segunda-feira, julho 29, 2024

DOMENICA MARTINELLO, CAMILLE LAURENS, JOANNA BURIGO & J. BORGES

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns Travel through three centuries (2014) e Chopin / Liszt (Gramola, 2016), da pianista russa Anastasia Huppmann.

 

NEM ENTÃO, NEM DEPOIS... – Dum lado o ermo, doutro a devastação - nascia e era o voo pela correnteza. A infância roubada pela repressão levou-me aos grilhões da lógica: tudo se parecia uma fantasia interminável, caleidoscópica; e o meu país deitava-se eternamente. Adolesci como quem arrumava as malas: era sempre a hora de partir com a missão de ser gente na vida e no meio da chuva experimentava meus desafios pelos caminhos inundados - e nem sabia nadar no que nunca seria um conto de fadas, era a ambiguidade ubíqua embaralhando direções entre o afeto e o descartável. Muitas vezes desisti diante do incompreensível barulho das máquinas sufocantes, o sangue azeitava engrenagens e não servia à minha natureza. Os sonhos eram outros por caminhos tortuosos e passavam feito nuvens aladas, aos empurrões pelo alheio e secretos limiares revelavam-se óbvios, outra vez no ponto de partida. Ora, essa. Novamente o plano de voo servia de provas bem ou mal feitas, o pé na estrada, aliados da hora e muitos algozes, lembranças incineradas, descobertas sem graça, cavernas insólitas que mudavam de lugar. O esconderijo reduzia-se ao meu quarto e novamente outro reinício. Via-me mesmo um amador na provação do destino. Daí, nenhuma recompensa. E se esculpia o tempo, nenhum portal nas paisagens erosivas, restava me esconder para não ter de contar segredos flagelantes. Entre o intermezzo e a linha de fuga: os limites não existiam e queria rompê-los quando dava num fundo abissal, inalcançável profundidade, funduras superpostas, uma hestória e todas - o que era um na verdade muitos, afora uns e todos, o plural e outros vários, conexões que se perdiam por devires, fluxos por paradoxos. Revia-me por biografias inacabadas, cicatrizes supuravam e me perdia diante do espelho de Tarkovski: imagens retidas que escapuliam entre acordes dissonantes e era a mãe na fantasia do amparo perdido, a mulher reduzida aos devaneios diáfanos e a filha era só um olhar de espera. O caminho de volta à estaca zero. Quantas vezes recomecei, o meu duplo por zis platôs recorrentes. O olho e a mira, o alvo móvel se esquivava e tudo se esvaía ao alcance da mão. Nenhuma ressurreição, afinal apenas dera-me por um sujeito comum. E se enfrentei leões invencíveis, dragões inflamáveis, larápios hostis e sátiros infernais, dou graças aos meus vilões pelo que aprendi. O que me arrisquei pela gratuidade de ação, não valeu nada pra ninguém, nem pra mim mesmo. Revivia muitas vezes e, cada vez mais, perdia o elixir de vista. E mais regressava porque a vida era só um filme que descambava por cenas repetitivas em cenários alheios, com o passado que se descorou pela ausência. Quase à beira da morte e as memórias de um pesadelo que me fez cinzas de vivências evanescentes diante do implacável semblante do eterno retorno. Até mais ver.

 

Esther Perel: Não há maior fonte de alegria e significado em nossas vidas do que nossos relacionamentos com os outros... Veja mais aqui.

Ann Brashares: Nosso problema não é o problema, é a sua atitude em relação ao problema... Veja mais aqui.

Dietrich Bonhoeffer: O maior erro que você pode cometer na vida é estar sempre com medo de cometer um erro. O tempo é curto. A eternidade é longa. É o momento da decisão... Veja mais aqui.

Emil Cioran: O fanático é incorruptível: se ele mata por uma ideia, ele pode muito bem ser morto por uma; em ambos os casos, tirano ou mártir, ele é um monstro... Estamos todos no fundo de um inferno, cada momento é um milagre... Veja mais aqui.

 

DOIS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

TARAXACUM - há rachaduras na minha práxis onde as flores amarelas de Purdy aparecem vestem minha classe trabalhadora como um dente de leão seu traje assexuado uniforme de leite borracha geneticamente idêntico a odisseia de um homem comum no sopro de uma semente se torna episódio ervas daninhas crescem esperançosas posso ter algum acompanhamento musical aqui posso ter no meu vinho posso ter na minha salada comum e comestível como eu como eu, por favor.

SAUCEBOX - a identidade de alguém é conquistada com muito esforço na linguagem da casa e da escrita de cartas, de deixar e deixar é certamente a mais italiana das atividades estar apaixonado por charlie chaplin sim, eu queria empresas de esplendor anti-língua materna vagando por dublin - de trieste a northhampton é exaustivo ainda me deleitando em minha dívida com você. por que a filha de um devedor deveria pagar em um bolso de má qualidade por uma quantia ainda não determinada de seu gênio sim, eu sei Sim garotinha dos fósforos quer pernas melhor fugir - 6 horas por dia, 22 anos quando eu tinha 10 anos, quão desorganizada quão vesga e despejada e pobre sim, eu chorei por um mês desenhando suas lettrines aos 10 eu poderia ter sido iluminadora em vez de 13 em 3 países livro de kells quebrada no bar prim shining você e a minha cegueira camisa de força um palco adereço como qualquer outro, corpo bastardia - a rabugice de beckett levaria qualquer um a um complexo o dinheiro azedo de sua majestade amarrou minhas pernas para uma estadia ainda não determinada na maison de santé obrigada sam desculpe eu não estava em camisinhas deve ser a lésbica italiana em busca de prazer escreva para mim - pequena dívida maluca para a festa do papai uma cadeira contra a parede como a verdadeira artista bravata forrada de sutiã cobiçando o leite materno de giorgio analfabeta em 3 línguas olha o que eu posso fazer agitar meus braços me jogar como uma voz sobre a sala - seu cego eu corto as linhas telefônicas seu cego eu corto as linhas telefônicas gordo de parabéns eu circuncido desabotoe suas calças, gênio arrumou um velório para mim barbatana inquieta sim, é complicado nós somos analfabetos em todas as línguas os olhos perderam o convite mas uma dançarina se vira...

Poemas da escritora canadense Domenica Martinello, autora de obras como Interzones (2015), All Day I Dream About Sirens (Coach House Books, 2019) e Good Want (2024).

 

AQUELA EM QUEM VOCÊ ACREDITA – [...] O desejo é ter algo a ganhar, e o amor, algo a perder. [...] O amor é um romance que alguém escreve sobre você. [...] O amor é uma eleição, não uma seleção. [...]. Trechos extraídos da obra Celle que vous croyez (Gallimard, 2016), da escritora francesa Camille Laurens (pseudônimo de Laurence Ruel), que na obra Little Dancer Aged Fourteen: The True Story Behind Degas's Masterpiece (Other Press, 2018), expressou que: [...] Degas queria minar o estereótipo, afirmar uma verdade que a sociedade ignora – quer ignorar. A dança não é um conto de fadas, é uma profissão dolorosa. Os ratinhos são Cinderelas sem fadas madrinhas, não se tornam princesas, e as suas carruagens sem carruagem continuam a ser ratos, tão cinzentos como o algodão dos seus chinelos. São crianças que trabalham, como aprendizes de costureiras, babás e vendedoras, mas trabalham mais que as outras [...]. A ela é atribuida a frase: Homens livres podem partir e às vezes ficam. Essa é a mais bela prova de amor: tirar a liberdade de ficar quando poderia ir embora...

 

GÊNERO & PÓS-VERDADE – [...] O aquecimento global não deveria estar em disputas narrativas, porque factos são factos. Infelizmente, teremos de esperar para ver o que acontece, mas se o presidente da maior superpotência do mundo pós-verdade opera na fantasia e as suas crenças pessoais valem mais do que o conhecimento adequado, estamos condenados. É tudo tão infantil. E se o fim iminente do mundo através das alterações climáticas perpétuas não for suficientemente assustador [...]. Sabemos muito bem que emancipar a violência simbólica também emancipa a violência material. E que estes dois tipos de violência são igualmente reais. A objetivação simbólica e a aniquilação das mulheres são tão reais como as suas consequências materiais. Nós sabemos isso. É tão infantil e teimoso não aceitar isto como não aceitar que as alterações climáticas são reais. São os fatos. Não deveria haver disputa. O vocabulário sexista e o uso da violência simbólica são velhos conhecidos nossos. Feministas e outras ativistas vêm dizendo, há anos, que as pessoas que nos perseguem, abusam e tentam nos silenciar existem além da trollagem online. Parece quase inacreditável que, mesmo depois de tantas advertências, esforços educativos, debates e iniciativas, sejam aqueles que nos ofendem por nos ofender, aqueles que nos magoam porque podem, aqueles que parecem não ter vestígios. de respeito pela dignidade humana que estão melhor representados nos mais altos escalões do poder. [...] No entanto, não podemos dizer que não previmos essa reação negativa. A preparação para o contra-ataque postulando que os valores feministas são a fonte de todos os problemas que afligem as mulheres estava lá para ser vista. Sabíamos desse ataque preventivo contra as nossas conquistas, sabíamos que estava acontecendo algo que tentava interromper os avanços das mulheres antes mesmo de serem alcançados. Sabíamos que o crescimento exponencial do discurso feminista nos últimos anos seria enfrentado com força total. A reação está se concretizando plenamente com o restabelecimento do poder do macho alfa. [...] Num mundo de pós-verdades e de misoginia desenfreada, muitas verdades feministas permanecem firmemente em vigor. [...]. Trechos do artigo Gênero e pós-verdade (Huffpost, 2016), da escritora e professora Joanna Burigo.

 

A ARTE DE J. BORGES

Eu só faço trabalhos relacionados aos costumes e à vida do Nordeste porque eu considero o Brasil da Bahia para cá. É um Brasil natural, de sangue nordestino...

Pensamento do artista xilógrafo, cordelista e poeta J. Borges (José Francisco Borges – 1935-2024). Veja mais aqui, aqui e aqui.

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ARTEXPRESSÃO: MEMÓRIAS LITERÁRIAS

Dia 31 de agosto, nos turnos da manhã & tarde, horário das 8 às 12 e das 13 às 17h, no Centro de Formação Douglas Marques – Observatório de Linguagens. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

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segunda-feira, julho 22, 2024

STELLA NYANZI, NASTASSJA MARTIN, AGUSTINA BAZTERRICA & SEMANA HERMILO

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns Liszt: Piano Sonata & other works (Hyperion Records, 2015), Bach: The Art of Fugue (Hyperion Records, 2014), Bach: Flute Sonatas (Hyperion Records, 2013), Fauré: Piano Music (Hyperion Records, 2013), Debussy: Solo Piano Music (Hyperion Records, 2012) e Bach: Angela Hewitt plays Bach (Hyperion Records, 2010), da pianista canadense Angela Hewitt. Veja mais aqui.

 

OITO PRAS ONZE.... – De onde venho quase nem sei mesmo. Tudo é tão vertiginoso e qualquer lugar ardia com a cor do fogo: a todo instante a surpresa da primeira vez. Fui até hoje canoa de rio desgarrada, como se correntes fossem emporcalhadas pela loquacidade de indecifráveis apostadores e previsíveis alcaguetes – sorteios e apostas na ordem do dia, chamada dos arautos do horror - como se tudo fosse obra do acaso que não existe. O que estou fazendo aqui quase tão extenuado quanto errático, pegando carona no tempo e a padecer desde que passei a me entender por gente: como todos fui infante, escravo das horas e normas - a escuridão era minha ruína. Todo dia pensava em parar de vez, como se conseguisse; dali a pouco, ingenuamente relutava como quem esquecia das lapadas, como se nada tivesse acontecido, coisa de quem nunca aprendia: todo dia a maldição da estaca zero. E tanto esmerava na curva dos dias, tão imperfeito quanto de quase nem precavido: se tinha de perder a parada, saía fora tão inútil e a levar do zero entre oito a oitenta, batia nos oitocentos e insistia senão aos oito mil, milhões, zilhões, quer fosse negativo ou positivo, o ápice das possibilidades. Ué! Sim, bastava amanhecido já de pé pronto pro que quer que viesse – mesmo redundando de sequer ter saído do lugar inicial. E me reajeitava o quanto podia e não via a hora de vingar o que contaminou e não, o que o calendário devorou, afetos perdidos, perdas irreparáveis, elos partidos, ausências doloridas, vísceras expostas. E me valia de que os mortos não descansavam em paz, apenas estavam livres das insuportáveis dores da vida e porque foram muito antes enterrados vivos. Pra onde vou a cada amanhecer pronto para outra em pleno voo do previdente ao irremediável, do modesto ao excêntrico, entre o assombro e a palidez. Fiz força na fé, ô-lá-lá, malgrado o meio dia, arrebatado pelo que vi demais e de novo porque foi sempre como se fosse pela primeira vez. E de tão comum me dei por felizardo: um mortal diante da onipotência ubíqua e as imposturas da finitude. Onde houver vida ainda existirei. Até mais ver.


Pelo que se diz e nunca dito:

Silvina Ocampo: Quando você escreve, tudo é possível, até o oposto do que você é... Veja mais aqui.

Beatrix Potter: Não podemos ficar em casa a vida toda, devemos nos apresentar ao mundo e devemos encará-lo como uma aventura... Veja mais aqui.

Assia Djebar: Às vezes, tenho medo de que esses momentos frágeis da vida desapareçam. Parece que escrevo contra o apagamento... Veja mais aqui.

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Trabalhe duro em silêncio, deixe o seu sucesso ser o seu barulho... - Pensamento da escritora e jornalista britância Gill Hornby.

 

UM POEMA

Imagem: Acervo ArtLAM.

Quando estou frustrada com o poder do ditador, \ Sento em minha casa e escrevo. \ Quando o futuro do Uganda me enche de pavor, \ Pego minha caneta e escrevo. \ Quando não há soluções fáceis à vista, \ Eu divido os desafios escrevendo. \ Quando o orçamento do mês é pequeno, \ Pego papel e caneta para reescrever. \ Quando minha mente ameaça explodir como dinamite, \ Eu me acalmo escrevendo.

Poema da antropóloga médica, poeta, feminista e ativista ugandense Stella Nyanzi, que foi presa em 2017 por insultos ao presidente de Uganda, exilada na Alemanha. Em 2009, ao recusar o convite para lecionar no programa de doutorado denominado Mamdani PHD Project, seu escritório foi fechado e, num exemplo da prática cultural feminista da África Ocidental, fez um protesto nua contra o seu chefe. Após sua prisão em 2017, ela foi suspensa da Universidade Makerere, recorrendo da decisão junto ao tribunal de apelação que determinou que ela fosse reintegrada, promovida ao nível de pesquisadora com efeito imediato e reembolsado os salários. A universidade recusou-se a acatar a decisão do tribunal e ela entrou com uma ação contra a universidade solicitando reintegração e salários atrasados. Em resposta, em dezembro de 2018, a universidade demitiu-a, juntamente com outros 45 acadêmicos, argumentando que o seu contrato expirou. A partir de então passou a praticar “grosseria radical”, que é uma estratégia tradicional de Uganda de responsabilizar os poderosos por meio de insultos públicos. Em 2017, Nyanzi referiu-se ao Presidente Museveni como “um par de nádegas”. Por conta disso foi presa e detida na Esquadra de Polícia de Kiira sob a acusação de assédio cibernético e comunicação ofensiva. No mesmo ano, os médicos do Hospital Butakiba foram convocados para a realização de um exame de avaliação psiquiátrica para determinar que ela estava louca, como alegou o procurador do governo. No entanto, ela resistiu ao exame e solicitou que seu médico pessoal e pelo menos um membro da família estivessem presentes caso quisessem fazer um exame médico nela. Enfim, foi libertada pagando fiança e detida novamente no ano seguinte. Em 2019 sofreu um aborto espontâneo na prisão, sendo seu julgamento adiado, ocasião em que ela expôs os seios em protesto contra uma sentença. A imprensa internacional a chamou de "uma das mais proeminentes ativistas dos direitos de gênero da África", "uma acadêmica líder no campo emergente dos estudos queer africanos", e uma líder na luta contra "leis repressivas anti-queer " e por "liberdade de expressão". Várias instituições internacionais condenaram sua prisão como uma violação aos direitos humanos e liberdade de expressão. Exilou-se na Alemanha por meio de um programa de escritores, administrado pela PEN Alemanha. Ela é autora das obras No Roses From My Mouth (2020), Don't Come in My Mouth: Poems That Rattled Uganda (2021) e Eulogies of My Mouth Poems For A Uganda envenenada (2022).

 

TERNA É A CARNE - [...] O ser humano é a causa de todos os males deste mundo. Somos nossos próprios vírus. [...] Dar aos filhos o nome de seus pais é despojá-los de uma identidade, lembrando-lhes a quem pertencem [...] Não entendo por que o sorriso de uma pessoa é considerado atraente. Quando alguém sorri, está mostrando seu esqueleto [...]. Trechos extraídos da obra Tender Is the Flesh (Scribner Book Company, 2020), da escritora argentina Agustina Bazterrica, também autora da obra Cadáver exquisito (Darkside, 2022), no qual expressa que: [...] Ele tentou odiar toda a humanidade por ser tão frágil e efêmera, mas não conseguiu continuar porque odiar a todos é o mesmo que odiar ninguém. [...] Ensinar a matar é pior que matar [...]. Entre suas obras ainda constam Matar a la Niña (2012) e Antes del encuentro feroz (2016), bem como autora da frases: Sempre acreditei que na nossa sociedade capitalista e consumista, devoramo-nos uns aos outros.

 

ACREDITE EM ANIMAIS SELVAGENS – [...] Uma coisa eu entendi: o mundo está desabando simultaneamente em todos os lugares, apesar das aparências. O que há em Tvaïan é que vivemos conscientemente nas suas ruínas. [...] Digo que você mesmo não sabe o que sempre te leva a ir mais longe. Talvez eu concorde. Ou talvez esteja no reino do indizível. Ou o intraduzível. [...] Penso em todos aqueles seres que mergulharam nas zonas obscuras e desconhecidas da alteridade e que voltaram, metamorfoseados, capazes de enfrentar “o que vem” de uma forma inusitada, estão agora com o que foi confiado no fundo do mar, no céu, debaixo do lago, na barriga, debaixo dos dentes. [...] Trechos extraídos da obra Croire aux fauves (Verticales, 2019), da antropóloga e ensaísta francesa Nastassja Martin, que em sua obra In the Eye of the Wild (New York Review of Books, 2021) expressa que: [...] Há anos que escrevo sobre fronteiras, sobre a margem, sobre liminaridade, sobre a área fronteiriça, sobre os dois mundos; sobre este lugar tão especial onde é possível encontrar um “outro” poder, onde se corre o risco de se alterar, de onde é difícil voltar atrás. Sempre disse a mim mesmo que não deveríamos cair na armadilha do poder mágico e encantador. O caçador, impregnado dos cheiros de sua presa e depois de vestir suas roupas, modula sua voz para adotar a dela e, ao fazê-lo, entra em seu mundo, mascarado, mas ainda ele mesmo sob a máscara. Aqui está a astúcia, aqui está o perigo. A questão passa a ser: ser capaz de matar para voltar – para si mesmo, para a sua família. Ou: falhar, ser engolido pelo outro e deixar de estar vivo no mundo humano. Escrevi essas coisas no Alasca; Eu os experimentei em Kamchatka [...] Naquela noite escrevi que devemos acreditar nos animais selvagens, nos seus silêncios, na sua contenção; acreditar no estado de alerta, nas paredes brancas e nuas, nos lençóis amarelos deste quarto de hospital; acreditar no afastamento que trabalha o corpo e a alma num não-lugar que tem para si a sua neutralidade e a sua indiferença, a sua transversalidade. O informe torna-se mais claro, toma forma, é redefinido silenciosamente, brutalmente. Enxerto de mesclagem de mistura de reinnerva desinerve. Meu corpo depois do urso depois de suas garras, meu corpo em sangue e sem morte, meu corpo cheio de vida, de filhos e de mãos, meu corpo em forma de mundo aberto onde múltiplos seres se encontram, meu corpo que se repara com eles, sem eles, meu corpo é uma revolução [...]. Ela também é autora das obras Les Âmes sauvages: face à l'Occident, la résistance d’un peuple d’Alaska (La Découverte, 2016) e À l'Est des rêves (La Découverte, 2022).

 

SEMANA HERMILO

Pertenço a uma cultura de resistência e justamente porque a liberdade e a dignidade do homem estão em crise é que utilizo a única arma que tenho – minha ficção, para combater a intolerância sob qualquer aspecto em que se apresente.

Pensamento do advogado, escritor, crítico literário, jornalista, dramaturgo, diretor, teatrólogo e tradutor Hermilo Borba Filho (1917-2017). Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

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segunda-feira, julho 15, 2024

MÓNICA OJEDA, BORA CHUNG, AZA NJERI & DÉBORA LAÍS FERRAZ

 

Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos concertos Nights from the Alhambra (2007), A Mediterranean Odyssey (2010), Troubadours On The Rhine (2012) e os álbuns The Wind That Shakes the Barley (2010) e Lost Souls (2018), da cantora, compositora, pianista e harpista canadense Loreena McKennitt.

 

MONÓLOGOUTRO: E SE VIU O RIO & O QUE ALÉM MAIS HAVIA... – Horoutrera: aqui ninguém escutava e o eco do que nunca dissera trocava a noite pelo dia. Havia qualquer coisa de perdido à espera da sinistra surpresa. O que mais me aconteceria na vida... Tirava forças da fraqueza e era quase inútil, mas era uma chance, quem sabe. Quantos futuros e a fulminação pelas oitavadas dores. Dava de cara com os abortados vivos zanzando encarcerados em suas bolhas exclusivas. Escapava de quantos assaltos, até o nocaute previsível a qualquer momento entre vindicações e platitudes. Havia de aparecer sutil sinal. E do imprevisível dava fé da minha própria sombra: era uma mulher e não me foi arredia, tal Phoebe Mary Waller-Bridge: Comecei lendo como uma fuga, depois como uma tarefa, depois como um hábito e depois como um luxo. Só agora percebi que isso é uma necessidade... Era como ensinasse o inexpresso visinvisível, a me dar ciência num poema escrito na palma da mão, de que sou não mais que inominômino, um alcunha para nada mais. A bom termo, não sei: quem, quando, como, onde agora, aporias, estases e devires. Indagações outras desfeitas no instante, o primeiro talvez e apenas a perspicácia de ser antes do já anterior e o depois. Ela era Espido Freire: Se você vive de acordo com a sua consciência, a fé não é tão importante... Todo livro tem que quebrar o silêncio... E não estava só porque ela me levou pelos túneis solares de Nancy Holt. Seguia seus passos e pernas bem torneadas – toda mulher é uma deusa, sabia! Muito depois ela me disse que fora uma aberração escravizada e fugira de atrações circenses, coisa escandalosa da população inteira em polvorosa nos poleiros entupidos das sessões reprisadas três vezes ao dia. Inacreditável! Então, empunhou um poema sem face e recitou escondendo sua fisionomia. Era como se me desse um olho de tamburutaca e nele espelhos duplicassem as imagens refletidas e a promessa do infinito. Era a prova dos nove. E disse-me Nathalie Sarraute: Acho que é muito doloroso e que é melhor não ter dúvidas. Invejo quem não tem; eu os invejo muito. Eles são pessoas felizes... Horaquela achegou-se como a explosão de Betelgeuse, tão diurna na sua pujante vitalidade, e refratária ensinou-me o beijo para quem às amarguras; se se perdeu, o abraço; aos suicidas, o apoio; em desgraça, o afeto. E dei meus olhos ao primeiro cego; minha esperança, ao suicida; o meu suor, ao emergencial enfermo; e os ossos, aos tocadores da primeira orquestra. O meu sorriso guardei para ela ali noturna, com seus olhos bíblicos de vivos faróis. Baixou as pálpebras que depuseram a terna tristeza de quem já serviu de pajem para histriões. Era como se restasse apenas o agora e ofertou seus pulsos à hora inadiável e seus mil e um encantos eclodiram ubíquos. Sorriu-me tímida e abriu as coxas para atravessá-las e nela eu amanheci, muito chovi e fiz sol, entardeci e, quando findou o dia, anoiteci pelas paisagens de sua imensidão corpórea. Até mais ver.

 

CRÂNIO – CRÂNIO = X

Imagem: Acervo ArtLAM.

Desconhecido na linguagem dos mortos. \ Poema nulo. \ Ouvi dizer que você cavalga nas cabeças das Fúrias \ e você foge \ e mancha os terrenos baldios de leite coalhado \ meu leite coagulado \ e eles bebem e te dão luz \ uma caveira com canhões prateados apontando para meu peito \ conjunto de trilhas elétricas e membranas salgadas \ fio-mãe de navalhas \ mãe abutre cinerário \ Os três lambem as gengivas sob o limiar quente dos teus rins em flor: \ Eles têm cascos e abrem caminho desde os rios gástricos até os milharais. \ Eles se espalham pela Via Láctea montando em você. \ Eles urinam nas orelhas dos dentes que se desprendem para oeste. \ “Mãe e filha é uma antinomia”, \ a clarividência subaquática do seu trinômio perfeito de cães canta para você \ e você repete ao sul de sua debandada: \ “Mãe e filha são uma antinomia \ com pernas e cabelos de tarântula \ em uma gaiola de gelo vazia.” \ Seu cabelo queima como elefantes marciais cruzando os desertos \ babuíno zibelina \ casca de peixe aéreo. \ Você quer minha carne no seu leite terrível \ cozinhando na alta temperatura dos furacões \ (Escolas de esperma do deus morto \ povoar acima das águas galácticas do norte). \ Eu tremo nos abrigos derrubados pela sua barriga de baleia em histeria \ Esplanada \ Maddrácula dos mausoléus \ As cabeças das Fúrias sorriem tortuosamente para o sangue, \ rígida sob as coxas do galgo e a escultura perfeita do tórax; \ Eles querem me cozinhar no seu néctar de hera vencido, \ forçar o leite dos fígados para dentro de mim através do sulco celestial de suas primeiras manhãs. \ Espigas de dentes descascam e mordem meus restos imóveis à medida que passam. \ Eu me escondo entre as peles dos vertebrados \ e transformo meu corpo em um saco de penas \ que surge fresco entre os fêmures selvagens. \ Mãe e filha são uma antinomia. \ Uma caveira desgastada observa meu sinal nu: \ todo tipo de fuga termina \ nas cavidades profundas \ de um animal morto.

Poema da escritora equatoriana Mónica Ojeda Franco, autora das obras La desfiguración Silva (Prêmio Alba Narrativa, 2014), Nefando (Candaya, 2016), e O ciclo das pedras (Rastro de la Iguana, 2015).

 

COELHO AMALDIÇOADO – [...] Depois que você passa por um trauma terrível e entende o mundo de uma perspectiva extrema, é difícil superar essa perspectiva. Porque a sua própria sobrevivência depende disso. [...] Se eu pudesse fazer um desejo, quero ser um pouco mais feliz Se eu ficar muito feliz sentirei falta da tristeza [...] Para algumas pessoas, suas vidas são governadas por um evento chocante que repercute em seus instintos de sobrevivência. A vida se reduz a uma armadilha feita de um momento brilhante do passado, uma armadilha onde repetem incessantemente aquele momento singular em que tinham mais certeza de estar vivos. Esse momento é curto, mas muito depois de ter passado, os bons e os maus momentos escorregam como areia por entre os dedos enquanto se repetem sem sentido e confirmam a sua sobrevivência. [...] A vida é uma série de problemas. Principalmente quando se é casado e tem família. Porque mesmo quando você consegue evitar os problemas do mundo exterior e voltar para casa em segurança, sua família está lá esperando com um conjunto totalmente diferente de problemas próprios. [...]. Trechos extraídos da obra Cursed Bunny (Honford Star, 2021), da premiada escritora e tradutora sul-coreana Bora Chung.

 

ÉTICA, FILOSOFIA, GÊNERO & RAÇA - Para o sujeito negro, viver é o seu maior ato de afronta... Eu encho meus filhos de amor para que, quando eu me tornar ancestral, seja merecedora de seu respeito e reverência e possa, assim, zelar diretamente por eles e pela minha descendência... Pensamento da filósofa Aza Njeri (Viviane Moraes), que na obra Amor: um Ato Político-Poético - Ética e filosofia: gênero, raça e diversidade cultural (Fi, 2020), expressa que: [...] Nosso maior Ato Político-Poético é amar. Como já abordado neste ensaio, não o Amor alienante ocidental, mas as pluriformas possíveis de Outridade no amar. É libertador, para nós, o “Outro”, perceber que Amor não é o conto de fadas das adormecidas e abobalhadas princesas europeias à procura de um patife que passou a vida inteira sendo servido por mulheres como eu; nem volúpia sexual, que faz com que se fique três dias e três noites entregues aos “desejos da carne”; não tem coraçõezinhos pulsando, nem canção, muito menos loucura insana e mortal. [...] Compreender que não existe verdade única que determina uma experiência universal una dentro de um mosaico plural que é a Humanidade. O Amor, portanto, pode ser entendido a partir de uma pluriversalidade de cosmovisões, e neste artigo, busquei sulear minhas reflexões, para pensar o Amor enquanto energia fundante de movimento, necessária para a luta dos oprimidos no Ocidente. Longe de querer destituir o Ocidente para impor uma verdade afroperspectivada universal, ao contrário, almejei nessa discussão o diálogo que aponta para a necessidade do Outro falar e experienciar diversas formas de amar que estejam mais em sintonia com sua experiência no mundo que é atravessada pelo Presságio do Abismo, Monstro do Genocídio e pela fratura banzística de insílio. [...]. Já no seu texto Imprevisibilidade da Vida (Coletivo Indra, 2021), ela expressa que: [...] uma das minhas piores características é ser controladora. Gosto de ser organizada e ter controle sobre minhas pesquisas, aulas, vídeos, família, casa, Vida. Tenho consciência dessa amarra e trabalho diariamente para me desapegar e entender que viver é uma experiência radical e imprevisível.  Nesses 36 anos recém-completados, aprendi a necessidade dos três S: Solaridade, Sabedoria e Silêncio. Com eles, exercito a minha vitalidade atenta diante das peripécias do viver. Setembro foi um mês de muitas reviravoltas. Cíclico e potente, me chacoalhou dizendo: você não tem controle. Então sigo repetindo, sem controle da Vida, que Viver é um ato de afronta fundamental para resistir à desgraça coletiva do Brasil. Vou vivendo-sendo. Organizada, mas ainda impotente. Atenta e resiliente. Saúdo a Primavera, plantando girassóis solares no peito de cada um. [...].

 

ENQUANTO DEUS NÃO ESTÁ OLHANDO...

[...] Eu era incapaz de chegar a um lugar e dizer o que queria. Sempre envolvida pelas possibilidades de estar querendo—ou acreditando querer—a coisa errada. Sempre que eu ia a uma lanchonete com meu pai, eu precisava ver o cardápio inteiro, todas as vitrines de bolos, ponderando, desesperadamente, sobre as opções. Ele sempre se impacientava com isso. Em lanchonetes, ele caminhava decidido ao balcão e, sem perguntar o que serviam, sem ter em mãos o cardápio, pedia: Um misto quente e um café. Ele não se preocupava com as opções. E por que deveria? Eu é que tive opções demais na vida. Ele, não. Ele sabia o que queria. Adaptou-se ao fato de que qualquer birosca ofereceria misto quente e café. Ele teve uma só possibilidade. [...] Pessoas assim nunca vão crescer, de fato. Pensei, desanimada, sobre minha própria incompetência para uma vida adulta [...].

Trecho extraído da obra Enquanto deus não está olhando (Record, 2014), da escritora e jornalista, Débora Laís Ferraz, autora de obras como Os anjos (2003) e o conto O filhote de terremoto (Prêmio SESC de Contos Machado de Assis em 2012), adaptado para o cinema pelo curta-metragem Catástrofe (2012), dirigido por Gian Orsini. Veja mais aqui.

 

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segunda-feira, julho 08, 2024

MARTHA NUSSBAUM, CECILIA LAGE, MARIELA TULIÁN, ÁGNES SOUZA & MATA SUL INDÍGENA

Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som Piano Concerto nº 2. Op. 18, do compositor, pianista e maestro russo Sergei Rachmaninoff (1873-1943), na interpretação da pianista russa Maya Oganyan & Orchestra del Teatro La Fenice di Venezia Direttore: Damiano Binetti Registrato il 28 aprile 2024 al Teatro Malibran di Venezia dalla galleria. Veja mais aqui e aqui.

 

POEMA ESCRITO NA PAREDE: AQUELA ERA A HORA... - Outonera inauguramanhã e tempalaridos. Sabia nada e tudo via escancarada porteira do mundo: aprendia subservivo encurralado e escorregava na meleca, o estouro da queda: no meu chão todas as razões pra chorar - a escravidão se perpetuava e o país em chamas: iniquidade sempre foi privilégio, tudo era tão cruel. E não se contava o que houve, só a fábula cheia de caos e poluição, degradação, decadência. Persuadia Colleen Hoover: Você é apenas humano. E como humanos, não podemos esperar arcar com toda a nossa dor... Sim, demandas e diásporas, um fio desencapado na travessia. Cá comigo, o que era do outro lado se estava deste: quem lá estava e me via muitos que não dou conta de tantos, nem podia trezentos e sessenta graus. E sequer alcançava o que de possível seria. Melhor Wisława Szymborska: Quando pronuncio a palavra \ Futuro, a primeira sílaba já pertence ao passado. \ Quando pronuncio a palavra \ Silêncio, \ Eu destruo isso... Outroutra e o mundo sempre foi mesmo muito injusto: equidade que me fiz no desequilibrio, total descontrole - o reino da outridade e o heterogêneo, porque o outro do outro era eu e serei a comungar e viver. As dores dos outros também sempre foram minhas e fui o tempo; a vida, quase uma viagem clandestina, voava livre na disposição abissal. E fui o vento e o que poderia ter sido, derramei meus versos e enlouquecia: duas vezes morri e recolhia as folhas do silêncio. Não fosse Lauren Kate: Às vezes, coisas bonitas surgem em nossas vidas do nada. Nem sempre conseguimos entendê-los, mas temos que confiar neles... Amarei você de todo o coração, em cada vida, em cada morte... Era ela e eu atravessava espelhos e tantos baobás por caminhos insidiosos, as inumeráveis coisas anônimas e os labirintos fractais, ouropéis e quasicristais, areias outras e o que não quis por noites verticais. E era ela o entardecer: uma rainha louca, com o estardalhaço de arrancar suas roupas, nua ave desvelando segredos. E não bastava o que era da madrugada e a coincidência da estrela parecia remissão: era ela que voltava com seu perfil grego e a fúria de furacão Beryl, revirando tudo num plenilúnio rosazul: os fartos seios de prata de Capéi pelo Atol das Rocas. Ali me ensinou a solaridade e repetia interminavelmente: somos sóis vivos! E refulgimos por todo invernescuro semeando festestival. Até mais ver.

 

TRÊS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

A VOZ DE UM PÁSSARO - Não consegui preservar minha especie \ foi por isso que morri, \ três humanos olham para mim quando passo \ com o espanto que as coisas mortas têm. \ Hoje, depois da caça, desapareci, \ Um cachorro passa por mim e leva meu espírito, \ Eu permaneci calmo, \ Meu espírito será preservado em outra espécie, finalmente.

PALOMANCIA URBANA - Pombos, parem de falar comigo! \ Pare de me confundir com como você sabe voar! \ e eles vão possuir o mundo! \ Uma mera migalha não os torna onipotentes, não é mesmo?

VIVA ENTRE AS PESSOAS - Viva entre as pessoas \ e não atormente \ o pulso vital \ é dado à morte passiva, \ tolerância não é extrema \ e o corpo cansa \ e a fumaça dos carros \ eles são poeira inimiga \ e tudo é peido \ e tudo é ar que polui \ e tudo é nulo, \ tudo é blasfêmia \ tudo é um corpo cercado, \ toda asfixia sobre-humana, \ o tempo todo para tras \ tudo está vivo, mas de cabeça para baixo, \ e tem uma criança que morre de rir \ e outro que ri de tontura \ e penso em ficar tonto. \ Mutação de mundo para mundo.

Poemas da poeta uruguaia Cecilia Lage, autora dos livros Verlo Todo Con Ojos Animales (Gran Vida, 2014) e Llévame al agua (Astromulo, 2022).

 


ANCESTRALIDADE – A ancestralidade nos diz que somos seres de amor. Não há justificativa para o que está acontecendo... Pensamento expresso em uma entrevista (CDM Notícias, 2019) concedida pela escritora e professora argentina, Mariela Tulián, que é uma casqui curaca da comunidade indígena “Tulián”, do povo da nação Comechingón, das Serras de San Marcos, província de Córdoba. É Vice-Presidente da Coordenação de Comunicação Audiovisual Indígena da Argentina (CCAIA) e Secretária da Região Sul do Conselho de Anciãos, Anciãos e Guias Espirituais do Continente. É autora dos livros Zoncoipacha: desde el corazón del territorio – El legado de Francisco Tulián (Ciccus, 2016) e La Pequeña Francisca (A Capela, 2020), além de integrar a antologia De la tierra floreciente: Poesía de Abya Yala (A Capela, 2020), de Dora Aguavil Aguavil. Na entrevista concedida ao Centro Argentina para Mídia Independente (2017), ela expressa sobre o conceito de território: [...] Este conceito faz parte da minha memória oral e faz parte também de uma convivência com o território, porque não são só palavras, é ação, é viver num quadro de vida, onde se entende que o espiritual é muito importante. Todas as ações que realizamos na defesa do território reafirmam constantemente esse sentimento profundo, esse amor e esta necessidade de proteger este modo de vida que é a nossa cultura. Somos filhos da mãe terra. Temos o tacu, a alfarrobeira, como um dos elementos mais importantes, é o nosso alimento e é, ao mesmo tempo, um medicamento muito importante, temos até a cor da alfarrobeira na pele, os nossos músculos ficam fortalecidos por aquela farinha de alfarroba e Para nós o tacu significa árvore da vida, nessa grande teia da vida o tacu tem um lugar predominante. [...]. Sobre as mulheres ela explicita: [...] Nossa visão de mundo apresenta a mulher como um complemento, mas ao mesmo tempo em igualdade de condições com o que se vê na sociedade atual. Por exemplo: ancestralmente e atualmente, a mulher pode ocupar qualquer cargo; Na verdade, sou um casqui curaca da comunidade. E isso era muito mais comum do que você pensa; O que aconteceu é que a colônia trouxe o machismo. O machismo é outro legado da conquista e que está comprovado em diversos arquivos. Existem muitos caciques, lideranças femininas que foram muito maltratadas, estigmatizadas, mas ao mesmo tempo permaneceram na história de diferentes povos indígenas. Posso citar, por exemplo, Juana Azurduy, ela é um exemplo claro. Há uma líder, chamam-na de Gaitana, que ficou na memória da Colômbia e da Venezuela, ela era cacique e era a líder da comunidade quando os espanhóis chegaram ao território. E como ela existem outros líderes ancestrais que eram desconhecidos da história, que não chegaram aos nossos ouvidos e esse silêncio não é uma simples omissão; É um plano para sustentar o machismo, o patriarcado que não tem justificativa. Em outras cidades, os homens são filhos do sol e as mulheres da lua; Somos filhos de Inti Puka, do Sol Vermelho do povo Comechingón, é um Sol que é pai e mãe, construído com o barro da nossa mãe terra, é um símbolo que une o feminino e o masculino, o grande pai não poderia ter forma sem o barro da nossa mãe terra, desta forma os homens são filhos do sol e nós, mulheres, filhas da luz desse sol. Vemos que atualmente o homem genérico assumiu a posse da mãe terra, da mesma forma que acredita que pode possuir as mulheres como propriedade privada. O machismo é uma extensão da ideia de propriedade privada [...].

 

SEM FINS LUCRATIVOS: POR QUE A DEMOCRACIA PRECISA DAS HUMANIDADES - [...] Os problemas que a globalização e a automatização criam para a classe trabalhadora são reais, profundos e aparentemente intratáveis. Em vez de enfrentarem essas dificuldades e incertezas, as pessoas que sentem o declínio do seu padrão de vida podem, em vez disso, agarrar-se aos vilões, e uma fantasia toma forma: se “nós” pudermos de alguma forma mantê-los fora (construir um muro) ou mantê-los “no seu lugar” ”(em posições subservientes), “nós” podemos recuperar o nosso orgulho e, para os homens, a sua masculinidade. O medo leva, então, a estratégias agressivas de “alteração” em vez de análises úteis. [...] “E o que é “o Ocidente”? Não é uma entidade geográfica, uma vez que inclui a Austrália e a Polónia e exclui nações como o Egipto e Marrocos, que estão mais a oeste do que algumas das nações incluídas. [...] Basicamente, é um apelo à religião partilhada e à identidade racial partilhada: ao cristianismo (com alguns judeus incluídos) e à branquitude (uma vez que a América Latina não parece estar incluída) [...] O medo tende muitas vezes a bloquear a deliberação racional, envenena a esperança e impede a cooperação construtiva rumo a um futuro melhor. [...] Os problemas reais são difíceis de resolver e resolvê-los exige muito tempo de estudo aprofundado e de trabalho cooperativo com vista a um futuro que nunca deixa de ser incerto. Assim, pode ser muito fácil transformar esse sentimento de pânico e desamparo em culpabilização e numa “alteração” de grupos “diferentes”, como os imigrantes, as minorias raciais e as mulheres. “Eles” tiraram-nos os nossos empregos. Ou, se não: a elite opulenta roubou-nos o nosso país. [...] Em vez de analisarem seriamente a questão e ouvirem os argumentos do outro lado, tentando compreender plenamente os vários aspectos da realidade, tendem a demonizar nada menos de metade do eleitorado americano, descrevendo esses eleitores como monstros e inimigos de tudo o que é bom. Como no livro do Apocalipse, estaríamos, segundo eles, no fim dos tempos, no momento em que alguns justos, ainda de pé, deverão lutar contra as forças de Satanás. [...] É fácil que o medo venha antes do pensamento reflexivo. E é essa debandada que nos leva a agir precipitadamente, causada pela insegurança, que encaro com grande cepticismo. Esse tipo de medo mina a fraternidade, envenena a cooperação e nos leva a fazer coisas das quais nos envergonhamos profundamente mais tarde. [...] Pensar é difícil; é muito mais fácil temer e culpar. [...] Tendemos a pensar melhor e a nos relacionarmos de forma mais eficaz quando nos distanciamos do cotidiano, que é onde nossos medos e desejos mais imediatos provavelmente estarão centrados. [...] Quando sentimos medo, estamos utilizando uma herança animal comum, não exclusiva dos primatas ou mesmo dos vertebrados. O medo volta diretamente para o cérebro reptiliano. [...]. Trechos extraídos da obra The Monarchy of Fear: A Philosopher Looks at Our Political Crisis (Simon & Schuster, 2018), da filósofa estadunidense Martha Nussbaum. Veja mais aqui.

 

BULA

todo dia \ sempre que puder\ de doze em doze horas\ o médico recomendou caminhar\ de oito em oito horas\ tá doze por oito eu acho\ de seis em seis horas\ a rezadeira disse que era olhado\ de homem e de mulher\ de três em três anos\ colocar dois dedos no pulso\ para lembrar que ainda se está vivo.

Poema da poeta e professora Ágnes Souza, autora dos livros re-cordis (2016) e Pouso (2020), que também se expressa: [...] Eu comecei a ter um olhar mais curioso acerca dessa poesia que tem como centro o pequeno, o miúdo, e é o que eu hoje em dia mais prezo nos meus poemas, esse debruçamento sobre o que passa, muitas vezes, despercebido, por estar presente o tempo todo, por ser muito próximo e que, às vezes cega [...] Esse movimento de descrédito às artes, sem nenhuma intenção de romantizar, acaba fortalecendo essas poéticas que não deixarão de existir por conta de um plano político, é como disse Gilberto Gil no documentário Refavela 40, ‘a poesia é uma substância fraca... vale pouco na construção de vida material, mas vale muito na construção de vida subjetiva’, eu, como poeta, acredito que o ofício do poeta também. [...]. Veja mais aqui.

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4º ENCONTRO MATA SUL INDÍGENA

 
 

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KARIMA ZIALI, ANA JAKA, AMIN MAALOUF & JOÃO PERNAMBUCO

  Poemagem – Acervo ArtLAM . Veja mais abaixo & aqui . Ao som de Sonho de magia (1930), do compositor João Pernambuco (1883-1947), ...