
Lins Barbosa, é a continuidade dos estudos realizados para a dissertação de
mestrado O Estado e a questão indígena: crimes e corrupção no SPI e na FUNAI
(1964-1969) (UFPE,2016), na qual trata sobre a política indigenista no Serviço
de Proteção aos Índios, o governo militar e a questão indígena, a violência
contra indígenas e corrupção no SPI e na FUNAI, concluindo que: [...] os
crimes contidos no extenso Relatório Figueiredo, que se situa em torno dos 20 anos
finais do SPI, envolvendo a existência de casos de abandono e de violência
contra indígenas em várias regiões do Brasil, principalmente, na Amazônia e no
Centro-Oeste. Observamos que os indígenas, muitas vezes, resistiram na defesa
de suas terras contra fazendeiros, seringueiros, grileiros, garimpeiros,
madeireiros e à instalação de empresas seringalistas, mineradoras e
madeireiras. Entre os casos, nos chama à atenção a existência de funcionários e
diretores do SPI que se omitiram aos casos de violência e invasões em terras
indígenas, sendo coniventes e até participantes das negociações e delitos. [...]
Casos de violências contra índios ocorreram ao mesmo tempo do avanço das
frentes de expansão nas regiões da Amazônia e do Centro-Oeste, observando
várias formas de usurpação e exploração das terras indígenas. Algo que
provocaria mudanças drásticas nos modos de vida e na cultura dos índios [...]
as violências contra indígenas existiram e continuam existindo independente
se o governo tem uma postura ditatorial ou democrática, porque os interesses
econômicos sempre tem se sobressaído aos Direitos e garantias desses povos, que
almejam viver em suas terras e manterem seus costumes. Os trabalhos da Comissão
Nacional da Verdade tiveram o papel de trazer para a visibilidade estas
“violações de direitos humanos por agentes do Estado na repressão aos
opositores”. Cabe ao Estado apurar as denúncias e investigar os casos de
violências, em especial, às comunidades e indivíduos indígenas, mas não apenas
a esses, bem como às pessoas mortas porque recusavam os ditames negligentes,
repressivos e autoritários do Governo Militar, coadunado com os interesses das
corporações agroindustriais. No Brasil, as questões econômicas sempre
influenciaram a realidade dos povos indígenas, por interesses de fazendeiros,
seringalistas, grileiros, empresas mineradoras, madeireiras, bem como políticos
e o próprio Estado com a implantação de projetos governamentais, como a recente
construção da Hidrelétrica Belo Monte que, se concluída, além de trazer danos
ambientais, como a inundação das matas com o desvio do rio Xingu, e a escassez
de animais nativos para a caça e a pesca das populações locais que sobrevivem
da terra, mas também o desalojamento de comunidades pertencentes à terra. No
momento, a Hidrelétrica Belo Monte está sendo debatida e criticada por
ambientalistas, antropólogos, promotores públicos e pelos índios. [...]. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.
&
USINA
DE ARTE
Veja
mais aqui.
ITINERARTE – COLETIVO ARTEVISTA MULTIDESBRAVADOR:
Veja mais sobre MJ Produções, Gabinete de Arte
& Amigos da Biblioteca aqui.
























