SILVA JARDIM EM PALMARES – No dia 12 de junho de 1889, o advogado, jornalista e ativista abolicionista Antonio da Silva Jardim (1860-1891), embarcou no mesmo navio em que viajava o conde D’Eu, com propósitos opostos. Enquanto o conde viajava ao norte para propagandear a monarquia e um possível terceiro reinado, o abolicionista o acompanhava até Pernambuco, que então era “o centro do Norte” para levar a sua palavra republicana e abolicionista. Em suas memórias ele narra toda sua a viagem, com uma parada no dia 16, em Salvador, local que quase lhe custou a vida, ameaçado por membros da Guarda Negra. Seguiu então para Maceió, onde teve uma recepção tranquila. Foi para Pernambuco, quase no final do mês, com apoio dos republicanos locais, Anibal Falcão e José Isidoro Martins Junior. Foi quando, então, ele fez uma conferência em Palmares, local em que se surpreendeu pela recepção dos membros do Club Literário. Na ocasião, enquanto discursava, os escravocratas presentes disfarçados por liberais, se reuniram em um canto, deixando suas esposas atentas às palavras do orador. Ele empolgou-se, então, com a participativa interlocução das senhoras, que ali dialogaram, fazendo-o estender até altas horas. Ao término da explanação, ele foi indagado qual a impressão que tirara da localidade, ao que respondeu entusiasmado: “Palmares é canção da natureza!”. Depois seguiu ele para outras conferências em Nazaré (atual Nazaré da Mata), Olinda, Escada e Vitória (atual Vitória de Santo Antão). Ao chegar no Recife, a completa ausência de segurança alegada pelo chefe da polícia, o fez suspender um comício programado, optando por um manifesto de protesto contra a monarquia. Regressou então e manteve-se ativamente nos movimentos republicanos e abolicionistas Brasil afora por todo ano seguinte. Em 1891, completara ele 30 anos de idade, e resolvera viajar pela Europa. No meio do passeio, ele resolveu visitar Pompéia, na Itália, curioso por conhecer o vulcão Vesúvio, mesmo sob a ameaça de que poderia entrar em erupção a qualquer momento. Assim foi e, maravilhado com a vista, ele foi tragado por uma fenda que se abriu na cratera da montanha. O acidente foi noticiado numa reportagem de 30 de julho de 1891, publicada pelo jornal A Pátria Mineira, da cidade de São João Del Rei, dando por conta do seu falecimento, relatado pelo jornalista Joaquim Carneiro Mendonça, que também o acompanhava e teria se ferido quando engolido pela fenda, mas salvo pelo guia turístico. A fonte da informação foi dada por Xavier de Carvalho, publicada pela Carta Parisiense. FONTE: JARDIM, A. Silva. Memórias e viagens: Campanha de um propagandista 1887-1890 (2 volumes). Rio de Janeiro: Companhia Nacional, 1891.
(1908-1961) trata
acerca do vivente no mundo na condição de vidente e visível do eu vejo e do eu
posso, relacionada à pintura, valorizando a atividade do artista plástico não
diferenciando o vidente do visível, o eu do mundo, nem o sujeito do objeto. Aborda
também sobre o racionalismo e Descartes, criticando a ingenuidade da ciência no
início do séc. XX pela reprodução dos fenômenos nos laboratórios. Desse livro
destaco o trecho: A ciência manipula
as coisas e renuncia a habitá-Ias. Fabrica para si modelos internos delas e, operando
sobre esses índices ou variáveis as transformações permitidas por sua definição,
só de longe em longe se defronta com o mundo atual. Ela é, sempre foi, esse pensamento
admiravelmente ativo, engenhoso, desenvolto, esse parti pris de tratar todo ser
como "objeto em geral", isto é, a um tempo como se ele nada fosse para
nós, e, no entanto, se achasse predestinado aos nossos artifícios. Mas a ciência
clássica guardava o sentimento da opacidade do mundo, era a este que ela pretendia
juntar-se por suas construções, e por isto é que se acreditava obrigada a procurar
para suas operações um fundamento transcendente ou transcendental. Há, hoje em dia
–não na ciência, e sim numa filosofia das ciências assaz difundida -, isto de inteiramente
novo: que a prática construtiva se toma e se dá por autônoma, e que o pensamento
deliberadamente se reduz ao conjunto das técnicas de tomada ou de captação, que
ele inventa. Pensar é ensaiar, operar, transformar, sob a única reserva de um controle
experimental onde só intervêm fenômenos altamente "trabalhados", e que
os nossos aparelhos produzem, em vez de registrá-los. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
O POETA & VENDAVAL
MARAVILHOSO – O poeta
baiano Castro Alves (1847-1871),
entre a poesia e a vida, se apaixonando em 1866, durante a apresentação da
atriz de teatro, poeta e tradutora portuguesa Eugênia Câmara (1837-1874) no Teatro Santa Isabel, em Recife. Com
ela teve uma relação que durou até 1868. Esse relacionamento recebeu duas
adaptações para o cinema; A primeira, O
Poeta (1939); a segunda, o filme luso-brasileiro Vendaval Maravilhoso (1949), com roteiro de Joracy Camargo, Osório
de Almeida e do diretor José Leitão de Barros, com a atriz e cantora portuguesa
Amália Rodrigues interpretando
Eugênia Câmara e o ator Paulo Maurício como Castro Alves. Ele dedicou-lhe duas
poesias recolhidas das Poesias Completas
de Castro Alves (Spiker, s/d), a primeira no livro Hinos do Equador: Ainda uma
vez tu brilhas sobre o palco, / ainda uma vez eu venho te saudar... / também o
povo vem rolando aplausos / às tuas plantas mil troféus lançar!... / Após a
noite, que passou sombria / a estrela d´alva pelo céu rasgou / errante estrela,
se lutaste um dia, / vê como o povo o teu sofrer pagou... / Lutar!... que
importa, se afinal venceste? / Chorar!... que importa, se afinal sorris? / A
tempestade se não rompe a estátua / lava-lhe os pés e a triunfal cerviz. / Ouve
o aplauso deste povo imenso, / lava, que irrompe do popular vulcão? / É o
bronze rubro, que ao fundir dos bustos... / referve ardente do porvir na mão. /
O povo... o povo... é um juiz severo, / maldiz as trevas, abençoa a luz... /
sentiu teu gênio e rebramiu soberbo: / - Pra ti altares, não do poste a cruz. /
Que queres? Ouve! – são mil palmas férvidas, / Olha! – é o delírio, que
prorrompe audaz / Pisa! – são flores, que tu tens às plantas / toca na fronte –
coroada estás. / Descansa, pois, como o condor nos Andes, / pairando altivo
sobre terra e mar / pousa nas nuvens pra arrogante em breve / distante...
longe... mais além voar. A segunda, recolhidas entre as inéditas do volume,
com o título de À atriz Eugênia Câmara
(No dia seguinte ao de uma vaia sofrida
no Teatro Santa Isabel, em Recife): Hoje
estamos unidos a adorar-te, / tu é a nossa gloria, a nossa fé, / gravitar para
ti é levantar-se, / cair-te às plantas é ficar de pé! / Ontem a infâmia te
cobriu de lama / mas para insultar-te se cobriu de pó!... / Miseráveis que
ferem a fraqueza / de uma pobre mulher inerme, só! / Tu és tão grande como é
grande o gênio, / és tão brilhante como a própria luz, / dentre os infames do
calvário d´arte, / tu foste o Cristo, foi o palco a cruz!.../ Mas estamos
unidos a adorar-te! / Tu és a nossa gloria, a nossa fé! / Gravitar para ti é
levantar-se, / cair-te às plantas é ficar de pé! Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
DA SALVAÇÃO DA PÁTRIA – No livro O ato e o fato: crônicas políticas (Civilização Brasileira, 1964),
do escritor, jornalista e membro da Academia Brasileira de Letras, Carlos Heitor Cony, encontrei essa
primorosa crônica, Da salvação da pátria: Posto
em sossego por uma cirurgia e suas complicações, eis que o sossego subitamente
se transforma em desassossego: minha filha surge esbaforida dizendo que há
revolução na rua. Apesar da ordem médica, decido interromper o sossego e
assuntar: ali no Posto 6, segundo me afirmam, há briga e morte. Confiando
estupidamente no patriotismo e nos sadios princípios que norteiam as nossas
gloriosas Forças Armadas, lá vou eu, trôpego e atordoado, ver o povo e a
história que ali, em minhas barbas, está sendo feita. E vejo. Vejo um heróico
general, à paisana, comandar alguns rapazes naquilo que mais tarde o repórter
da TV-Rio chamou de “gloriosa barricada”. Os rapazes arrancam bancos e árvores.
Impedem o cruzamento da Avenida Atlântica com a Rua Joaquim Nabuco. Mas o
general destina-se à missão mais importante e gloriosa: apanha dois
paralelepípedos e concentra-se na brava façanha de colocar um em cima do outro.
Estou impossibilitado de ajudar os gloriosos herdeiros de Caxias, mas vendo o
general em tarefa aparentemente tão insignificante, chego-me a ele e antes de
oferecer meus préstimos patrióticos, pergunto para que servem aqueles
paralelepípedos tão sabiamente colocados um sobre o outro. – General, para que
é isto? O intrépido soldado não se dignou olhar-me. Rosna, modestamente: – Isso
é para impedir os tanques do I Exército! Apesar de oficial da Reserva – ou
talvez por isso mesmo – sempre nutri profunda e inarredável ignorância em
assuntos militares. Acreditava, até então, que dificilmente se deteria todo um
Exército com dois paralelepípedos ali na esquina da rua onde moro. Não digo nem
pergunto mais nada. Retiro-me à minha estúpida ignorância. Qual não é meu pasmo
quando, dali a pouco, em companhia do bardo Carlos Drummond de Andrade, que
descera à rua para saber o que se passava, ouço pelo rádio que os dois
paralelepípedos do general foram eficazes: o I Exército, em sabendo que havia
tão sólida resistência, desistiu do vexame: aderiu aos que se chamavam de
rebeldes. Nessa altura, há confusão na Avenida Nossa Senhora de Copacabana,
pois ninguém sabe ao certo o que significa “aderir aos rebeldes”. A confusão é
rápida. Não há rebeldes e todos, rebeldes ou não, aderem, que a natural
tendência da humana espécie é aderir. Os rapazes de Copacabana, belos espécimes:
de nossa sadia juventude, bem nutridos, bem fumados, bem motorizados, erguem o
general em triunfo. Vejo o bravo cabo-de-guerra passar em glória sobre minha
cabeça. Olho o chão. Por acaso ou não, os dois paralelepípedos lá estão,
intatos, invencidos, um em cima do outro. Vou lá perto, com a ponta do sapato
tento derrubá-los. É coisa relativamente fácil. Das janelas, cai papel picado.
Senhoras pias exibem seus pios e alvacentos lençóis, em sinal de vitória. Um cadillac conversível pára
perto do “Six” e surge uma bandeira nacional. Cantam o Hino também Nacional e
declaram todos que a Pátria está salva. Minha filha, ao meu lado, exige uma
explicação para aquilo tudo. – É carnaval, papai ? – Não. – É campeonato do
mundo? – Também não. Ela fica sem saber o que é. E eu também fico. Recolho-me
ao sossego e sinto na boca um gosto azedo de covardia. Veja mais aqui, aqui e aqui.







