segunda-feira, julho 08, 2024

MARTHA NUSSBAUM, CECILIA LAGE, MARIELA TULIÁN, ÁGNES SOUZA & MATA SUL INDÍGENA

Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som Piano Concerto nº 2. Op. 18, do compositor, pianista e maestro russo Sergei Rachmaninoff (1873-1943), na interpretação da pianista russa Maya Oganyan & Orchestra del Teatro La Fenice di Venezia Direttore: Damiano Binetti Registrato il 28 aprile 2024 al Teatro Malibran di Venezia dalla galleria. Veja mais aqui e aqui.

 

POEMA ESCRITO NA PAREDE: AQUELA ERA A HORA... - Outonera inauguramanhã e tempalaridos. Sabia nada e tudo via escancarada porteira do mundo: aprendia subservivo encurralado e escorregava na meleca, o estouro da queda: no meu chão todas as razões pra chorar - a escravidão se perpetuava e o país em chamas: iniquidade sempre foi privilégio, tudo era tão cruel. E não se contava o que houve, só a fábula cheia de caos e poluição, degradação, decadência. Persuadia Colleen Hoover: Você é apenas humano. E como humanos, não podemos esperar arcar com toda a nossa dor... Sim, demandas e diásporas, um fio desencapado na travessia. Cá comigo, o que era do outro lado se estava deste: quem lá estava e me via muitos que não dou conta de tantos, nem podia trezentos e sessenta graus. E sequer alcançava o que de possível seria. Melhor Wisława Szymborska: Quando pronuncio a palavra \ Futuro, a primeira sílaba já pertence ao passado. \ Quando pronuncio a palavra \ Silêncio, \ Eu destruo isso... Outroutra e o mundo sempre foi mesmo muito injusto: equidade que me fiz no desequilibrio, total descontrole - o reino da outridade e o heterogêneo, porque o outro do outro era eu e serei a comungar e viver. As dores dos outros também sempre foram minhas e fui o tempo; a vida, quase uma viagem clandestina, voava livre na disposição abissal. E fui o vento e o que poderia ter sido, derramei meus versos e enlouquecia: duas vezes morri e recolhia as folhas do silêncio. Não fosse Lauren Kate: Às vezes, coisas bonitas surgem em nossas vidas do nada. Nem sempre conseguimos entendê-los, mas temos que confiar neles... Amarei você de todo o coração, em cada vida, em cada morte... Era ela e eu atravessava espelhos e tantos baobás por caminhos insidiosos, as inumeráveis coisas anônimas e os labirintos fractais, ouropéis e quasicristais, areias outras e o que não quis por noites verticais. E era ela o entardecer: uma rainha louca, com o estardalhaço de arrancar suas roupas, nua ave desvelando segredos. E não bastava o que era da madrugada e a coincidência da estrela parecia remissão: era ela que voltava com seu perfil grego e a fúria de furacão Beryl, revirando tudo num plenilúnio rosazul: os fartos seios de prata de Capéi pelo Atol das Rocas. Ali me ensinou a solaridade e repetia interminavelmente: somos sóis vivos! E refulgimos por todo invernescuro semeando festestival. Até mais ver.

 

TRÊS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

A VOZ DE UM PÁSSARO - Não consegui preservar minha especie \ foi por isso que morri, \ três humanos olham para mim quando passo \ com o espanto que as coisas mortas têm. \ Hoje, depois da caça, desapareci, \ Um cachorro passa por mim e leva meu espírito, \ Eu permaneci calmo, \ Meu espírito será preservado em outra espécie, finalmente.

PALOMANCIA URBANA - Pombos, parem de falar comigo! \ Pare de me confundir com como você sabe voar! \ e eles vão possuir o mundo! \ Uma mera migalha não os torna onipotentes, não é mesmo?

VIVA ENTRE AS PESSOAS - Viva entre as pessoas \ e não atormente \ o pulso vital \ é dado à morte passiva, \ tolerância não é extrema \ e o corpo cansa \ e a fumaça dos carros \ eles são poeira inimiga \ e tudo é peido \ e tudo é ar que polui \ e tudo é nulo, \ tudo é blasfêmia \ tudo é um corpo cercado, \ toda asfixia sobre-humana, \ o tempo todo para tras \ tudo está vivo, mas de cabeça para baixo, \ e tem uma criança que morre de rir \ e outro que ri de tontura \ e penso em ficar tonto. \ Mutação de mundo para mundo.

Poemas da poeta uruguaia Cecilia Lage, autora dos livros Verlo Todo Con Ojos Animales (Gran Vida, 2014) e Llévame al agua (Astromulo, 2022).

 


ANCESTRALIDADE – A ancestralidade nos diz que somos seres de amor. Não há justificativa para o que está acontecendo... Pensamento expresso em uma entrevista (CDM Notícias, 2019) concedida pela escritora e professora argentina, Mariela Tulián, que é uma casqui curaca da comunidade indígena “Tulián”, do povo da nação Comechingón, das Serras de San Marcos, província de Córdoba. É Vice-Presidente da Coordenação de Comunicação Audiovisual Indígena da Argentina (CCAIA) e Secretária da Região Sul do Conselho de Anciãos, Anciãos e Guias Espirituais do Continente. É autora dos livros Zoncoipacha: desde el corazón del territorio – El legado de Francisco Tulián (Ciccus, 2016) e La Pequeña Francisca (A Capela, 2020), além de integrar a antologia De la tierra floreciente: Poesía de Abya Yala (A Capela, 2020), de Dora Aguavil Aguavil. Na entrevista concedida ao Centro Argentina para Mídia Independente (2017), ela expressa sobre o conceito de território: [...] Este conceito faz parte da minha memória oral e faz parte também de uma convivência com o território, porque não são só palavras, é ação, é viver num quadro de vida, onde se entende que o espiritual é muito importante. Todas as ações que realizamos na defesa do território reafirmam constantemente esse sentimento profundo, esse amor e esta necessidade de proteger este modo de vida que é a nossa cultura. Somos filhos da mãe terra. Temos o tacu, a alfarrobeira, como um dos elementos mais importantes, é o nosso alimento e é, ao mesmo tempo, um medicamento muito importante, temos até a cor da alfarrobeira na pele, os nossos músculos ficam fortalecidos por aquela farinha de alfarroba e Para nós o tacu significa árvore da vida, nessa grande teia da vida o tacu tem um lugar predominante. [...]. Sobre as mulheres ela explicita: [...] Nossa visão de mundo apresenta a mulher como um complemento, mas ao mesmo tempo em igualdade de condições com o que se vê na sociedade atual. Por exemplo: ancestralmente e atualmente, a mulher pode ocupar qualquer cargo; Na verdade, sou um casqui curaca da comunidade. E isso era muito mais comum do que você pensa; O que aconteceu é que a colônia trouxe o machismo. O machismo é outro legado da conquista e que está comprovado em diversos arquivos. Existem muitos caciques, lideranças femininas que foram muito maltratadas, estigmatizadas, mas ao mesmo tempo permaneceram na história de diferentes povos indígenas. Posso citar, por exemplo, Juana Azurduy, ela é um exemplo claro. Há uma líder, chamam-na de Gaitana, que ficou na memória da Colômbia e da Venezuela, ela era cacique e era a líder da comunidade quando os espanhóis chegaram ao território. E como ela existem outros líderes ancestrais que eram desconhecidos da história, que não chegaram aos nossos ouvidos e esse silêncio não é uma simples omissão; É um plano para sustentar o machismo, o patriarcado que não tem justificativa. Em outras cidades, os homens são filhos do sol e as mulheres da lua; Somos filhos de Inti Puka, do Sol Vermelho do povo Comechingón, é um Sol que é pai e mãe, construído com o barro da nossa mãe terra, é um símbolo que une o feminino e o masculino, o grande pai não poderia ter forma sem o barro da nossa mãe terra, desta forma os homens são filhos do sol e nós, mulheres, filhas da luz desse sol. Vemos que atualmente o homem genérico assumiu a posse da mãe terra, da mesma forma que acredita que pode possuir as mulheres como propriedade privada. O machismo é uma extensão da ideia de propriedade privada [...].

 

SEM FINS LUCRATIVOS: POR QUE A DEMOCRACIA PRECISA DAS HUMANIDADES - [...] Os problemas que a globalização e a automatização criam para a classe trabalhadora são reais, profundos e aparentemente intratáveis. Em vez de enfrentarem essas dificuldades e incertezas, as pessoas que sentem o declínio do seu padrão de vida podem, em vez disso, agarrar-se aos vilões, e uma fantasia toma forma: se “nós” pudermos de alguma forma mantê-los fora (construir um muro) ou mantê-los “no seu lugar” ”(em posições subservientes), “nós” podemos recuperar o nosso orgulho e, para os homens, a sua masculinidade. O medo leva, então, a estratégias agressivas de “alteração” em vez de análises úteis. [...] “E o que é “o Ocidente”? Não é uma entidade geográfica, uma vez que inclui a Austrália e a Polónia e exclui nações como o Egipto e Marrocos, que estão mais a oeste do que algumas das nações incluídas. [...] Basicamente, é um apelo à religião partilhada e à identidade racial partilhada: ao cristianismo (com alguns judeus incluídos) e à branquitude (uma vez que a América Latina não parece estar incluída) [...] O medo tende muitas vezes a bloquear a deliberação racional, envenena a esperança e impede a cooperação construtiva rumo a um futuro melhor. [...] Os problemas reais são difíceis de resolver e resolvê-los exige muito tempo de estudo aprofundado e de trabalho cooperativo com vista a um futuro que nunca deixa de ser incerto. Assim, pode ser muito fácil transformar esse sentimento de pânico e desamparo em culpabilização e numa “alteração” de grupos “diferentes”, como os imigrantes, as minorias raciais e as mulheres. “Eles” tiraram-nos os nossos empregos. Ou, se não: a elite opulenta roubou-nos o nosso país. [...] Em vez de analisarem seriamente a questão e ouvirem os argumentos do outro lado, tentando compreender plenamente os vários aspectos da realidade, tendem a demonizar nada menos de metade do eleitorado americano, descrevendo esses eleitores como monstros e inimigos de tudo o que é bom. Como no livro do Apocalipse, estaríamos, segundo eles, no fim dos tempos, no momento em que alguns justos, ainda de pé, deverão lutar contra as forças de Satanás. [...] É fácil que o medo venha antes do pensamento reflexivo. E é essa debandada que nos leva a agir precipitadamente, causada pela insegurança, que encaro com grande cepticismo. Esse tipo de medo mina a fraternidade, envenena a cooperação e nos leva a fazer coisas das quais nos envergonhamos profundamente mais tarde. [...] Pensar é difícil; é muito mais fácil temer e culpar. [...] Tendemos a pensar melhor e a nos relacionarmos de forma mais eficaz quando nos distanciamos do cotidiano, que é onde nossos medos e desejos mais imediatos provavelmente estarão centrados. [...] Quando sentimos medo, estamos utilizando uma herança animal comum, não exclusiva dos primatas ou mesmo dos vertebrados. O medo volta diretamente para o cérebro reptiliano. [...]. Trechos extraídos da obra The Monarchy of Fear: A Philosopher Looks at Our Political Crisis (Simon & Schuster, 2018), da filósofa estadunidense Martha Nussbaum. Veja mais aqui.

 

BULA

todo dia \ sempre que puder\ de doze em doze horas\ o médico recomendou caminhar\ de oito em oito horas\ tá doze por oito eu acho\ de seis em seis horas\ a rezadeira disse que era olhado\ de homem e de mulher\ de três em três anos\ colocar dois dedos no pulso\ para lembrar que ainda se está vivo.

Poema da poeta e professora Ágnes Souza, autora dos livros re-cordis (2016) e Pouso (2020), que também se expressa: [...] Eu comecei a ter um olhar mais curioso acerca dessa poesia que tem como centro o pequeno, o miúdo, e é o que eu hoje em dia mais prezo nos meus poemas, esse debruçamento sobre o que passa, muitas vezes, despercebido, por estar presente o tempo todo, por ser muito próximo e que, às vezes cega [...] Esse movimento de descrédito às artes, sem nenhuma intenção de romantizar, acaba fortalecendo essas poéticas que não deixarão de existir por conta de um plano político, é como disse Gilberto Gil no documentário Refavela 40, ‘a poesia é uma substância fraca... vale pouco na construção de vida material, mas vale muito na construção de vida subjetiva’, eu, como poeta, acredito que o ofício do poeta também. [...]. Veja mais aqui.

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4º ENCONTRO MATA SUL INDÍGENA

 
 

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Tem mais:

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Crônica de amor por ela aqui.

 

CHRISTINA VASSILEVA, KATHERINE JOHNSON, MARTÍN-BARÓ, JOÃO CABRAL & MATA SUL INDÍGENA

    Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som dos álbuns Mistérios do Rio Lento (The Voice of Lyrics, 1998), Santiago de Murcia: a portrait (Frame,...