TRÍPTICO DQC: BATENDO UMA REAL – EU &
OUTROS EUS - Ao som do Concert
Recorded Live Music Vault Fort Laudedale (2000), da soprano e atriz inglesa
Sarah Brightman. - Às ruas vivalma alguma acena nem olá: sou paisagem desbotada
- embora haja gente demais para lá e para cá, demais da conta. Recolho-me na
ausência, nenhuma interlocução possível. Mesmo assim, na solidão ainda sonho
muito, roncando ao sono ou olhos bem abertos. Ao despertar dou de cara: Doro, Zé Corninho, Magaiver, doutô
Zé Gulu, Tolinho & Bestinha, Biritoaldo,
enfim, a patota toda ali. Como é que pode? Digo pra eles: Ué, qual a de vocês aqui?
Em uníssimo: Comemorar o Ano Novo, ora. Comemorar? Claro! Vocês não ouviram o Miguel Nicolelis: É uma Guerra! Que parte
desta frase ainda não foi entendida pelos arautos do corporativismo de plantão
que votaram no Pandemônio e não mexem um dedo para atuar no combate à Pandemia?
Vocês não se solidarizam com a antropóloga Rosana Pinheiro-Machado: A gente não está seguro. Não tem mais
condições para artista, intelectual, professor, quem puder vai sair, porque a
gente não está seguro na rua mais, não conseguimos exercer mais a profissão.
Mais do que isso, as condições de minha permanência se
tornaram arriscadas. Nem se
deram conta do que disse a bioquímica húngara: Katalin Karikó: Nos últimos
40 anos, não tive nenhuma recompensa pelo meu trabalho, nem mesmo um tapinha
nas costas. Não preciso disso. Sei o que faço. Sei que é importante. E estou
muito velha para mudar. Isso não me subiu à cabeça. Não uso joias e tenho o
mesmo carro velho de sempre. Num é essa a da vacina? Sim, ela mesma. Eita! Vocês
não se deram conta ainda das centenas de milhares de mortos pela sindemia e
pelo desgoverno do Fecamepa na
estupidez coisonária ainda não, foi?
Não há o que comemorar! Hora de ouvir o escritor estadunidense Ernest Gaines (1933-2019): Não tenho mais nada a dizer, exceto isto: devemos viver
com nossa própria consciência. E vamos aprumar a conversa!
DOIS: FALA,
ESCUTO; DIGA, OUÇO - Ao som de Passo torto, de Armando Lôbo, com o octeto da Orquestra
Sinfônica Brasileira – Últimos dias, tantas coisas boas. Dei de lembrar: o
primeiro contato com a música se deu ainda menino, ao me deparar com
repentistas no meio da feira – coisa dos improvisos duma dupla na embolada e
desafio. Quando soube disso, meu pai trouxe uma penca de livros, cordéis e
discos de muitos cantadores, apresentou-me à obra de Luís Gonzaga e me iniciou
na audição das dores de cotovelo dos boêmios e no Choro. Era ainda molecote de
nem dez anos ainda, do outro lado dos parentes o ouvido pegava ligado em Bach e
Mozart, sinfonias, óperas e quantos concertos. Seguia inquieto com a descoberta
do jazz e do rock progressivo, não perdendo uma sequer da Bossa Nova e das
músicas de protestos que saltavam dos festivais. De lá pra cá, muita coisa boa,
gente! Surpreendido aqui e ali ouvia disso, adolescendo; curtia aquilo, amadurecendo;
e mais daquiloutro dos vinte aos trintanos, Tom&Sons, temas e trilhas
doutros acordes e notas, claves & timbres, do ouvido à pauta
neo&póstudo dos oitenoventas para dois mil e lá vai teibei! O que ouvia,
experimentava; e daí experienciava; cada uma melhor que a outra, vivenciava. Até
que chegou o Neto – é assim que gosta de ser chamado – e me levou cabeça a mil,
tortos passos & mãos inquietas num tríptico versicular, intitulado Por que não um rap/ente stravinskiano?:
Quando fala, escuto; ao dizer, ouço. O preconceito não resiste ao plural. Somos
um e muitos outros. Então, vamos, assim a vida, como na Gronamma/Mãe Terra, do surinamês poeta Henri Frans de Ziel (1916-1975), dito Trefossa: Eu não sou eu /
enquanto meu sangue / não se misturar por ti / nas milhares de veias de meu
corpo. / Eu não sou eu, / enquanto minhas raízes / não se fincarem, não se
atirarem / ao seu coração, minha mãe terra. / Eu não sou eu, / enquanto eu não
estiver pronto, / para esconder e para carregar, / sua efígie em minha alma. /
Eu não sou eu, / enquanto você não gritar, / de prazer e dor / em minha voz.
Afinal, somos um e muitos outros.
TRES:
ESCURANOITECENDO E ELA... - Ao som da ViralSymphOny (2006/08) &
imagem de Orlando et la tempête (2020),
ambas do artista pós-conceitual, compositor, poeta, teórico e crítico de arte
estadunidense, Joseph Nechvatal. - Qualquintal piso folhagalhos corachão. Eleraubíqua mesmo distanciainda,
quem dera SoLueclipsada. E a solidão Orlando há tempos vista Woolf: Sinto que com certeza
enlouquecerei novamente. Não há
passos que foram ou vão e venham, o corpespera as mãos afagamantes, como se
dela Edith Wharton me desse: Vivemos em nossas próprias almas como em uma região não
mapeada, alguns acres dos quais limpamos para nossa habitação; enquanto da natureza daqueles que estão mais próximos de
nós conhecemos, mas as fronteiras que marcam com as nossas... para que não me seja dito Osip Mandelstan: Nós vivemos,
mas não sentimos a terra abaixo de nós. Dez passos de distância e nossas
palavras não podem ser ouvidas. Por isso é preciso que chegue logo e bem
perto, ah, quem me dera dela a noite inteira para amanhecer em mim todos os
dias. Até mais ver.
A ARTE DE TUNGA: RIO DE JANEIRO OU PALMARES?
O primeiro pensamento que eu coloco é que precisamos acreditar em alguma coisa ou em alguém ou em um fato. O nascimento sempre tem uma testemunha escrita ou um relato. E eu devo acreditar nessas testemunhas, certo? E se eu tiver dois depoimentos contraditórios? Posso acreditar nos dois? Onde vou parar se seguir duas pistas diferentes? Estou levando esta questão a um grau bastante consequente. Quando digo que nasci em dois lugares diferentes, estou levando estas questões a um grau bastante consequente. É paradoxal, mas pode ser uma situação interessante para se investigar. O que representa nascer duas vezes? Podemos efetivamente nascer e renascer. E este renascer não necessariamente vai significar um nascer novo, mas um nascer somado a outro anterior, e vamos continuamente renascendo em versões diversas. É expandir as experiências e a veracidade delas. Eu acredito na vida.
A arte
do premiado escultor, desenhista e artista performático Tunga - Antônio José de
Barros Carvalho e Mello Mourão (1952-2016), que foi o primeiro artista
contemporâneo e o primeiro brasileiro a ter uma obra exposta no icônico Museu
do Louvre, em Paris, além de obras em acervos permanentes de museus, como o Guggenheim,
de Veneza. Seus trabalhos são resultados de investigações literárias, psicanalíticas,
filosóficas, teatrais e científicas, carregadas de simbolismo. Realizou o vídeo
Nervo de Prata, em parceria com
Arthur Omar, e é autor de obras, a exemplo de Preliminares do palíndromo incesto, todas reunidas em vídeo no Tunga: 100 redes e tralhas (1997), de
Roberto Moreira; no livro Tunga: Barroco
de Lírios (Cosac & Naify, 1997), e na caixa Tunga (2007), reunindo sete volumes de diferentes formatos que documentam
a trajetória do artista. Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.