terça-feira, fevereiro 09, 2016

ANTÔNIO MARIA, BACHELARD, SIMONE DE BEAUVOIR, ILHA DAS FLORES, TERÇA FEIRA & TRÂMITE DA SOLIDÃO



TERÇA-FEIRA

Luiz Alberto Machado


Toda noite ali na minha visão esquálida de poeta amotinado eu vou sozinho cortejando a vida na catarse de Gismonti

Todas as noites tal como o mar que nunca dorme a perseguir um grande amor eu voo todas as noites no cálice da agonia onírica dos casais dançando no menir do navio e seus namorados contornando o dólmen das fadas

E eu vou só a remover do labirinto febril a meio caminho da loucura

Todas as noites ali no meio da lua cheia que é tão fêmea eu vou sozinho e voo

Ah, como é tão imprudente semear o insopitável amor perdido que a esta hora é tão pernicioso e não se pode evitar nem repelir, ah eu vou sozinho e voo

Ah, todas as noites nesta longa noite longa onde é maior a solidão - um cobertor de inefável sonho onde eu vou sozinho e voo

Ah! Quantos sonhos eu vi acabar e valeram iludir por que não sei agora nem de mim nem de nada, muito menos de mésons, de pobres rhesus, não sei nada da cidade perdida de Nko, no meio da selva africana, onde feiticeiros mortos reencarnam no corpo de gorilas amestrados, eu vou sozinho, pra quê exceder às necessidades coletivas, não sei, não sei nada e vou sozinho qual neurótico homo faber a renunciar da vida e pra que viver se vou sozinho e voo só

Ah! Como eu vivo sonhando no interior das aberrações de Fellini sigo itinerante e só amaldiçoado e só por amor e é por este desejo que passo as noites em claro todas as noites nesta noite e vou só no inventário de quem sorri, na vigilância de quem ama, na insônia de amar.

Veja mais no Trâmite da Solidão.


DITOS & DESDITOS - Uma: tem gente que pinta e borda, vira e mexe, faz e acontece, tudo em nome da mudança. Vai ver quase nem saiu do lugar, só andou pra trás. Eu, hem? Outra: um ai aqui, um ui ali, gemido que só. Saúde que é bom, feito negócio: desembolse o que tem e reze secando os cambitos na fila ou na sala de espera alguns meses. Pergunto: isso é direito? (LAM)

ALGUÉM FALOU – [...] Ser feminina é mostrar-se impotente, fútil, passiva, dócil. A jovem deverá não somente enfeitar-se, arranjar-se, mas ainda reprimir sua espontaneidade e substituir, a graça e encanto estudados que lhe ensinam as mais velhas. Toda afirmação de si diminui sua feminilidade e suas possibilidade e suas probabilidades de sedução [...]. Trecho extraído da obra O segundo sexo (Nova Fronteira, 1949), da escritora, filósofa existencialista, ativista política, feminista e teórica social francesa Simone de Beauvoir (1908-1896). Veja mais aqui.

MINHA LÂMPADA E MEU PAPEL EM BRANCO – [...] Lembrando-se de um longínquo passado de trabalho, reimafinando as imagens tão numeroas mas também monótonas do trabalhador obstinado, lendo e meditando sob a lâmpada, fica-se preso a um vbiver como sendo o único personagem de em quadro. Um quarto de paredes delicadas e como que apertado sobre seu centro, concentrado em torno do meditante sentado diante da mesa iluminada pela lâmpada. Durante uma longa vida, o quadro recebeu mil variantes. Porem, guardasua unidade, sua vida central. É agora uma imagem constante em que se fundem as lembranças e as fantasias. O ser sonhando concentra-se aí para lembrar o ser que trabalhava. Que reconforto, que nostalgia lembrar-se dos quartos pequenos onde se trabalhava, onde se tinha energia para trabalhar bem. O verdadeiro espaço do trabalho solitário é dentro de um quarto pequeno iluminado pela lâmpada. [...] O trabalhador sob a lâmpada é assim uma primeira gravura, válida para mim em mil lembranças, válida para todos, pelo menos é o que imagino. O desenho, tenho certeza, não precisa de legenda. Não se sabe o que o trabalhador sob a lâmpada pensa, mas sabe-se que pensa, que está só, a pensar. A primeira gravura traz a marca de uma solidão, a marca característica de um tipo de solidão. [...] Como trabalharia melhor, como trabalharia bem se pudesse me reencontrar em uma ou outrra de minhas “primeiras” gravuras! [...] Trechos extraídos da obra A chama de uma vela (Bertrand Brasil, 1989), do filósofo, crítico literário e epistemólogo francês Gaston Bachelard (1884-1962). Veja mais aqui.

ILHA DAS FLORES – O premiado documentário curta-metragem Ilha das Flores (1988), de Jorge Furtado, traz em linguagem pseudocientífica, a tragerória de um tomate, do momento do plantio até chegar ao consumidor final, quando apodrece e é descartado, indo para um depósito lixo na Ilha das Flores, Porto Alegre – RS, em roteiro por agricultores, vendedores, dona-de-casa, dono do lixão, até os miserável que se alimentam dos detritos rejeitados pelos animais. Tarata da imensa diferença socioeconômica no Brasil, discutindo as políticas liberais e suas consequências e debate ético sobre a condição humana.

O CORAÇÃO DOS HOMENS - [...] Comecei a vê-la de longe, quando despontou na rua. Conheci-lhe a blusa [...] Eu estava inocente nela. E procurei mesmo os seus olhos, durante todo o tempo em que veio vindo. Um simples sentimento amistoso se apossava de mim e me impelia ao gesto tristemente fraterno de abrir-lhe os braços [...] Ela estava cada vez mais perto. Já podia ver-lhe os olhos, os mesms e belos olhos de sempre. [...] Eu olhei sua boca, porque era sempre em sua boca que as coisas aconteciam. Qualquer acontecimento de sua alma (de triste ou alegra) foi sempre na boca que transpareceu. Como uma criança. [...] Seus olhos sabem esconder, omitir, mentir. A boca não sabe. E foi sempre por ela que me guiei. Sempre diante dela, quando fremiu, que desci, pesadamente, a todo o meu sofrimento. [...] Seu olhar mendigo, nos meus olhos. Sua boca de criança cujo ricro eu gostaria de desmanchar com as mãos, porque sentia, que, dali em diante, começaria a sofrer. [...] Crênica extraída da obra Crônicas (Paz e Terra, 1996), do poeta, radialista e compositor Antônio Maria (1921-1964). Veja mais aqui.



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