Imagem: Acervo ArtLAM.
Ao som
dos álbuns Villa-Lobos Piano Music (8 Vols. Naxos, 1999/2008), da
pianista Sonia Rubinsky.
Um dia
e outro, qual amanhã... – Dá licença, faça um favor!
Chegue mais perto, sim? Dê-me sua mão nessa rua... E vamos pela manhã: o
dia não espera por nós. Vamos pela tarde, a vida é uma lembrança perdida nos olhos.
Vamos pela noite: há tempo de sobra para ainda ouvir a canção porque em nossas
mãos o mundo é nosso. Vamos. Uns dias às carreiras da correnteza, noutros a
chatura do vagar das coisas mansas quase paradas. É a vida e não só isso. A
vida não é só isso não. Para onde ir, pra que lado pender, pelo menos um copo d’água
gelada, por gentileza. Quem sabe minhas chagas sejam a sua dor e as dores dos
outros, doutras mais fundas que há milênios nos fazem doer e chorar. Melhor
acender o Fogão e frever no passo, né não? Dias pendurados na memória, dias
esquecidos redivivos... Tudo passa. De longe as luzes dos postes são vagalumes
em fila parados no ar. Os faróis são relâmpagos nas paredes. Os motores são
trovões poluentes sufocando e ouço quem assobiava uma modinha tarde da noite,
não sei, porque ouvi pisadas, um disparo, parece: alguém foi desta para melhor.
Dias que ficaram dos idos sem fim... Reapareceram os que levam o nariz no
umbigo e tudo de novo: quem mandou mexer com quem tá quieto? Se servir de
consolo: vá se foder! Vamos vivendo pelos sonhos espiralados com imagens
desbotadas de séculos reiterados do genocídio. A rua agora é uma serpente
dançante reluzindo nuvens explosivas, meu chão é todo mundo e o mundo todo. De
canto a recanto e tudo tem uns dias de chuva, outros de sol. A gente tem de
mudar de preferências, de condução, avalie. Fui aprendendo com o tempo a ficar
só, a me virar comigo mesmo e do jeito que der. Hoje os meus estão todos no
cemitério, os que sobraram estão por aí e quase não sei, passaram os últimos...
O que restou das matas, dos canaviais, das queimadas, repinicado dos violeiros,
motes e glosas dos repentistas. Hoje é tudo muito brega com suas devoções
cegas, com suas orações exaltadas e o que há para comer de enlatados e
pré-cozidos, outros sonhos comprados nos supermercados, farofada na praia
domingueira, bater perna pelo asfalto abrasado, olhares que seguem os
automóveis e as fotos nas redes sociais. Os posudos endinheirados ninguém sabe
como enriqueceram de uma hora pra outra, da noite pro dia. São só os queimas de
estoques nas promoções do comércio e na zoada dos carros de som, a última moda,
está tudo caro e custando os olhos da cara nas prestações intermináveis. E as
recepcionistas vistosas para portabilidades infindas de amigo, de bancos, de
telefônicas, de afetos e até de cara e cabelo, do que quiser e mudar de casa,
de bairro, de condomínio, tudo muda, é só ligar a tevê, esquentar no
micro-ondas, matar a barata, besouros infernais, jatos de inseticida, onde a
pressa escondida atravessa a ponte, quem sabe, sobe ladeirão, desce pelo
calçadão, aproveita o sinal aberto, pé na bunda... Desde criança que falo sozinho,
as árvores, os bichos e outros eus com as paredes, coisas, sonhos de olhos
abertos, acordados farrapos pelas noites roucas e resistem ao amanhecer, inevitáveis
acordes de um redemoinho irisado, dramáticos arrependimentos de auroras
nubladas. Estamos todos desorientados, doidos varridos, tontos aloprados. Quantos
não lubrificaram seus cumbucos na dor de cotovelo de suas xués paixões, hem?
Tá. Urdi invenções de desejos preteridos na palavra arredia, indomável, fugidia
da semeadura dos meus pais e escapuli pro esvaziamento dos simulacros. Removi dos
olhos as montanhas amedrontadas e desliguei os pavorosos motores para que a
vida ecoasse Sol na alma e eu me sentisse livre da fuga humana, a sorrir da
fortuna dos meus infortúnios. Só queria caraminholar ao léu como um cabrito
solto no berro lá, bezerro mugindo sol, sapo coaxando si, deformado pelo dó,
inconformado com o ré, desconforme de mi, a loucura vigente sou, cão
desgovernado por sustenidos e bemóis desentoados. Meu coração pulsa aventureiro
do escambau no oco do mundo como se fosse o núcleo da Terra prestes a explodir
se estendendo por raízes e rizomas nos talos e todos os troncos pelos galhos de
todas as folhas e flores, dos frutos que saltam no abissal instante dos ventos
nos bicos dos pássaros, o polém que os zangões semeiam do grão de tudo,
inutescência de nada. Rabiscado de catataus na barba maluca sou o cafuzo das
mamelucas na minha pele de macuco. O que voga: o muro é só pro exercício do
pulo com a visita da saúde e a hostilidade correndo frouxa à revelia preu pegar
o beco, porque machucava os inutensílios, a música papulá e o que não vale um
xis. E futucava caloteiros porque sempre só comigo mesmo, qualquer hesitação
podia ser letal. O caduco aos agradinhos engabeladores pela pinoia, xingado,
praguejado, tanto um como outro, tudo passa e a arte fica nua. E a poesia um
arroz no prato com feijão e quitutes comestíveis feitos pela vó, cada casa é
uma sombra de paiol arruinado. E se perdeu a condução, vai na outra, a fila do
caixa, os preços subiram de novo, putzgrilla! Nunca mais viu-se o sol da manhã,
faz tempo que não se aprecia o fim de tarde, só a moda da atriz, o galã da vez,
o último sucesso das paradas, cair nas quebradas, dar um rolê, o que importa é
estar empregada, sindicato pra quê, votar mesmo pra quê, tanta coisa pra quê? O
padre falou o que o pastor disse, valha-me, Jesus! A urgência do instante,
agora ou já! Não há pra depois! E não abrir mão de insinuar: se Deus quiser,
dará! Vou de primeira, de segunda, de terceira e o que mais der na cabeça num
zunzunzum, no corpo um chamego bom que ninguém de ferro. Preste atenção!
Prestenção! Acode, cruz-credo! E como curar as chagas da fé? Um comprimido, cápsula,
drágea, tem na farmácia e farmácia tem em tudo quanto é lugar, em todo canto. Estamos
mesmo doentes demais, doentes de doer. Tem de cuidar da vista, de ir ao
dentista, à manicure, fazer o cabelo, os mesmos, as mesmas semanas, os meses,
os mesmos últimos anos, um barulho ensurdecedor e é só dobrar a esquina ou
trocar de roupa a saborear tudo datado, não o prato frio, pra uns está sempre
quente como se fosse a primeira vez, o impacto da primeira vez. Também tenho
tudo e o que não quero, muito inventei. O que vi e o que li está no
Tataritaritatá. Salve terra boa, mãe de todo vivente (de coisas que parecem até
estarem vivas, de gente que só quer trempe e geme por manha e até por não ter o
que fazer, nem preste para tal). Nasci na beira do rio e nele aprendi o que nem
se ensinou: pra descer, vento e correnteza; pra subir, tem de nadar. Inventei
outras tantas coisas, muito além do céu por limite, subterrâneo da maior
fundura. Coisas que vi e amei, doutras nem sei o que é que diga - do raso nunca
quis, todos os lados. Do alto pra baixo, do fundo pra cima, viscerais sucatas,
cascatas viris e vitais. Tenho de ir embora, não importa o que vivo agora. Só
tenho este instante, pouco importa o que passou ou virá. Meu nome é nada e tudo
perece a cada momento a morrer. A vida é o meu circo, a poesia o meu pão. Até
mais ver.
Mary di Michele: O inverno é longo demais para o meu gosto. Prefiro as estações intermediárias, as temperadas. Adoro maio, quando tudo floresce ao mesmo tempo aqui, incluindo os bordos com suas flores verde-ácidas; as florezinhas cobrem as calçadas... Veja mais aqui.
Rebecca
Goldstein: Se você não se esforça, ou se
seus esforços não valem de muita coisa, então é como se você nem tivesse se
dado ao trabalho de aparecer para a sua existência... Veja mais aqui, aqui
& aqui.
Jenny
Odell: Estou sugerindo que
protejamos nossos espaços e nosso tempo para atividades e pensamentos não
instrumentais e não comerciais, para manutenção, para cuidado, para convívio. E
estou sugerindo que protejamos ferozmente nossa animalidade humana contra todas
as tecnologias que ignoram e desprezam ativamente o corpo, os corpos de outros
seres e o corpo da paisagem que habitamos... Veja mais aqui.
TRÊS
POEMAS
EU NÃO ESTOU AQUI
- Eu não sou daqui \ Meu cabelo cheira o vento \ e está cheio de constelações,
\ E eu me movo sobre este mundo \ com uma descrença saudável. \ E eu me
aproximo dos meus dias e do meu trabalho \ Com a consequência vaporosa \ Um
toque que é translúcido, \ Mas pode violar a pedra.
PAIXÃO
- A paixão é um estranho \ - Uma coisa. \ Uma criatura óssea fina com a
alimentação de si mesma. \ É viciado não em seu assunto, mas em sua própria
fome vã. \ E precisa apenas de um rosto bonito para alimentar sua imaginação
desenfreada. \ É sofá húmido e palmas suas. \ São tapetes carnudos em chamas
com conquista. \ Mas quando a conquista é completa, \ O sangue deixa seus
membros e fica desencantado. \ Decepcionado até mesmo ao ponto de nojo \ com
seu sujeito, que se senta então, como um tronco oco, \ Esvaziado da sua
preciosa carga \ e deixado para desaparecer como navios de guerra derrotados. \
Uma semente aliviada de sua casca transparente, \ para se dissolver finalmente
em uma língua áspera e impaciente.
AO
ENTRAR NA MINHA VAN - Alegria, pura alegria, eu sou \ O que eu sempre quis \ Para
crescer e ser \ As coisas estão se tornando \ Mais de um sonho com \ A cada dia
de vigília... \ As sobrancelhas pesadas da vida diária \ Estão a ficar
incrustados \ com brilho e o dedo agitramador \ A consequência é \ Começando a
rir \ Homens velhos mal-humorados \ Tenha as asas \ Queimaduras esportes Halos
\ e embotamento do dia-a-dia \ Já começou a respirar \ Como eu me lembro do \ Incrível
leveza \ de viver.
Poemas da poeta, cantora, compositora e atriz
estadunidense Jewel Kilcher, autora da obras livros A Night Without
Armor (1998), Chasing Down The Dawn (2000), Chasing Down The Dawn
PV (2001), Angel Standing By (1998), Heart Song (1998), Pieces
Of Dream (1999) e Never Broken (2015), entre tantos outros.
AUTOBIOGRAFIA - A raça não é muito interessante para mim. O poder é.
Quem tem poder e quem não tem. A escravidão me interessa porque é uma violação
incrível que não parou. É preciso falar sobre isso. A raça é uma diversão... Eu
realmente não entendia o racismo porque cresci em uma sociedade totalmente
negra, então eu não vi como era possível não gostar de mim!... Estou tão
acostumada a ser mal interpretada... Uma das coisas que a leitura faz, torna
sua solidão administrável se você é uma pessoa essencialmente solitária...
Pensamento da escritora de Antíqua e Barbuda, Jamaica Kincaid, autora da
obra The Autobiography of My Mother (Farrar Straus Giroux, 2013), no
qual expressa: […] Não importa o quão feliz eu tenha sido no passado, não sinto saudades. O
presente é sempre o momento que eu amo. [...] O passado é uma sala cheia de
bagagem e lixo e, às vezes, coisas que são úteis, mas se são realmente úteis,
eu as guardei. […]. Já no livro Generations of Women: In Their Own Words (Chronicle
Books Llc, 1998), assinalando que: […] O que eu não escrevo é tão importante
quanto o que eu escrevo [...]. Ela também é autora das obras The
Best American Essays (1995), Lucy (1990), A Small Place
(1988), At the Bottom of the River (1983), entre outros.
BANZEIRO
ÒKÒTÓ - [...] uma das experiências de
alegria mais importantes que vivi. Alegria da partilha, alegria por ser
liberada de precisar explicar o tempo todo por que não podemos destruir a única
casa que temos, alegria por encontrar um lugar no sem lugar do mundo. Alegria
por pertencer, eu que vivo despertencida [...] Não aconteceu de repente.
Foi acontecendo. Ainda acontece. Nunca mais vai parar de acontecer, acho. A
Amazônia não é um lugar para onde vamos carregando nosso corpo, esse somatório
de bactérias, células e subjetividades que somos. Não é assim. A Amazônia salta
para dentro da gente como num bote de sucuri, estrangula a espinha dorsal do
nosso pensamento e nos mistura à medula do planeta. Já não sabemos que eus são
aqueles. As pessoas seguem nos chamando por nossos nomes, atendemos,
aparentemente estamos com nossas identidades intactas — mas o que somos, já não
sabemos. O que nos tornamos não tem nome [...]. Trechos extraídos da obra Banzeiro
òkòtó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo (Companhia das Letras, 2021),
da escritora e jornalista Eliane Brum, que no livro Brasil,
construtor de ruínas: Um olhar sobre o Brasil, de Lula a Bolsonaro
(Arquipélago Editoria, 2019), ela expressou: […] Podemos concluir que, no
senso comum, a infância não foi inventada para todas as crianças [...] E
assim, com os males reais sendo invisibilizados e apagados, tudo continua como
está. E aqueles que gritam seguem cimentados na mesma posição na pirâmide
social. [...] Mesmo que isso não seja óbvio para todos, é a arte que
expande a nossa consciência mais do que qualquer outra experiência, justamente
por deslocar o lugar do real. Ao fazer isso, ela amplia a nossa capacidade de
enxergar além do óbvio. [...]. No livro Meus Desacontecimentos: A
História da Minha Vida Com as Palavras (Arquipélago, 2017), ela expressa
que: [...] É este afinal o sentido da literatura da vida real. Ou pelo menos
um deles. Tentar amalgamar pela linguagem o que foi separado pela carne. Mas a palavra
é desde sempre insuficiente para abarcar a vida e aquele que escreve se condena
ao fracasso. [...] Escolhi viver sem fronteiras definidas, nações não me
interessam, limites só me importam os da ética. Tenho um coração andarilho, um
corpo mutante, uma mente transgênera. [...]. Veja mais aqui, aqui &
aqui.
A ARTE
DE MARCOS NANINI
[...] Sou
do Recife, com orgulho e com saudade, como dizia o Frevo nº 3, e gosto muito de
pitombas! Essa é minha característica... [...] Teatro é minha vida!
Porque logo que me entendi como pessoa, eu quis fazer teatro. Quando tinha
teatro na escola, achava aquilo muito interessante! Ali não tinha profissionais
da área, mas adorava aquela situação de fazer uma peça. Eu quis muito fazer
isso dali por diante e é o que eu tenho feito até hoje. Eu já vivi muitas vidas
graças ao teatro [...] O teatro tem um ponto. É uma referência grande
para mim, pois ali começou tudo. Os outros eu tive que me adaptar. Porque
quando fui fazer televisão, era tudo diferente. Aí fui observar, entender,
compreender aquilo tudo. Só então, fiquei mais à vontade. A mesma coisa
aconteceu com o cinema, porém gosto dos três. Até porque não gosto quando me
falta um deles para fazer [...].
Trechos
da entrevista Nanini, com orgulho e com saudade (Viver – Diário de
Pernambuco, 2024), concedida ao jornalista Robson Gomes, pelo ator, autor,
produtor teatral e dramaturgo Marcos Nanini (Marco Antônio Barroso
Nanini), que teve sua biografia O avesso do bordado: Uma biografia de Marco
Nanini (Companhia das Letras, 2023), publicada pela premiada jornalista,
roteirista e professora universitária Mariana Filgueiras. Veja mais aqui, aqui
& aqui.
ITINERARTE
– COLETIVO ARTEVISTA MULTIDESBRAVADOR:
Veja mais sobre MJ
Produções, Gabinete de Arte & Amigos da Biblioteca aqui.
& mais:
Dareladas – a arte de
Darel Valença Lins aqui.
Livros Infantis Brincarte
do Nitolino aqui.
Diário TTTTT aqui.
Literatura Indígena:
Cosmovisões & Pela Paz aqui
& aqui.
Poemagens aqui.
Cantarau
Tataritaritatá aqui.
Teatro Infantil: O
lobisomem Zonzo aqui.
Faça seu TCC sem
traumas – consultas e curso aqui.
VALUNA – Vale do Rio Una aqui.
&
Crônica de amor por ela aqui.