A CULPA NA SINA DE LORCA – Imagem: Face of Garcia Lorca in the
Form of a Fruit Dish with Three Figs (1938),
do pintor surrealista espanhol Salvador Dali (1904-1989).
- Valdequinicio queria ser padre desde pixote,
achava os paramentos, a liturgia e tudo da igreja era, para ele, a coisa mais
linda do mundo, até imitava os gestos e a fala do pároco. Tanto é que um dia,
ainda pirralho, chegou perto da mãe e disse: Mãe, quando crescer quero ser
vigário! Oh, Quinho, meu filho! Ao dar ciência ao pai sobre o seu desejo, a
coisa ficou braba: Tá doida, é? Ele vai ser médico. E providenciou tudo para
que ele não se desviasse disso, coisa que não gostou muito, pois o genitor
havia substituído a leitura da Bíblia e as idas à missa por Literatura e afins.
Não demorou muito e estava ele aboletado em leituras ficcionais, até
afeiçoar-se por poesia. Vigilante, o olhar paterno não desgrudava das
predileções do menino, até chegar a hora do vestibular: ele queria fazer Letras.
Como é? Ah, foi empurrado pra Medicina na marra. Começou então uma sucessão de
acontecimentos desagradáveis, apesar de não poder ver uma seringa que já
desmaiava, passou quase todo o curso arrumando um jeito de encarar aquilo que
mais o incomodava: ver sangue. Entre chiliques e troços na faculdade, uma
pesquisa e outra aula, residência e estudos, as leituras indispensáveis dos
seus preferidos poetas. Como era um aluno brilhante, muitos professores se
voltaram para conduzi-lo da melhor maneira possível, visando superar seus
dramas; alguns até dispensavam atenção, antecipando a residência e poupando de
vexames. Ao descobrir a poesia de Lorca, ficou encantado: o cante jondo, as
canções, o romacero gitano, os poemas galegos, os poemas sueltos, os cantares
populares, o teatro & La Barraca, e tudo que se referisse ao andaluz,
beirava ao encantamento. E foi num estágio de final de curso que, chamado às
pressas, deu de atender um paciente. Logo viu tratar-se de um religioso que não
conhecia, identificou pela vestimenta e aquilo o fez recordar seu antigo desejo.
Colocou o livro no sovaco e começou o atendimento ali mesmo. Notou logo que o
assistido não tirava os olhos do livro, todo agoniado e que não conseguia dizer
uma só palavra. Ele então providenciou a internação, acompanhando passo a passo
as ações dos enfermeiros. Chegando à enfermaria, depôs o livro sobre uma
mesinha ao lado da cama e continuou os exames, enquanto não aparecesse
profissional formado para tal. O padre inquieto fazia questão de se virar para
ver a capa do livro estampando a foto do poeta com os tiros e sangue, sem
conseguir balbuciar muito menos expressar verbalmente o que o afligia. A
insistente olhadela do adoentado fez com que ele perguntasse: O senhor também
gosta de Lorca? O enfermo mais se agitava, fechando os olhos até uma lágrima
descer-lhe pelo canto do olho. Era assim todos os dias que o via entrar no ambiente:
Quer que eu leia Lorca pra você? O combalido agitava-se, engolia seco, apertava
os olhos e novas lágrimas desciam pelo canto dos olhos. Ele então recitava
poemas ou lia techos de Yerma, Bodas de Sangue, Bernarda Alba, e ele relaxava,
enfim. Sempre que podia, passava por lá para vê-lo e levava outros livros e
antologias com obras do espanhol, até à tarde em que o perturbado convalescente,
no meio do recital improvisado, pôs suas próprias mãos à goela, parecia querer
se matar. Foi preciso uma aplicação de tranquilizante para adormecê-lo. Quinho
saiu dali consternado e sem entender, pensava consigo ter encontrado alguém
que, como ele, adoraria o autor. No dia seguinte, finalmente, o acamado havia
falecido na madrugada. Foi aí que soube o nome do frei – um nome de rua e de
escola na cidade -, e a razão das suas agonias com Lorca: a culpa fizera a sina
acompanhar até a morte. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.
Veja mais abaixo e aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio
Tataritaritatá especial
com o saudoso arranjador,
maestro, compositor e multi-instrumentista Moacir
Santos (1926-2006): Coisas, Ouro
Negro, Carnival og the spirit & Maestro & muito mais nos mais de 2
milhões & 600
mil acessos ao
blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para
conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais dela aqui, aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS – [...] aqueles que não conseguem lembrar o passado,
estão condenados a repeti-lo. [...]. Extraído
da obra Life of reason (Scribner,
1905), do filósofo, poeta, ensaísta e romancista espanhol George Santayana (1863-1952). Veja mais aqui.
O PENSAR
– [...] O pensar, contudo, é poematizar,
e não somente no sentido da poesia e do canto. O pensar do ser é a maneira
originária de poematizar, somente nele, antes de tudo, a linguagem se torna
linguagem, isto é, atinge sua essência. [...] Estamos tão próximos ao fosso que não podemos tomar nenhum impulso
suficiente para o salto e amplitude do salto, por isso saltamos facilmente
muito curto [...] Ora, a partir
daquilo do qual a geração é para as coisas, também o desaparecer para dentro
disto se engendra segundo o necessário; pois eles se dão justiça e penitência
reciprocamente pelas injustiças, segundo a ordem do tempo. [...] os homens e as coisas produzidas pelos
homens e os estados produzidos pelo agir humano e as circunstâncias provocadas
fazem parte do ente. Também as coisas demoníacas e divinas fazem parte do ente.
Tudo isto não apenas é também, mas é mais ente que as simples coisas. [...].
Trechos extraídos da obra Conferências e
escritos filosóficos (Nova Cultural, 1989), do filósofo alemão Martin
Heidegger (1889-1976). Veja mais aqui e aqui.
A VERDADE
– [...] se alguém se queixar de que não
defini a verdade, ou o fato, ou a realidade, só posso dizer, apologeticamente,
que não constituía parte de meu propósito fazê-lo desse modo, mas apenas
descobrir um esquema no qual, quaisquer que fossem aqueles conceitos, eles se
encaixariam, caso existissem [...]. Trecho extraído da obra Ensaios (Art Editora, 1989), do
poeta, dramaturgo, crítico literário inglês e Prêmio Nobel de 1948, Thomas
Stearns Eliot (1888-1965). Veja mais aqui e aqui.
DOIS POEMAS
- VOCÊ
CHEGOU ATÉ MIM - Você veio a mim como um milagre / Floresceu de alegria na
neve. / Seu amor deslumbrante, vivo e autêntico / focalizou a luz na minha
testa. / Eu vi nas fronteiras do espírito / as pétalas de um beijo que é
oferecido / ouvindo músicas, duplicadas, / em misteriosas luas todas verdes. / Eu
pensei que sonhava com tanta felicidade / vendo que minhas artérias estão
perdidas / e acreditando morrer, ao lado do seu peito, / Eu abençoei a morte
mil vezes. / Que não é morte morrer em seus braços / morte fora viva, se você
não me ama, / arrancado de você, de suas raízes; / desse tronco viril que me
protege / desfazendo minha feminilidade / todo um mar transbordando de louros. CALA
- Cala a boca / Não fale comigo esta noite. / Deixe as sombras passarem / entre
o seu corpo e o meu. / Vamos formar um mundo à parte. / Cala a boca / que amor
é o silêncio. / Carregue a loucura do sangue / e seu canto é tão nosso / que
não queremos ninguém / Cala a boca / que o peixe dorme. / Silêncio que passa o
ar / e no nosso tempo quieto / Sua presença é suficiente. Poemas da poeta espanhola Matilde Camus (1919-2012).
A ARTE DE SÉRGIO VALLE DUARTE
A arte
do fotógrafo e artista multimídia Sérgio Valle Duarte. Veja mais aqui.
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