Imagem: Homesome, o homem virando
lobisomem,
pintura de Waldomiro de Deus (foto: Varnderlei). Veja mais aqui e aqui.
O LOBISOMEM DE ALAGOINHANDUBA
Luiz Alberto Machado
O
lugar era bastante pacato não houvesse tantos rumores de se correr bicho pela
redondeza. Bastava cair a noite o temor convivia com os moradores locais.
Falavam temerosos de um lobisomem atormentado a todos, principalmente mulheres
que, quando não sumiam da face da terra, eram encontradas estupradas ou estropiadas.
A maior parte delas ou não saiam dos pés do padre Quiba em confissões
intermináveis, ou endoideciam e, muitas das vezes, pariam meninos que eram
abandonados à sorte.
As
casadas eram as que mais eram vitimadas pelo indesejável monstro. Sempre que os
maridos saíam para as reuniões dos clubes de serviço, ou da Câmara de
Vereadores, ou os encontros no bar pros jogos ou conversa fora, as indefesas
eram atacadas nas dependências dos seus próprios lares.
Não
se tinha notícia de viúvas ou separadas, desquitadas ou divorciadas acometidas
pela sandice do desgraçado. Talvez pela solidão delas, aquiescessem sequiosas
por seus ataques. Uma ou outra solteira ou debandada que dava nos dentes com
reclamações da invasão dele. No mais, eram as casadas as que faziam o grupo de
risco.
O
padre Quiba não sabia mais o que fazer, reunindo os cidadãos vitimados para uma
caçada ao famigerado lobisomem. Por noites e madrugadas repetidas não lograram
o mínimo êxito. Até aumentavam os ataques dele, justamente às esposas dos que
se encontravam entre os caçadores. Chegaram a conclusão que só o padre Bidião
poderia dar cabo de tais fatos. Todavia, como ele se encontrava hibernando na
construção do seu Evangelho, nada se poderia fazer.
Foi
a partir de então que os mais medrosos daquele distrito, cerravam suas portas logo
à boquinha da noite quando imperava o pânico e o pavor. Aquele arruado de casa
domiciliava humílimas pessoas que o tempo ruminara. No centro, uma pracinha
ainda por florescer e já seu cartão de visitas, para desleixe nas horas
minguadas do dia, num carteado e conversas sobre a vida de todos os moradores,
dissecadas nos mínimos detalhes pelas narrações mais escabrosas possíveis. A
pabulagem era a ocupação principal daquele povinho e quando anoitecia naquela
comarca, cedia lugar às invencionices e temores noturnos peculiares à
imaginação de quem não tem o que fazer além de coçar o saco e ver as horas se
exaurirem no trâmite da vida, vez que a energia elétrica cessava seu esplendor
exatamente às vinte e duas horas noturnas, ficando a cidade entregue às trevas.
Tudo
começou com a boataria quando o lugarejo fora assaltado por seres
extraterrestres. Era uma verdadeira procissão inominável e, amedrontados, não
ousavam abrir as portas, nem olhar pelas frestas para decifrar o sucedido.
Ouviam apenas ruídos de uma marcha descompassada pelo calçamento com uma
iluminação externa de meter medo. A luz desses ETS atravessava as brechas das
portas e janelas, clareando o interior das residências. Importunando durante a
noite inteira, os alienígenas pezunhavam toda cidade sem serem aplacados por
vivalma. O povo com um bafume por dentro, tudo tremendo que só vara verde com o
acontecido.
Na
manhã seguinte um burburinho nascia no interior das alcovas, discutindo o que
ocorrera naquela madrugada lôbrega. Era um disse que era, contradições
revisadas, invencionices descabidas, tudo do aloprado e das transcendências
siderais. Arrepiados e aflitos com o acontecido arremataram ter sido aquilo um
sinal do apocalipse, visto todos serem crentes do velho testamento e fiéis
visitantes da igreja principal. Reuniram-se em todos os lugares e oraram o dia
todo para que a força divina interviesse para salvação da alma deles de mais um
atormentado sofrimento. O fato, de tão cabeludo que ficara, sobrepujara as
cercanias e alcançara ouvidos alhures, chegando a estampar manchete de primeira
página de jornal doutros confins. Ninguém que nunca ouvira falar de Alagoinhanduba,
agora, depois de ser manchete televisiva, escrita e falada, tornara-se sensação
nacional do Oiapoque ao Chuí. Repórteres do mundo inteiro azucrinaram o juízo
dos cristãos, buscando depoimentos esclarecedores para um fato tão insólito,
alimentando as organizações não governamentais do assunto, a se ouriçarem como
pinto no lixo, com assunto tão de terceiro grau como aquele. Tornara-se uma
notícia bombástica e, pelo andor da carruagem, mudaria de uma vez por todas
aquela localidade.
Descobria-se,
enfim, uma cidadezinha, senão, mal-assombrada, um lugarzinho daqueles, destamaínho,
agraciado por uma invasão de ETS, era um privilégio dos grandes quebrando a
rotina. A população nem queria falar do assunto envolvida numa atmosfera de
temor. Temiam os castigos de Deus e uma nova investida dos tais
interplanetários. Ninguém, na verdade, tivera coragem de presenciar in loco.
Prostrados, o medo dominava. Quem mais marcou presença nos noticiários foi o
vigário profetizando um grande armagedom sobre a cabeça dos pecadores. A
lengalenga não cessara e o padre berrando pela salvação em Jesus, não dava
descanso aos ouvidos timoratos. Mesmo assim, ninguém lhe dava atenção. Ele
berrava em nome dos santos e santas, arcanjos e anjos do novo e velho
testamento, anunciando a fúria de Moisés sobre todos aqueles que fizessem vista
grossa às suas anunciações e que não haveria pecador que se salvasse daquele
vaticínio, pois que todos os provérbios foram ditos aos tímpanos dos que
residiam ali e não haveria uma nova arca de Noé para salvar quem não estivesse
imbuído do espírito cristão dele e aos moucos propositais restaria a
participação numa torre de Babel que jamais sairia do labirinto esconjurado. Um
blablablá sem fim. De fato não era levado a sério o que dizia porque todos se
achavam fiéis que receberiam a salvação invariavelmente. Temiam, sim, mas com a
ciência de que eram legítimos fiéis da crença em Deus e maldiziam dos outros
que deveriam estar cometendo ilícitos para serem agraciados com a fúria do
senhor. Em suma, todos se achavam santos e, ao mesmo tempo, acusavam-se, uns
aos outros, de demônios camuflados. E tinha mais: esperavam o reaparecimento do
padre Bidião que, com certeza, resolveria esses incidentes em dois tempos.
Um
mês e meio depois a cidade fora dada por esquecida na sua insignificância,
restara apenas o pavor de um apocalipse vindouro naquela gente pobre e crédula.
Arribaram dali todos os helicópteros humanos ávidos de detalhes; acabara-se o
interesse pelo recôndito rincão do mundo.
Três
semanas depois voltara todo tormento quando a Besta Fubana muito irada, a dar pipocos
pelo meio da rua, relinchando alto, aparecera no meio da madrugada,
amaldiçoando a tudo e todos na noite mais comprida que se tem notícia. Foram
horas e horas de vociferações acusatórias contra aquele povinho besta, um a um,
desenhando a sua personalidade e delatando as intimidades mais esdrúxulas de
cada qual. Maridos, esposas, namorados, honestos, autoridades, todos, desde o
paupérrimo morador da última casa da rodagem até ao Juiz, o Prefeito e o Bispo
entraram na roda das difamações inflamadas pela Besta. Lá pras tantas, já
cansada de desnudar, de debulhar a vida dos coitados moradores, a Besta arribou
com uma zoada estrepitosa de estourar os ouvidos de todos dali. Os
profissionais da imprensa acorreram às pressas a fim de flagrar mais uma história
sobrenatural sucedendo naquela localidade. O plantão dos ávidos locutores
durara dois meses até perceberem apenas informações imprecisas de casos
desencontrados, colhidos de uma gente temerosa e arredia quanto a profanação
dos mistérios do oculto. O que sabiam de mesmo era que a ausência do padre
Bidião por ali, causara tantas coisas impressionantes e inimaginárias.
Nada
mais ocorrendo, dias depois Alagoinhanduba voltara ao seu normal respirando
aliviada, porém, sobressaltada a qualquer sinal advindo como agouro: uma coruja
rasgando mortalha; um morcego que barroava nas portas; um piado de pássaro
estranho; um silvo de cobra desconhecido; um gemido lá longe; tudo deixava o
tirocínio com caraminholas por identificar. O sinal estava dado e obrigava reza
diuturna aos sôfregos corações provincianos, genuflexos perante os altares de
dia e noite, noite e dia, selando juramentos de não cometerem mais pecados,
implorando pela clemência divina, visto que estavam sendo assolados
injustamente por acontecimentos sórdidos.
Normalidade
definitiva, mesmo assim não quiseram suspender a vigilância das orações, visto
a qualquer momento nova fatalidade ocorresse, precaução de matuto de inteirar
logo, passando da conta, melhor se creditando que deixar débito com as coisas
do outro mundo. E viera, até que chegara as doze badaladas noturnas, uma voz
agourenta, cheia de micagens, rasgando o silêncio de mortalha na noite.
-
Com quem ficará o penico de Dona Chiquitinha Gonzaga?
Estremeceram
todos mediante o anúncio daquela voz do além, daquela não escapava qualquer
vivente. Para eles a morte viera buscar Dona Chiquitinha Gonzaga.
-
Com quem ficará a caçola da véia?
Um
serrote estridente fazia-se ouvir por toda cidade. De repente um estampido
surgira, devia de ter sido arma de fogo. E era. Os cachorros assanhados latiam
afobados.
-
Vá-se embora, espírito zombeteiro!
Era
a voz dela, moradora distante, viúva de anos, morava próximo ao cemitério, era
doente de fúria, brava sempre. A sua companhia era, apenas, a criadagem vítima
de sua arrogância. Há tempo ninguém lhe via as faces, deve de ter envelhecido
até a bruxaria para a morte vir lhe cobrar agora a sua sorte partilhando os
seus bens num serra-véia.
-
Quem herdará os bisquís dela ?
Novo
pipoco de espingarda seguida de uma gargalhada tonitruante. A voz era de fato
agourenta e a velha destemida, enfrentava com todas as forças que lhe fartavam
do gênio ruim, dos maus bofes dela com todos, ficando os ouvintes a torcer ora
pela voz horripilante, ora pela coragem da anciã.
-
Vá serrar a véia da sua mãe!
-
Será o seu Camafeu?
Com
a citação do nome de Camafeu numa acusação ruidosa, uma zoada ensurdecedora,
vários estampidos foram disparados no meio da noite. Aquela insinuação caíra
como uma bomba sobre a cidade, causando cochichos e disse-me-disse. Meus Deus! Camafeu,
segundo as más línguas, era um farmacêutico do lugar, muito simpatizante da
carunchosa e muito bem recepcionado por ela. Dizem mais que desde tempo remoto,
a senil senhora nutria afeições especiais pelo marmanjo, deduzindo-se que o seu
finado marido morrera de um ataque cardíaco por haver comprovado que fora
corneado pelo boticário. Os tempos se passaram e tudo foi abafado como convinha
a quem tem dinheiro e poder no lugar; e agora um novo escândalo vinha à tona
envolvendo a macróbia e o dono da botica.
Corria-se
que à noite perambulava uma tocha nas imediações da casa dela, a reluzência
aparecia no meio da rua, se dirigindo ao cemitério e ficava rondando a casa da
Dona Chiquitinha. Rica e avarenta como era ela, na época pensava-se ser um
castigo de Deus para lhe atormentar, ou uma perseguição do diabo.
-
É a tocha! É a tocha!
Era
um asteroide para frente e para trás, causando pavor em todos. Era quase um
cometa que desfilava pelas limitações da cidade e fazia peripécias nas
proximidades da casa dela. Até hoje mistério não desvendado.
Agora
era o além que mexia naquele vespeiro. Os mais desmemoriados do tempo se riam
confidencialmente em meio ao alarido. Riam do jeito de ninguém ouvir. Era uma
mangação que podia dar no maior nó cego. Aquela afirmação causava um rebuliço
de ferver no sangue de quem estava quieto; quem ouvia aquela insinuação sabia
que o chumbo grosso ia sobrar no meio da canela à caça dos destemidos
espíritos. Outro tiro zuniu na escuridão e todos sabiam da pontaria certeira da
coroca. A zoada do serrote continuava
inclemente, distribuindo a quem de direito todos os pertences da vetusta.
Ante
meridiem! Virgem Maria! Uma correria varria a cidade por todas as suas locas,
vasculhavam tudo, prenderam gente, esfolaram outros, torturaram vários para
saber a autoria de tal asneira insolente. Nada apurado, um verdadeiro quartel
de trombudos sentara praça nos arredores da moradia de Dona Chiquitinha.
Ficaram mais de mês esperando o serra-véia do outro mundo. Aquilo não era
brincadeira, todos armados até os dentes, pronto para sacrificar o cretino
autor de tal avaria. Ao cabo de longo tempo a autoria daquelas ingresias
permanecia anônimo, impune de levar socavões e de ser agarrado pelas mãos da
justiça mais carniceira do mundo.
Depois,
muito tempo depois, ora, foram uivos lancinantes e ganidos emitidos de regiões
limítrofes ao município. Noite de lua cheia, ave! Ouvia-se ululante animal
percorrendo as intimidades soturnas do sítio, vociferando presságios e causando
arrepios temerários. Enveredando pela periferia mais ainda se ouvia os
estrépitos no escuro como um abismo do mundo.
Nos
dias seguintes ao plenilúnio, a calma voltava a habitar entre os munícipes. Isso,
até a prisão de Jetevaldo. Bastou uma passada do padre Bidião por aquelas
paragens, tudo se resolvera como num toque de mágica. Foi ele quem levou tudo
pro Jetevaldo, um sujeito já vinha na mira da desconfiança e fora agarrado após
a descoberta do assassínio de Rosimari. Esse crime pegou de cheio na
consternação popular que jurara surrar o infrator desalmado. Foi uma agitação
desmedida, o sujeito com a cara mais cínica do mundo, depois de cometido o
delito à jovem debutante, caminhava ileso pelas ruas. É certo que os cachorros
latiam muito com a sua presença. Ninguém suspeitava que ali estava um
desafortunado filho do diabo. Havia um odor de sangue cru a cada aproximação
dele, era um rejeitado, amaldiçoado. Era filho de Dona Ornela, uma senhora
trabalhadora que perdera o marido muito jovem e possuía desse matrimônio, um
único rebento: o Jetevaldo. O rapaz, segundo descoberta dos vizinhos, era muito
estranho e dado a maus costumes causadores dos maiores vexames à sua santa
maternal. Aprontava das muitas sugando da mãe os últimos míseros centavos de
seu sustento. Possuía um sotaque repuxado adquirido de uma viagem, sem motivo
aparente, a São Paulo. Sabe-se, apenas, que desaparecera de casa deixando a mãe
aos prantos de tanto procurá-lo. E sem mais nem menos, reaparecera ele cheio de
gírias, afeito a namoricos escondidos e safadezas muitas com as mocinhas da
gente de bem.
Um
dia, sob o pretexto de remeter missiva para uma amiga paulista, Jetevaldo convidou
Rosimari para redigi-la em lugar e hora acertados. As garotas de Alagoinhanduba
suspiravam ao seu encalço pela sua diferença de ser, seu jeitão desligado, todo
adiantado, cheio de modas e modos, gesticulando muito, descompromissado com
tudo e com todos, sempre de lero para cima das débeis mocinhas, dançando coisas
não ainda vista, falando de um tal funk, punck, rock, house, tecno, coisas do
gênero. Rosimari, fulgurante por ter sido a escolhida por ele, tratou de se
embelezar como nunca para o encontro marcado, para impressioná-lo e, por certo,
conquistar o amor dele que seria, sem dúvida, o seu príncipe encantado, dono do
seu coração. Aproveitando que Dona Ornela se dirigira até a cidadezinha vizinha
para receber valores oriundos de seu beneficio, sua aposentadoria, preparou o
deslavado todo ambiente para recepção da jovem. Na residência do malandro,
Rosimari cumpria, com gentileza esmerada, a solicitação dele, atendendo o
ditado e corrigindo possíveis escorregões gramaticais praticados pelo
desajeitado. A carta estava impregnada de situações luxuriosas, causando rubor
nas faces dela. À certa altura da carta, ele se achegou e beijou seu pescoço, dela
se arrepiar todinha. Apalpou os peitinho miudinhos da moça, levando um tipo de
recusa que escondia a satisfação dela ao leve toque dos dedos nos seus seios.
Insistentemente pôs-se a beijá-la por todo corpo, os braços, as pernas, o
umbigo, por baixo da saia, retirando-lhe a calcinha com jeito, a rejeição
consentindo a manipulação de suas intimidades, em atitude de não permissiva, mas
trazendo um aconchego mais saliente aos seus dotes, numa volúpia que a levara
até a nudez. Ai nasceu um verdadeiro estupro. Gritos surgiram, até que
Jetevaldo realizou um verdadeiro espancamento, fraturando as suas pernas à
altura das coxas, deixando-a molezinha, sem forças para reagir às investidas
dele, deflorando-a quase desmaiada, introduzindo o seu membro em sua vagina,
sangreiro derramando, rasgando-a por dentro, até que, depois de um vai-e-vem
doloroso, retirou o caralho, deitou-a de bruços, aliviada e começou a roçar-lhe
o ânus, carinhosamente, e enfiou-lhe a rola cu adentro dolorosamente, dilatando
suas pregas, lascando o seu íntimo e depois de ejacular no seu procto deixou-a
sobre a cômoda, em decúbito dorsal, lânguida. Depois disso acendera um cigarro
e às longas baforadas ficou admirando a bundinha dela ali oferecida a seu bel
prazer. Terminando de fumar ficou ele esfregando a pica na região glútea da
jovem, lambuzando-a mais e logo o cacete ficou teso, sem parcimônia, enfiou-lhe
no cuzinho, provocando novos gritos até a sua ejaculação. Desfalecido e
ofegante, encostou-se na parede e foi retomar a respiração. Excrementos lhe
cobria a pele da barriga e das coxas, misturando-se ao sangue espirrado e
ensopando o piso da casa. Desmaiou de vez a coitada. Satisfeito, suspendeu-a
pelos braços jogando-a numa valeta existente no quintal. Com a água fria ela
despertou assustada prevendo que seria afogada e não teve tempo de reagir nem
de viver às cacetadas desferidas por ele com um escavador, acertando-lhe à
cabeça. Após isto teve a precaução de cobrir a morta com folhas de zinco para
que ninguém descobrisse sua delinquência. Ocupou-se em limpar o assoalho e
queimar as folhas de papel com a caligrafia dela, para perpetuar a sua
impunidade. Depois de banhado, teve num bar, ingeriu secamente duas talagadas
de aguardente, saindo sem dizer nada. Não se dera conta de sua sandice.
Anoitecera. E de supetão surpreendera a mãe se despindo para o banho.
-
Mãe, o espírito de pai entrou em mim!
-
O que é isso menino ? Tome jeito!
-
É o espírito de pai, mãe! O espírito de pai!
Assim,
se acercou da mãe e com uma força descomunal venceu toda a sua resistência,
numa sedução louca, a mãe não teve tempo de gritar, possuída por aquele triste
diabo. Foram horas e horas de luta, vencendo-a, já servida, viu aquele monstro
escapulir de seu ventre com uns olhos avermelhados e chispentos, horripilantes
caninos à mostra e um bafo nojento a tropeçar pelas moitas. Choramingou ela o
tempo todo, vira aquele momento que o seu sofrimento não mais lhe abandonaria e
estaria assim, para sempre, fadada à infelicidade. Seminua, saiu tombando pela
casa até alcançar o terreiro que dava para a varanda, ajoelhando-se aos prantos
e esconjurando o filho.
Um
uivado lúgubre e prolongado fez-se ouvir no seio da noite, devido a hora,
ninguém a vira naquele estado. Dormira, a mãe desolada, ali mesmo.
No
dia seguinte, acordada pelos raios fulgentes da manhã, recompôs-se e se
dirigindo ao interior da casa, chorou ainda mais. Ninguém imaginava a sua dor,
jamais saberiam mensurar o seu sofrimento. Se banhara demoradamente buscando
forças para enfrentar aquela situação. Pensativa, depois do banho, fez coar o
café na chaleira, tomando-o lentamente, bastante fervido. No seu descanso, da
porta ouvira que um vulto que se encontrava no interior dos seus aposentos. Ela
assustou-se, ficou atenta ao mínimo movimento. Ficou à espreita, indefesa.
-
É o pai, mãe!
Era
o Jetevaldo novamente com os olhos em brasa, puxando-a da cadeira com uma
violência avassaladora, arrastando-a pelo chão e escancarando-lhe as pernas.
Seviciada, novas lágrimas brotaram do seu rosto até que conseguiu gritar,
recebendo, em contrapartida, uma mãozada no rosto, um novo grito ecoando.
Reuniu as forças para recusar, saiu embolando casa adentro, indo parar no
quintal onde já se amontoavam vizinhos com o padre Bidião que apareceu para
convocar a todos em seu socorro e foram para mais de vinte a mode segurar o
tinhoso. Bastou o padre tocar-lhe a testa, logo o cabra arreou e rendeu-se. Prenderam
o monstro e amarraram-no, conduzindo-o até a delegacia. Um chá de porradas
acalmara o desditoso e no meio do festival de pancadas confessara a procissão
de caranguejos com velas sobre o casco o que o povo dizia ser extraterrestre; o
jegue com um monte de peido-de-véia explodindo amarrado na cauda parecendo ser
a Besta Fubana; o serra-véia para Dona Chiquitinha; o assassinato de Rosimari e
outros tantos delitos indecorosos.
A
revolta da população fora deveras violenta, tentando escorraçar o marginal,
quando garantias policiais propiciaram a Jetevaldo ainda viver. Ainda ontem ele
fugira da cadeia para lugar incerto e não sabido. (Veja mais aqui).
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polaca Balthus (Balthasar Klossowski – 1908-2001).