TRÍPTICO DQP – O
desloucamento na perseguição dos rastros... - Ao som Adagio for Strings, Op. 11 (Sony Music,
1997), do compositor estadunidense Samuel Barber (1910-1981), na
interpretação de Leonard Bernstein & The New York Philharmonic – Não sei
se vou já ou quando; não é de hoje testemunhar o desassossego geral. O que
fazer? Ouvi alguém motejar no escuro e, no esforço de identificá-lo, era o
filósofo inglês Alfred Whitehead (1861-1947):
A inocente pergunta é a primeira
aproximação de um desenvolvimento totalmente novo. Só o reconheci após
demorada investigação, pouco o havia visto e até me confundi: era como se fosse
Robbe-Grillet debulhando: O tempo de nossas paixões, de nossa vida.
Posição nada confortável a minha, era como se estivesse rente ao intangível e
entrelugares, o sinuoso e o indistinto. Mas, se valia a pena, não sei, apenas
acreditei que sim, apesar de tudo embutido por sete chaves e o descontrole da
visceral hostilidade. Eu sei. E mesmo assim, nem deu tempo de me sentir
rejeitado por quem quer que fosse, sei que são complacentes além dos meus
méritos. Mantenho buliçoso pelos palimpsestos, é líquido e certo: uma vez
tupiniquim e nunca mais. Conecto a vida e reconfiguro o quanto posso: tudo é
muito débil e indecidivelmente tão frequente quanto impositivo, por isso mesmo
o existexperimental, ou experexistencial, tanto faz, porque a gargalhada de Derrida traduzia as aporias e, por
conta disso, tomei a decisão perturbadora de encarar o Corpo sem órgãos de Artaud:
Ninguém alguma vez escreveu ou pintou,
esculpiu, modelou, construiu ou inventou senão para sair do inferno.
Inquieto, também me empenho pela verdadeira e imortal liberdade, e a me
reinventar, apesar de atolado nos meus pântanos insuportáveis. Resisto e,
diante da América cruel, sou meu próprio laboratório, um atleta afetivo de Grotowski. Ao descentrar sem nenhuma
margem, expus minha carne e todas as minhas entranhas, porque o rito peyote dos
Tarahuramas me ensinou que só há sentido na Natureza. Perseguir o desloucamento
era o mesmo que ter de repisar rastros entre o temor e a imprudência, só assim
a promessa da despossessão do juízo. Foi exatamente o que me trouxe, de chofre,
o exercício de experimentação insólita expressa por Deleuze & Guattari: Tudo
está sobre este corpo incriado, como piolhos na juba do leão. Assim, diante
das interrogações do Anti-Édipo e
dos Mil Platôs, a risada do escritor
estadunidense Chuck Palahniuk
quebrou a monotonia: As coisas que você
possui acabam por possui-lo. Só depois de perder tudo é que você é livre para
fazer qualquer coisa. Você não entende nada e, depois, simplesmente morre. Tenha
suas aventuras, cometa seus erros e escolha mal seus amigos - tudo isso cria
ótimas histórias. Liberdade é perder toda a esperança… Você olha para uma
estrela e desaparece dentro dela. Aos seus olhos tudo me parecia como se o
aventado catapultasse o que sabia até então. Não me dei ao vazio, pelo
contrário: ainda resta viver. Melhor contar outra história.
Corpo que vibra... - Imagem Adansônia III (1977-78), da artista
visual, fotógrafa e professora Mara Alvares. - Salomé era bonitona do seu jeito e quando queria, só.
Quando não estava escondida e abatumada com suas agruras existenciais,
desfilava altiva sua alegria pujante, como se fosse aquela fascinante filósofa Lou ou qualquer atriz do palco de Oscar Wilde. Os de casa, claro, tratavam-na
por duas caras; os de fora cobiçavam os seus giros esvoaçantes da atriz Aída Gomez nas cenas de Saura, enchendo as ruas e calçadas com
suas pernas de Rita Hayworth, tão bela como nunca da sensualidade
daquela retratada por Pierre Bonnaud,
ou acendendo a imaginação dos atrevidos ao cantarolar no banho com sua nudez
encantadora da soprano alemã Nicola Beller Carbone ou de Karita Mattila nos tons operísticos
de Richard Straus. As más línguas
nomeavam-na de moicheia e se vangloriaram vingativas ao sabê-la tomada por um
tal Índio que nem era nem parecia, só apelidado e que lhe deixou seviciada aos
prantos. Diante de sua fraqueza, o Doro,
aquele mesmo colecionador de tampas de todos os tipos de garrafas e garrafões,
o mesmo que é PhD em porra nenhuma, ao vê-la sucumbir à depressão, adiantou-se:
Por essa eu perco a cabeça. E foi. Procurou maliciosamente agasalhá-la. Não sem
jeito, tentou de tudo e, depois de tanto pelejar, quase desistindo, resolveu
dar uma de Diderot, o que foi um
santo remédio: curou-a com a leitura de livros pornográficos. Lá estava ela radiante
às voltas com lalarilarás, só se abatendo diante da notícia de emboscada do seu
algoz que foi encontrado crivado de balas, enfiado de cabeça pra baixo num
buraco fundo do matagal e completamente desfigurado. Não que ela escondesse
paixão ou quisesse vingança, não; era dela doer assim nela a dor dos outros, a
ponto de deitar a cabeça aos ombros do amigo recém-encontrado. No começo, uma
belezura; com o passar do tempo, verdadeiro tormento, dele cantar para si como
o sapo desastrado: Léu, léu, léu, se eu
desta escapar, nunca mais festa no céu! Quem passava por eles logo dizia:
Tome, bem empregado!
Tropeços pelos
paradoxos... - Imagem: Untitled
(Mylar and hot glue,
dimensions variable – 2011),
da escultora estadunidense Tara Donovam.
- As dores dela ecoou em mim, a ponto de
sozinho, meu violão de nenhuma plateia, dedilhei sua soturnidade. Restei-me
abatido. Sim, porque sempre me arrisquei entre o fértil e o estéril: o que há
de incondicional no meio disso tudo, me levou constantemente a reformular tempespaço.
Sei de mim coadjuvante apenas, embora protagonize o gesto da desconstrução a
decompor dissimulações e dispersões outras dos trópicos: não sei se vale o
quanto pesa as desdobradas. Ainda há pouco outro estampido seco e o sangue
escorreu de alguém que se foi. Aqui fiquei onde era um poema do saudosamigo Jaci Bezerra, Tatuagem na água: No Recife
me perco e me inauguro / pisando acácias e águas machucadas, / no bolso o sol
ferido, um sol maduro / escorre, úmido, e acende a madrugada. / Uma árvore
brota no meu peito impuro / acalentando a infância que, abismada, / brinca dentro
de mim e dói no escuro / sempre por um menino acompanhada. / Nunca a essa cidade
fui perjuro / nem nunca a reneguei, talvez por isso / ela me planta e aninha
entre os seus muros, / e eu carrego em mim, arrebatado, / apodrecendo nos
mangues dos seus vícios / e amando como se nunca houvesse amado. Foi aí que
musiquei cantante A lavra da vida e
aprendi o canto com a pedra de mó ouradarada para não dividir a vida e dá-la à
pedra morta, enquanto ele rascunhava prefácio para A intromissão do meu verso
púbere. Ao findar o canto, era a dor dela que ficara e levantei as vistas para
presenciar a filósofa estadunidense Donna
Haraway com sua acolhida: A vida é
uma janela de vulnerabilidades. Ali me dei ao dia no que se fez noite. Ainda
sorria mesmo me sentindo à beira do precipício. Sabia: não há felicidade possível
neste momento. Só que ao lado dela, a bela Lucia Santaella solidária: Dilatada nessas
extensões, é a própria sensibilidade do corpo humano que parece estar passando
por uma mudança radical de escala, constituindo-se numa nova dimensão que
extrapola a concepção e imagem que tínhamos de nós mesmos como humanos... E
ao dito dela era como se eu voltasse ao ciclo do eterno retorno: a vida não
para. Se eu me soubesse Fellini
diria eu ser um grande mentiroso. Mas não, estava bem aconchegado entre elas, feliz
nos livros que li, músicas que ouvi e me deixe levar, afinal: o provisório se
eterniza e o compulsório vira pó. Até mais ver.
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