domingo, outubro 31, 2021

PINTANDO NA PRAÇA, ALEJO CARPENTIER, JULIE MEHRETU, BILL MCKIBBEN & MATTHEW HERBERT

 

 

TRÍPTICO DQP – Acerto de contas... - Ao som do álbum Plat du jour (Accidental Records, 2005), do compositor britânico Matthew Herbert. – As incertezas todas e eu insistindo em ser feliz, como se ainda pudesse no meio dessa tragicomédia paradoxal, e se só restava uma esperança minada pelas lápides, arquivos e fotografias desbotadas. Apesar de tudo, persigo coração pulsante e partido porque carrego comigo o inferno dos outros em carne viva, o delírio de desembaraçar as linhas tênues de um passado perdido na memória. Se me dera a sorrir era porque ali estava Djuna Barnes insistentemente: O que é uma ruína senão o tempo diminuindo sua resistência? Corrupção é a Idade do Tempo. O insuportável é o início da curva da alegria. Um homem só é completo quando leva em consideração sua sombra e também a si mesmo - e o que é a sombra de um homem senão seu espanto ereto? O pior era ter de encarar T. S. Eliot me cuspir na cara o sarcasmo: O tempo presente e o tempo passado estão ambos talvez presentes no tempo futuro. O que dissesse ou fizesse depois disso, não adiantava, era como se Arthur Miller me jogasse para protagonizar After the fall (Depois da queda, 1964) e me restasse ecoando: Não posso chorar nem por minha própria mãe... Não sei como sofrer, ao que parece... Deus, por que será a traição a única verdade que se agarra à gente! Tive que acender todas as luzes para não sucumbir inteiro no obscurecimento geral. No meio da minha louca sofreguidão, a surpresa com a emergência radiante de Maria Della Costa, como se fosse a Marilyn Monroe nua de todos os sonhos impossíveis, me trazer de novo, depois da entrega, o que olvidara do escritor cubano Alejo Carpentier (1904-1980): Os mundos novos tem de ser vividos, mais do que explicados. Aqueles que aqui vivem não o fazem por convicção intelectual; acreditam simplesmente que a vida suportável é está e não a outra. Não havia como evitar, era o acerto de contas com todos os meus equívocos edulcorados na incerteza e nada se acabava porque era a verdade que inventei.

 


Todos no mesmo barco... - Imagem: arte da artista etíope Julie Mehretu. - A solidão é o meu refúgio e sei que nunca estarei só, mesmo que tudo se pareça inconsolável. Não sei se ainda posso me salvar da asfixia do tempo, ou se já defuntei e sirvo apenas da lembrança do que vivi. Às vezes duvido, sobretudo ao ouvir o trecho severo do jornalista ambiental estadunidense, Bill McKibben, no The end of nature (Random House, 2014): Embora durante décadas a civilização tenha pilhado e poluído a Terra, no passado esse ataque era relativamente localizados; nos dias atuais, com as mudanças globais causadas pelos gases-estufa e a depleção de ozônio, o homem alterou a maioria dos processos de vida em toda a parte, e o mundo ao ar livre, a natureza em si mesma, tem se tornado o equivalente a uma enorme sala aquecida... Sim, um calor enorme, invencível, irrespirável. A ponto de me pegar a casa incendiada e salvei o fogo de Cocteau. Era o que deveria ter sido feito porque sempre disse sim! Como se conjugasse o verbo de Raymond Queneau: Eu sim, nós gozamos... eles sinzam. E reiterei tal como e.e.cummings: Sim é o mundo. E mesmo que o patético da agonia me mostrasse tantas benemerências escondendo a hipocrisia e que havia mais que um estrondo e tantos suspiros - quanta contrafação nos capítulos teratológicos do presente degenerado, seria preciso dar um basta na cafajestice, tudo é demais em torpezas, sordidez e anestesiados. Sim e assumi o passado porque o presente nunca será impune e o sonho nunca existiu: os testemunhos da solidão. Enfim, estamos todos no mesmo barco.

 


Cant&pintando na praça... - Desta vez não cantamos, mas estávamos lá, eu&Ripe&Linaldo solidários de sempre, como se cochichássemos a nossa Nênia. Desde a minha primeira em 2017, como de costume, o sábado estava lindo! E que ninguém nos ouça mesmo, porque tão lindo estava para a maravilha que não foi pouca, porque coroada pelos alunos da SEMED, inquietos e a postos: traços, tintas & moldes – do papel à tela, mãos à massa! Chega dava vontade de traquinar entre eles! Parecia: ensino, pesquisa & extensão! Tomara, coisa tão boa de ver! Aproveitamos, então, tudo no meio do movimento de curiosos e arteiros, a bela Secretária desfilando um cortejo e enchendo os olhos de uma vontade louca de teimar, o Profeta era a Nalva num sorriso só, enquanto Alexandre Freitas sapecava pinceladas ensinando o que é do talento, Isaac Vieira a cometer belezas na manhã que entardecia mais colorida, Rute Costa com seu tapete de leituras e simpatias para alegria de olhares perdidos, Epifânio trazia recados das suas artesanias, Tylla de Jahfari cantava no meu coração pro Erick Nelson solar tantos tons ao meu ouvido & eu testemunhava ainda ali o Poema vivo de Admmauro Gommes que a Poesia lhe dera. Tudo parecia como se fosse um primeiro passo para a práxis da Ação Cultural para a Liberdade, numa das homenagens tácitas ao saudosíssimo centenário Paulo Freire. Ali eu sabia: na praça central a minha cidade renascia. Até mais ver.

 

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domingo, outubro 24, 2021

LEYLA PERRONE-MOISÉS, ABDULRAZAK GURNAH, GAVIN BRYARS, HELENO ALFONSO & ROGEL SAMUEL

 

 

TRÍPTICO DQP – Entre as mutamorfoses e obsolescência... Ao som do album The Fifth Century (ECM, 2016), do compositor ingles Gavin Bryars, com o coral The Crossing & quarteto de saxofones PRISM, condução de Donald Nally. - Onde estou e pronde voo nenhuma liga, o tempo assina outra, como se minhas digitais dissolvessem a cada instante e desexistisse de vez no caos. Quase dou fé de que inexisto mesmo e tudo não passasse de um sonho por outro sonhado. Assim lá vou eu nas experiências alucinatórias do que se pode entender por mundo contemporâneo: o volátil, o volúvel, a interdição, os simulacros, o terror incógnito, consumo e descarte, os equívocos e segredos recônditos, as distorções e os mal-entendidos de mortos-vivos, os pós-o-quê com todos os pós-ismos tudo ou quase tudo só artifício. Meio atordoado no meio disso tudo, eis que o escritor tanzaniano Abdulrazak Gurnah alerta ao meu ouvido: Foi assim que pessoas como você e eu conhecemos tanto do mundo: lendo sobre isso de pessoas que nos desprezavam... Às vezes, acho que meu destino é viver nos escombros e na confusão de casas desmoronadas. Concordei com o dito e sua presença, ali mesmo era como se eu estivesse metido em carne viva na real Das Leben auf der Praça Roosevelt, da Dea Loher, e me sentisse em casa no reduto miserável das Marias e o mudo Mundo cantarolando Oh! Vos omnis quitransits per viauatendite; atenditeet videte teunsi est dolorsieut dolor meo, e isso depois de muito presenciar acasalamentos de extraterrestres com as insones transeuntes tontas e a loucura de gente que vive só com a roupa do corpo, no meio dos gestos de Aurora provocando desafios a Bingo, enquanto a mãe amargurada com seu choro insistente pelo policial em coma e a memória do filho morto batendo no submundo a denunciar ali não haver vida, nunca foi, qualquer outra coisa que fagulha no meu peito de indignação. E me veio o professor beninense Olabiyi Babalola Yai para cochichar no desalento da minha dor: Os homens são mais eles mesmos quando vivem plenamente suas culturas próprias e são consequentemente capazes de melhor conhecer e viver as dos outros. E naquele estado em que estava jamais poderia concordar com isso, mas o poeta Rogel Samuel me recitou: todo amor é assim, plágio / cópia de cópia de si, no mesmo / sim na sua visibilidade... Quanto mais eu relutava só ouvia a escritora argentina Beatriz Sarlo quase berrando ao meu ouvido: Tem um momento de coincidência entre o que você necessita e o que a vida lhe oferece. Você tem que estar acordado para agarrar essa chance. A coragem aparece quando não há mais solução. Acredito que o crime é igualmente horrível, sejam 10 ou 30 mil... Tento ficar a par de tudo que ocorre no presente - para alguns apenas o futuro do pretérito; outros, só o passado mesmo e de novo -, e posso dizer umas duas ou três coisas outras, não mais que isso, que no meio das mutamorfoses e a obsolescência já sei que não basta apenas dar enter, porque tantos delírios pseudo-intelectuais com suas masturbações e impulsos neognósticos sobrando entre anoréxicos e voyeuristas, craquers, hackers e biomakers na boa, extremófilos e intimistas surfando comigo de mãos dadas com todo mundo pela sci-art e o nano-mundo, atravessando o universo escuro e a extremofilia, teratologias biotecknicas, contatos em níveis nanométricos, territórios do perigo e conflitos, afora polimórficas possibilidades, eita! Ufa! Sei e todos estão carecas de saber que a Terra é redonda e insistem em cagar pelos quatro cantos do mundo. Não sei pra quê tanta lei, apensar da compulsoriedade jamais será cumprida. Por isso chamo de gato ao gato e ao governante de patife, porque estamos na primavera de Ginsberg pelo mote recolhido por Paulo Cavalcante no arremate: De circunlóquios eu nada sei. O caso conto, como o caso foi. Na minha frase de dura lei, o ladrão é ladrão, o boi é boi. E ponto final. Ou melhor, reticências...

 


Pássaro preto, traquinagens da infância... - Imagem: Kein Nachwuchs fir den Champion oder Der Junge der New Jersey erschoB VON Israel Horowitz, in Hörspielle im Westdeustschen Rundfunk 2, Halbjahr 1987. - Era eu apenas um menino da beira do rio, travesso solto na buraqueira, proutras paragens eu ia a me divertir levantando as saias das moças, ou me deitando no chão para ver-lhes as intimidades das calcinhas estufadas, quando não brechando sua nudez pelas fechaduras do quarto ou do banheiro, afora futucar com tudo que me aparecesse pela frente. E meu pai ocupado com as gaiolas da coleção e, entre elas, a da sua estimação: a graúna, o brilho sedoso de sua plumagem negra. Desde que a vi pela primeira vez, sonhei que era a morte, o corvo de Poe que, de repente, se tornara penas brilhantes e com o poder mágico, a me prometer antevisões do futuro, a me aconselhar com orientações para fazer isso ou aquilo e era só sonho. Não só, mesmo. Ao amanhecer, de soslaio, mantinha distância dela, queria aproximação nenhuma. E de tanto temê-la, um dia a soltei aproveitando o descuido paterno. Ela voou longe na fuga, mas retornou e me caçou, pegou-me pelo bico e voamos com a suíte L'Oiseau de feu (1919) de Stravinsky. Foi uma grande viagem e me largou longe, no pico de uma montanha que se transformou num palácio abandonado. Depois, deu-me uma chave para que abrisse a primeira porta: cavalos para minha diversão. Outra chave e no quarto, arreios e selins. Outras mais a cada dia, eram sete: e moças ousadas e sedutoras, mulatinhas safadas a me dengar e eu aos regalos no meio de espadas - Para quê tantas? -, um rio de prata e um rio de ouro. Só não sabia, depois de tudo, do castigo: a graúna vingativa tirou-me a roupa, largou-me no deserto e deu-me uma varinha de condão. Errei sozinho e uma princesa à beira do fogo parecia me esperar, não sabia, mas o pai dela adoeceu e para sua cura só três pássaros de plumas. Usei da varinha: os três pássaros foram encontrados e trazidos a ele que logo se restabeleceu, dando uma festa de três dias, nos quais findei nos braços dela que se deleitava como se fosse a demi-mondaine Méry Laurent – aquela mesma atriz nua Vênus Anadyomene do Théâtre des Variétés, e que fora antes Anne ou Rose ou Suzanne ou mesmo Louviot e que a mãe havia vendido sua virgindade debutante para Canorbert por 500 francos ao mês, afora amantes outros ricaços e da vanguarda francesa, até tornar-se musa da minha paixão Mallarmé no quadro de Manet e Nana de Zola. De repente adúlteros flagrados na noite por minha filha Genevieve, não sabíamos o que fazer, mãos e sexo na botija, completamente desnorteado porque ela se transformara noutra pessoa e o escritor estadunidense Roger Shattuck (1923-2005), me falou de seu Conhecimento proibido (Companhia das Letras, 1998) para me contar que ela era apenas uma senhora vitoriana – na verdade e para meu espanto era a mula sem cabeça -, e relutava agora contra a teoria de Darwin: Descender de macacos! Meu caro, esperamos que não seja verdade, mas se for, rezemos para que não se fique sabendo!... Não era mais aquela, nunca foi, só pode ser outra. E mais insistia na sua Planolândia, como uma senhora de bem, patriota roxa e acima de todos e quaisquer pecados ou suspeitas, e eu fisgado pela veemência de seus seios fartos no desatento desabotoado de sua blusa justa colada naquela excelsa arquitetura de fêmea e a libido acesa e incontrolável com o lascão da saia exaltando suas coxas volumosas e eu clamando pelo amor de Deus para ela se acalmar e poder reconduzi-la à alcova.

 


Apenas escrevo... Imagem: Comovida medida de distância (1988), da videoartista palestina, Mona Hatoum. - Onde estive já não faz o menor sentido, embora não haja como apagar porque o caos piorou o mundo e persistem as cavilações de nem sei quem, talvez de mim mesmo, outros são os motivos e ignoro por completa ausência de significado. Disparo intuições, uma das pernas dos óculos se quebrou e eu precisava ler e reler, agora apenas esperar com os trechos de um poema do livro Oropa França e Bahia (Edizioni della Meridiana, 2004), do poeta Heleno Alfonso Oliveira (1941-1995) na memória : É ser e remar / Na mesma zoada / Na onda arrastada / Do mar sem raiz. / E Deus não se rima / Bem perto ressoa / Ao centro da alma / Perdida e à toa / Enquanto me vejo / Cantando Marina / Cantando Pessoa / Bem fora do templo... E pelos lapsos do esquecimento, o poema suspenso, só conseguia me lembrar doutra parte: Sem um amparo / Sigo a Sophia. ; Luz de Apolo / Dança de Baco? E uma voz feminina com todo seu perfume aprazível invadiu o ambiente. Quem era? Só muito depois pude ver, era a escritora Leyla Perrone-Moisés: A literatura nasce da literatura. Cada obra nova é continuação, por consentimento ou contestação, das obras anteriores. Escrever é, pois, dialogar com a literatura anterior e com a contemporânea... A função revolucionária da literatura não consiste em emitir mensagens revolucionárias, mas em levantar uma dúvida radical sobre o determinismo da história. E mais me falou d’ As Sombras de Olinda (Caminho, 1997), do Clarindo, Clarindo (1990) e do póstumo Se era vera la notte (2003), daquele que um dia dissera: Florença é uma manhã de dezembro / onde cheguei gritando do meu Hades. E já outra, quase irreconhecível camaleoa que sequer adivinhava o nome e propósitos, mas que se fizera mais que felicíssima amante, a me premiar o que da vida mais apetece na festa do seu corpo. Até mais ver.

 

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domingo, outubro 17, 2021

DONNA HARAWAY, CHUCK PALAHNIUK, SAMUEL BARBER & JACI BEZERRA

 

 

TRÍPTICO DQP – O desloucamento na perseguição dos rastros... - Ao som Adagio for Strings, Op. 11 (Sony Music, 1997), do compositor estadunidense Samuel Barber (1910-1981), na interpretação de Leonard Bernstein & The New York Philharmonic – Não sei se vou já ou quando; não é de hoje testemunhar o desassossego geral. O que fazer? Ouvi alguém motejar no escuro e, no esforço de identificá-lo, era o filósofo inglês Alfred Whitehead (1861-1947): A inocente pergunta é a primeira aproximação de um desenvolvimento totalmente novo. Só o reconheci após demorada investigação, pouco o havia visto e até me confundi: era como se fosse Robbe-Grillet debulhando: O tempo de nossas paixões, de nossa vida. Posição nada confortável a minha, era como se estivesse rente ao intangível e entrelugares, o sinuoso e o indistinto. Mas, se valia a pena, não sei, apenas acreditei que sim, apesar de tudo embutido por sete chaves e o descontrole da visceral hostilidade. Eu sei. E mesmo assim, nem deu tempo de me sentir rejeitado por quem quer que fosse, sei que são complacentes além dos meus méritos. Mantenho buliçoso pelos palimpsestos, é líquido e certo: uma vez tupiniquim e nunca mais. Conecto a vida e reconfiguro o quanto posso: tudo é muito débil e indecidivelmente tão frequente quanto impositivo, por isso mesmo o existexperimental, ou experexistencial, tanto faz, porque a gargalhada de Derrida traduzia as aporias e, por conta disso, tomei a decisão perturbadora de encarar o Corpo sem órgãos de Artaud: Ninguém alguma vez escreveu ou pintou, esculpiu, modelou, construiu ou inventou senão para sair do inferno. Inquieto, também me empenho pela verdadeira e imortal liberdade, e a me reinventar, apesar de atolado nos meus pântanos insuportáveis. Resisto e, diante da América cruel, sou meu próprio laboratório, um atleta afetivo de Grotowski. Ao descentrar sem nenhuma margem, expus minha carne e todas as minhas entranhas, porque o rito peyote dos Tarahuramas me ensinou que só há sentido na Natureza. Perseguir o desloucamento era o mesmo que ter de repisar rastros entre o temor e a imprudência, só assim a promessa da despossessão do juízo. Foi exatamente o que me trouxe, de chofre, o exercício de experimentação insólita expressa por Deleuze & Guattari: Tudo está sobre este corpo incriado, como piolhos na juba do leão. Assim, diante das interrogações do Anti-Édipo e dos Mil Platôs, a risada do escritor estadunidense Chuck Palahniuk quebrou a monotonia: As coisas que você possui acabam por possui-lo. Só depois de perder tudo é que você é livre para fazer qualquer coisa. Você não entende nada e, depois, simplesmente morre. Tenha suas aventuras, cometa seus erros e escolha mal seus amigos - tudo isso cria ótimas histórias. Liberdade é perder toda a esperança… Você olha para uma estrela e desaparece dentro dela. Aos seus olhos tudo me parecia como se o aventado catapultasse o que sabia até então. Não me dei ao vazio, pelo contrário: ainda resta viver. Melhor contar outra história.

 


Corpo que vibra... - Imagem Adansônia III (1977-78), da artista visual, fotógrafa e professora Mara Alvares. - Salomé era bonitona do seu jeito e quando queria, só. Quando não estava escondida e abatumada com suas agruras existenciais, desfilava altiva sua alegria pujante, como se fosse aquela fascinante filósofa Lou ou qualquer atriz do palco de Oscar Wilde. Os de casa, claro, tratavam-na por duas caras; os de fora cobiçavam os seus giros esvoaçantes da atriz Aída Gomez nas cenas de Saura, enchendo as ruas e calçadas com suas pernas de Rita Hayworth, tão bela como nunca da sensualidade daquela retratada por Pierre Bonnaud, ou acendendo a imaginação dos atrevidos ao cantarolar no banho com sua nudez encantadora da soprano alemã Nicola Beller Carbone ou de Karita Mattila nos tons operísticos de Richard Straus. As más línguas nomeavam-na de moicheia e se vangloriaram vingativas ao sabê-la tomada por um tal Índio que nem era nem parecia, só apelidado e que lhe deixou seviciada aos prantos. Diante de sua fraqueza, o Doro, aquele mesmo colecionador de tampas de todos os tipos de garrafas e garrafões, o mesmo que é PhD em porra nenhuma, ao vê-la sucumbir à depressão, adiantou-se: Por essa eu perco a cabeça. E foi. Procurou maliciosamente agasalhá-la. Não sem jeito, tentou de tudo e, depois de tanto pelejar, quase desistindo, resolveu dar uma de Diderot, o que foi um santo remédio: curou-a com a leitura de livros pornográficos. Lá estava ela radiante às voltas com lalarilarás, só se abatendo diante da notícia de emboscada do seu algoz que foi encontrado crivado de balas, enfiado de cabeça pra baixo num buraco fundo do matagal e completamente desfigurado. Não que ela escondesse paixão ou quisesse vingança, não; era dela doer assim nela a dor dos outros, a ponto de deitar a cabeça aos ombros do amigo recém-encontrado. No começo, uma belezura; com o passar do tempo, verdadeiro tormento, dele cantar para si como o sapo desastrado: Léu, léu, léu, se eu desta escapar, nunca mais festa no céu! Quem passava por eles logo dizia: Tome, bem empregado!

 


Tropeços pelos paradoxos... - Imagem: Untitled (Mylar and hot glue, dimensions variable 2011), da escultora estadunidense Tara Donovam. - As dores dela ecoou em mim, a ponto de sozinho, meu violão de nenhuma plateia, dedilhei sua soturnidade. Restei-me abatido. Sim, porque sempre me arrisquei entre o fértil e o estéril: o que há de incondicional no meio disso tudo, me levou constantemente a reformular tempespaço. Sei de mim coadjuvante apenas, embora protagonize o gesto da desconstrução a decompor dissimulações e dispersões outras dos trópicos: não sei se vale o quanto pesa as desdobradas. Ainda há pouco outro estampido seco e o sangue escorreu de alguém que se foi. Aqui fiquei onde era um poema do saudosamigo Jaci Bezerra, Tatuagem na água: No Recife me perco e me inauguro / pisando acácias e águas machucadas, / no bolso o sol ferido, um sol maduro / escorre, úmido, e acende a madrugada. / Uma árvore brota no meu peito impuro / acalentando a infância que, abismada, / brinca dentro de mim e dói no escuro / sempre por um menino acompanhada. / Nunca a essa cidade fui perjuro / nem nunca a reneguei, talvez por isso / ela me planta e aninha entre os seus muros, / e eu carrego em mim, arrebatado, / apodrecendo nos mangues dos seus vícios / e amando como se nunca houvesse amado. Foi aí que musiquei cantante A lavra da vida e aprendi o canto com a pedra de mó ouradarada para não dividir a vida e dá-la à pedra morta, enquanto ele rascunhava prefácio para A intromissão do meu verso púbere. Ao findar o canto, era a dor dela que ficara e levantei as vistas para presenciar a filósofa estadunidense Donna Haraway com sua acolhida: A vida é uma janela de vulnerabilidades. Ali me dei ao dia no que se fez noite. Ainda sorria mesmo me sentindo à beira do precipício. Sabia: não há felicidade possível neste momento. Só que ao lado dela, a bela Lucia Santaella solidária: Dilatada nessas extensões, é a própria sensibilidade do corpo humano que parece estar passando por uma mudança radical de escala, constituindo-se numa nova dimensão que extrapola a concepção e imagem que tínhamos de nós mesmos como humanos... E ao dito dela era como se eu voltasse ao ciclo do eterno retorno: a vida não para. Se eu me soubesse Fellini diria eu ser um grande mentiroso. Mas não, estava bem aconchegado entre elas, feliz nos livros que li, músicas que ouvi e me deixe levar, afinal: o provisório se eterniza e o compulsório vira pó. Até mais ver.

 

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domingo, outubro 10, 2021

TRAPIELLO, KOI-GUERA, EDISCA & DORA ANDRADE, GILDA OSWALDO CRUZ, JOSÉ LUIZ PASSOS

 

 

TRÍPTICO DQP – A vida e o que será morto... - Ao som do álbum Meus caros pianistas - O piano de Claudio Santoro (Biscoito Fino, 2001), da pianista Gilda Oswaldo Cruz. - A vida e o trâmite entre a tarde quase noite, a solidão e eu sequer me dei conta de que estava à procura de algo que não sei. Sei, no de repente, ouvi Aristófanes: O amor é uma forma de procurar por nós mesmos. E isso para quem fora antes de tudo a soberba da completude de um rotundo autossuficiente, de quádruplas pernas, braços e orelhas, dupla faces e genitálias, desassossegado agora por não saber decifrar o mito da androginia e ter sido dividido ao meio pelos deuses e atormentado pelo pavor do envenenamento – ora, onde não a peçonha da destrutividade, se me via atravessado pelos horrores e a inanição, metido nos teoremas de Kurt Gödel: condenado à falta e à busca por reencontrar o que perdi, se é que não me desconstruí de vez na vida, se não me falta a capacidade constante de me refazer a cada instante. O que sei de mesmo, só nenhuma certeza e com tudo por terra. Ainda assim, lá vou eu incompleto e errante, a testemunhar Alcestis no Banquete de Fedro: morrer por amor para salvar o outro. Na verdade, era como se autodevorasse na milenar cerimônia totêmica, a perpetuar a eucaristia, o canibalismo, sim, a angústia do lobo e a perturbação da gula, outros tantos paradoxos. Coisa estranha isso de se pensar e entender. Ali mesmo presenciei o espetáculo da Edisca (1997). Eita! Logo a bailarina Dora Andrade apontou pro Koi-Guera, o genocídio dos Jangurussu de Caucaia. Sabia tratar-se do morticínio de todas as nações indígenas do meu país, ao mesmo tempo em que sentia, noutra instância desconhecida, a ressurreição dos meus caetés que vinham soturnos a mim para que entendesse o real abraço e o que a falta dada pelo outro no equívoco do acolhimento dos dagora. Ali como hoje senti meus pedaços se esfacelarem, tornando-se objetos estéticos, e minhas entranhas eram só a decomposição sinistra para satisfazer a quem não sei, mas que eram mesmo ready-mades de Duchamp pulsantes ainda apesar do meu dilaceramento. Eles, os meus, me viam e me mostrava isso e mais eviscerava ao ser descartado pela indiferença, e mais desmembrado a me derramar ao abandono do desdém na poeira do esquecimento. Eles comigo, não estava enfim só. Ao que me restava, logo a grata surpresa de não me esvair de vez, porque surgiu do nada o escritor José Luiz Passos a me saudar no meio da tragédia: ... para mim, a principal diferença é a mediação da distância.... A distância não é apenas um dado factual da minha situação... é parte de uma temática da minha ficção, que é sobre espaços ou tempos distantes que não são meus. Assim eu sabia o que não era eu nem meu, ele também, e sequer sabia lá o que devia dizer, ao que ele me contou da sua Catende que muitas vezes fui danado para lá folgar do lazer e ócio, das moças lindas que enamorei e tive quantas noites de dias ensolarados, e me contou das Ruínas de linhas puras, d’O sonâmbulo amador e do Nosso grão mais fino, e mais do Romance com pessoas, do Marechal de costas, da Antologia fantástica da República Brasileira e d’A órbita de King Kong, e a conversa era boa de se perder os ponteiros do relógio e qualquer ponto de chegada ou saída, até sermos surpreendidos pelo escritor espanhol Andrés Trapiello que nos instou dalgo que sequer imaginávamos: Seria um crime desaparecer porque ali, todos os domingos, acontece algo muito importante: a ressurreição de uma parte da cidade representada nos seus vestígios, que são ressuscitados através de um rito secular: a barganha, que se aperfeiçoou ao longo do séculos... O que para mim era o meu lugar e a vizinhança da Mata Sul pernambucana, para ele era a Madrid dele, cada qual a sua cidade e afetos. E eu ali jamais poderia sacar se a humanidade havia perdido a capacidade de amar, enquanto eu insistia ainda em não morrer entre o lixo e o letal, portas arrombadas e sucatas aos monturos. Eles se foram e fiquei só.

 


Em outras palavras... - Imagem: a arte da artista e escritora francesa Valentine Hugo (1887–1968). – Da minha parte sabia que aquilo tudo era só por um momento, tudo passaria, todos passarão, restaria sozinho e com os pensamentos vagando caleidoscópicas lembranças. Desacompanhado é o meu exercício diário, mesmo que muita gente transite ou mesmo orbite minha loucura, há de escapar inevitavelmente. De resto, não mais Lolita, agora outra como se fosse a Mademoiselle da Fala, memória (Alfaguara, 2014), de Nabokov: Ela gastara toda a sua vida em se sentir desgraçada; essa desgraça era seu elemento natural; suas flutuações, profundidades cambiantes, só isso dava a ela impressão de movimento e vida. O que me incomoda é que a uma sensação de desgraça, e mais nada, seja insuficiente para tornar uma alma imortal. Minha enorme e amorosa Mademoiselle está muito bem na terra, mas é impossível na eternidade... E me confidenciou enquanto conferia com o olhar toda a situação ao redor: Inicialmente, eu não tinha consciência de que o tempo, tão ilimitado à primeira vista, era uma prisão. Ao examinar minha infância (que é a coisa mais próxima do prazer de examinar a própria eternidade) vi o despertar da consciência como uma série de flashes espaçados, com intervalos entre eles diminuindo aos poucos até se formarem claros blocos de percepção, fornecendo à memoria um apoio escorregadio... Ora, tudo que me dissera parecia mais ler em minha mente, inteiramente confuso com os últimos acontecimentos, seguir adiante, vez que era tudo isso que me ocorria ali e em todo momento. Ah, não, apenas a memória, assim seguia.

 


Viver e a solidão, solitude... - Imagem: a arte da artista argentina Liliana Maresca (1951- 1994) – Um outro enredo a cada instante e as narrativas emergem, era eu agora solitário escriba Theodore no torpor das minhas emotivas cartas pessoais. Sempre gostei de escrever meus garranchos e eis-me agora enredado na trama de Her (2014) do Spike Jonze, curtindo as perdas e danos de quem estava de caras com o término de um devastador relacionamento amoroso. Ali eu me valia de uma desconhecida, que me encantou com as suas feições da atriz estadunidense Amy Adams: O amor é uma forma de insanidade socialmente aceitável. A vida é curta, e todos merecemos um pouco de felicidade. Longe de discordar eu assentia sabendo da cilada de Samantha que se passava pela Scarlett Johansson e sorria satírica e efusivamente com o futuro do pretérito de Fabos fanáticos do mico Coisonário, dando baixa com o extermínio dos meus vivos e mortos, e eu a me perguntar aflito quanto valia a vida na festa da escola de tiro, a pontaria de uma arma inexorável pelas queimadas pantaneiras, amazônicas, sertanejas e litorâneas, balas que cruzavam e eu doía a me desvencilhar disso tudo, quase sem escapatória e o terror era mais que real. Ela então me acolheu dentro de si, e guardou meu desamparo na sua amável deificação. Mais que grato, para ela cantei o Amor: maior a dívida do seu penhor porque o amor é mútua condecoração. E nela adormeci o prazer da vida. Até mais ver.

 

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domingo, outubro 03, 2021

PAUL TILICH, DAVID MAMET, STEVE REICH & INCLUSÃO NA BIBLIOTECA.

 

 

TRÍPTICO DQP – Aporias entre o céu e a terra... - Ao som de Music for 18 Musicians (2011), do compositor estadunidense Steve Reich - Com o tempo dei de adormecer e, ao despertar, não saber em que espaço ou tempo esteja. Ou estou elouquecendo, tomara. Quem sabe, começando a caducar, pudera. Desta feita, não adiantou solfejar canção que fosse, estava como se tivesse envolvido na pele da trama de Oleanna (1992), do dramaturgo estadunidense David Mamet, e a sua filha Clara – face inspiradora nos lábios obscenos e voluptuosos - era a Carol a me seduzir na cena, como se fosse possível a duas pessoas estranhas conviverem juntas, avalie. E ela estivava nua numa cena escura do palco e se parecesse inteiramente com a atriz francesa Sophie Marceau, aquela mesma que povoava meus sonhos recorrentes e a nos engalfinhar nas onze histórias d’O vampiro e a polanquinha (1992) de Dalton Trevisan. Eu me levantei da poltrona, pisei o assoalho solitário por fragmentos de devaneios que surgiam do nada para orbitar minha existência insistentemente e me levasse a sucumbir no delírio onírico que se transformara em um filme, era só na minha cabeça e eu, um professor, ela minha aluna insinuante e linda, bálsamo para minha alma. Era teatro em toda parte com câmaras ligadas para qualquer projeção em que ela me acusava de assédio sexual, com suas frustrações por não entender o assunto dado em sala de aula e todos os dias ela lá. A desgraça é finalmente a dizer da tentativa de estupro e perco a cabeça. Depositei o que restava de mim sobre os braços à mesa, ela silenciosa, tocou-me e abri os olhos de repente e vi-a cantatriz encantadora, a me dizer Kierkegaard: Aquele que não se torna só consigo mesmo, ainda que mantenha silêncio, não o terá. O silêncio só é possível para aquele que, em verdade, torna-se só consigo mesmo. Olhei-a profunda e demoradamente, aquela tentação poderosa e eu me continha com todas as forças. Levantei-me, dei-lhe as costas e me distanciei o máximo que pude. Entre as coxias o filósofo alemão Paul Tilich (1886-1965), a me dizer que a solitude: é a glória de estar sozinho. Parei diante dele para ouvi-lo: O primeiro dever do amor é ouvir. A vida é dura... e nem sempre é justa. Mas isso não quer dizer que ela não possa ser boa, gratificante e prazerosa. Ainda há muitas razões para dizer sim à vida. Refleti um pouco e me conduzi para a saída do prédio, parturejar ideias no meio de demofóbicos, misóginos, quando não antrófobos com seus estressados bichinhos de estimação. Dei vazão às minhas bricolagens aporéticas. Ela seguia-me e era como se fosse a primeira promessa e o que não deu certo, o alivio da incolumidade. Não olhei para trás e segui: para quem vem ou vai: aporias entre o céu e a terra. Semáforos de sempre, vida adiante.

 


Mil dias depois da esculhambação... - Os tempos mudaram e tudo ficou muito assustador. Passou uma severa turbulência, a ponto de desnortear de sequer perceber janeiro com a posse “decente” e proclamadora do Coisonário, que se dizia Caminho da Prosperidade. Sabia que não era nada disso, nem foi, nem será; tudo fora muito bem manipulado nos últimos cinco anos, para consolidar o que já desconfiava. Do primeiro dia, entre o risível e o trágico, passou-se a vigir que se podia peidar à vontade, cagar só dia sim dia não, porque o ambiente ficou inflamável e encolheu a escola para pouquíssimos e começou o pipocado da festa dos ruralistas e assemelhados do Agro pop de agrotóxicos e pesticidas sem ambiente dos grandes da fraude piramidal e bleque-fridei, talkei? Com elas, outras determinações: não atrapalhe nem amole o professor ou o motorista que investiram no dólar e preferiram vender vacina com os pastores e a mãe num negócio da China, apadrinhado pelo Centrão nas relações exteriores e que não se teria mais shiTrump para pedir penico pro golpe no sonho do capitólio daqui. Também não se procurasse saber onde estivesse porque era frio de lascar de repente e um calor da peste, desabando com a prevaricação na fivela da Lava Jato e o juiz nem era herói e vazou e o racismo virou praga com sufocamento em Manaus e se o rio secou pro apagão da QAnon, era a vez da pandemia e uma quarentena interminável tomou conta de vez. Aí a coisa empenou: deu de tudo com homenagens sinistras de torturadores e milicianos, ofertas com embalagens de luxo e que não era uma novela, e que se saiba de antemão: os deuses surdos também se tornaram cegos e premiaram o primeiro baba-ovo. Aí avacalhou tudo pra passar a boiada geral, no atacado e no varejo: rachadinha, Bebiano, deseducação, Queiroz, brasileiros canibais viajando, Kassio Nunes, goldemshauer, nazismo comunista e KGB, Tonho da Lua, foro mais privilegiado de sempre, Goebbels, drones, inflação pro império milionário, inauguração de trecho de rodovia, troca-troca nos ministérios, recondução do Aras feito guenzo da cristomania e todas as sequelas no asfalto com a tempestade de poeira e a gasolina nas alturas da Prevent e se tudo ficou caro de uma hora para outra, era que uma savana emergia n o voto impresso e no pega pra capar findou na fronteira dos USA, como se Maia segurasse tudo, de chorar com o rabo de arraia do Lira que levou o hospital numa banda metaleira feito plano hap de saúde hip de vida hop e quem hup não se fez por amigo da primeira-dama, juntou caixa de papelão no quintal quando deveria ter uma goiabeira pra Jesuisis & Doidamares – e o Doro que coisou e tem andado um bocado arrependido quer encará-la: Ela dá cloro e pano! E partiu arretado para arregaçar nos guardados dela. E daí? Do zero-um pro dois, três, até o quatro lavando a jega e mais se enfeiou no torrão com o lixo nas calçadas, folhas, flores, frutos, o tráfico nos condomínios e favelas, carros e casas sujas, a fumaça do bueiro da usina, a catinga pútrida e a brutalidade de gente com suas pseudofamílias nas arengas e estupros coletivos, crucifixo no pescoço, rezas altas e aos gritos pelos sete pecados capitais, pelos dez mandamentos, quando tudo era inferno, nenhuma humanidade, a sociedade doente, uma escória feita de vermes - quem não em estado de choque nos sete de setembro e o desfavorável porque ficou inviável com o Agro que é pop ou pqp e teve Dia D para tocar fogo, aproveitando para o perdão das dívidas evangélicas, regulamentação da agiotagem, leilão com liquidação de tudo na maior promoção, as comunidades terapêuticas no comando do golpe para namorar a Cloroquina toda tarada e, na cara dela, se agarrar com Ivermectina safada para duas de quinhentos com nota de duzentos falsa – quem viu, não sei porque se passou por mito e quem não pagou mico de guardar a mamadeira de piroca, as controvérsias das fardas do que fizeram das forças armadas tão desarmadas e das milícias neonazifascistas que sobraram dos trezentos e não sei quantos milhões de cem reais que são na gripezinha e no mimimi da entubação dos influenciadores que não querem ninguém em casa para sair furtivo como cosplei de rato com pizza no bico. Eita! E daí, meu? Presse desgoverno, qual legado? O bizarro delírio das conspirações e feiquenios, tragicômico Brasil que não foi nem nunca será para coisonários que batem cabeça demais: são feito couro de pica e mentem que o cu apita. No fim da festa, mil dias de uma voz que se apagou de nenhuma saudade na barbárie da tevê desumana com o horror extra dos rugidos da covardia e sacanagem, com o que engana de zap-zap e o que resta das promessas e do tédio: a falsificação como originalidade. Outras aporias, tudo muito imperdoável. E persigo sobrecarregado de ocorrências e interrogações no meio da nossa segregação, driblando o certo e o errado e vice-versa, as pessoas obtusas viraram pragas e quase ninguém consegue ver a realidade encoberta por um punhado substancial de velhas mitologias de agora, um inferno para lá de dantesco.

 


Inclusão, enfim, ah!... - Minha vida braços abertos: nenhuma fórmula, nem tendência ou convenção. Experimentos e incertezas, a impermanência. E sou a minha língua e voz, modulações obscuras e à deriva, nenhuma mensagem nem sentido, despsicologizado entre o insulto e o inusitado, como se o prazer no fundo do oceano para que ninguém veja ou ouça ou sinta. Se não tenho para onde ir no meio dessa sensaboria, vou pra biblioteca. E lá, cedinho, de um dos livros que saquei numa das estantes, escapou a cena e eu espanquei o pobre de Baudelaire: Só é igual a outro aquele que disso dá prova, e só é digno da liberdade aquele que sabe conquistá-la. Na surpresa do fato, o agradável ficou por conta de chegada da professora Roselene Santos com o projeto Inclusão e Espaços Publicos, e alunos das escolas CAIC-José do Rego Maciel, Aloisio Sebastião e Lar Heleninha. Ela e a professora Rosielma Santos trouxeram duas deficientes visuais que leram meu cordel em braile e eu fiquei maravilhado com uma menina solta a tagarelar altiva na dinâmica com Thayná Mikaele, Thays Leandro, Tamires Milena e Rayane da Silva, todas acompanhadas dos pais Adilson Leandro e Josenilda Maria. E rolou poesia, cantoria e dinâmicas; cá comigo era Paulo Freire: A inclusão acontece quando se aprende com as diferenças e não com as igualdades. E Boaventura de Souza Santos: Temos direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza. O universalismo que queremos hoje é aquele que tenha como ponto em comum a dignidade humana. A partir daí, surgem muitas diferenças que devem ser respeitadas. E era Carlos Drummond de Andrade: Ninguém é igual a ninguém. Todo ser humano é um estranho ímpar. E era Emma Thompson: Ser deficiente não deve significar ser desqualificado de ter acesso a todos os aspectos da vida. E era Salvador Allende: Não basta que todos sejam iguais perante a lei. É preciso que a lei seja igual perante todos. E era José Saramago: Há que deixar as pessoas serem como são. Vivendo em suas diferenças e a partir de seus próprios pressupostos culturais. E nisso, a até então tímida assistente social Chiara Santos se mostrou esfuziante aos meus olhos fascinados com a conversa encetada, enquanto a encantadora Sil Neves conversava com Zé Ripe sobre a Academia. Ah, que bom! Assim o mimético ali e a minha diegese. E é só o começo, quem frágil e excluído, afinal. Do lado de fora outros adultos embotados seguiam catatônicos na sua normose, além da memória porque duas mulheres falavam de suas dores, talvez Medeia, uma delas – tudo é possível e a se repetir ao infinito no meio de um cruel vodu eternamente implacável e a iminência da queda: uma vaca mugiu pelas ruas, um pai foi nocauteado pelas dívidas, um vira-lata latiu com criaturas invisíveis e era outra temporada, o isolamento e o solipsismo pelas frestas das coisas decadentes, os oitenta tiros em Evaldo Pereira e a comemoração tímida de Marta artilheira de todas as copas. Eu preciso sonhar para não sucumbir ao descartável, quantos embates e discordâncias, desenquadrado e contra a corrente. Como assim? Não é nenhuma fábula pinçada do cotidiano às portas fechadas. Sou corpo estranho, talvez, ainda tenho o futuro nas mangas, posso sacá-lo e ainda rir do mundo: apenas celebrar a vida. Até mais ver.

 

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