Imagem: arte de Carole
Spandau
A PRIMAVERA DE GINSBERG
Luiz Alberto Machado
Eu não ouvi a notícia de que esta terra verdamarela
propiciaria a vida de seus nativos numa corda bamba abissal, a longo prazo, até
que louras intenções desviassem os rumos tropicais até a sua indignação.
Não saberia eu, civil fulustreco, que emboabas seriam sempre
bem-vindos para se apoderarem do nosso mais sagrado rancho, a dispor de regras
e razões superiores para não termos de nos envergonhar ao subtrair nossa
integridade.
Jamais imaginava que pudéssemos enterrar nossos mortos no
mais ingênuo mito folclórico a troco de veneração mais assídua por valores
alienígenas que nos tomaria a direção da venta para o estardalhaço da admiração.
Surpreendido fiquei com esta pobre gente que vive bebendo
água na orelha dos outros, a cochichar no mais despudorado porão da vergonha as
mais forjadas inverdades sobre a democracia e seus peculiares benefícios
adulterados para a liberdade do gasta-gasta e da possessão maníaca de ter o que
não pode ter.
Sabia lá que os tais invasores, batizados em águas quentes
nos frios do norte, pudessem se enraizar e conviver conosco como um de nossa
casa, dando pitaco até nas nossas decisões com mágicas citações divinamente
salvadoras;
Nem me tocava que os bigorruptos e seus papéis de merda
bizantina onde estão inscritos os diversos saldos astronômicos de nossa dívida
enrolada, proporcionavam aos ventos brandos o poderio dos bobisnicolaus
sentados nas tesourarias públicas, bufando seus sopros de bóreas para os
mãozinhas de luvas e manguinhas de fora.
Nem-seu-silva-de-dar-bola para as vítimas latinas cujo
sangue hoje banha o colossal tesouro das metrópoles maiores do mundo e seus
suntuosos edifícios de dar água na boca.
Benevolentemente sequer prestava atenção aos discursos, os
mais ásperos dos mais importantes da nação, quando se tratava dos que cagam na
vela, seres de meia tigela, ousando gritar por justiça quando já desapareceram
com os céus e roubado a balança e a venda de Têmis.
Nem prestava atenção aos alcoviteiros inescrupulosos do
poder, brilho maior da televisão engalanada, portadores da má notícia, a nos
avisar dos abismos que nos meteríamos pelos gritos de liberdade que empunhamos,
excluídos da festança abastada dos vencedores, donos do nosso escrutínio, que
trocam a mãe por um condomínio luxuoso, e que padeceríamos, por isso, de mil
achaques e seria grande o alarido dos nossos pecados.
Nunca consultando a constituição pelos atos de exceção ou
disposições transitórias que mais confundem já dos tantos artigos e parágrafos
dúbios de códigos civis ou penais ou sei lá mais, qual gramática complicada –
para que tanta lei, me Deus, se apesar da compulsoriedade jamais será
cumprida!!
Ou que por eloquência nossa, mais fácil falar a língua do
inimigo como se nada tivesse acontecido
Ou que por superioridade nossa no meio dessa misturada
doida, prescindiríamos de leis e governos
Ou que por universalidade nossa, adaptaríamos nossa vida à
todas do planeta numa carnavalizante existência
Ou que por sapiência nossa, misturaríamos de tudo para
traduzir o sumo do bom e do melhor nos esquecendo da excrescência noturna com
que alicerçamos nosso ontem, enlameamos nosso hoje e fabricamos um infecto
amanhã
Qual nada!
Se todos os ardis nos iludem na página rotineira de uma
novela televisiva
Se todos os escroques nos remetem aos apuros com
malabarismos sentimentais
Se a todo momento expomos a mão à palmatória num vexame
bisonho
E isso nada tem haver com nosso bocejo perene, oh! plebe ignara!
Chamo de gato ao gato e ao governante de patife!
Cada qual cuide de si
Pois todos os banquetes do palácio estão regados com nosso
sangue de vítimas desmioladas, presas fáceis dos falastrões incorrigíveis, de
gestos fesceninos, adeptos de gestapos e fiéis de Gog e Magog!
Qual nada!
Cultivemos então nosso orgulho majestoso do jeitinho para
tudo, jogando uma bola fenomenal e flertando a bundinha daquelas que seguem
para a praia a procura de uma noite por maior prazer, beldades de uma geografia
anatômica capazes de esbugalhar os olhos dos mais insensíveis!
Cultivemos nosso orgulho pelos bens adquiridos através do
processo de Felipe da Macedônia, felizes por dar uma marretada no otário que
sai todo dia de casa com um chapéu que é a porrada da ocasião, da tapeação e
ainda sorrir por haver lesado um imbecil, pelos presentes de Artarxerxes aos
nossos desafetos, fofoqueiros que se metem em tudo como um azarão a nos
perseguir; pelos que fazem política como pó de Pirlimpimpim e nos conduzem numa
nau à deriva, sabe lá, Deus, para onde!!!!
Pelos tolos que cumprem as leis violadas pelos sabidos; pelas
leis que fazem vista grossa nas dilapidações e nos dão essa segurança de
impunidade na rua; pelas leis que vão até onde o rei falso quiser – toda lei na
mão do feitor!
Pelos que fazem a guerra e ainda se arvoram na petulância de
anunciar que o fazem por amor à humanidade, filhos da puta!
Pelos que vivem de julgar a todos segundo seu próprio juízo
e vomitam razões esquálidas na mais sectária das visões; pelos ambidestros sobre
as farândolas dos falidos que cultuam o carnaval para se esbaldar da nossa
desgraça e mangar da nossa besteira por santificá-los como bem sucedidos,
quando não passam de um vesano sobre os nossos detritos e suas diatribes; pelos
rabagás, os tais déspotas, cultores de tudo na base do balão de ensaio,
postulantes às tendas de meninas fiéis católicas, que mal geram filhos e negam
os peitinhos empinados para que não lhe caiam até a barriga desagradando seu
patrão; por esta multidão andrajosa a exibir suas deformidades, dormindo no
ponto, sequer desconfiando da sede do abismo com um riso banguela na hora
mágica do gol; por essa gente que gosta de tanger gente na maior sem cerimônia;
por essa gente que leva a riqueza dos outros na pontinha do dedo sem o menor rubor;
pela história mentirosa que se ensina e a vergonhosa que segreda, quando aqui
fenícios deixaram indícios suméricos mais valiosos na pré-cabrália e ninguém se
deu conta do que seria, por isso deu no que deu!
Será, então, um deus moreno, com um olhar tropical,
indevidamente preterido, esperando, esperando, esperando por um novo milagre?
ah! Para tanto há milagre de abril, cor anil, tão sutil, para ser hostil, com
mentiras mil, ah!!!
Ah! Se um Frínico tivesse aqui o poema da comoção popular!!!
A terra é redonda
E ainda, assim, cagam pelos quatro cantos de mundo!!
Mas se estivéssemos na América, no continente americano,
onde o sol sempre é enxaguado por sangue e, então, fôssemos para a América do
Norte, uivando os mais sinceros arrotos psicodélicos sobre a face majestosa da
Estátua da Liberdade, mijando num canteiro do Central Park e fosse preso em
nome do pudor democrático dos americanos mais brancos possíveis ou negros mais
ricos sobre pretos mais pobres; e se estivesse na Quinta Avenida, onde ninguém
teve a coragem de engolir os sapos mais audazes daqui; e se tornasse uma
locomotiva doida no comércio promissor de Miame sob o pretexto dos maiores
meios de acender Whitiman e sua admiração pelos nossos, como se fosse um Halley
gritando versos de Dilan Thomas e cantando Ezra Pound para os desvalidos
nordestinos daqui; ou se falasse de Nixon e Watergate e repulsasse o caso
Vietnã ou de Sacco e Vanzetti e se negasse a biodiversidade em nome do burgo
anglo-americano, ninguém saberia nada!! E se louvasse a pirataria no Atlântico
ou os fugitivos dos famosos Round Heads de Cromwell ou o boicote no porto de
Boston pela autonomia aduaneira; ou a batalha de Lexington; ou o patriarcado
indisfarçavelmente latifundiário com seus vultosos capitais sobre a escravaria
negra; ou a vingança fanática sulista desferindo petardo contra Lincoln após a
guerra vitoriosa da Secessão; ou dos fugitivos das perseguições de Jaime ou
Carlos Primeiro; ou mesmo com a declaração dos direitos de Virgínia, quem
saberia? Ou se encontrasse gente da melhor cepa e cada vez mais afoito em
dominar escrotamente ferrenho, dilacerando legislações como a rotular
cu-de-mãe-Joana em qualquer país latino-americano, peritos na arte de
exterminar a sangue frio e serem perdoados na piedade dos tribunais mais
auto-suficientes do universo, esmagando a todos com a sua avareza e cultuando o
controle da natalidade para financiar abortos na fúria dos Torquemadas
messiânicos, usurpando quereres para gozar na punheta de todos os mandos!!!!
Qual nada!
O bom pra essa gente é cívico devotado, besta quadrada,
cumpridor dos dez mandamentos, portador das boas maneiras e não passar de um
intelectual de sovaco que se enraba só para ver-lhe a careta e, ainda, depois,
queimam-lhe o rabo e dizimam a honra e tanto se provoca o terror que um dia sua
própria cabeça também desce ao cadafalso!!
Qual nada!
Eles não sabem que a pobreza ainda é o maior crime da
sociedade civilizada ou fingem não saber da distrofia pluricarencial
hidropigênica ou da delinqüência infantil ou das distonias cerebrais ou das
desigualdades sociais como para o predador e a lei quanto mais amor maior
violência!!!
Qual nada!
Batem no peito, expõem comendas e desonram tudo, botando as
mangas de fora, fudendo tudo que lhe vem pela frente, como carniceiros nos
impondo contratos leoninos assinados por débeis representantes e ignóbeis avais
populares, assumidos publicamente para a constatação de uma insolvência que
jamais será amortizada, a não ser por sangue e suor de herdeiros futuros que
nos responsabilizarão pela inércia, aiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiai!!!!
Mas podemos ainda felizes sambar nas praias do nosso lindo
litoral nem nos dando conta de tais leviatãs
E ainda podemos sorver uma cerveja gelada no boteco da
esquina sem nos incomodar com as cambadas e confrarias de nada no conluio dos
interesses
E ainda gritar de emoção num lance de gol desconhecendo
enxames, matilhas ou pragas ou quadrilhas ou súcias ou varas ou glutões ou
vilões dos nossos congressos, legiões de algozes duma ação de verdugos com
bocarras exuberantes e seus guinchos de sanha aracnídeas, inimicíssimos de nós
meridionais
E ainda podemos remexer o esqueleto na Marquês de Sapucaí,
pisando nossos remorsos, aplaudindo lúculus e gangsters e facínoras que
financiam as atrofias das nossas vontades!!!!!
E ainda podemos melar os pés no pantanal mato-grossense,
desconsiderando homicidas sobre os incipientes lerdos inofensivos que não tem
nem deus nem nada para se amparar!!!!
E ainda podemos singrar as águas do São Francisco sem
sabermos que somos verdadeiros suicidas na absolvição dos infratores no centro
de uma hemorragia de idólatras no urinol!!!!
E ainda podemos passear pelas ruas de Olinda sem prevermos
da gatunagem dos que se dizem dermatóglifos de nossa missão, quiromantes do
nosso destino, redentores do nosso sofrimento, puta-que-o-pariu!!!!
Quem somos além de usuários de um reino diáspora com falcões
nos plenários a nos mostrar o homem e o seu lobo, o predador e a sua presa, o
desigual do forte sobre o fraco, deus meu?
Só a poesia tornará a vida suportável!!!!!!!!
DITOS & DESDITOS - Criar
raízes quiçá seja a necessidade mais importante da alma humana. É uma das mais
difíceis de se definir. Estar enraizado talvez seja a necessidade mais
importante e menos reconhecida da alma humana. Dinheiro, maquinaria, álgebra:
os três monstros da atual civilização. O inferno é darmo-nos conta de que não
existimos e não nos conformamos com isso. Nada no mundo pode impedir o homem de
se sentir nascido para a liberdade. Jamais, aconteça o que acontecer, ele pode
aceitar a servidão: pois ele pensa. Menosprezar a inteligência é degradar o ser
humano por inteiro. É necessário realizar o possível para tocar o impossível. A
dor é a origem do conhecimento. A atenção é a forma mais rara e pura de
generosidade. Pensamento da filósofa e escritora francesa Simone Weil (1909-1943). Veja mais aqui
e aqui.
ALGUÉM FALOU: A
partir do momento em que a mulher pôs os pés na estrada do trabalho, em que o
mercado mundial reconheceu seu trabalho, que para a sociedade ela passou a
significar uma unidade de trabalho por si só, a secular ausência de direitos na
sociedade, antiga escravização no seio da família, os velhos grilhões que
restringiam sua liberdade de movimento tornaram-se para ela duplamente pesados,
duplamente insuportáveis. E quando ela tem uma família para cuidar? Quando
crianças pequenas esperam em casa? Sem tempo nem mesmo para aprumar a coluna
depois no trabalho na indústria, a mulher é obrigada a cuidar do minucioso
trabalho doméstico… Seus membros cansados doem, sua cabeça pesada pende… Não há
descanso para a mãe trabalhadora profissional. Deixem que, com sentimento de
alegria de servir a uma questão comum as classes de lutar junto com elas por
sua libertação feminina, as trabalhadoras participem do dia da mulher. Pensamento
da líder revolucionária e feminista russa Alexandra
Kollontai (1872-1952). Veja mais aqui & aqui.
DA VIDA DE ONTEM E AMANHÃ - Não
há passado, nem futuro, tudo flui em um eterno presente. Apegue-se ao agora, ao
aqui, através dos quais todo o futuro mergulha no passado. Não se pode comer o
bolo e continuar a tê-lo. As folhas secas cobrem em abundância o caminho das
recordações. A História é um pesadelo de que tento acordar. Deus fez o
alimento, o diabo acrescentou o tempero. Não tenho medo de estar sozinho, de
ser desdenhado por quem quer que seja, nem de deixar seja lá o que for que eu
tenha que deixar. E não tenho medo, tampouco, de cometer um erro, um erro que
dure toda a vida e talvez tanto quanto a própria eternidade mesma. Ninguém
presta à sua geração maior serviço do que aquele que, seja pela sua arte, seja
pela sua existência, lhe proporciona a dádiva de uma certeza. Os erros são os portais
da descoberta. Pensamento do escritor irlandês James Joyce (1882-1941). Veja mais aqui.
DA POESIA - Uma
pitada de poesia é suficiente para perfumar um século inteiro. A liberdade
custa muito caro e temos ou de nos resignarmos a viver sem ela ou de nos
decidirmos a pagar o seu preço. Quem não se sentir ofendido com a ofensa feita
a outros homens, quem não sentir na face a queimadura da bofetada dada noutra
face, seja qual for a sua cor, não é digno de ser homem. O homem que honra a si
mesmo é capaz de ver as virtudes de outro homem. Pensamento do poeta,
filósofo e jornalista cubano José Martí
(1853-1895). Veja mais aqui.
LITERÓTICA
O que sou nela língua, seios, sexo:
Deus supremo e enlouquecido na sua boca.
(LAM) Art by Luciah Lopez.
Veja
mais sobre:
Despertar, Friedrich
Perls, Ezra Pound, Paul Valéry, Hilary Hahn, Consuelo de Castro
Lopes, Carlos Reichenbach, Lev Chitovsky, Aldine Muller & Bruno Braquehais aqui.
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Só
porque hoje é sábado, Carlos
Drummond de Andrade, John Keats, Raphael Rabello, Claude Lelouch, Marguerite
Arosa, Larissa Maciel, Anouk Aimée, Helmut
Newton & Atenção sistemática à saúde aqui.
O
romance do pavão misterioso, de João Melchíades da Silva aqui.
A arte
fotográfica de Andréia Kris aqui.
Biogênese,
sadismo & outras loas tataritaritatá aqui.
Violência,
Assírios & Sodoma, Antiguidades Judaicas, Alexandre, A guerra e a fé, O
fantástico blitzkrieg, Colombo & as terras do Brasil aqui.
Literatura
de cordel: História do capitão do navio, de Silviano Pirauá de Lima aqui.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Leitora
comemorando a festa do Tataritaritatá (Arte: Ísis Nefelibata)
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na
Terra:
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.