segunda-feira, setembro 24, 2018

KAFKA, OCTAVIO PAZ, NISE DA SILVEIRA, HENRIQUE ANNES, MARIA BONOMI, MIMMO PALADINO & ZÉ GULU


O SUMIÇO & O PACTO DO GULU – Imagem: arte da gravadora, escultora, pintora, muralista, curadora, figurinista, cenógrafa e professora Maria Bonomi - Dizem e como falam: O doutor Zé Gulu sumiu. Cadê-lo? Quem sabe! Ainda a semana passada estava ele ali. Não, meu, mais de mês que ele não dá as caras, semestres, anos. Danou-se! Outro chegava: Qued’ele? Desapareceu faz tempo. Será que ele se envultou? Num diga. No meio, saiu essa: Ele foi dá uma chegada no Coisa Ruim. Como é? Quem falou, não sei, ninguém sabe. Insinuações, ah, conversa mole. Como é? Boato. Não, apenas, alguém disse e pegou. Entre comentários e bisbilhotices, ninguém dava conta dele. Daí pra difamação foi um pulo: o falatório crescendo. Adonde é que ele mora? O mistério aumentava. Lá longe. Onde mesmo? Num sítio abandonado - e outras invencionices carregadas de coisas fantásticas. O boi de fogo ganhou a preferência entre arredios e antipatizantes: O homem tem lá suas tretas. Isso é lá coisa que se invente, hem? Vamos tirar isso a limpo. E foram. Dia de chuva braba, ambiente sinistro, situação aziaga: zoada de bichos, escorregões, torada de aço. O que foi mesmo que a gente veio fazer aqui? Juntaram-se: Os frouxos que se danem, quem tiver coragem que vá. Idas e vindas, bateram à porta. Nenhum sinal de vida. Invadiram assim mesmo. A cena horripilante: teias de aranha, casa abandonada, silêncio sepulcral e no meio da escuridão: poucos móveis, livros amontoados e empoeirados, espelhos, castiçais e velas, bússolas, réguas, compassos, ambiente macabro daqueles magos cientistas. Acenderam umas tochas com o que acharam e conseguiram ver entre as publicações o Prometeu de Ésquilo, The Fornicarius do Johannes Nider (1380-1438), as façanhas do cruel Gilles de Rais (1405-1440) depois da morte de Joana D’Arc (1412-1431); escritos do lúbrico padre francês Urbain Grandier (1590-1634), aquele que foi queimado na fogueira e contado pelo astrônomo Carl Sagan (1934-1996); o doutor Faustus do séc. XVI do poeta Christopher Marlowe (1564-1593) que foi imortalizado pelo poeta Goethe (1749-1832); a teodiceia de Leibniz (1646-1716), as composições musicais de Giuseppe Tartini (1692-1770), imagens do Frauenkirche de Munique, as sujidades de Marquês de Sade (1740-1814), a poética pictórica de William Blake (1757-1827) influenciado por Shakespeare, Paracelso e Böhme; a dialética do negativo de Hegel (1770-1831), as músicas de Nicolo Paganini (1782-1840) que por não cumprir o acordo foi acometido pela Síndrome de Marfan e, tendo, por isso, rejeitado o seu sepultamento; a mitologia satânica de Byron (1788-1824) e Vigny (1797-1863), a pintura de Eugène Delacroix (1790-1863), as funestas histórias de Edgar Allan Poe (1809-1849) com todos os seus pseudônimos; a edição das Flores do Mal de Baudelaire (1821-1867), a poética dramatúrgica de Álvares de Azevedo (1831-1852), O padre Amaro do escritor português Eça de Queiroz (1845-1900), as escrituras diabólicas de Giovanni Papini (1881-1956), a fabulação de Flaubert (1821-1880), os Cantos de Maldoror de Lautréamont (1846-1870), O Septem Sermones ad Mortuos de Carl Gustav Jung (1875-1961), o Demian de Hermann Hesse (1877-1962), O mal de Georges Bataille (1897-1962), a literatura tenebrosa de Machado de Assis (1839-1908), a poesia diabólica dos heterônimos de Fernando Pessoa (1888-1935), o Paraíso Perdido de James Hilton (1900-1954), o Pacto com a Serpente de Mario Praz (1896-1982), o pacto na encruzilhada do Mississippi do blueseiro Robert Johnson (1911-1938), os grandes sertões de Guimarães Rosa (1908-1967), a pintura horrenda das crianças de Giovanni Bragolin (1911-1981) e de Anna Zinkeisen (1901-1976); o ritual do shaman do poeta Jim Morrison (1943-1971) e da banda The Doors; o Evangelho de Saramago (1922-2019) e o do Padre Bidião, a oração da Cabra Preta, as lendas de Branca Dias, Xeréu Trindade do Pantanal e do boneco Fofão do ator Orival Pessini (1944-2016), afora outras estranhices que versavam sobre alquimia, esoterismo, magia, cabala, coisas do outro mundo, poder, elixir da vida e a eterna juventude, disso e doutras ocultidões. Pronto. Estava selado: Num é mesmo que o homem é achegado às coisas do capeta!?! Arrepiaram da cabeça aos pés. Olharam-se: doido é quem fica! Os que lá foram não queriam falar do que viram; só à boca miúda, segredando. Qualquer menção era cuidada com benzeções de Deus me livre e beijos no crucifixo. Valha-me. Dali por diante, todos temiam aquele que um dia fora o mais sábio – agora amaldiçoado - entre os alagoinhandubenses. Mas qual é mesmo o paradeiro do doutor Zé Gulu, hem? Desavisado que seu cuide. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do violonista e compositor Henrique Annes: Ao vivo, Raio de Sol, Violão Brasileiro & com Oficina de Cordas & muito mais nos mais de 2 milhões & 600 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS – [...] Nesse pedaço de natureza que é a psique acontecem fenômenos de ordens diversas, misteriosos, arquetípicos, imaginários, racionais... todos se cruzando e percorrendo caminhos de muitas voltas. É apaixonante tentar acompanha-los, pois nenhum, mesmo em estados do ser ditos patológicos, jamais perde o imantado fio que lhe dá sentido. [...]. Trecho extraído da obra O mundo das imagens (Ática, 1992), da médica psiquiatra e psicoterapeuta alagoana Nise da Silveira (1905-1999). Veja mais aquiaqui, aqui e aqui.

A ARTE & O ARTISTA - [...] o artista, como um dançarino na corda bamba, move-se em várias direções, não porque seja habilidoso, mas por ser incapaz de escolher apenas uma direção [...]. Trecho de Transvanguarda, do pintor e escultor italiano Mimmo Paladino, extraído da obra Estilos, escolas e movimentos: guia enciclopédico da arte moderna (Cosac & Naify, 2003), de Amy Dempsey, traduzido por Carlos Eugenio Marcondes de Moura.

O ESTRANGEIRO -  [...] Você não pode sair; está detido. - É o que parece – disse K. -, e por quê? – perguntou depois. - Não nos cabe explicar isso. Volte para seu quarto e espere ali. O inquérito está em curso, de modo que se inteirará de tudo em seu devido tempo. Saiba que exorbito das minhas atribuições ao falar-lhe tão amistosamente. Confio, porém, em que apenas me ouça. [...]. Se você continua tendo tanta sorte como na designação dos seus guardas pode alimentar esperanças [...] - É melhor que nos confie suas coisas [...], pois frequentemente no depósito acontecem fraudes e além do mais costuma-se ali, depois de certo tempo, vender tudo sem que ninguém se incomode em verificar se o inquérito em questão terminou ou não. E quão demorados são os processos deste tipo, especialmente nos últimos tempos! Claro está que, em última instância, você receberia o dinheiro obtido da venda que certamente seria pouca coisa, visto que na operação o preço não é determinado pela importância da oferta, mas pelo montante do suborno; além do mais, ao passar de mão em mão, conforme a experiência o demonstra, tais somas vão se tornando cada vez menores [...] - Nós somos apenas empregados inferiores que pouco sabemos de documentos já que nossa missão nesse assunto consiste somente em montar guarda junto a você durante dez horas diárias e cobrar nosso soldo por isso. Aí está tudo que somos; contudo, compreendemos bem que as altas autoridades a cujo serviço estamos, antes de ordenar uma detenção examinam muito cuidadosamente os motivos da prisão e investigam a conduta do detido. Não pode existir nenhum erro. A autoridade a cujo serviço estamos, e da qual unicamente conheço os graus inferiores, não indaga os delitos dos habitantes, senão que, como o determina a lei, é atraída pelo delito e então somos enviados, os guardas. Assim é a lei, como poderia haver algum erro? - Desconheço essa lei – disse K. - Tanto pior para você – replicou o guarda. - Sem dúvida, esta lei não existe se não na imaginação de vocês – prosseguiu dizendo K., com a intenção de penetrar o pensamento dos guardas, procurando induzi-lo em seu favor. O guarda, porém, limitou-se a dizer: - Você logo sentirá o efeito desta lei. - Observe bem, Willem; por uma parte admite que desconhece a lei e por outra afirma que é inocente. - Tens razão, mas não podemos fazê-lo compreender isso – disse o outro [...]- Estará você muito surpreso pelo inquérito desta manhã? – indagou o inspetor [...]. - Certamente – retrucou K., sentindo-se contente por achar-se enfim diante de um homem razoável, o qual sem dúvida havia de compreendê-lo apenas K. lhe falasse de seu assunto. - Certamente, estou surpreso, porém de modo algum surpreendido. - Quem não está muito surpreendido? – perguntou o inspetor [...] Infiro-o do fato de ver-me acusado sem que seja possível encontrar que eu tenha cometido o menor delito pelo qual se justifique uma acusação. Mas isso também é acessório; o fundamental é outra coisa: quem me acusa? Que autoridade superintende o inquérito? Vocês são funcionários? Nenhum de vocês tem uniforme, não seja o caso de querer-se denominar uniforme [...] essa vestimenta que, contudo, é antes um traje de viagem. Tais são as questões que eu peço que me esclareçam. Além do mais, estou convencido de que depois dessas explicações haveremos de nos despedir do modo mais cordial. O inspetor deixou cair a caixinha de fósforo sobre a mesa. - Você encontra-se em erro crasso – disse. – Estes senhores que vê aqui, e eu, desempenhamos um papel completamente acessório em seu assunto, do qual, para dizer a verdade, não sabemos quase nada. Se trouxéssemos nossos uniformes do modo mais regular possível, nem por isso sua causa estaria melhor do que está. Muito menos lhe posso dizer, a você, de modo algum, que está acusado, ou, dizendo melhor, não sei se o está. O certo é que está detido. Isto é tudo quanto sei. Se os guardas estiveram falando com você e sugeriram outra coisa, não deve encarar isso se não como simples falatórios. Mas se não posso responder às suas perguntas, posso em troca aconselhar-lhe que pense menos em nós e naquilo que lhe aconteceu esta manhã e mais em você mesmo. Por outro lado não alvorece tanto com protestos de inocência porque isso causa má impressão, sendo certo que a outros respeitos você impressiona bem. Sobretudo, tem que se moderar em suas manifestações, pois quase tudo quanto acaba de dizer podia tê-lo expressado com algumas palavras e podíamos tê-lo entendido pela sua atitude; tudo isso não fala muito em seu favor [...] E bem, ouvi alguma coisa, mas de modo algum posso dizer que se trate de coisa particularmente grave. É certo que o senhor está detido, mas não detido como um ladrão; quando se detém a alguém como ladrão, então o assunto é grave, mas esta detenção... perdoe-me o senhor se digo alguma bobagem, ocorre-me que se trata de algo especial, de algo acadêmico, que por certo de nenhum modo compreendo, mas que, por outro lado, não tenho também a obrigação de compreender [...] - De maneira – disse o juiz de instrução, folheando o caderno e voltando-se para K. com o tom de quem deseja comprovar alguma coisa – que você é pintor de pincel gordo. -Não – respondeu K. – Sou o primeiro procurador de um grande banco. A esta resposta seguiu-se uma grande risada por parte da metade direita da sala, tão cordial, que K. também se pôs a rir. [...] O juiz de instrução ardeu em cólera e, como pelo que se via não podia fazer nada contra a gente de baixo, procurou desforrar-se ameaçando aos da galeria; pôs-se de pé em um salto e arqueou as sobrancelhas, que habitualmente não despertavam a atenção, mas que nesse momento se manifestaram negras, hirsutas, gigantescas, sobre os olhos. [...] - Sua indagação, senhor juiz de instrução, se eu sou pintor de pincel gordo (embora em rigor e verdade não me perguntou nada, mas simplesmente o afirmou) é característica de todo esse inquérito que se efetua contra mim. Poderá você objetar-me que, em última instância, não se trata de nenhum inquérito e nisso tem muita razão porque será um inquérito tão somente no caso em que eu o reconheça como tal [...] Nos primeiros anos maldiz a gritos sua funesta sorte, quando se torna velho, limita-se a grunhir entre os dentes. E como nos longos anos que passou estudando o sentinela chega a conhecer também as pulgas de seu abrigo de pele, tornado outra vez à infância, roga até a essas pulgas para que o auxiliem a quebrar a resistência do guarda. Por fim vê que a luz que seus olhos percebem é mais fraca e não consegue distinguir se realmente se fez noite ao redor dele ou se simplesmente são os olhos que o enganam. Mas agora, em meio às trevas, percebe um raio de luz inextinguível através da porta. Resta-lhe pouca vida. Antes de morrer concentram-se em sua mente todas as lembranças e pensamentos daquele tempo em uma pergunta que até esse momento não tinha formulado para o sentinela. Como seu corpo já rígido não se pode mover, faz um sinal ao guarda para que se aproxime. [...]. Trecho extraído da obra O processo (Abril, 1979), do escritor tcheco Franz Kafka (1883-1924). Veja mais aqui e aqui.

CONDIÇÃO DE NUVEMDESTINO DO POETA – Palavras? Sim. De ar / e perdidas no ar. / Deixa que eu me perca entre palavras, / deixa que eu seja o ar entre esses seus lábios, / um sopro erramundo sem contornos, / breve aroma que no ar se desvanece. / Também a luz em si mesma se perde. ENTRESSONHO – Manhã. O relógio canta. / O mundo cala, vazio. / Sonâmbula te levantas / e olhas não sei que sombras / detrás de tua sombra: nada. / Arrastada pela noite. / igual à ramagem branca. ALBA DA VITÓRIA – Com seu vidro frio / rasga o céu a alba. / Amanhece o mundo / csem gota de sangue. Poemas do poeta, escritor e diplomata mexicano, Octavio Paz (1914-1998). Veja mais aqui, aqui e aqui.

A ARTE DE MARIA BONOMI
A arte da gravadora, escultora, pintora, muralista, curadora, figurinista, cenógrafa e professora Maria Bonomi. Veja mais aqui.

AGENDA
I Seminário de Teatro e Literatura UFPE com o tema Poéticas modernas do século XX atribuídas às pragmáticas do contexto contemporâneo teatral, dias 17 e 18 de Outubro - Avenida Prof. Moraes Rego, 123 - Cidade Universitária, CAC - UFPE – Recife – PE & muito mais na Agenda aqui.
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Outras do Doutor Zé Gulu aqui e aqui.
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A ressurreição do Casanova, Antonio Gramsci, Rubem Alves, Hilda Hilst, Gilvan Lemos, Biblioteca Fenelon Barreto, Atonmirio Barros & Juarez Carlos, Mauro Senise, Elena Bashkirova, Luiz Avellar & Célia Mara aqui.
Se o mundo acabar, já acaba tarde!, Baruch Espinoza, Mário Quintana, Charles Bukowski, Carlos Nejar, Otto Friedrich, Leo Gandelman, Midori Goto, Artur Gomes & Bee Scot aqui.


KARIMA ZIALI, ANA JAKA, AMIN MAALOUF & JOÃO PERNAMBUCO

  Poemagem – Acervo ArtLAM . Veja mais abaixo & aqui . Ao som de Sonho de magia (1930), do compositor João Pernambuco (1883-1947), ...