segunda-feira, maio 31, 2021

LECHIN, INÊS PEDROSA, LAFERRIÈRE, ANNA VINNITSKAYA & RECIFE

 

 

TRÍPTICO DQP – Uma, renascente a cada dia – Ao som Klavierkonzert in G-Dur zum, de Maurice Ravel, com a pianista russa Anna Vinnitskaya em Abschluss der Asien-Tournee des NDR Elbphilharmonie Orchesters. Es dirigiert der designierte Chefdirigent Alan Gilbert. - O dia amanheceu e é maravilhoso viver! Não sou mais o mesmo, outro sorriso, outras caminhadas: um malabarista na corda bamba e no jazz. Sei que é outro dia, nova data, mas se me parece ontem ou anteontem. E o sorriso da Inês Pedrosa reafirmava que estávamos no século XXI: ...espero que seja o século do desaparecimento do gênero, ou seja, o século da invenção da paridade entre homens e mulheres. Quase que esqueci com o seu sorriso que tem gente que vive noutros séculos passados, enquanto eu retornava à estaca zero, recomeçava sempre, todos os dias. E Dany Laferrière me dizia: Nenhum retorno é temporário... Como a gente não sabe a data de nossa morte, não temos como saber o que é de fato temporário.... população viva em uma diáspora. Sigo adiante, teimosia minha e a vida como êxodo: de cara pro caos, viver em areias movediças. Renascente a toda hora, em todos os momentos, a cada dia todos os dias.

 


Duas, escapando do genocídio – A notícia era o zunzum de cochichos: cheio dos quequeos, meteu-se em bravata, vingou-se esfaqueando a amásia e, num acesso de raiva extrema, enfiou o dedo no cu, assoprou forte e entrou em combustão! Como é que é? Isso mesmo. Nem deu tempo dos milicos pegar o tal corcunda glutão, prendê-lo e atirá-lo num camburão. Restou um tolotinho de nada dele. Ela estava só pele e osso, botou os bofes pela boca, sugada pelo astuto. Morreu? Evidentemente. E o réu? O cara era tão pirangueiro, que nem deu para transportar sua desgraça pro calvário. Dizia não ter tempo nem para respirar, quanto mais pruma diversão, só atos repulsivos. Que história é essa? Foi, já deu. É peta! Estão falando. Mas, ô Doro, como é que você está escapando da pandemia? Oxe, eu tomo os cachetes da cloroquina e daquele outro pra lombriga, dia sim, dia não. Mas não protege nada! Ah, tem vacina por acaso? Está faltando. Pois tá, o Coisonaro falou, tá dito, ele é o mito! Das costas ocas? Nada, você já viu ele tossir, tá cheio de gogo nos broncos lá dele, meu! Vixe! É cada uma que dá dez! Dou onze, só não dou mais porque a madama me botou de casa pra fora! Por qual motivo? Ela mandou eu lavar os penicos do cagador no banheiro, não fui. Oxe! E aí? Já viu homem limpar merda? Já. Onde, só se for esgotando fossa. Não, ajudar nos serviços domésticos não tira a homência de ninguém! A-rá, isso é papo de oposição, comunista da porra! Vôte! Fazia coro ao Belfagor do Maquiavel, só sendo misógino! Mais falava como se saísse daquele clube secreto de A gula do beija-flor (Bertrand Brasil, 2006), do escritor boliviano Juan Claudio Lechin: ...historicamente apenas a presença da mulher fez o homem gaguejar, desviar o olhar e estremecer... É verdade, meu! Nada. Concordo com aquela de que violá-las dou o caminho da liberdade... Só se for o caminho da casa da peste, seu folgado! Eu mesmo me aproveito delas: Um doente sempre comove as mulheres. Cada uma delas tem uma enfermeira do por dentro. Para ele, isso é amar as mulheres, fodendo beldades na solidão da punheta! E você acha isso justo? Ah, meu, qual é a sua, de qual lado você está? E saiu mais puto que antes.

 


Três, o Recife: “...entre as palmas dos coqueiros, meu amor, eu me lembro”... (ao som de Coqueiros, Geraldo Azevedo). – É noite no Recife, mesmo de dia – como na pintura de Dani Acioli: De pecado o céu tá cheio! E aqui em baixo está tudo muito pior. Antes, havia o cheiro de sargaço e o que beirava os olhos dela era festa na pracinha do Diário. Hoje não mais, as trevas da barbárie. Não sei quando parti descalço, nem como foi que cheguei pela Imbiribeira e foi por ela que saí pro sul, choro da chuva solfejando a canção enquanto sangrava pelos quatro cantos. Sonhava cabelos soltos à espera de um disco-voador qualquer, outras paragens para quem restou qualquer sorte, expiando todas as culpas e penas infligidas. Sempre pus tudo a perder e quase nem havia tempo de piscar o olho, iminente encruzilhada, cada esquina ocupada sem ter nem como escapar. Era outro tempo e agora a polícia militar ainda solta cães, jatos de pimenta e tiros de borracha como se quisesse tapar a boca da multidão, abafar os gritos, esconder o genocídio. Alguém disse e é mesmo: sujeitos dessa têmpora padecem de problemas diversos, repressão, obscurantismo, estupidez. Não há como conter, o mundo era... o Recife.

 


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