segunda-feira, abril 08, 2013

CLARICE, KRAUSS, CLARIBEL ALEGRÍA, NALO HOPKINSON & RYMAN



CLARICE LISPECTOR (1920-1977)– Ler Clarice é dum prazer imenso; reler, nunca é demais: redescobertas. Principalmente: aprendizados. Essa adorável escritora consegue me embalar numa viagem insólita por seu feitiço artístico. E eu aterrisso renascido na última página de qualquer de sua obra.

Mesmo tendo nascido nas longínquas terras da Ucrânia, ela se dizia pernambucana. Era ela de origem judaica e duma família de fugitivos judeus da Guerra Russa dos anos 20. Talvez seja esse um dos pontos que mais me fascinam nos seus mistérios: os teores místicos, esotéricos.

Antes de morar no Rio de Janeiro, ela viveu em Maceió e Recife. Ao se formar em Direito, optou pela Literatura. Seu primeiro conto foi publicado em 1940 na Revista Pan, quando passa a trabalhar na Agência Nacional. Três anos depois se casa com Maury Gurgel Valente que se torna diplomata, passando a morar na Itália, depois na Inglaterra, Estados Unidos e Suíça. Só em 1959 ela se separa do marido e volta ao Rio de Janeiro, onde passa a assinar colunas inicialmente no Correio da Manhã e, posteriormente, no Diário da Noite. Era a hora da jornalista e, por consequência, a definição da identidade da escritora.

Foi depois de participar do I Congresso Mundial de Bruxaria na Colômbia que ela ganhou uma aura mitológica com sua literatura passando a ser taxada de bruxaria por Otto Lara Resende pela forma intimista e introspectiva da sua literatura, tornando-se umas das mais importantes escritoras do século XX no Brasil. .

Ao reler Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, deparei-me com uma narrativa construída em terceira pessoa que traduz a ideia de sequencia, incompletude e fragmentos acerca de uma relação entre Loreley, a Lóri, uma professora primária, e Ulisses, um professor universitário de Filosofia. É um vertiginoso livro onde a voz feminina se apresenta com todas as reflexões e hesitações de uma mulher diante da relação amorosa.

Eis os principais destaques capturados da obra:

Sonhos que crescem no que é inacreditável. Aprendi a viver com o que não se entende.

Não é mesmo com bons sentimentos que se faz literatura: a vida também não.

Quando esquecemos todos os nossos conhecimentos é que começamos a saber.

Todo erro dos outros e nos outros é uma oportunidade para mim de amar.

O melhor modo de despistar é dizer a verdade.

Eu gosto de ver as pessoas sendo.

De um ator estava nas imitações sensíveis do rosto, e que a mascara escondesse. Por que então lhe agradava tanto a ideia dos atores entrarem no palco sem rosto próprio? Quem sabe, ela achava que a mascara era um dar-se tão importante quanto o dar-se pela dor do rosto. Inclusive os adolescentes, que eram de rosto puro, à medida que iam vivendo fabricavam a própria mascara. E com muita dor. Porque saber que de então em diante se vai passar a repre4sentar um papel que Ra de uma surpresa amedrontadora. Era a liberdade horrível de não-ser. E a hora da escolha.

Também Lóri usava a máscara de palhaço de pintura excessiva. Aquela mesma que nos partos da adolescência se encolhia para não ficar desnudo para o resto da luta [...] escolher a própria máscara era o primeiro gesto voluntário humano. E solitário. Mas quando enfim se afivelava a mascara daquilo que se escolhera para representar-se e representar o mundo, o corpo ganhava uma nova firmeza, a cabeça podia às vezes se manter altiva como a de quem superou um obstáculo: a pessoa era. [...] e o próprio rosto de máscara crestada chorava em silencio para não morrer.

Faço poesia não porque seja poeta mas para exercitar minha alma, é o exercício mais profundo do homem.

Agir sem se conhecer exige coragem.

A alegria é uma fatalidade.

Lori passara da religião de sua infância para uma não-religião e agora passara para algo mais amplo: chegara ao ponto de acreditar num Deus tão vasto que ele era o mundo com suas galáxias: isso ela vira no dia anterior ao entrar no mar deserto sozinha. E por causa da vastidão impessoal era um Deus para o qual não se podia implorar: podia-se era agregar-se a ele e ser grande também.

Nós que escrevemos, temos na palavra humana, escrita ou falda, grande mistério que não quero desvendar com o meu raciocínio que é frio. Tinha que não indagar do mistério para não trair o milagre. Quem escreve ou ensina ou pinta ou dança ou faz cálculos em termos de matemática, faz milagres todos os dias. [...] Melhor seria a empáfia, e está mais perto da salvação quem pensa que é o centro do mundo, o que é um pensamento tolo, é claro. O que não se pode é deixar de amar a si próprio com algum despudor.

Nasce-se com sangue e com sangue corta-se para sempre a possibilidade de união perfeita: o cordão umbilical. E muitos são os que morrem com sangue derramado por dentro ou por fora. É preciso acreditar no sangue como parte importante da vida, a truculência é amor também.


FONTE: 
LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem, ou o livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1991. Veja mais Clarice Lispector aqui, aqui, aqui, aquiaqui, aqui e aqui.

 


DITOS & DESDITOS - Todos queremos encontrar uma âncora, todos queremos virar a esquina e ir para casa. Mas a nossa casa foge sempre. A casa deixa-nos. Depois envelhecemos e envelhecemos novamente, ficando ainda mais afastados de casa. De nós próprios. Morremos antes de estarmos mortos, querida. Passamos de rainhas da beleza a velhas carcaças, de crianças traquinas a adultos deprimidos, de moças maduras cheias de amor a mulheres usadas e amargas como bílis. Tudo o que temos é o amor. E nada para amar. Apenas o amor, doloroso, distante e nunca correspondido. Pensamento do escritor canadense Geoffrey Ryman.

 

ALGUÉM FALOU: A beleza e a engenhosidade sempre superam a perfeição, sempre... Pensamento da escritora e editora jamaicana Nalo Hopkinson.

 

A HISTÓRIA DO AMOR – […] Era uma vez um menino que amava uma menina, e o riso dela era uma pergunta que ele queria passar a vida inteira respondendo. [...] Quando você vai aprender que não existe uma palavra para tudo? [...] Existem dois tipos de pessoas no mundo: as que preferem ficar tristes entre os outros, e as que preferem ficar tristes sozinhas. [...] Talvez a primeira vez que você a viu você tinha dez anos. Ela estava de pé ao sol coçando as pernas. Ou traçar letras na terra com um pedaço de pau. Seu cabelo estava sendo puxado. Ou ela estava puxando o cabelo de alguém. E uma parte de você foi atraída por ela, e uma parte de você resistiu - querendo sair andando de bicicleta, chutar uma pedra, permanecer descomplicado. Ao mesmo tempo, você sentiu a força de um homem e uma autopiedade que o fez se sentir pequeno e magoado. Parte de você pensou: Por favor, não olhe para mim. Se você não fizer isso, eu ainda posso me afastar. E parte de você pensou: olhe para mim. [...] Quero dizer em algum lugar: tentei perdoar. E ainda. Houve momentos em minha vida, anos inteiros, em que a raiva levou a melhor sobre mim. A feiúra me virou do avesso. Havia uma certa satisfação na amargura. Eu o cortejei. Estava do lado de fora e eu o convidei para entrar [...] Mesmo agora, ainda não existem todos os sentimentos possíveis, ainda existem aqueles que estão além da nossa capacidade e da nossa imaginação. De tempos em tempos, quando uma peça musical que ninguém jamais escreveu ou uma pintura que ninguém jamais pintou, ou algo impossível de prever, compreender ou ainda descrever, uma nova sensação entra no mundo. E então, pela milionésima vez na história do sentimento, o coração dispara e absorve o impacto. [...] Trechos extraídos da obra The History of Love (Companhia das Letras, 2006), da escritora estadunidense Nicole Krauss. Veja mais aqui.

 

MINHA CIDADE - sonhei que minha cidade \ me seguia \ ouvia a música interna \ de seus insetos sua \ folhagem \ seu rio pedregoso \ seu odor me obcecava \ seus aromas vaporosos \e suor azedo \ e queria fugir de minha cidade \ de seus gemidos mudos \ e odores rançosos \ e seguia-me \ com a sua fila de rostos \ e ruas \e o seu riso velado \ e eu quis repreendê-lo \ e tornou-se invisível \ sem luzes \ nem sombras \ e a sua ausência doeu-me \ e a saudade floresceu nos meus sonhos: \ repercorri caminhos de infância sonhei com amigos que \ perdi \ as árvores\ e as folhas que perdi \ da banda da prefeitura \ dos ninhos de chiltota \ do meu vestidinho branco \ e do sino que me chamava para a missa. Acordei \ num canto do parque. Poema da escritora nicaraguense Claribel Alegría (1924-2018). Veja mais aqui eaqui.

 


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