quarta-feira, setembro 26, 2018

ELIOT, MATILDE CAMUS, HEIDEGGER, MOACIR SANTOS, LORCA, DALI, GEORGE SANTAYANA & SÉRGIO VALLE DUARTE


A CULPA NA SINA DE LORCA – Imagem: Face of Garcia Lorca in the Form of a Fruit Dish with Three Figs (1938), do pintor surrealista espanhol Salvador Dali (1904-1989). - Valdequinicio queria ser padre desde pixote, achava os paramentos, a liturgia e tudo da igreja era, para ele, a coisa mais linda do mundo, até imitava os gestos e a fala do pároco. Tanto é que um dia, ainda pirralho, chegou perto da mãe e disse: Mãe, quando crescer quero ser vigário! Oh, Quinho, meu filho! Ao dar ciência ao pai sobre o seu desejo, a coisa ficou braba: Tá doida, é? Ele vai ser médico. E providenciou tudo para que ele não se desviasse disso, coisa que não gostou muito, pois o genitor havia substituído a leitura da Bíblia e as idas à missa por Literatura e afins. Não demorou muito e estava ele aboletado em leituras ficcionais, até afeiçoar-se por poesia. Vigilante, o olhar paterno não desgrudava das predileções do menino, até chegar a hora do vestibular: ele queria fazer Letras. Como é? Ah, foi empurrado pra Medicina na marra. Começou então uma sucessão de acontecimentos desagradáveis, apesar de não poder ver uma seringa que já desmaiava, passou quase todo o curso arrumando um jeito de encarar aquilo que mais o incomodava: ver sangue. Entre chiliques e troços na faculdade, uma pesquisa e outra aula, residência e estudos, as leituras indispensáveis dos seus preferidos poetas. Como era um aluno brilhante, muitos professores se voltaram para conduzi-lo da melhor maneira possível, visando superar seus dramas; alguns até dispensavam atenção, antecipando a residência e poupando de vexames. Ao descobrir a poesia de Lorca, ficou encantado: o cante jondo, as canções, o romacero gitano, os poemas galegos, os poemas sueltos, os cantares populares, o teatro & La Barraca, e tudo que se referisse ao andaluz, beirava ao encantamento. E foi num estágio de final de curso que, chamado às pressas, deu de atender um paciente. Logo viu tratar-se de um religioso que não conhecia, identificou pela vestimenta e aquilo o fez recordar seu antigo desejo. Colocou o livro no sovaco e começou o atendimento ali mesmo. Notou logo que o assistido não tirava os olhos do livro, todo agoniado e que não conseguia dizer uma só palavra. Ele então providenciou a internação, acompanhando passo a passo as ações dos enfermeiros. Chegando à enfermaria, depôs o livro sobre uma mesinha ao lado da cama e continuou os exames, enquanto não aparecesse profissional formado para tal. O padre inquieto fazia questão de se virar para ver a capa do livro estampando a foto do poeta com os tiros e sangue, sem conseguir balbuciar muito menos expressar verbalmente o que o afligia. A insistente olhadela do adoentado fez com que ele perguntasse: O senhor também gosta de Lorca? O enfermo mais se agitava, fechando os olhos até uma lágrima descer-lhe pelo canto do olho. Era assim todos os dias que o via entrar no ambiente: Quer que eu leia Lorca pra você? O combalido agitava-se, engolia seco, apertava os olhos e novas lágrimas desciam pelo canto dos olhos. Ele então recitava poemas ou lia techos de Yerma, Bodas de Sangue, Bernarda Alba, e ele relaxava, enfim. Sempre que podia, passava por lá para vê-lo e levava outros livros e antologias com obras do espanhol, até à tarde em que o perturbado convalescente, no meio do recital improvisado, pôs suas próprias mãos à goela, parecia querer se matar. Foi preciso uma aplicação de tranquilizante para adormecê-lo. Quinho saiu dali consternado e sem entender, pensava consigo ter encontrado alguém que, como ele, adoraria o autor. No dia seguinte, finalmente, o acamado havia falecido na madrugada. Foi aí que soube o nome do frei – um nome de rua e de escola na cidade -, e a razão das suas agonias com Lorca: a culpa fizera a sina acompanhar até a morte. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com o saudoso arranjador, maestro, compositor e multi-instrumentista Moacir Santos (1926-2006): Coisas, Ouro Negro, Carnival og the spirit & Maestro & muito mais nos mais de 2 milhões & 600 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais dela aqui, aqui e aqui.

DITOS & DESDITOS – [...] aqueles que não conseguem lembrar o passado, estão condenados a repeti-lo. [...]. Extraído da obra Life of reason (Scribner, 1905), do filósofo, poeta, ensaísta e romancista espanhol George Santayana (1863-1952). Veja mais aqui.

O PENSAR – [...] O pensar, contudo, é poematizar, e não somente no sentido da poesia e do canto. O pensar do ser é a maneira originária de poematizar, somente nele, antes de tudo, a linguagem se torna linguagem, isto é, atinge sua essência. [...] Estamos tão próximos ao fosso que não podemos tomar nenhum impulso suficiente para o salto e amplitude do salto, por isso saltamos facilmente muito curto [...] Ora, a partir daquilo do qual a geração é para as coisas, também o desaparecer para dentro disto se engendra segundo o necessário; pois eles se dão justiça e penitência reciprocamente pelas injustiças, segundo a ordem do tempo. [...] os homens e as coisas produzidas pelos homens e os estados produzidos pelo agir humano e as circunstâncias provocadas fazem parte do ente. Também as coisas demoníacas e divinas fazem parte do ente. Tudo isto não apenas é também, mas é mais ente que as simples coisas. [...]. Trechos extraídos da obra Conferências e escritos filosóficos (Nova Cultural, 1989), do filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976). Veja mais aqui e aqui.

A VERDADE – [...] se alguém se queixar de que não defini a verdade, ou o fato, ou a realidade, só posso dizer, apologeticamente, que não constituía parte de meu propósito fazê-lo desse modo, mas apenas descobrir um esquema no qual, quaisquer que fossem aqueles conceitos, eles se encaixariam, caso existissem [...]. Trecho extraído da obra Ensaios (Art Editora, 1989), do poeta, dramaturgo, crítico literário inglês e Prêmio Nobel de 1948, Thomas Stearns Eliot (1888-1965). Veja mais aqui e aqui.

DOIS POEMAS - VOCÊ CHEGOU ATÉ MIM - Você veio a mim como um milagre / Floresceu de alegria na neve. / Seu amor deslumbrante, vivo e autêntico / focalizou a luz na minha testa. / Eu vi nas fronteiras do espírito / as pétalas de um beijo que é oferecido / ouvindo músicas, duplicadas, / em misteriosas luas todas verdes. / Eu pensei que sonhava com tanta felicidade / vendo que minhas artérias estão perdidas / e acreditando morrer, ao lado do seu peito, / Eu abençoei a morte mil vezes. / Que não é morte morrer em seus braços / morte fora viva, se você não me ama, / arrancado de você, de suas raízes; / desse tronco viril que me protege / desfazendo minha feminilidade / todo um mar transbordando de louros. CALA - Cala a boca / Não fale comigo esta noite. / Deixe as sombras passarem / entre o seu corpo e o meu. / Vamos formar um mundo à parte. / Cala a boca / que amor é o silêncio. / Carregue a loucura do sangue / e seu canto é tão nosso / que não queremos ninguém / Cala a boca / que o peixe dorme. / Silêncio que passa o ar / e no nosso tempo quieto / Sua presença é suficiente. Poemas da poeta espanhola Matilde Camus (1919-2012).

A ARTE DE SÉRGIO VALLE DUARTE
A arte do fotógrafo e artista multimídia Sérgio Valle Duarte. Veja mais aqui.

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