sexta-feira, outubro 30, 2020

POUND, TESLA, VALÉRY, LOÏS JONES, ROSANA PAULINO & DELANO

 

TRÍPTICO DQC: BODAS DE SANGUE - Eu me disse sim, me disse assim, me disse sim mais de mil vezes no meu sacrário que não se pode ultrajar. Noutra hora, ainda os demônios da noite no tempo e todos os dias no pêndulo e as batidas do meu coração, a repugnância pela maledicência e o meu cordão umbilical no ninho das enfermidades da boceta de Pandora. Oh não! Estou pro que der e sucederá. E tantas vezes fui ao encontro do amor, padecendo à custa de avassaladora paixão. Tantas vezes desfalcado pelo amor, vento algum recusará que me faz falta e até maltrata o bem-querer e o querer-bem. Tantas vezes fui ao encontro do amor e por isso sete vezes perdoei para poder fugir duma prisão pelo sortilégio do amor, setenta vezes ousei amar e busquei uma meizinha do estrume de Jauaraicica para me curar de paixão profunda e proibida, setecentas vezes amei com um pensamento vivo de que tudo transcende este universo absoluto, sete mil vezes amarei para que exista a paz de Isaías em nosso estado e lugar. O amor me deu e só o amor levará tudo na vontade de viver errante por todos os continentes, na minha eterna gratidão à habitação dos vivos e dos mortos.

 


CONFIDÊNCIAS DE ARREPENDIMENTOS & INCERTEZAS - Imagens: Série Assentamento (2013), da artista visual, educadora, gravurista e curadora Rosana Paulino. – A noite alongada nas horas. Ela rasga a clausura com sua intempestiva invasão tagarela sobre os arrependimentos da Bronnie Ware: Vivo a vida como sou, nem sou escrava de trabalhar; sou cristalina quanto aos meus sentimentos e feliz dentro do possível; não tenho amigos, os perdi pelas muitas faces emotivas do tempo. Sim? Só tenho a mim, o melhor que posso fazer. Além do mais, um país que elege um Coisonário com seus ministros bestas quadradas, não é digno nem de estar no mapa, porque o povo que elege um traste desse presidente não é mais um país nem nação nem nada: é o reino da excrescência humana. A morte está instalada pelo incomunicável, irrespirável, se não medíocre, fútil. Ah, esse o Fecamepa, disse-lhe. Inquieta, fitou-me com desdém e vociferou: Não preciso viver, não faço parte disso, sou ex-humana. E desaforada saiu porta afora sem se despedir. Voltei às leituras, não conseguia concatenar o que lia nem o que ela havia dito. Ah, fiz um esforço tremendo para focar no que lia. Nada, dali um tempo ela atravessava o quarto com uma frase em riste do cientista e inventor austríaco Nikola Tesla (1856-1943): A maioria das pessoas está tão absorta na contemplação do mundo exterior que está totalmente alheia ao que está acontecendo em si. E manteve-se agitada, visivelmente atordoada. Estendi-lhe a mão e preferiu ficar zanzando pelos quatro cantos, agitando as mãos, estalando os dedos, mordendo os lábios, olhava para algum lugar incerto sem parar quieta e imersa em seus pensamentos. Rente à porta ela me encarou e mandou o recado com Paul Valéry: O problema do nosso tempo é que o futuro não é o que costumava ser. O homem enfeita-se com a sua sorte. Veio até mim, beijou-me as faces enquanto visualizava o espetáculo dos seus seios solto no decote, lambeu-me os lábios com um ósculo carregado de luxúria e saiu com um aceno amável de quem voltaria não se sabe quando: Volto já.

 


É NELA QUE TUDO GIRA – Imagem: da artista visual, professora, ilustradora e designer de estampas afro-americana Loïs Mailou Jones (1905-1998) - Sou sobrevivente na emboscada do desgoverno, a solidão cada vez mais aguda e em voz alta não me ouvia. O chão se moveu e cada parede uma porta tagarela até o teto obscurecido, a me dizer do que fiz e deixei de fazer – uma tela de cinema em cada pálpebra. Olho pros lados e só tenho brechas, frestras: um algoz desconhecido na maior pachorra sobrevoa meus sonhos e por toda a minha andadura como quem põe em prática o justiçamento da minha reputação. Cônscio de haver pago por tudo, voo aonde meus pés me levam sem ter que dever nada, porque não me resta mais nada além do desemprego, do desamor, dos desentendimentos, desgoverno e sindemia geral. Sozinho, não há porquê vacilar ou sofrer: o sagrado só ocorre ao anoitecer, é quando dói mais fundo e a palavra é alma. Longe o amanhecer. Sei, tudo é vivo de dia: muitas coisas para prestar atenção. Só se esquece do que não mais vive. Velhas vozes relembram e dá vida aos esquecidos para remoer remorsos e revides. Subitamente ela surge do nada na voz da poeta britânica Adelaide Anne Procter (1825-1864): Nunca é tarde demais para ser aquilo que sempre se desejou ser. E me beija ardentemente vestido esvoaçante e minhas mãos por sua pele nua, o meu sexo no seu, a vida real. Aperta-me contra o seu corpo já seminu e manhosa recita Ezra Pound em meu ouvido: Faça forte os velhos sonhos para que nosso mundo não perca a esperança. Sim, sim. Outro beijo e adia a dor, a solidão, o perigo e o extermínio para depois. Agora sou eu que giro em tudo que é dela e nela. Até mais ver.

 

A ARTE DE DELANO

Eu gosto mesmo é de pintar. A selvageria também tem sua expressividade. O desenho é fundamental.

A arte do pintor, desenhista e gravador, Delano - Flanklin Delano de França e Silva (1945-2010), foi ilustrador do Jornal da Tarde, participou de diversas mostras coletivas pelo Brasil afora, integrou o Ateliê + 10, em Olinda, e participou da criação da Oficina Guaianases de Gravura. Veja mais aqui & aqui.


 


 

quinta-feira, outubro 29, 2020

TIMOTHY SNYDER, RICHARD FEYNMAN, CLAUDIA JAGUARIBE & MANOEL TONDELLA


  

TRÍPTICO DQC: FERVORES DA INSÔNIA - Quero apenas um copo d’água! Um copo d’água apenas e suas mãos. Apesar de saudável, fui examinado e a minha doença me condenou e eu fui declarado imundo e me lançaram por fim fora do arraial. Condenado, fui e açoitado por todos. Estrangeiro eu sou. E me levaram o futuro. E me roubaram o sono e previ a insônia. Pudera. Tenho a casa e a glória no vento, meus bolsos estão todos vazios. Fui até o fundo do inferno e estou armado de luz. Anjo nenhum me avisou e me acrescenta o que perco, Quixote dos meus ideais. A solidão me eletrocuta. Sou estrangeiro aqui. Por vontade própria optei pela solidão. Vou só, o coração a bombordo e lutando contra meus próprios moinhos de vento. Na minha morte me recusarão o chão e não terei nada, serei feliz. Deixo ao mundo o meu caleidoscópio com todas as lembranças dos sonhos a coroar meu encontro comigo mesmo nos jardins do Éden, assim espero a ameaça das chamas do tridente. Enquanto vou só, nenhum rosário para desfiar nem nada para confessar. Não estou arrependido e nem quero ser perdoado. Nenhum céu me salvará, nem quero, só a solidão... E é ela na ventania quem socorre, na dicção de Niki de Saint Phalle: A vida... a vida nunca é o caminho que se imagina. Ela surpreende, assombra, e faz você rir ou chorar quando menos espera. E me abraçou como se eu fosse o abrigo mútuo do nosso desespero.

 


AS CENAS PARA ENTREGA – Imagem: a arte da atriz estadunidense de teatro, rádio e cinema Fanny Brice (1891-1951) - Pesquisava atento sobre teatro e dei de cara com uma cena da comédia em quatro atos, Direito por Linhas Tortas (1870), do dramaturgo, advogado, jornalista e pintor França Júnior (1838-1890). No proscênio imagético, o personagem Fortunato aludia ao casamento anterior do Major Pereira: A mulher morreu de uma perniciosa, como sofreu aquela pobre criatura! Os médicos receitaram-lhe tisanas e mais tisanas, tomou sulfatos a dar com um pau; a infeliz tinha a pele sobre os ossos. Durante a encenação, ela adentrou com o glamour das estrelas, a se rir com ar de interrogação acerca da expressão “a dar com pau”. Ah, esse é um termo equivalente a abundância, demasia, e é oriunda de uma ação dos nordestinos com as avoantes que pousam, pelos campos. Extenuadas, as aves de arribação são mortas aos milhares, a pau pelos sertanejos. Lá fora uma reclamação alheia: Povo sem educação. Ela correu para a janela e sacou aquela do físico estadunidense, Richard Feynman (1918-1988): Nunca confunda educação com inteligência, você pode fazer um doutorado e ainda ser um idiota. Reticente, virou-se pra mim: A propósito, que biografia a deste cientista, hem? Sim, li Genius: The Life and Science of Richard Feynman (Paperback, 1993), do jornalista e escritor estadunidense James Gleick, contando da rebeldia, quase um mito por inventar histórias e solucionar problemas práticos com frases espirituosas, filho de modestos imigrantes, cafajeste frequentador do carnaval carioca e assíduo visitador de inferninhos, comedor de espaguete e arrombador de cofres bisbilhotando arquivos na Guerra Fria, tocando bongô e descobrindo a eletrodinâmica quântica para ganhar o Prêmio Nobel de Física em 1965. Também o drama/romance biográfico Infinity (1996), dirigido por Mathew Broderick, contando os seus apuros e de ter que conciliar suas pesquisas com a doença da esposa Airline, que morreu tristemente acometida de tuberculose. Olhando-me fixamente, usou do escritor e dramaturgo francês Jean Giraudoux (1882-1944): Deus não previu a felicidade para as suas criaturas, previu apenas compensações. O amor tem momentos realmente exaltantes: são as rupturas. O destino é simplesmente a forma acelerada do tempo. E se achegou com carinhosa indecência, com um convite pro nosso Ziegfeld Follies: uma atriz sedutora com um beijo pro seu aconchego ardente e avassalador.

 


DA NOITE PRO DIA – Imagem: a arte da fotógrafa, artista visual e editora Claudia Jaguaribe - Ao amanhecer ela acordou esvoaçante. Era como se participasse da encenação de alguma agitação sem palco nem câmara. Para ela era a angustiante data de 20 de agosto de 1971 e a representação de uma linda mulher e precoce mito de lideranças. De um canto a outro, inquieta, mordendo os lábios, estalando os dedos, contando as horas e a militância desarticulada, ela caçada e encurralada num quarto de hotel em Pituba, era a hora a fatídica. Eu sabia, ela também era Iara, Iara Iavelberg: Não, não foi como está no livro biográfico de Judith Patarra, nem no Lamarca de Sérgio Resende. Não, ela não se matou para poupar das torturas que seria submetida se fosse apanhada. Não, isso não. E sofria a mesma dor de Rose, de Heleny, Marilena, Helena, Labibe, Alceri, quantas outras mais nesse triste mundo e há muito tempo. Num gesto brusco, ela me encarou como quem atirasse em mim, à queima roupa, o historiador e professor estadunidense Timothy Snyder: Se nenhum de nós estiver disposto a morrer pela liberdade, todos morreremos sob a tirania. E saiu remexendo meus livros. Cadê? O quê? O livro dele: Sobre a tirania: vinte lições do século XX para o presente (Companhia das Letras, 2017), onde está? Não sei, está por aí! Não encontro; preciso lê-lo e já! Está por aí em qualquer lugar da estante. E desesperada sacudiu um a um dos volumes e brochuras das estantes. Aproximei-me calma e carinhosamente, enquanto ela revolvia as prateleiras, envolvi-a em meus braços, beijei-lhe insistentemente os ombros e a nuca, alisei com uma das mãos suas faces banhadas em lágrimas, a outra pousava firme aos seus seios. Colei-me ao seu corpo para que ela pudesse acalmar-se e assim fiquei para aplacar sua fúria revoltada. Aos poucos foi serenando e deitou a cabeça ao meu ombro para sussurrar docemente Adalgisa Nery: Espero o princípio, porque o fim já está comigo desde minha formação. E o que era fogo em carne viva, era a paz do amor às labaredas da entrega. Até mais ver.

 

A FOTOGRAFIA DE MANOEL TONDELLA

A arte do fotógrafo Manoel Tondella (1861-1921), um dos mais importantes da segunda metade do século XIX pernambucano, com as paisagens urbanas retratadas e documentando as transformações do Recife, entre os anos 1890 e as duas primeiras décadas do século XX. Veja mais aqui e aqui.

 



quarta-feira, outubro 28, 2020

MARGARET ATWOOD, WILLIAM GOLDING, GUYAU, WAGNER TAVARES, TIPITI & LULA CARDOSO AYRES


  

TRÍPTICO DQC: BATISMO DE FOGO - Há muito que o meu coração espera! Por um cêntuplo de vezes evitei sem firmar: não abjurei meus sonhos, nenhum perjúrio lavou-me o pecado e a inquisição. Quem me acolherá ou direi assim tão só, compungido, minguando nas cinzas da primeira vez, do primeiro amor, do que foi para não mais. Há muito que o meu coração poreja na pia e no nome, aniquilado e só não serei jamais consagrado em qualquer sacramento, apenas confirmado como ex-humano na minha pletora alucinação. É nessa hora que ela chega Zélia Duncan cantarolando Alma de Antunes e Pepeu: Alma, deixa eu ver / Deixa eu tocar (alma, alma, alma) / (Deixa eu ver) / (Deixa eu tocar) / (Alma, alma, alma) / Superfície (alma, alma) / Deixa eu ver sua alma (alma, alma) / Alma (alma, alma, alma). E me beija sorridente com a frase do filósofo e poeta francês Jean-Marie Guyau (1854-1888): A vida é como o fogo: só se conserva, quando se propaga! E com a comiseração pelos miseráveis incapazes e decadentes, as labaredas do seu fogo incendiou o que de mim restava corpalma.

 


DANÇA DO TIPITI – Imagem: Tempo (2012), arte do escultor, fotógrafo e artista multimídia Wagner Malta Tavares. – Do meu quarto um local desconhecido e ae longe as vozes: Dança, dança, dançador, / dança com valor, / dancemos todos juntos, / cada qual com seu amor. / Traça e retrança, / volta a trançar, / que o tipiti / vai começar. Lá-lá, um passo pra lá, / Lá-li, um passo pra qui, / dancemos todos em roda, / tecendo o tipiti. / Destrança as tranças, / ó meu amor, / que o tipiti / já se acabou. Fui levado por ela e ao dobrar a esquina pude constatar a festança. Já havia visto o pau-de-fita, sabia lá esse auto era índios tarianos ou aimorés, uma ciranda com translação em ziguezague e trançando fitas coloridas com palmas, queda, anta, rede e croché, trança do lenço e destrança o trancelim, cacetão, cacetinho cruzado ou doido com bastões nos moçambiques, pra findar no florão ou tope, em reverência ao renascimento da árvore depois da invernada, prenúncio da primavera na sanfona, violão e pandeiro, violas e rabecas. Será vilão ou moinho, engenho ou traçado, jardineira ou mastro no Crato, Cariri, Varginha ou Pernambuco, do sudeste pro sul, noutra cantoria: O amor quando nasce / Parece uma flor / É tão delicado / Tão cheio de amor / Seria tão bom / Que ele fosse uma flor / Sem ter espinhos / Da dor / Depois que tudo / É sonho ao luar / Começam os desencantos / O amor passa a existir / Nessa voz do nosso canto. E ela me puxava para mais perto, como se quisesse participar das comemorações que só muito depois tomei pé no Roteiro do folclore amazônico (Sérgio Cardoso, 1964) e Os supostos festivais folclóricos do amazonas (CNFL/IBECC, 1962), ambas as publicações do historiador, professor, escritor e advogado Mário Ypiranga Monteiro (1909-2004). Ela encantada com tudo aquilo, abraçou-me forte como se quisesse ao saracoteio sussurrar Margaret Atwood: Na primavera, no final do dia, você deve cheirar a terra. E do seu corpo o perfume das flores, frutas, lavouras e rincões para minha vida.

 


ELA, PÁSSARO NA PIRANDRIA – Imagem: a arte da bailarina inglesa Julia Farron (1922-2019) – E era da pele dela em chamas o incenso do bailado no Pássaro de Stravinsky em plena Pirandria – aquela ilha do Supplément de l’histoire véritable de Lucien (Paris, 1654), do historiador, geógrafo e diplomata francês Frémont d’Ablancourt (1621-1696) -, e a se transformar em centelha flutuante no ar, para que em mim fogo-fátuo, ser a vida, a iluminação e o renascer, a paixão e o destrutivo infernal, a intuição e o incêndio criminoso, o ritual de passagem para purificação, a regeneração e as cinzas, a fricção e o sexo, o arquétipo da poética e da metafísica, para me acordar no real da vida com William Golding: Pior do que a loucura, a sanidade. E por três vezes ininterruptas, quando ao talento curto de imaginação sem fôlego e inspiração nenhuma, ela me levou incólume em suas mãos aladas pela travessia da fumaça tóxica da distopia de ontem e agora; e por seis vezes consecutivas em que a casa desabou sobre minha sombra antes de posar para retratos na parede e a voz que é minha e o braço que é meu envolveu-a como se eu fosse um fantasma de fogo pobretão e morto de fome a ressuscitar no domingo de todas as semanas e meses e anos vindouros; e por nove vezes sucessivas, depois de cantar e contar as minhas histórias arruinadas sem adornos nem louvores, os pulmões que são meus tiveram o privilégio de ser ocupado pela fragrância de sua carne nua na colina das estrelas para acudir o destino no reino da esperança. E nela sou e me realizo. Até mais ver.

 

A ARTE DE LULA CARDOSO AYRES

A arte do pintor vanguardista, desenhista, cenógrafo e programador visual Lula Cardoso Ayres (1910-1987), que participou de exposições no Brasil e no exterior, executando cerca de cem painéis e murais em diversas cidades brasileiras, entre as quais Recife, Salvador, Santos, São Paulo e Natal. Seus quadros fazem parte do acervo de alguns museus brasileiros e de coleções particulares da Europa, América do Norte e América do Sul. Veja mais aqui e aqui.

 


terça-feira, outubro 27, 2020

SYLVIA PLATH, DYLAN THOMAS, JEAN ACKER, GRACILIANO, ROSE NOGUEIRA, JOSÉ BARBOSA & A SEREIA DO ROBIMAGAIVER


  

TRÍPTICO DQC: PALÁVORA METAFÁBULA - Estradafora passadopasso futuronde errânbulos vidoutráfego. Realizarpar precisora, adivinhanando portabertas & realsonhalizar velacesa desertormentas. Volvouver, voltainda, vamboramanhã, desdontem jagora! Feridoída, saravento. Dylan Thomas: A bola que lancei quando brincava no parque ainda não tocou o chão. A lição de Graciliano Ramos: É o processo que adoto: extraio dos acontecimentos algumas parcelas; o resto é bagaço. E faço e refaço, torno a refazer, sempre. O que foi e o que irá: todos. O que não me mata me faz viver. O que não me atiça não me falta nem existe. Quem não tem audácia não vive. Quem não se arrepende não faz.

 


A SEREIA DA LOROTA - Imagem: Art Deco handmade Sculpture nude beauty Mermaid Bronze copper Statue. - Depois do Pipoco da porra, da paixonite do besouro doido, da presepada com a culpa no cartório e das emboanças malsucedidas no Big Shit Bôbras, Robimagaiver havia desaparecido fazia tempo e, de repente, deu as caras para lá de lívido e às carreiras. Que foi que houve? Escapei fedendo! Como assim? Arfante, não dizia coisa com nexo. Aí Zé Corninho sapecou: Esse cabra mente que o cu apita! Todos concordaram e juntando curioso ao redor dele, só de mutuca para apurar a pinoia. Foi de mesmo, cara! A gente já saca tua pacutia, fidapeste! Foi mesmo! Vai-te! Vou contar. Então, conta. Seguinte: uma reboculosa daquelas que não é pro meu bico, sei o trampo que carrego, meu carrinho de mão e coisa e tal, e pelo jeito ela deu mole! Espia só: o sujeito juízo curto, mulher bonita, só dá merda! E deu. Passo o rodo, caiu na rede é peixe. E era. Foi só me abestalhar nuns xambregos bons e ineivados e lá pras tantas findar na beira do rio. Pega aqui, pega acolá. Nem aí, depois do sarro era a hora do vamos ver e ela timbungou, tirou a roupa e ficou só me atiçando. Sou lá de refugar na horagá, desvesti tudo num mergulho só. Dali a pouco no meio dos agarrados e umbigadas, um peixão passou pela batata da perna: Tem peixe grande na área! E ela se ria toda não me toques e vem e vai. Passou de novo, pelo volume, vôte, é dos grandões. Tá doido, quero lá ser devorado por jacaré ou sei lá o quê, pulei fora. Oxe, ela danou-se a cantar e a vista escureceu, tonteei e apaguei. Quando dei fé depois de num sei quanto tempo, ela era a peixa. Pode? Aí, foi pior, tive um troço com o pega-pega e só me acordei num lugar desconhecido em que ela não era mais uma peixa, era uma ave com cara de mulher! E queria me pegar. Onde já se viu? Dei uma carreira, nadei num sei quantos dias, ela atrás, grasnando, eu tome braçada, pelo jeito acho que rodei o mundo até despistá-la e chegar em casa. Ufa! Escapei fedendo, meu! Como é? A tropa toda deu sinal de lorota: E quando foi que aprendesse a nadar, desgraçado? A necessidade ensina! Ah, não! Nessa hora ia passando o doutor Zé Gulu que foi atrapalhado pela mangação e teve de ouvir todo relato do dito cujo. Ah, sim, se é verdade ou não, pela descrição do lugar que você deu, não resta dúvida que é a Ilha das Sereias. Como? Sim, é uma ilha incerta do Mediterrâneo e que muitos autores falaram deste lugar: a Odisseia de Homero, a Argonáutica de Apolônio de Rodes, a Die Lorerei de Henrich Heine e o Ulisses do James Joyce, reza a lenda: com seu canto melodioso, as Sereias atraem os marinheiros que, inconscientes do perigo, naufragam nos rochedos da ilha. Êpa! A turma com o mestre pelo canto do olho: Ô doutor, diga cá uma coisa: como é que um frebento desse passa por uma dessa e sai ileso, me diga? A turma do qual é: Nem nadar o bexiguento sabe! Onde já se viu um embola-bosta desse todo topetudo pra bancar o bonzão pra cima da gente, ora! Com todo respeito, doutor, mas não dá para acreditar numa lorota dessa!

 


ELA ENCENA & O AMOR É REAL - Imagem: arte da atriz estadunidense Jean Acker (1893-1978) – Adentrou seminua na noite e disse: Sou Rose. A jornalista e defensora dos direitos humanos, Rose Nogueira. E passou o texto: “Sobe depressa, Miss Brasil’, dizia o torturador enquanto me empurrava e beliscava minhas nádegas escada acima no Dops. Eu sangrava e não tinha absorvente. Eram os ‘40 dias’ do parto. Na sala do delegado Fleury, num papelão, uma caveira desenhada e, embaixo, as letras EM, de Esquadrão da Morte. Todos deram risada quando entrei. ‘Olha aí a Miss Brasil. Pariu noutro dia e já está magra, mas tem um quadril de vaca’, disse ele. Um outro: ‘Só pode ser uma vaca terrorista’. Mostrou uma página de jornal com a matéria sobre o prêmio da vaca leiteira Miss Brasil numa exposição de gado. Riram mais ainda quando ele veio para cima de mim e abriu meu vestido. Picou a página do jornal e atirou em mim. Segurei os seios, o leite escorreu. Ele ficou olhando um momento e fechou o vestido. Me virou de costas, me pegando pela cintura e começaram os beliscões nas nádegas, nas costas, com o vestido levantado. Um outro segurava meus braços, minha cabeça, me dobrando sobre a mesa. Eu chorava, gritava, e eles riam muito, gritavam palavrões. Só pararam quando viram o sangue escorrer nas minhas pernas. Aí me deram muitas palmadas e um empurrão. Passaram-se alguns dias e ‘subi’ de novo. Lá estava ele, esfregando as mãos como se me esperasse. Tirou meu vestido e novamente escondi os seios. Eu sabia que estava com um cheiro de suor, de sangue, de leite azedo. Ele ria, zombava do cheiro horrível e mexia em seu sexo por cima da calça com um olhar de louco. No meio desse terror, levaram-me para a carceragem, onde um enfermeiro preparava uma injeção. Lutei como podia, joguei a latinha da seringa no chão, mas um outro segurou-me e o enfermeiro aplicou a injeção na minha coxa. O torturador zombava: ‘Esse leitinho o nenê não vai ter mais’. ‘E se não melhorar, vai para o barranco, porque aqui ninguém fica doente.’ Esse foi o começo da pior parte. Passaram a ameaçar buscar meu filho. ‘Vamos quebrar a perna’, dizia um. ‘Queimar com cigarro’, dizia outro”. E chorava com todos os poros, vísceras & sangue, estirada no chão e a mencionar nomes perdidos, Heleny, Marilena, Helena, Labibe, Alceri: sou todas elas e elas são em mim o último suspiro de vida. Levantei-me até ela e, num abraço, soluçava. Disse-me Sylvia Plath: Acho que criei você no interior da minha mente. Quando você entrega todo o coração a uma pessoa e ela não aceita, não dá para pegar de volta. Você o perde para sempre. Disse-lhe apenas: vivocê! E nos beijamos para a eternidade. Até mais ver.

 

O MUNDO DE JOSÉ BARBOSA

A arte do escultor, entalhador, pintor, desenhista, ilustrador e gravador José Barbosa da Silva, que organizou o Movimento Arte Ribeira, em 1963, e participou do início da Tropicália, do Cinema Novo e da Nova Figuração de artes plásticas, tendo participado de individuais e coletivas em países como Alemanha, França, Espanha, Chile, Inglaterra, USA, Suíça, entre outros. Veja mais aqui e aqui.

 


domingo, outubro 25, 2020

MAYA ANGELOU, HENRY FLYNT, JUNG, DARCY RIBEIRO, MILTON NASCIMENTO, ALEXA MEADE & AGUINALDO BATISTA

 

TRÍPTICO DQC: PAIVRAS PALANÉIS - (ouvindo Yanamâmis e nós – Pacto de vida, de Milton Nascimento & Fernando Brant) - Depois de me desconstruir e às avessas de pisar e voar, doer errático pelos devires e pelos degraus da caosmose de Guattari, me vi só anti-édipo pelo rizoma & mil platôs. Foi maior a porrada: está muito difícil de respirar! Sim, porque não sou atleta do Estado e percebi o quão difícil é a convivência com o desgoverno do Fecamepa, a sindemia letal, a liquidez de Bauman, os delírios da hiperpolítica sacada por Sloterdijk – estamos todos no mesmo barco e parque dos horrores! - & o deserto do real denunciado por Zizek. Pelo que vejo e intuo, só a festa da morte nas platitudes dos cirurgiões magiares e mediocrização das campanhas políticas; no paroxismo delirante da gança e consumo na oferta e demanda; e na catatonia diante da lumeeira das desgraças. É tudo muito lúgubre, infelizmente, e na maior das ostentações, tagatés e celebrações. Vivo ou morto, tanto faz, apenas um dado estatístico para satisfazer o interesse daquele ou daquela irreconhecível. Ao abrir a porta o abismo e uma chuva de cinzas a cobrir o céu e a Terra. Ouvi Jung na sacada: Onde o amor impera, não há desejo de poder; e onde o poder predomina, há falta de amor. Um é a sombra do outro. Quem olha para fora sonha, quem olha para dentro desperta. Sequer havia um mínimo sinal de luz lá longe depois do fim do túnel. Nada. Não sei pronde vou, sei que voo.

 


SCHILDA, OUTRO NOME DO FECAMEPA – Curtindo You Are My Everlovin/Celestial Power (Recorded/LLC, 1986), do filósofo, músico, escritor, ativista e artista estadunidense Henry Flynt, associado à vanguarda de Nova York dos anos 1960 - À minha porta, um sujeito. Bate palma insistentemente. Cortez, atendo. Não conseguia entender o que solicitava, só gesto com mão pronunciando: Schilda! Schilda! Hospitaleiro como sempre fui, puxei pelo muque do estranho e o levei até a casa do poliglota erudito e autodenominado patafísico, doutor Zé Gulu. Socorra-me! Acho que é um caso parecido com aquele do javanês de Lima Barreto. Sim? E ouviu atentamente o cidadão que o apresentei. Ah, tá. Entendeu? Sim. Ele é schildbürger! Que droga é nove? Nascido em Schilda. Fodeu. Existe? Sim. Veja nesse livro aqui: Die Schildbürger (Dressler Verlag, 2000), do escritor, jornalista, cabaretista e roteirista alemão Erich Kästner (1899-1974), em que eles montaram um plano: estadistas e filósofos escolheram esse lugar para morar e, pouco a pouco, uma geração inteira de sábios reuniu-se. Sim, e? Reis e príncipes de outros países logo julgaram uma honra convidar um desses sábios para suas cortes, nomeando-o ministro e conselheiro pessoal. E daí? Quando restou apenas um homem adulto, as mulheres lançaram um ultimato: se seus maridos não voltassem, elas procurariam outros para substituí-los. Como é? A fim de servir a seus interesses sem ofender seus poderosos senhores, montaram um plano: começaram a se comportar de forma tão estúpida que os reis não os desejariam de volta. Lascou! Para ter uma ideia do problema, ouça, veja: A sala do conselho é o testemunho concreto do sucesso dessa política: um prédio longo e quadrado, sem a menor janela. Oxe! E como se reuniam? Na escuridão. Pronto, agora deu. Veja mais: Infelizmente, parece que a estupidez fingida dos pais se tornou efetiva em seus descendentes. Mesmo, como assim? Veja o que a principal autoridade da cidade fez: Encarcerou todos os habitantes do sexo masculino. Aí já é demais! Quando uma carta o acusou de liderar os republicanos, ele prendeu-se a si mesmo. Sem ninguém para fazer justiça, os schildbürher mofaram na prisão. Vôte! Pois é: Depois de algum tempo, no entanto, se deram conta do absurdo da situação, fugiram da prisão, anularam a antiga Constituição e proclamaram a república. Hoje é uma cidade-república com atmosfera de bonomia pequeno-burguesa, de semiconhecimento e bufonaria reinante. Ave! Nas escolas, somente pessoas ignorantes têm permissão para lecionar, na esperança de que aprenderão alguma coisa sobre as matérias que ensinam. Enquanto isso, inculca-se nos estudantes uma desconfiança total em todo o conhecimento, o que reforça a autoconfiança... Ora, isso é o Fecamepa! Aí ele olhou-me profundamente e citou Darcy Ribeiro: O Brasil, último país a acabar com a escravidão tem um perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso. Mais vale errar se arrebentando do que poupar-se para nada. Ora, ora. Seremos sempre os últimos! Nesse caso, quem copia quem? Isto é Brasilsilsilsilsil!!!!

 


DAS DORES, ELA NOITES & DIAS – Imagem: arte da artista estadunidense Alexa Meade - Ao regressar ela explorou os cantos como se repassasse texto de memória sobre o passeio por Paris e Berlim, cenas de Brecht e Molière narrando imagens da mitologia grega, a se ajoelhar como aprisionada às dores do pau de arara. Ergueu as mãos à cabeça como quem vitimada da coroa de cristo esmagando seus miolos. Sentou-se como quem expõe a hemorragia dos espancamentos na cadeira do dragão e três dias de choques elétricos na língua, seios e vagina na sessão torturante da Casa da Morte. Fitou-me severa e veio: Sou Heleny. Sim, sou Heleny Guariba (1941-1971), aquela que sucumbiu com Marilena, Helena, Labibe, Alceri, todas sou eu solidária na dor de morrer nos porões da História. Deu-me as costas e antes de sair olhou-me mais uma vez e recitou Maya Angelou: Você pode encontrar muitas derrotas, mas você não pode se deixar derrotar. Se não gosta de alguma coisa, mude-a. Se não puder mudá-la, mude a sua atitude. Não reclame. O sucesso é gostar de si mesmo, gostar do que faz e gostar de como fazê-lo. Mandou-me um beijo e se foi com um aceno triste. Guardei sua imagem de atriz e brinquei de imaginá-la comigo na viagem por palcos inenarráveis. Até mais ver.

  

AZARILDO & O XOTE ECOLÓGICO DE AGUINALDO BATISTA

Não posso respirar, não posso mais nadar. A terra está morrendo, não dá mais pra plantar. E se plantar não nasce, se nascer não dá. Até pinga da boa é difícil de encontrar. Cadê a flor que estava aqui? Poluição comeu. E o peixe, que é do mar? Poluição comeu. E o verde onde é que está? Poluição comeu. Nem o Chico Mendes sobreviveu.

Xote ecológico, música de Luiz Gonzaga em parceria com o compositor, radialista, humorista e ator Aguinaldo Batista (1930-1980), criador do afamado personagem Azarildo que atuou nas tevês Tupi, Excelsior e Record. Trabalhou na Rádio Tamandaré e Clube de Pernambuco, além de atuar nos filmes A compadecida (1969), A vingança dos 12 (1970), Terra sem Deus (1963) e A pele do bicho – amor e traição (1974). Veja mais aqui, aqui e aqui.


 

 


sexta-feira, outubro 23, 2020

KOLAKOWSKI, LYGIA CLARK, MICHAEL CRICHTON, AICHA HAMU, WALTHER MOREIRA SANTOS & O TRIO DO FINCAPÉ

 

TRÍPTICO DQC: SEXTA FEIRA, O TRÂMITE DA SOLIDÃO – Olhos amanhecidos na frieza do mundo e não fosse ontem feito de mormaço, não teria eu tantas horas de sentimentos vários, dor e compaixão. Não fosse o amor o termômetro da vida, não teria eu nada para dizer agora: as palavras me escondem, jamais quisera, outro era o sonho. Só os ingênuos, quiçá, na minha alucinação; sonhadores até, sei lá, cultuarão qualquer hora do entardecer que se fez noite e se perdeu na escuridão da madrugada. De longe a montanha ao sol-posto, de onde faz sombra esfriando o meu coração erradio. E eu um relês mortal, aos olhos o monograma do Cristo, voo pela noite no mar da solidão. Na boca da noite, todas as evidências levaram a nada: fui benzido de copas, a felicidade no descarte, o doce mel que se derrama em grande profusão. Eu perdi, açoitado pelo ronco da onça suçuarana que nunca existiu, virei mundo no Rabicho da Geralda e me perdi, não sei, na quentura que se alastra. Mandei boas novas e escrevi aos familiares, nunca esperei ser louvado por virgens de vestais ou qualquer estima, consideração. Enterrei o trevo de paus na volta do cruzeiro, era o que podia fazer. Ao vencedor, salve, um laço de fita no braço, palmas e saravá. Quantas imagens, labaredas, sensaboria, defecções. Desde que me tenho por gente, vivo a morrer de sede e o que me resta. Deixo aqui nada mais que tenho, um aceno qualquer, outra direção, um adeus.

 


O TRIO DO FINCAPÉ NO PORTO DOS PATIFES– Lá estavam às bravatas no maior leriado: o desprovido disforme Mamão-o-amor-da-jumenta, aluado e capenga de pesado, sempre a flertar beldades passantes e só levando na cara: Sai pra lá, bicho feio!; o Biritoaldo das proezas empenadas, pulando num pé só por ter coisado naquela de marchar pela intervenção da ditadura e pela terra plana, até levar um peteleco de acordar sem saber quem era nem onde estava, birutando de comer merda e rasgar dinheiro; o Doro das trelas e revestrés que quer por que quer ser presidente num pleito municipal – Ah, tão me enrolando, não é pra prefeito, é pra presidente, meu! -, virado na munganga de tão arretado, de dar um bicudo num sapo-cururu de estimação para emplacar uma foto gigante do Coisonário na casa dele, tudo pra ver se a coisa dava cloro! E deu, o resultado foi sua moradia virar um criatório de pragas, isso de maribondo, mosquitos, trinca-cunhão, abelhas africanas e assassinas, escorpiões, barbeiros, moscas tsetse e dorylus e oestridae; ratos, pulgas, tarântulas, baratas, vespas japonesas gigantes, formiga-cabo-verde e de fogo, maruins, pernilongos e todo tipo de empestação: Eita, virou mesmo a boceta de Pandora! Foi numa fuga às carreiras que eles deram num entroncamento, de serem assim do nada e na hora abduzidos! Como? Sim, batem o pé. Quando deram em si estavam em... Cadê lembrarem o nome do lugar. E o disco voador e os alienígenas? Tudo desencontrado. A língua deles enrolava e a memória pifada não dava conta direito. Onde que era mesmo? Bastou uma dedada num furico de um deles e o fora duma frochosa proutro: Sai-te, patife! Pronto. É isso! Hem? É esse o nome: Porto dos Patifes! Existe isso? Foi lá que deixaram a gente, nesse lugar mesmo! Ora, ora. Nenhum mapa nem registro dalgum lugar no planeta com esse nome! Eis que lá vinha doutor Zé Gulu pro tira-teima: Ah, sim! Hem? Onde? Aqui! E abriu um livro e ao folheá-lo foi explicando: O único sujeito que diz que botou os pés nesse lugar ou inventou toda essa história, foi o escritor inglês Charles Kingsley (1819-1875), na sua publicação infantil The water-babies, a fairy tale for a land baby (1863 – MAC, 2017), e que o nome de mesmo era Polypragmosyne, também chamado de Porto dos Patifes, vejam: Reconhecem-se os nativos do lugar pelo sorriso torto e pelo ar de quem sempre sabe mais do que você. O principal monumento da ilha, de visita obrigatória, é o Panteão dos Grandes Fracassados. No interior do edifício, políticos dão palestras sobre constituições que deveriam ter funcionado, conspiradores falam de revoluções que deveriam ter mudado a face da Terra, economistas expõem planos que deveriam ter feito a fortuna de todos, e assim por diante. Em Polypragmosyne, cada pessoa exerce uma profissão que não aprendeu, porque fracassou naquelas que aprendeu ou diz ter aprendido. Ué!?! Oxe, até nisso o desgoverno Coisonário copia? Não será o Fecamepa a reedição disso? Valha-nos! Ah, me arrependi! Pois é, me enganei com a cor da chita! O douto logo advertiu usando do filósofo e historiador polonês Leszek Kolakowski (1927-2009): Em política, enganar-se não é desculpa. Aprendemos história não para saber como nos comportar ou como ter sucesso, mas para saber quem somos. Ah, mundiça, agora é tarde! Não tem outra, só consertar a desgraceira toda! Vamos aprumar a conversa!

 


ELA, DE APARIÇÕES & DESAPARECIMENTO – Imagem: arte da artista francesa Aicha Hamu – Era assim: ela ia e vinha, como queria: quantas faces, poses, jeitos. Ah, Marilena – sim, Marilena Villa Boas Pinto (1948-1971), estudante de psicologia, desaparecida pela repressão da ditadura militar -, era abril e os dias passavam, nenhuma notícia dela. Soube que foi para a Casa da Morte e de lá desapareceu com um ferimento penetrante no tórax e lesões do pulmão direito e hemorragia interna. Esse o laudo de sua clandestinidade na militância, nunca mais o ar da sua graça. Ela se foi como foram Helena, Labibe, Alceri, quantas e tantas que ainda nem sei. Indagorinha atravessou o quarto e se achegou sensual toda Lygia Clark: Nós somos os propositores: nós somos o molde, cabe a você soprar dentro dele o sentido da nossa existência. Através da outra pessoa, o indivíduo pode perceber o seu próprio sentido, conhecer-se a si mesmo. Beijou-me com saudoso afeto, alisou meus cabelos desalinhados, acariciou minhas faces e montou arrebatada sobre o meu corpo para encenar alterando a voz, o escritor estadunidense Michael Crichton (1942-2008): Todas as grandes mudanças são como a morte. A gente só enxerga o outro lado quando chega lá. Da minha parte, nunca mais iria embora, ficaria para sempre comigo e aos beijos, afagos, entregas. Mas não, tinha de ir para voltar quando quisesse. Até mais ver.

 

A ARTE DE WALTHER MORREIRA SANTOS

Cada pessoa tem um jeito só seu de enganar a tristeza. O meu é me concentrar no que estou fazendo e esquecer tudo em volta.

Trecho de Todos deveriam estudar mandarim (Multicultural, nov/2017), do escritor e ilustrador Walther Moreira Santos, autor de obras como O Ciclista (Autêntica, 2008), Para que serve um amigo? (Becca, 2000), Helena Gold (Geração, 2003), Dentro da chuva amarela (Geração, 2006), O colecionador de manhãs (Saraiva, 2009), entre outros. Veja mais aqui & aqui


 


 

quinta-feira, outubro 22, 2020

KAFKA, LESSING, JOÃO CABRAL, ÈVE CURIE, LECONTE, MUCHA, BOUBAT, BERNHARDT & DENEUVE

 

TRÍPTICO DQC: QUINTA FEIRA, O TRÂMITE DA SOLIDÃO – A lua voltou-se para o leste e capturo a noite na constelação do ermo. Já é quarto-minguante, indelével prodígio, gozo preciso do ilimitado. O isolamento me angustia, o ponto perfeito do desvalido, um morrer queimando vísceras: é o pânico da solidão, o fascínio pelo perigo. A culpa se confessa e o coração neste instante homicida, nesta noite abissal, não sabe de nada nem de mim. Vou só.

 


O TEATRO DE OKLAHOMA & O ESCÂNDALO DE ÉVE – Imagem: arte do fotógrafo e fotojornalista francês Édouard Boubat (1923-1999). - Não sei explicar, mas estava perdido diante de um palco de pedras. Ali fiquei extasiado admirando o ambiente. Ao longe, em um areal, uma mulher nua esparramada. Era ela, enfim reencontrei. O que houve? Escondeu o rosto como se chorasse escondido. Toquei seus cabelos, ela virou-se de repente: era ela Ève entristecida com os últimos acontecimentos. Tirei meu casaco e dei-lhe para vestir. Ao remover minha camisa, ela rejeitou, preferiu guardar-se apenas do frio, nada mais, enquanto lamentava o ocorrido: um escândalo por ter ido à cerimônia e, ao regressar, encontrou suas filhas aterrorizadas por manifestações diante de sua casa. Não deveria ter ido, repetia, mas nunca temeu consequência alguma. Agora queria esquecer tudo. Falou do que sempre dizia sua mãe: Era uma fonte de desilusões deixar todo interesse da vida depender de sentimentos tão tempestuosos quanto o amor. Ah, o amor! E cantarolou a minha Serenar... Beijei sua face e a abracei com afeto. Ficamos um tempo assim, abraçados. Disse-me apaixonada Leconte de Lisle: Só há poesia no desejo do impossível ou na dor do irreparável. E mais se achegou num abraço apertado, demoradamente, como se nada mais houvesse no mundo. E era mesmo o que restava a mim abraçado na sua nudez, nada mais. O tempo passava e ela resolveu caminhar e saímos de mãos dadas pela localidade. Foi aí que soube tratar-se de um teatro natural, cenário da obra Amerika (1927), que no Brasil foi publicado com o título de O desaparecido (34, 2012), de Kafka. Contou-me do local e só muito mais tarde ao ler o livro que obtive mais detalhes a respeito, inclusive esta descrição: Na entrada da pista, sobre uma grande plataforma, centenas de mulheres, trajadas como anjos, com vestes brancas e asas pregadas aos ombros, tocam longas trombetas que brilham como ouro. Na verdade, as mulheres estão em cima de pedestais, os quais não podem ser vistos porque estão cobertos pelas pregas dos longos vestidos. Como os pedestais são muito altos, alguns com quase dois metros de altura, as mulheres parecem gigantescas, mas o tamanho de suas cabeças destoa do conjunto, bem como os cabelos, que parecem ínfimos caindo-lhes sobre as asas e emoldurando-lhes o rosto. Para evitar a monotonia, os pedestais são de vários tamanhos: nos mais baixos, as mulheres parecem de estatura normal, mas ao seu lado há outras que estão tão alto que dão a impressão de que qualquer vento pode carregá-las. Era assim mesmo, tal como vi. E caminhávamos até chegarmos a um local onde suas vestes estavam espalhadas. Recolheu uma a uma e reunidas puxou-me para si e ali nos beijamos e nos amamos até escurecer. Vi-lhe a face num relance da lua, era ela mesma: a escritora, a pianista concertista e crítica musical, a guerreira das Forças Livres, a jornalista e humanista francesa, Ève Curie (1904-2007), ela mesma, sim, em carne e osso, a que também era Denise de Labouisse, filha do casal cientista Curie e a única a não receber um Prêmio Nobel. Ao falar do prêmio, disfarçou o desapontamento: não era o não ter recebido o prêmio, mas ter ido à cerimônia, só isso. Logo mudou de assunto e contou-me da sua viagem Amon Warriors (1943), e de coisas sobre Gandhi e do Iraque onde: Admiram a força e querem ser governados com firmeza. Nós, as democracias, não oferecemos aos iraquianos nem liberdade (porque ocupamos o seu país) nem chefia (porque nos metemos pouco nas suas questões internas) e assim eles desprezam-nos e odeiam-nos. E muitas outras contadas por sua tagarelice e mais lamentou a perda da mãe e a irmã levadas por doenças radioativas e das filhas sofredoras e da sua vida perdida por amor. Ali amávamos um ao outro e nada mais importava noite adentro.

 


A CADA TRÊS HORAS ELA ERA OUTRA - Imagem: a arte do pintor, fotógrafo, ilustrador e designer gráfico checo Alphonse Maria Mucha (1860-1939) - Ao amanhecer, era ela Sarah mais linda e nua que nunca! Levantou-se a desabafar: Não posso dar um único passo ou fazer qualquer movimento ou gesto, sentar, sair, olhar para o céu ou para o solo, sem sentir algum motivo de esperança ou desespero, até que enfim, exasperada pelos obstáculos colocados em minhas ações pelo meu pensamento, eu desafio todas as superstições e apenas ajo como quero. A vida é curta, mesmo para quem vive muito, e devemos viver para os poucos que nos conhecem e nos apreciam, que nos julgam e nos absolvem, e pelos quais temos o mesmo carinho e indulgência. Deu-me as costas, ajoelhou-se com a graça da sua nudez e deitou a cabeça ao chão como se reverenciasse a alvorada, o reinado do Sol. Assim ficou até perder a noção do tempo e eu a admirar as suas generosas formas, a beleza extasiante de um corpo de mulher de bruços e desnuda: era ali que a vida se refazia em mim a cada instante. Ao se erguer me disse Doris Lessing: Aprendizado é isso: de repente, você compreende alguma coisa que sempre entendeu, mas de uma nova maneira. Fitou-me demoradamente e já era Catherine: Eu sou contra o politicamente correto e acho que é preciso transgredir nas coisas que valem a pena. Uma mulher tem que ser inteligente, ter charme, senso de humor e ser gentil. São as mesmas qualidades que eu preciso em um homem. Eu sou leviana. Então eu me sinto culpada. E me abraçou como quem nunca mais quisesse soltar. E saltamos pelos lugares, ermos, vales e limites, e éramos mútuos como se nada mais além de desvalidos e o amor dos desesperados. A cada três horas ela era outra e debulhava versos, frases e sentimentos agudos no meu sexo, entregando-se exasperada como se fosse pela última vez. Assim era, até mais ver.

 

CABRAL NO RECIFE E NA MEMÓRIA

[...] Quem diria? Um pobre Severino da mais malvada vida-morte nordestina é o bochincho do momento nos meios cultos do mundo estes dias. [...].

Trecho de Um Severino vai à forra, extraído da obra Cabral no Recife e na memória (Cultural/CEPE, 1997), do escritor, jornalista e professor Edilberto Coutinho (1891-1975), sobre o Prêmio Neusdtadt, em 1992, conferido ao poeta e diplomata João Cabral de Melo Neto (1920-1999), destacando a sua vida e sua obra. Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.


 

 


quarta-feira, outubro 21, 2020

LYDIA CHILD, PABLO DE ROCKA, ALICIA ALONSO, PRAGUER FRÓES & AS BAIANAS DO ARTESANATO PERNAMBUCANO


  

TRÍPTICO DQC: QUARTA FEIRA, O TRÂMITE DA SOLIDÃO – A festa acabou e não houve nenhum barulho na madrugada. A rua está pesunhada em honra de Pã, homenagem a Baco. A festa do povo passou. Neste dia eu te ofereço minha carne em holocausto, apesar da madrugada com o luar que azula a escuridão. As ruas são do pretérito caboclinho do Rabeca, o reluzente estandarte da Virgem Guadalupe e  a extinção de Tupác Amaru até sua descendência em quarto grau. Tudo apaixonadamente vivo, tudo delirantemente sentido, tudo escandalosamente passado a limpo em mim. Contaminados estão os cultores do pecado original, do hedonismo ou do Rigveda. Hoje o morto carrega o vivo e ontem de noite correu bicho em Matriz de Camaragibe. Anteontem o bufo inspirou Zé da Justa pra afinar a orquestra e a Fubana dos artistas, varrida de sonhos, impetrava um calor nas reentrâncias das senhoras e das mocinhas. A folia fez-se noite, fez-se dia. Permita Deus este mês não seja só carnaval. Dentro de mim passou a folia do planeta com seus trogloditas modernos e o assoalho repleto de excrementos, a casa vazia e o reino dos fantasmas. Vozes cantarolam: saia do sereno, saia do sereno, saia do sereno que esta frieza faz mal. De mim, o silêncio e o meu sacrifício de Odin: apenas água para beber e braços solidários. Tudo cinzas. Não fiz abstinência da carne, nem interdição dos sentidos. A minha impulsividade e o suntuoso e o inexprimível: um dia tão grande no desvario do frevo. Não quero penitência, estou debilitado pelo incenso inebriante de mulher, aquela que dorme oculta no deleite do meu travesseiro. Tudo viverá enquanto meu verso existir: o bar, a noite, o cigarro e a solidão. O poeta morreu terça-feira e eu sigo inquieto. O amor assim que deveria ser: a vida!

 


ELA O LUGAR & AS MULHERES DE BABILARY & PLANOLÂNDIA - Imagem: arte do ilustrador e designer Lucas Martins. - O meu quarto no meio da chuva de meteoros Orionids, na verdade uma poeira deixada pelo cometa Halley e sob a ameaça de um asteroide em rota de colisão com a Terra, o desgoverno do Fecamepa e tudo pronto ali para desabar na minha cabeça enquanto o mundo em tempos de isolamento pandêmico e eu à toa com os olhos vidrados nela, linda e nua a rir de tudo. Aliás, não mais pandemia, corrija-se: de sindemia que, segundo o médico, professor e antropólogo estadunidense Merrill Singer, ocorre quando “duas ou mais doenças interagem de tal forma que causam danos maiores do que a mera soma dessas duas doenças.Para escaldado como eu, desgraça pouca é bobagem: uma bronca nunca vem sozinha, outras se escondem por trás para detonar um efeito em cadeia e aí salve-se quem precavido ou se fode todo mundo duma vez só. Ao lado dela, afagos e beijos, dois sujeitos surgem do nada. Um deles, o abade historiador, tradutor e jornalista francês, Pierre François Guyot Desfontaines, autor dos dois volumes da Le nouveay Gulliver ou Voyage de Jean Gulliver, Fils Fu Capitaine Gulliver (1730 - Nabu Press, 2012), a narrar em Babilary, que significa lá na língua deles à glória das mulheres, elas eram: além de guerreiras e piratas, são também músicas e poetas, não levam muito a sério o casamento porque têm o direito de se divorciar, o que é proibido aos homens. Um tribunal literário, composto de sete mulheres, julga todas as peças de teatro e a rainha recompensa os melhores autores; os ruins são punidos com a proibição de escrever. Ah, verdadeira ginocracia. O outro, Edwin Abbott Abbott, falava de Planolândia: As mulheres de Planolândia são dignas de nota, pois, além de serem pontudas (pelo menos em duas extremidades), possuem o poder de se tornar invisíveis e, portanto, não se deve brincar com elas. É bom tomar cuidado porque o encontro com uma delas pode causar a destruição absoluta e imediata. Ao mesmo tempo, são totalmente desprovidas de cérebro e não têm reflexos, juízo nem prudência, e dificilmente alguma memória. Ela riu, mas não dispensou um esconjuro: coisa de machista, misógino. E entredentes sussurrou Francisca Praguer Fróes: A inferioridade da mulher não é fisiológica, nem psicológica; ela é social. Sua escravidão sexual determina sua dependência econômica. Rimos juntos e ela me beijou profunda e ardentemente. Ah, ela sempre divinamente inteira em sua entrega. Agora sinto sua falta como aquela de O sorriso por trás da máscara da Quarentena de Maurizio Ruzzi: Que ela o tinha infectado, não tinha dúvida, só não sabia com o quê. Assim seja.

 


ELA, A DANÇA SEDUTORA - Imagem: a arte da bailarina e coreógrafa cubana Alicia Alonso (1920-2019) - Era ela de volta sensualmente provocante enquanto eu perdido pelas onze dimensões da Teoria de Tudo – a M das supercordas -, rendido por seu rebolado frenético para esfregar-se no meu sexo espalmado e uma das mãos a rondar o ar para pegá-lo com apertos carinhosamente ternos, um dos pés ao alto com as firulas dos passos para pisá-lo deliciosamente tentadora, os lábios apertando-se aos lambidos bicuda-bocuda para beijá-lo galante e eu em estado de graça à cata dos seus encantos transbordantes. Achegou-se mansamente insaciável e sussurrou frase da escritora estadunidense Lydia Child (1802-1880): A cura para todos os males e injustiças, cuidados, tristezas e crimes da humanidade, tudo está na palavra AMOR. É a vitalidade divina que produz e restaura a vida. E nos beijamos pelos lençóis das nuvens e gozamos mutuamente a cachoeira dos nossos suores e nos redimimos da queimadura das esperas e quereres mais urgentes. Restou-me agora cantá-la como Pablo de Rocka: Canto sem querer, necessariamente, irremediavelmente, fatalmente, em eventos aleatórios, como quem come, bebe ou anda e só porque; / Eu morreria se não cantasse, morreria se não cantasse ... / Edifico canções como as grandes cidades estrangeiras ... / Quero ser ao mesmo tempo sombra e luz, raiz, folha e fruto, / e condensar imensamente toda a vida em um minuto. Assim o amor, a vida plena. Até mais ver.

 

AS BAIANAS DE PERNAMBUCO

Baiana / se você quizé / eu faço um chalé / mode você mora / Parmares / que é terra da lua / que tem uma rua / de prata e me dá.

Originária de Pernambuco, nessa dança se apresentam mulheres trajadas com vestes tradicionais de baianas, que dançam e fazem evoluções ao som de instrumentos de percussão. É considerada uma adaptação rural dos maracatus pernambucanos, mesclada com músicas que fazem lembrar o canto dos negros nas senzalas e a coreografia por eles criada nos terreiros da Casa Grande. Quentes e voluptuosos são os movimentos e os ritmos que acompanham a dança. Extraído da obra Danças Folclóricas (Esperança, 1986) do jornalista e professor Américo Pellegrini Filho. Imagem: artesanato pernambucano. Veja mais aqui & aqui.

 



KARIMA ZIALI, ANA JAKA, AMIN MAALOUF & JOÃO PERNAMBUCO

  Poemagem – Acervo ArtLAM . Veja mais abaixo & aqui . Ao som de Sonho de magia (1930), do compositor João Pernambuco (1883-1947), ...