
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá
especial com a música da
soprano finlandesa Karita Mattila: Salomé de Richard Strauss,
Myrskyluodon Maija, Erwartung op. 17 de Arnold Schönberg & Triunphant Return
NYC & muito mais nos mais de 2 milhões & 600 mil acessos ao blog & nos 35 Anos
de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja
mais aqui, aqui e aqui.
PENSAMENTO DO DIA – [...] A
fome no Brasil é consequência, antes de tudo, de seu passado histórico, com os
seus grupos humanos sempre em luta e quase nunca em harmonia com os quadros
naturais. Luta, em certos casos, provocada e por culpa, portanto, da
agressividade do meio, que iniciou abertamente as hostilidades, mas quase
sempre por inabilidade do elemento colonizador, indiferente a tudo que não
significasse vantagem direta e imediata para os seus planos de aventura
mercantil. Aventura desdobrada em ciclos sucessivos de economia destrutiva ou,
pelo menos, desequilibrante da saúde econômica da nação: o do pau-brasil, o da
cana-de-açúcar, o da caça ao índio, o da mineração, o da “lavoura nômade”, do café,
o da extração da borracha e, finalmente, o da industrialização artificial
baseada no ficcionismo das barreiras alfandegárias e no regime de inflação. É sempre
o mesmo espírito aventureiro se iniciando, impulsionando mas, logo a seguir,
corrompendo os processos de criação de riqueza no país. É o “fique rico” tão
agudamente estigmatizado por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, a impaciência
nacional do lucro turvando a consciência dos empreendedores e levando-os a
matar sempre todas as suas “galinhas de ovos de ouro”. Todas as possibilidades
de riqueza que a terra trazia em seu bojo [...]. Trecho extraído da obra Geografia
da fome - o dilema brasileiro: pão ou aço (Antares, 1984), do médico,
professor catedrático, pensador, ativista político e embaixador do Brasil na
ONU, Josué de Castro (1908-1973). Veja mais aqui e aqui.
CIDADE DO SOL – [...] As artes mais fatigantes obtêm maior estima,
como a do artífice, a do pedreiro, etc. ninguém se recusa a exercitá-las,
porque a elas se aplicam pela particular tendência revelada na infância, e
também porque o trabalho é distribuído de modo que nunca possa ser nocivo à
pessoa, mas, ao contrário, deve torná-la e conservá-la melhor [...] As mulheres
exercem as artes menos pesadas. Todas devem ser hábeis na natação, e reservatórios
especiais de água foram preparados não longe da cidade [...] À Cidade do Sol costumam chegar comerciantes
das diferentes partes do mundo, que compram dos solares o supérfluo. Os
habitantes não recebem dinheiro, mas trocam com as mercadorias de que precisam,
sendo que, muitas vezes, também as compram com moedas. Mas, de todo o coração,
riem-se os meninos solares ao verem tanta abundância de coisas deixadas por tão
poucas bagatelas; não se riem, porém, os velhos. A fim de que a cidade não seja
corrompida pelos maus costumes dos servos e dos estrangeiros, fazem todo o
comércio nos portos, vendendo os prisioneiros de guerra ou mandando-os para fora
da cidade a cavar fossas e para outros trabalhos fatigantes [...] Possuem de tudo com fartura, desejando cada
qual mostrar-se o primeiro no trabalho, que não fatiga e é útil. Os seus ânimos
são dóceis e assim obedecem a quem preside aos mesteres, chamando-lhe rei. Nem
esse nome lhes desagrada, pois é criação dos habitantes solares, que não o
entendem à maneira dos ignorantes [...]. Não ofendem ninguém, mas também não toleram injúrias, brigando só
quando agredidos. Dizem que o mundo alcançará tanta sabedoria que os homens
viverão como eles. Admiram a religião cristã e esperam, neles e em nós, a
confirmação da vida dos apóstolos [...]. Trechos extraídos da obra A cidade do Sol (Guimarães, 1980), do
filósofo e poeta italiano Tommaso
Campanella (1568-1639). Veja mais aqui.
À MÃO ESQUERDA – [...] Uma
noite de inverno em que o minuano parecia querer cortar as orelhas da gente de
tanto frio, ele, que devia ter então uns sete anos, levantou os olhinhos pra
mim e perguntou, vozinha triste: “Por que é que isto está acontecendo com a
gente?” Rapaz, me deu uma agonia por dentro, como se tivesse vidro quebrado no
estômago. Me senti burro, infeliz, miserável e triste. Eu não sabia por que
aquilo estava acontecendo com a gente! […] Que Deus ruim é esse que faz uma moça bonita como a minha mãe se casar
com um homem bonito como o meu pai, ter noves filhos, para depois matá-la? Por
que faz nascer uma criança com o nome de Querido
de Deus para depois deixar ele apanhar toda noite, sem um beijo, sem um
carinho, sem uma lágrima morna de mulher para confortar a cabecinha dele? [...]
Começo falando um assunto, entra outro na
minha cabeça, desvio e, quando quero voltar, já esqueci. [...] Para se casar, um rapaz precisa ter pelo
menos 480 mil metros quadrados de terra, que recebe do pai ou que vai pagando a
ele aos poucos. As filhas, quando se casam, ganham de presente da família um
cavalo de montaria, utensílios de cozinha […]. Se o rapaz é pobre, o casal se estabelece em terras devolutas. Irmãos e
cunhados solteiros ajudam na preparação da terra e na construção da casa. Logo
após o casamento, o casal inicia a vida de colono e procura ter o maior número
de filhos. Os homens são mais bem-vindos por causa da força física […]. Em Esperança, a virgindade é fundamental e
controlada pela comunidade. [...] Depois
que se meteu nesse negócio de escrever, nunca mais teve de suar o couro para
ganhar o dinheiro dele. […] A não ser
que vocês considerem que escrever é trabalho. [...] Se algum dia alguém ler este meu diário, talvez se espante com o fato
de uma colona se expressar tão bem em português. [...] Pronto, já está sorrindo, não é mamãe? É a morfina. Está viciada, não é
mesmo? Eu sei que é bom. Já experimentei, sabia? Só que a senhora está morrendo
e eu, não. Estou morta, mas não como a senhora. Quem morreu dentro de mim foi a
moça que queria ser feliz e a senhora matou. […] Estou com cinquenta e cinco anos, mamãe, e a senhora está morrendo com
quase oitenta. Mas não podia deixá-la morrer sem saber quanto a odeio. A
senhora, provavelmente, não lembra, mas tive uma oportunidade de ser feliz
muitos anos atrás. Ele era professor e comunista.[...] Aliás, meu filho, seu neto Anibale, é um homossexual incansável,
conhecido em todas as saunas da cidade. Certamente, vai morrer de Aids, sabia?
[...] Eu, porém, nunca o amei, e uma
mulher tem direito de amar uma vez na vida, não é mesmo? Embora soubesse que
quase todas as minhas amigas tinham amantes, eu era uma mulher ingênua. Estava
à espera do meu príncipe encantado. [...] A senhora aproveitou para convidá-lo para a nossa casa de praia em
Fregene. Deu-lhe um porre, fez ele jogar pôquer com seus amigos e perder alguns
milhões de liras. Ele teve de pedir dinheiro emprestado para cobrir os cheques
que assinou. [...] Quando voltei, a
senhora ameaçou me deserdar se eu continuasse com ele. Lembra o que me disse? Se
você precisa tanto de sexo, minha filha, arranje um gigolô, mas arranje um
profissional discreto que sai muito mais barato [...] O que, mamãe? Fale mais alto, sua vaca, ou acha que eu não sei que a
senhora traía papai com titio, sua santarrona, que trepou até com o mordomo.
[...] A senhora nunca foi sodomizada,
mamãe? Nunca felaciou ninguém? Claro que sim. Eu também. Já fui para a cama com
negros, com mulheres, com prostitutos e prostitutas [...] Eu amava aquele homem, mamãe. Foi o
sentimento mais bonito que já tive por alguém e a senhora acabou com ele para
me transformar no que sou: uma puta rica. [...] Acordei mais cedo e depois de tomar banho, em vez de me vestir, descer
e dar as ordens do dia aos empregados, me surpreendi olhando meu corpo nu no
espelho. Nos meus trinta e seis anos de vida nunca vi outra mulher nua, nem a
minha mãe ou minhas irmãs mais moças, Yolanda, Amália e Ofélia. O que vi no
espelho não me desagradou. Tenho um rosto simpático, seios firmes, cabelos e
olhos negros e um sorriso que raramente aparece em meu rosto, mas que quando aparece
todos elogiam. Sou mulher honesta e virgem. Tenho um defeito grave: meço um
metro e oitenta e dois e sou mais alta que a grande maioria dos homens que
conheço [...]. Trechos extraídos da obra À mão esquerda (Leitura,
2007), do jornalista e escritor Fausto Wolff (1940-2008). Veja mais
aqui.
MUDANÇAS DE NOMES
- Aos
amantes das belas letras / anuncio o meu maior desejo: / mudarei os nomes de
algumas coisas / Minha posição é esta: / o poeta não cumpre sua palavra / se não
mudar o nome das coisas. / Com que razão o sol / há de continuar chamando sol?
/ Peço que se chame Micifuz / das botas de quarenta léguas / Meus sapatos
parecem ataúdes? / Saibam que de hoje em diante / os sapatos se chamam ataúdes,
/ comunique-se, anote-se, publique-se / que os sapatos mudaram de nome / desde
agora se chamam ataúdes. / É certo que a noite é longa / e todo poeta que se
preze / deve ter seu próprio dicionário / e antes que eu me esqueça / há de se
mudar o nome de Deus / cada qual o chame como queira / pois esse é um problema
pessoal. Poema do poeta e matemático chileno Nicanor Parra (1914-2018).
SALOMÉ
[...] Ah! Beijei a tua boca, Iokanann! Beijei a
tua boca! Os teus lábios têm um gosto amargo. Era gosto de sangue? Não! Foi talvez
o gosto do amor... dizem que o amor tem um gosto amargo... mas que importa? Que
importa? Beijei a tua boca, Iokanaan, beijei a tua boca!...
Trecho
da peça teatral Salomé (Itatiaia, 1989), do escritor e dramaturgo britânico Oscar Wilde (1854-1900). Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
AGENDA
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Os
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A arte do artista georgiano Ilia Popkhadze.
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Gratidão de ser em doar, Peter Sloterdijk, Josué de Castro, Lygia Fagundes
Telles, Encarnación Sobriño, Luís da Câmara Cascudo, Guillaume Cornelis van
Beverloo, Gleidistone Antunes da Silva, Nós & a Biodiversidade, Cláudio
Santoro, Marija Mihajlovic, Criolo & Eleonora Falcone aqui.