sábado, fevereiro 07, 2015

LARISSA BOMBARDI, JOSEFINA PLÁ, SARAH KANE, PHYLLIS WHITNEY, HEATHER THOMAS & IONE SKYE

 


O BILHETE DE SARAHNaquele dia ela escreveu o seu bilhete com a renúncia ao palco da infância em Essex, da família evangelista religiosa, o afastamento de qualquer crença na adolescência e a atriz com no envolvimento teatral. Uma escrita secreta que cobria os estudos em Bristol e Birmingham, quando buscou versos e não se viu poeta com a cruel britannia diante do teatro expressionista e tragédia jacobina. Pensou em Blasted, um jogo na sala de aula com os alunos da classe. Na verdade, um quarto de hotel e o pânico da guerra na Bósnia, as cenas de canibalismo e estupro anal. A reação imediata: um festival de imundícies repugnantes e extrema violência, de uma cabeça que não passava de um balde de miudezas. A crítica impactante afetou sua alma. Harold Pinter em socorro: era um jogo demasiado complexo para os algozes. Pensou em Phaedra’s Love, com o seu cruel Hipólito na comédia avessa a Sêneca. Pensou nos ecos dos estudos e a derrisão na escritura dúbia de Cleansed, uma garota num campo de concentração e o irmão morto, as torturas de amar. Pensou nas metáforas enigmáticas de Crave, uma fogueira na escuridão sob o pseudônimo de Marie Kelvedon: um poema para quatro vozes. Lutava contra a depressão no Maudsley Hospital, enquanto ruminava sobre o amor, a alegoria do hiper-lugar e a vida cotidiana sombria, a toxicodependência, a medicina criminosa, a juventude perdida, o sofrimento com a punição dos desviantes, a loucura dos complexos interpessoais: o castigo, a cura e a formação. Era a dor da condição humana à beira do completo esfacelamento pelo medo e angústia, a crise psicótica e o diálogo com seus fantasmas: a visão de um futuro apático e sem esperança, o temor de perder a memória e morrer ainda viva. Era o amor, a dor, a perda, o desejo sexual, a tortura física e psicológica, a singularidade humana e o seu irracionalismo. Pensou em Skin, a cena de um skinhead numa relação com uma negra. Era a vez da assombração de uma saúde frágil, a luta contra a depressão, a inconstância emocional, a influência de Beckett, a deterioração da saúde mental, irredutível diante dos comportamentos parafílicos e da intolerância, vícios e violência na sociedade. A primeira tentativa de suicídio, o golém, o tratamento psiquiátrico e o desespero até o limite: 4.48 Psychosis (2000) era a hora, enfrentando-a com uma overdose de pílulas e o delírio no fluxo de consciência: Fui eu mesma que eu nunca conheci, aquela que tem a face colada na parte inferior da minha mente... Lutava para não se afogar em si mesma. Era o discurso lírico, a situação mórbida, hermética, a sua tanatopoética e o seu teatro In-Yer-Face. Dois dias depois, o trajeto de morte e a fala excessiva como chave do mistério, a arma passaporte e o silêncio fatal e derradeiro. Aos vinte e oito anos, um vento violento e repentino: Por favor abram as cortinas... A cena: o bilhete na redoma suicida da hora e o enforcamento num banheiro do King'sCollege Hospital de Londres com um cadarço do sapato. Veja mais abaixo e mais aqui e aqui.

 


ELA DISSE: Uma consciência consolidada reside num salão de banquete escurecido perto do teto de uma mente cujo chão se move como dez mil baratas quando um feixe de luz penetra como todos os pensamentos se unem num instante de harmonia corpo não mais repelente como as baratas contém uma verdade que ninguém nunca fala. Minhas peças, no todo, elas são sobre amor. E sobre sobrevivência e sobre esperança... Pensamento da dramaturga inglesa Sarah Kane (1971-1999). Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

 

DITOS & DESDITOSVocê deve querer o suficiente. O suficiente para aceitar todas as rejeições, o suficiente para pagar o preço da decepção e do desânimo enquanto você está aprendendo. Como qualquer outro artista, você deve aprender seu ofício — então você pode adicionar toda a genialidade que você gosta. Só há uma boa razão para ser escritor - não podemos evitar! Todos nós gostaríamos de ser ricos, famosos e bem-sucedidos, mas se esses são nossos objetivos, estamos no caminho errado... Eu só queria ganhar dinheiro suficiente para poder trabalhar em casa escrevendo. Pensamento da escritora estadunidense Phyllis A. Whitney (1903-2008), que na sua obra Guide to Fiction Writing ( Writer, 1988), expressa que: […] Um bom livro não é escrito, ele é reescrito. [...] Tão bom quanto' sempre significa mediocridade. Mas quando o trabalho de um escritor está em competição com todos aqueles milhares de outros manuscritos que se derramam sobre a mesa de um editor, ele não pode se dar ao luxo de ser 'tão bom quanto'; ele (ou ela) deve ser 'melhor que'. [...]. Veja mais aqui.

 

ALGUÉM FALOU: É importante se envolver e defender aquilo em que você acredita. Escolhas são como rodovias conectadas. Todas elas levam você ao mesmo lugar. Algumas apenas levam mais tempo para chegar lá. É simplesmente incrível que ainda existam tantos preconceitos hoje em dia. Pensamento da atriz, escritora e pintora inglesa Ione Skye Lee (Ione Skye Leitch).

 

AGROTÓXICOS – [...] O Brasil, como é sabido, alcançou em 2009 o primeiro lugar no ranking mundial de consumo de agrotóxicos, embora não sejamos, como também é sabido, o principal produtor agrícola mundial. [...] O uso de agrotóxico nos moldes em que vem ocorrendo no país tem sido – como procuramos esclarecer no artigo especialmente através dos mapas elaborados – nefasto não só do ponto de vista socioeconômico, como também ambiental e sanitário. Os dados apresentados nos mapas são de extrema gravidade. Os camponeses, trabalhadores rurais, os familiares destes trabalhadores e moradores de áreas próximas aos cultivos contaminados com agrotóxicos estão sendo intoxicados cotidianamente de forma direta. Os sintomas agudos de tais intoxicações são apenas a ponta do Iceberg de um problema muito mais amplo que fica escondido por trás da subnotificação destes casos e da quase ausência de informação sobre as doenças crônicas causadas por tais exposições. Neste sentido, entendo que as intoxicações por agrotóxicos devam ser compreendidas como mais um elemento da já conhecida violência no campo. Entretanto, trata-se agora de uma forma silenciosa de violência, perpetrada pelo capital internacional oligopolista. [...]. Trecho extraído do artigo científico Intoxicação e morte por agrotóxicos no Brasil: a nova versão do capitalismo oligopolizado (DataLuta, 2011), da geógrafa e professora Larissa Mies Bombardi. Já no seu artigo Agrotóxicos e agronegócio: arcaico e moderno se fundem no campo brasileiro (UA no Brasil, 2012), ela ressalta que: [...] Notadamente, percebe-se a subordinação da agricultura brasileira ao capital internacional. Arcaico e moderno se fundem: intoxicações, doenças e mortes, são o outro lado da moeda desta “moderna agricultura” que demanda toneladas de agrotóxicos produzidos com tecnologia de ponta, pelas maiores transnacionais do setor químico mundial [...]

 

UM LUGAR PARA VOCÊ E PARA MIM - [...] Eu correria a minha vida inteira para te alcançar; remaria pelo Atlântico e Pacífico; atravessaria a selva e o deserto para te encontrar; escalaria penhascos e cairia do céu para te resgatar. Qualquer coisa para estar perto de você. Qualquer maneira de dizer eu te amo. [...]. Trechos extraídos da obra A Place for You and Me (CreateSpace, 2009), da atriz e escritora estadunindense Heather Thomas, que ainda se expressa: Não vou tirar minhas roupas porque não acredito que seja necessário. Você pode ser sexy com suas roupas vestidas tão bem quanto pode ser tirando sua blusa. Na nossa sociedade, sabe, há pessoas que estão quebradas e seu cartaz está pendurado na prisão, e seu cartaz está pendurado na prisão, e seu cartaz está pendurado nas enfermarias, então, eu tive muitos perseguidores.

 

DOIS POEMAS - PIEDADE COM AS PALAVRAS - Piedade com as palavras penitentes \ Que morda sobre a almofada \ Quando as palavras caem como pedras \ Não te livrar que ele tem pecados \ como palavras desfocadas como recém-nascido \ De queimadura para mim, envergonha-te \ como palavras amargas que nunca \ um vestido decente \ para sair não domingo dá vida\ E também pela palavra vaga. \ Um vestido como cimento afundou nas águas escuro \ a palavra final sem sílabas e sem destinatário. ...UM VENTO - ...Um vento \ como a página virgem ainda\ ausente de palavras\ inchado de intactos temores\ de esperanças\ e de arrependimentos\ Vento que ignora que faz tempo\ que nascemos\ e ninguém ainda\ lhe perguntou se já não morremos\ Um vento que leva\ batendo em vão no rítmo cardíaco\ e no portão do sonho\ no invisível pó\ os instantes que nunca\ serão poema\ porque faltou a vítima porque faltou o resgate\ do poeta prometido em sua metáfora Vento\ do que só ficou órfã\ uma gota de lágrima\ na gema\ dos dedos\ para signar a face e condenar a língua\ Que levou\ – e você nem percebeu –\ até a última letra\ da palavra poema\ A vida foi metáfora \ que não encontrou seu verso. Poema da escritora, dramaturga, jornalista, escultora, ceramista e historiadora paraguaia Josefina Plá (Maria Josefina Teodora Plá Guerra Galvany – 1903-1999).

 

SACADOUTRAS

 

A UTOPIA – O sonho de se viver numa comunidade em que todos possam gozar dos mesmos direitos e das mesmas oportunidades, em paz e harmonia, é um sonho que virou narrativa de alguns dos proeminentes pensadores da humanidade no século XVII, a exemplo da A Cidade do Sol (1602) de Tommaso Campanella e do  Nova Atlântida (1624) de Francis Bacon. Antes desses dois, no séc. XVI surgiu A Utopia (De Optimo Reipublicae Statu deque Nova Insula Utopia, 1516), do advogado, escritor e diplomata inglês Thomas More ou Thomas Morus (1478-1535), é um deles que resistem até hoje semeando esses sonhos tidos por utópicos e no qual o autor descreveu um Estado imaginário numa ilha, cuja situação geográfica permite o comercio marítimo e facilita a defesa contra os inimigos. É uma Inglaterra ideal. A ordem social no livro baseia-se na família e prevê o serviço de trabalho, de todos, exceto de um grupo de homens dedicados aos estudos. Uma assembleia eleita governa a ilha, intervindo também nos assuntos econômicos, de tal maneira que se evitam os desequilíbrios sociais e se garante a igualdade dos cidadãos. O modelo da Utopia foi, evidentemente, o Estado ideal de Platão, numa versão renascentista. A ilha é inspirada, além da posição geográfica, pelas descobertas da época, influindo na observação das crescentes injustiças sociais da Inglaterra. A obra é a primeira utopia dos tempos modernos, tornando-se modelo de numerosas utopias dos séculos seguintes. Veja detalhes aqui

Imagem: Mulher na rede, do pintor, pesquisador, historiador e jornalista brasileiro nascido na Argentina, Carybé (1911-1997). Veja mais aqui.

Ouvindo o álbum Brasil com  S (Odeon, 1974) do maestro Rogério Duprat (1932-2006)


PARCEIRO DE ARTE E BIRITA – Tive a grata satisfação na vida de conhecer e privar da amizade dum sujeito bom e da melhor cepa: o poeta, artista plástico e ator catarinense Tchello D´Barros. Pense num sujeito bom! Artista dos bons, bom amigo, enfim, um cabra tão bom que se eu passasse embaixo de um arco-íris – e virasse mulher -, casava com ele. Sujeito do tipo que a gente pode dizer vamos juntos e na tuia. Tive a oportunidade de testemunhar sua arte e, mais ainda, de recolher o seu depoimento a respeito. Confira detalhes de tudo aqui, aqui aqui.

PSICOLOGIA CULTURALISTA - O psicólogo e médico psiquiatra austríaco Alfred Adler (1870-1937) introduziu a ideia básica da doutrina com a tendência do indivíduo para compensar o sentimento de inferioridade, reforçada por uma agressividade inata. A sua concepção original defende que muitos comportamentos normais e patológicos seriam tentativas, com êxito ou inadequadas, de resolver as frustrações desencadeadas por inferioridades físicas, que impedem os indivíduos de alcançar as suas finalidades. De acordo com ele, a criança, seguindo os instintos do ego, tenta impor-se e dominar. Vê malograda a sua tentativa diante das pressões do meio familiar e social, e passa a incubar um sentimento de inferioridade, forjando compensações, procurando um estado de equilíbrio. Se essa situação conflitual não se resolve através do desenvolvimento, o sentimento se cristaliza em complexo, e o indivíduo foge, refugiando-se na neurose. No esforço constante, porem, de compensar a sua inferioridade, o indivíduo pode acabar também ultrapassando o seu objetivo, o que levou o autor a entender que a reação à frustração pode conduzir a resultados de alto valor. Ele relacionou esse sentimento com o lado feminino do ser humano, qualificando a sua compensação de protesto masculino. Passou depois a interpretar esse processo psicológico em termos de vontade de poder, dentro do conceito de Nietzsche. Para ele, mesmo a relação sexual seria impedida não pelo instinto sexual e sim pela agressividade inata. Acrescenta ele que todos os valores nascem das necessidades da vida social, e a grande tarefa do educador ou assistente é o desenvolvimento da consciência de pertencer a uma comunidade, desde a infância, de maneira a harmonizar as exigências individuais da sociedade – cada um precisa reconhecer o seu dever de contribuir com os demais para o bem-estar da comunidade. Esse conceito de interesse social, como elemento essencial no desenvolvimento de uma personalidade sadia, constituiu a contribuição mais importante da psicologia individual no campo da pedagogia. Em seu livro intitulado "What Life Should Mean to You", Adler afirma: "É o indivíduo que não está interessado no seu semelhante quem tem as maiores dificuldades na vida e causa os maiores males aos outros. É entre tais indivíduos que se verificam todos os fracassos humanos". Veja mais detalhes a respeito aquiaqui.

A ESTRANHA HISTÓRIA DE OLIVER TWIST – Na minha segunda infância chegou às minhas mãos o livro A estranha história de Oliver Twist, do escritor inglês Charles Dickens (1812-1870), livro que tenho até hoje, sem capas e as primeiras folhas arrancadas, dando pra ver somente se tratar de uma edição Romano Torres duma coleção Obras escolhidas de autores escolhidos que meu pai me deu de presente na época. Um romance que relata as aventuras e desventuras do jovem órfão, Oliver Twist que perdeu sua mãe durante o parto numa casa de correção. Quando menino ele foi vítima de tratamento cruel profundo, envolveu-se ingenuamente com parceiros na criminalidade, foi capturado e suspeito de ser ladrão, tornando-se refém de um malfeitor que posteriormente é preso e condenado. Livrando-se dele, Oliver finalmente é adotado por Mr. Brownlow. A história toda aborda sobre a temática do fenômeno da delinquência. Esse livro foi adaptado para o cinema por David Lean, em 1948, e, depois, por Roman Polanski, em 2005. Um trecho do romance: A sorte de cada um dos personagens desta história está agora definida, e algumas linhas bastam ao narrador para acabar de contar o que se lhes refere. [...] E, agora, este que escreve estas linhas lamenta chegar ao termo da sua tarefa e desejaria continuar ainda o fio dessa história [...] se as almas dos mortos descem à terra para visitar os lugares consagrados pela afeição, a afeição que sobrevive à morte, a afeição daqueles que conheceram neste mundo, estou em crer que a sombra desta pobre rapariga vem muitas vezes pairar por sobre aquele recanto solene; estou convencido de que não é menos abençoado aquele canto por estar ali numa igreja e de que a pobre Agnes não passou de uma ovelha tresmalhada. Veja mais aquiaqui.

 
O BEIJO DA MULHER-ARANHA – Oriundo do romance homônimo do escritor argentino Manuel Puig (1932-1990), o filme O beijo da mulher-aranha (Kiss of the Spider Woman, 1985), adaptado por Leonard Schrader e dirigido pelo cineasta brasileiro nascido na Argentina, Hector Babenco, conta a história do prisioneiro politico de esquerda Valentin Arregui, interpretado por Raul Julia, e o homossexual Luís Molina, vivido pelo ator ingles William Hunt que ganhou o Oscar de melhor ator de 1985, vivendo numa sela na prisão brasileira. No elenco desse ótimo filme, também está, entre outros grandes atores, a sempre maravilhosa Sônia Braga, que interpreta a Leni Lamaison/Marta, a própria mulher-aranha. Nada mais justo que homenageá-la aqui na nossa campanha Todo dia é dia da mulher. Veja mais aquiaqui.


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