quarta-feira, junho 30, 2021

ASSIA DJEBAR, DUHAMEL, AIMÉ CÉSAIRE, SUSANA YAMAUCHI, VALÉRIA VICENTE & BARREIROS

 

 

TRÍPTICO DQP –- Ritos do cotidiano... - Ao som de Onthos (1975), do compositor e maestro Aylton Escobar, com o conjunto Ars Contemporânea. - Valha-me! Tem gente que não enxerga um palmo além da venta e se acha o rei da coisa toda, misturando fezes, rezes e o escambau. Eu mesmo desconfio da minha sanidade mental, escuso o discernimento e fico na minha, tem hora que é preciso ter simancol, acho. Para muitos a estupidez e se arvorar, ô-rô! O bom é quando se encaminha para jogar conversa fora, só pro divertimento. Mas não, esses esdrúxulos levam qualquer papo na conta do sério, emborcando em cima da conspiração e, no final das contas, só dá contrassenso e nada edificante. Depois do desgoverno do Fecamepa, pegou crônico: inutilidades tomaram o ranking dos ministérios e os papagaios passaram a soletrar reiteradamente o cúmulo da mediocridade. Nada mais que advogar o indefensável, com escolhas discriminatórias que escapolem de listas duvidosas na eleição de que é melhor isso ou aquilo, só para atender os interesses ocultos que no fim só dá nas baboseiras de caturros macaqueando o labirinto dos fatos, ilações enigmáticas e plasmando ideias nada sofisticadas como certezas em pontos de interrogação, enfim, não há a mínima condição de desvelar o sentido, porque sabem mais da vida alheia do que de algo que tenha lá alguma valia. Disso só sai queda-de-braço, afora doidices de pedra por ressalva. O pior: ficam emburrados com suas próprias desmesuras idiossincráticas e a tudo desserve por que nada passa por negligenciável, desde o voo do besouro que picou a bunda apreciável da madame dum casacudo, ao deplorável jeitinho de botar gosto ruim na iniciativa de quem quer que seja, metendo o bedelho constrangedor. Não entendo lá muito bem as esquisitices dessa gente cenhosa, coisa só para programação da tevê. Já dizia José Martí: A ignorância mata os povos. Sim, verdadeiro flagelo. Até o Czeslaw Milosz esclarece: Somos feitos assim, metade contemplação desinteressada e metade apetite. Sei não. Tenho a impressão de que esse povinho é incapaz de sensibilidade diante de O bicho de Bandeira: Vi ontem um bicho / Na imundície do pátio / Catando comida entre os detritos. / Quando achava alguma coisa, / Não examinava nem cheirava: / Engolia com voracidade. / O bicho não era um cão, / Não era um gato, / Não era um rato. / O bicho, meu Deus, era um homem. Depois disso, logo sou execrado. Tem nada não. Em última análise, de alguma forma o inútil serve para algo que talvez não saiba, acho que tudo se perdeu por completo na aventura selvagem do cotidiano.

 


A jia encantada – Imagem: a bailarina coreógrafa e professora Susana Takayama Yamauchi. – Sabe daquela? Qual? Não sabe? Não. Seguinte: eram três irmãos. O mais velho deu rumo na venta, se despediu da família e caiu no mundo. Andou, correu, pelejou e se perdeu. Sem ter onde se arranchar, deu de cara com um casarão abandonado e decidiu ali se hospedar. Vai não, rapaz! Por que? É malassombrado, quem ali pernoitou, não viu o amanhecer. Ora! E foi. Ao se aboletar na rede, ouviu uma voz na escuridão: Caio? Por mim pode se espatifar todo. Buft. Depois que o troço caiu, silêncio. Aí de novo: Caio? Ora, pode se lascar se quiser! Teibei. Caiu? Lasquei-me. Qual é a sua? Nada. Ah, tem que ter alguma coisa! E saiu caçando sem enxergar nada, até que sentiu tocar em algo e pegou com força. Não me mate! Por que não? Dou-lhe algo se me poupar. O quê? Aquilo. Tô vendo nada. Aí apareceu uma botija cheia de ouro e brilhantes. Aí segurou no gogó da coisa: É meu? É, não vai me matar, né? Por que não? Dei riquezas. Sei não. Não me mate que dou mais. Cadê? Ali. Onde? Ali, vamos. E foram, daí a pouco viu-se o antigo casarão como um verdadeiro palacete. É meu? Tudo seu, agora me solte. Não venha com pantim pra minha banda. Não vou, pode ficar certo. Posso confiar? Pode. Aí depois de muito pensar, soltou. A coisa foi-se embora e nem sabia o que era. Com isso, arrumou-se todo e ficou no bem bom, calado, sozinho. O povo lá de fora só esperando o estrupício. Meses se passaram e o irmão do meio resolveu seguir o mais velho. Depois de virar dias e noites, deu-se o encontro entre ambos. E aí? Estou no trampo. E eu? Vá caçar serviço, não tenho onde cair morto! E foi. Cada pro seu lado, o mais velho fez segredo do que possuía e assim passaram o tempo. Depois de anos, o caçula também resolveu seguir o rastro dos irmãos. E foi. Depois de muito gastar solado, encontraram-se os três. E aí? Na luta. O que tem pra mim? Nada, vá catar o que fazer. Assim combinaram os três e cada um foi pro seu lado, encontrando-se uma vez ou outra. Assim ficaram até um dia se estranharem um com o outro. Tabefes, murros e pernadas, findaram os três sob o chicote do pai. Qual é? Os dois mais novos apontaram pro mais velho e em uníssono: Ele está escondendo o serviço, pai! Qual é? Era segredo: ele havia se casado com uma jia e não queria que ninguém soubesse. Nessa hora o leptodatilídeo apareceu, ou melhor, ela achegou-se e falou pro marido: Me dê um beijo! Tá doido! Ora, já lhe dei tudo, é só me beijar na boca que eu desencanto. E foi um puxa-encolhe, até que o cabra se abaixou, ajeitou-se cheio de asco e tascou um beijo na sapa. Buft! Ela se transformou numa linda princesa e, dizem as más línguas, que se não morreram todos, foram felizes para sempre. Vôte!

 


Lá de Barreiros... – Imagem: a arte da bailarina, artista, passista, professora e pesquisadora, Valéria Vicente, fundadora do Acervo RecorDança: Fui coletando cenas, fazendo improvisações e foram surgindo novos elementos. - Que patranha mais sem pé nem cabeça? Foi o Vicente Falafina quem me contou certa vez lá em Barreiros. Ora, ora. Ele resenhou e sumiu-se, fiquei sozinho por ali. Logo ouvi vozes. Uma era da escritora e cineasta argelina Assia Djebar (1936-2015): Eu disse: ação. A excitação tomou conta de mim. Como se, comigo, todas as mulheres de todos os haréns tivessem sussurrado ação. Quando o amor é feito com prazer, com verdadeiro prazer, a memória desperta. Viver sozinho me permite um tipo de exílio muito especial. Pelo visto, hoje era o meu dia de ouvir estranhices. Não demorou muito e logo ouvi o escritor francês Georges Duhamel (1884-1966): O homem é incapaz de viver só, e é incapaz também de viver em sociedade. O erro é a regra: a verdade é o acidente do erro. O bom mestre aprende com as lições que dá. Eita! Pelo jeito a coisa deu o créu mesmo. Afinal, que dia é hoje? Por resposta, só obtive do poeta francês Aimé Césaire (1913-2008): A fraqueza sempre tem mil meios e a covardia é tudo o que nos impede de listá-los. Cuidado, meu corpo e minha alma, cuidado acima de tudo de cruzar os braços e assumir a atitude estéril do espectador, pois a vida não é um espetáculo, um mar de dores não é um proscênio, e um homem que lamenta não é um urso dançarino. Agora os mortos resolveram levar um lero comigo. Será que endoideci ou morri e não sei ainda? Aí reapareceu Falafina trazendo uma encrenca sobre o causo que me foi contado, entre o ambulante Fortunato do vozeirão com o Nocrato que passava cheio dos quequeos, em cima do jegue e carregando água, com uma discurseira provocativa pras bandas dele. Foi! Não foi! Foi! Isso devidamente confirmado, segundo ele, por gente que nunca vi mais gorda e que na hora testemunharam tanto prós como contra, a exemplo do rol mencionado por ele, composto por Alcides Relojoeiro da Vespa, o tenor Galo, o garçom e pandeirista Mussurico, o Lula bebinho, os motoristas Mão de Onça e Sacatrapo, o engraxate tricolor Três Cocos, o assoviador Alvino que era irmão do engraxate zambeta Amaro Alicate, até os comunistas Biu do Caldo, Quinca Barbeiro e Benedito Sapateiro deram aval no acontecido, justo porque foi noticiado pelo serviço de alto-falante do locutor Callado. Como é? Isso mesmo, pode perguntar ao Tião Carangueijo, lá de Tamandaré do Rio Formoso, que ele confirma a história da rã encantada. E o que tem o cu a ver com as calças? Ué! Não levei além da lorota, mas cá pra nós: uma conversa dessa é da gente ficar com um pé na frente e outro atrás, né não? Mas foi tudo registrado nas Memórias barreirenses (Autor, 2007), do memorialista provinciano, Yvon Bezerra de Andrade. Ah, isso sim. E aí? Ele juntou uma banda da bunda e saiu rebatando com a outra, aos muxoxos e laralilarás atrás duma frevista que se requebrava rua afora. Até mais ver.

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PATRICIA CHURCHLAND, VÉRONIQUE OVALDÉ, WIDAD BENMOUSSA & PERIFERIAS INDÍGENAS DE GIVA SILVA

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