A SOLIDÃO DE
NACHO, EL ROJO… - O menino de Valladolid cresceu
adolescendo no noviciado em Orduña aos 17 anos. Tornou-se viajante e foi pra
Villagarcía e, de lá, prAmérica Central. Estudava muito em Quito, fez filosofia
em Bogotá, bacharelou-se e seguiu prum Externato de El Salvador. Depois foi
professor na Centroamericana, viajou pra Frankfurt, bacharelou-se de novo na
Bélgica, retornou à San Salvador para lecionar psicologia na Academia de Santa
Ana. Contribuiu para a revista dos Estudios Centroamericanos, fez mestrado em
Chicago, onde, depois, também fez seu doutoramento em Psicologia Social. Acompanhava
de perto os conflitos de El Salvador, com a fundação do Iudop, escrevendo para
a revista costarriquenha Polómica. Foi professor na Venezuela, em Porto Rico,
em Bogotá, em Madrid e publicou seus livros e artigos científicos e culturais,
contemplando as sociedades alternativas da América Latina. Mas era tempo de opressão,
repressão e da anormalidade normal das injustiças sociais com suas anomalias na
violência estrutural. Vivia no meio da guerra civil financiada pelos USA, que
mantinham o governo militar repressor e os esquadrões da morte. Era 16 de
novembro daquele ano de 1989: ele foi executado no massacre da UCA, a chacina
promovida pelo exército salvadorenho. Um tiro na nuca e o mártir da teologia da
libertação sucumbiu juntamente com outros 5 professores jesuítas, mais a
caseira e sua filha de 16 anos. Os soldados do Atlacatl destruíram livros,
documentos e computadores e deixaram no local um cartaz político na tentativa
de imputar o crime à FMLN contra os “traidores da causa”. Não foi e a voz nunca
se calou. Veja mais abaixo e mais aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS -
É claro que ninguém vai devolver ao dissidente
preso a sua juventude; à jovem que foi violada a sua inocência; à pessoa que
foi torturada a sua integridade. desaparecidos para as suas famílias. O que
pode e deve ser publicamente restituído são os nomes das vítimas e a sua
dignidade, através do reconhecimento formal da injustiça do ocorrido e, sempre
que possível, da reparação material... Aqueles que clamam por isso. a reparação
social não pede vingança nem acrescenta cegamente dificuldades a um processo
histórico que já não é nada fácil. Pelo contrário, promove a viabilidade
pessoal e social de uma nova sociedade, verdadeiramente democrática...
Pensamento do filósofo e psicólogo social espanhol Ignacio Martín-Baró (1942-1989), uma das vítimas da chacina de El Salvador,
em 1989, que no seu estudo La violencia en centroamerica: una vision psicossocial
(Revista de Psicologia de ElSalvador, 1990), expressa que: [...] A verdade do povo latino-americano não está no seu
presente de opressão, mas na sua manhã de liberdade […].
Se toda forma de violência exige uma justificação, é porque não a tem em si.
O que leva à consequência de que a violência não pode ser considerada em
abstrato como boa ou má, o que contradiz uma das suposições implícitas da
maioria das abordagens psicológicas; a bondade ou maldade da formalidade
violenta advém do ato que a substantiva, isto é, daquilo que um ato tão
violento socialmente significa e historicamente produz. E é aqui que o caráter
ideológico da violência aparece claramente [...]. Já no seu livro Acción
y ideologia: Psicología Social desde Centroamérica (UCA, 1985), ele expressa
que: [...] Uma sociologia do conhecimento psicológico sobre violência e
agressão mostra que, com honrosas exceções, geralmente a “matéria violenta” que
é tomada como objeto de análise é o ato contrário o prejudicial ao regime
estabelecido, a agressão física individual, a violência delinquencial ou a
violência das massas, assumindo em todos esses casos que seu caráter negativo
deriva do dano causado à convivência sob a ordem social imperante. [...] A
exploração dos trabalhadores, sobretudo o campesino e indígena, a contínua
repressão a seus esforços organizativos, o bloqueio a satisfação de suas
necessidades básicas e às exigências para o desenvolvimento humano, e tudo isso
como parte de um funcionamento “normal” das estruturas sociais, constitui uma
situação em que a violência contra as pessoas está incorporada à natureza da
ordem social, bem chamado de “desordem organizada” ou “desordem estabelecida”.
[...] A violência aberta como uma possibilidade ao ser humano assumida e
desenvolvida através do processo de socialização encontra sua formalização
última em sua justificação. [...] todo ato de violência requer uma
justificação social e, quando carece dela [...] a gera por si mesma.
[...]. Já no seu estudo O papel do psicólogo (Estudos de Psicologia, 1996),
ele expressa que: [...] A consciência não é simplesmente o âmbito privado do
saber e sentir subjetivo dos indivíduos, mas, sobretudo, aquele âmbito onde
cada pessoa encontra o impacto refletido de seu ser e de seu fazer na
sociedade, onde assume e elabora um saber sobre si mesmo e sobre a realidade
que lhe permite ser alguém, ter uma identidade pessoal e social. A consciência
é o saber, ou o não saber sobre si mesmo, sobre o próprio mundo e sobre os demais
[...] Ao assumir a conscientização como horizonte do quefazer psicológico,
reconhece-se a necessária centralização da psicologia no âmbito do pessoal, mas
não como terreno oposto ou alheio ao social, mas como seu correlato dialético
e, portanto, incompreensível sem a sua referência constitutiva. Não há pessoa
sem família, aprendizagem sem cultura, loucura sem ordem social; portanto, não
pode tampouco haver um eu sem um nós, um saber sem um sistema simbólico, uma
desordem que não se remeta a normas morais e a uma normalidade social [...]
Uma simples consciência sobre a realidade não supõe, por si só, a mudança
dessa realidade, mas dificilmente se avançará com as mudanças necessárias
enquanto um véu de justificativas, racionalizações e mitos encobrir os
determinismos últimos da situação dos povos centro-americanos. A
conscientização não só possibilita, mas facilita o desencadeamento de mudanças,
o rompimento com os esquemas fatalistas que sustentam ideologicamente a
alienação das maiorias populares [...] os problemas específicos dos
nossos povos sem as proteções dos marcos teóricos apriorísticos, que filtram,
de forma enviesada, a realidade e limitam, não isentos de interesses, nossa
capacidade de compreensão [...]. No seu artigo acadêmico Para uma
psicología da Libertação (Alínea, 2011), ele chama atenção para a
necessidade de: [...] fazer algo que contribua significativamente para dar
resposta aos problemas cruciais de nossos povos"? [...]. Veja mais
aqui, aqui e aqui.
ALGUÉM FALOU: A vida...
nunca é como a gente imagina. Ela te surpreende, te espanta, e te faz rir ou
chorar quando você não espera. Eu amo o redondo, as curvas, a ondulação, o mundo
é redondo, o mundo é um seio. A música é a almofada mais macia do mundo. A pintura acalmou o caos que abalava minha alma. Pensamento da pintora, escultora e cineasta francesa Niki de Saint
Phalle (1930-2002), que no seu livro Mon Secret (Différence, 1994),
ela expressa que: [...] Meu pai, secretamente, teve
que sufocar em sua vida, mas faltou-lhe a coragem de uma verdadeira revolta. A garotinha
que eu era será a única vítima de sua lamentável rebelião. [...]. Veja mais aqui e aqui.
LAMENTO DO GUARDIÃO DA FRONTEIRA – O poeta predestinado ou
imortal chinês Li Tai Po (701-762)
possui uma obra composta de mais de mil poemas reunidos em vinte e quatro
livros e divididos em doze cadernos, nos quais manifesta sua imaginação
extravagante ao comunicar sua personalidade e espírito livre que exorta a vida
faustosa, suas interações com a natureza, o amor pelo vinho, a amizade e o
olhar aguçado sobre a vida, tendo sido condenado à morte por mais de uma vez,
suicidando-se embriago ao se atirar no rio Yang-tsé Kiang. Dele destaco o poema
Lamento do Guardião da Fronteira,
inserido no ABC da Literatura, de Ezra Pound, traduzido por Augusto de Campos: Pelo Portão do Norte sopra o vento carregado
de areia, / solitário desde a origem do tempo até agora! / Árvores caem, no
outro a relva amarelece. / Galgo torres e torres / para vigiar a terra bárbara:
/ desolado castelo, o céu, o amplo deserto. / Nenhum muro de pé sobre esta
aldeia. / Ossos alvos com milhares de geadas, / altas pilhas, cobertas de
arvores e grama; / quem fez com que isto acontecesse? / Quem trouxe a cólera
imperial flamante? / Quem trouxe o exército com tambores e timbales? / Bárbaros
reis. / De uma primavera suave a um outono de sangue e sangue, / trezentos e
sessenta mil, / e tristeza, tristeza como chuva. / Tristeza para ir, tristeza
no regresso. / Desolados, desolados campos, / e nenhuma criança de campanha
sobre eles, / não mais os homens para a ofensa e a defesa. / Ah! Como sabereis
de toda esta tristeza no Portão do Norte, / com o nome de Rihaku esquecido / e
nós, guardiões, pasto de tigres? Veja mais aqui, aqui e aqui.
FLÁVIA, CABEÇA, TRONCO E MEMBROS – O texto teatral – ou como assinala o próprio autor: tragédia ou comédia
em dois atos -, Flávia, cabeça, tronco e
membros (L&PM, 1977), do saudoso escritor, dramaturgo, tradutor,
desenhista, humorista e jornalista Milton Viola Fernandes, ou simplesmente Millôr Fernandes, é um dos primeiros
projetos de uma mulher liberada em 1963, que usa seu fascínio e liberdade ao
absurdo das caricaturas ao abordar sobre poder, força e a permanente capacidade
de mistificação inerente ao ser humano. Destaco a cena do segundo ato, em que o
Juiz Paulo Moral pega um papel na mesa e fala: Mao Tsé me mandou um telegrama, aplaudindo minha sentença. Esse me
compreende, sabe o que estou dizendo. Que nosso irmão querido é uma ameaça no
espaço. Constante. Nos roça mais de que devia. Nos aperta mais do que podia. É
isso. Já nos aperta. Já somos gente demais. Assim, se não temo coragem de fazer
uma eliminação sumária é preciso ao menos estimular os que têm e eliminam. (Bem
coloquial). Inda ontem mesmo estava eu as seis horas da tarde na Avenida
Copacabana e o fantasma da superpopulação esbarrou no meu braço. Quase me
estrangulou. E além de tanta gente chafurdando nas ruas, milhões no aconchego
de alcovas, camas de randevus e até leitos burgueses preparando mais gente.
Mais gente e mais, mais gente, muito mais, muito mais gente. Até minha velha
senhora espera um neto! Alguém pode evitar que se procrie? (Quase gritando). Eu
absolvo todos! São todos livres para o novo exemplo. Vocês sabem, vocês sentem,
se já não sentiam, se já não sabiam: o homem abdicou da alma. O avião da asa.
Vem aí o omelete sem ovo! (Assina, rápido, um papel com uma grande pena de ave,
colorida. Em tom geral). Ide, missa est. [...] (Em tom terrível) Posso. Pelas chagas de um Cristo fracassado, posso.
Posso pelos princípios da força e da fraqueza. Posso por uma visão essencial da
Queda. Pela felicidade que poucos merecem e menos compreendem também posso.
Posso pois voltei ao Sinai e trouxe tabuas de matéria plástica. Novas
revelações, novas palavras, novos vícios, erros novos. Quem será condenado se
de repente explodir um astronauta e podre e em fragmentos ficar em torno de nos
girando o seu fedor por toda Eternidade? Quem será condenado? Belle époque, lei
seca, padrão-ouro, melindrosas, não morrestes em vão! O fogo é fresco, a água
seca; o infinito uma limitação. Pela última dor do ser humano, posso. Posso por
Hiroshima, amor de mis amores. Posso. Eu, Paulo Belmonte Joaquim Moral, juiz,
posso. Pelo direito infernal, pela Santa Moral, por algo que me dói aqui no
peito, pelos dez mandamentos idiotas, pela jura de Hipócrates hipócrita, por
todos os códigos mais feitos, pelo feroz direito da impotência, posso,
Meritíssimo, posso. Posso até fazer nascer um dia novo! (Sem transição, apenas
mudando de tom). E além disso estou armado. (Puxa violentamente uma Lugger da
toga. Arma-a com ruído violento. Avança lenta e firmemente para a frente. O
promotor vai recuando rapidamente, some. Moral continua avançando, com o olhar
firme no público. Quando atinge a linha do proscênio o pano cai). Fim. Veja
mais aqui, aqui, aqui e aqui.












