DIÁRIO DE QUARENTENA – UNS: ACENOS LONGÍNQUOS & TRANCA-RUA - Os dedos deslizam nas
cordas, uns acordes. Fusas, colcheias, mínimas e suas semis, uns tons e sons
pulalam em busca de sequência, uma trilha melódica. Intuo e entôo, uns solfejos,
fragmentos de movimentos e ritmos, uma quase canção... Sílabas, signos, umas ideias
entre imagens esgarçadas, uma quase frase, quase oração. O Sol entre nuvens, um
arco-íris na tarde, quase anoitece. A dicção inspiradora de Emily Dickinson: A esperança é uma ave que pousa na alma,
canta melodias sem palavras e nunca cessa. O coração tem bordas estreitas... A
canção insiste em eclodir, toma vulto e se dilata pela voz, vísceras,
coronárias, sonhos. E a poeta ressoa doce e insistentemente: Para sempre é composto de agoras. Tudo o que
sabemos do amor, é que o amor é tudo que existe. Eu sei e enquanto crio o
agora é a minha eternidade. DUAS:
ECLOSÃO DO CANTO DA LIRA - O que será poiesis de mim agora, um quase deus
em autopoiese, soadas, toadas, a voz, os dedos, as cordas, o sentimento e a
alma, o voo da canção. Karel Appel
assunta e quase nem escuto: A experiência do momento
é o que é importante e, de alguma forma, a imagem, a 'coisa' é deixada de lado. Sou-me cada vez mais
eterno agora. TRÊS: A CANÇÃO PRONTA &
O FINAL DE SEMANA - Agora sou a canção interminável com todas as
fisionomias e pássaros e ruas e rios e terras e ares: o fogo radiante da
libertação na frase de Joseph Beuys:
Libertar as pessoas é o
objetivo da arte, portanto a arte para mim é a ciência da liberdade. Agora sei
mais que nunca porque ele disse que A verdade deve ser
encontrada na realidade, não nos sistemas. Sim, a liberdade e
quase libertação. Agora eu sei por que sou todos os braços abertos com todos os
cantos do corpo e da alma, todos os sorrisos solidários, todas as agruras e
nenhuma delas, todas as lágrimas de dor e felicidade, todas as palavras do chão
e da vida, todo amor e amares. A libertação e calar. Agora é só o silêncio, eu
vivo. Até segunda-feira. © Luiz Alberto
Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.
DITOS & DESDITOS: [...] Imediatamente o bonde veio voando, girando
pela linha recém-construída que ia da Iemoláievski para a Brônnaia. Depois de
fazer a curva e se aprumar, ele de súbito acendeu a luz elétrica interna, uivou
e acelerou. Cuidadoso, Berlioz, embora tivesse em segurança, resolveu passar
para trás da barreira, colocou a mão na catraca e retrocedeu um passo. E sua
mão escorregou de imediato e escapou, uma perna deslizou irresistivelmente pelo
calhau da ladeira que ia dar nos trilhos, como se fosse gelo, a outra perna
virou para o ar, e Berlioz foi atirado nos trilhos. Tentando se agarrar em
alguma coisa, Berlioz caiu de costas, batendo levemente a nuca no calhau, e
conseguiu ver, no alto, mas já sem saber se à esquerda ou à direita, a lua
dourada. Conseguiu virar-se de lado com um movimento furioso, encolhendo no
mesmo instante as pernas e a barriga e, ao se virar, vislumbrou o rosto
completamente branco de pavor e a braçadeira escarlate de condutora, avançando
em sua direção com velocidade irrefreável, Berlioz não gritou, mas, a seu
redor, gritos desesperados de mulheres esganiçaram-se por toda a rua. A
condutora puxou o freio elétrico, o vagão embicou o nariz no chão, depois, em um
instante, deu um salto, e com o estrondo e um tinido, o vidro voou de suas
janelas. Daí, no cérebro de Berlioz, alguém gritou, desesperado: ‘Será?’. Mais
uma vez, a última, a lua brilhou, mas já se desfazendo em estilhaços, e depois
ficou escuro. [...]. Trechos da obra O mestre e Margarida (Nova Fronteira, 1975), do escritor e
dramaturgo russo Mikhail Bulgákov
(1891-1940), tratando sobre a luta entre o bem e o mal, inocência e culpa,
racional e irracional, ilusão e verdade, examinando temas como a
responsabilidade frente a verdade quando a autoridade tenta negá-la e a
liberdade de espírito num mundo que não é livre, fortemente influenciado tanto
pelo Fausto de Goethe como pela ópera de Gounod. Em 2006, o Museu Bulgákov, em
Moscou, foi vandalizado por fanáticos religiosos que alegavam ser o romance uma
obra satanista.
A POESIA DE CLARIBEL ALEGRÍA
AUTORRETRATO: Maus olhos / Oblíqua a menina medrosa, / ciclos
desfeitos. / Dentes quebrados. / Cordas apertadas subindo pelo meu pescoço. / Bochechas
polidas, / sem recursos. / Quebrado. / Eu só tenho os fragmentos. / As roupas
da época foram usadas. / Eu tenho outras unhas / outra pele / Por que você
sempre se lembra? / Houve um tempo de paisagens quadradas, / de pessoas com
olhos ruins, / narizes errados. / Línguas saindo como espinhos / bocas de luto.
/ Eu também não conheci. / Eu continuei olhando / em conversas com as minhas, /
nas salas de conferência, / nas bibliotecas. / Todo mundo como eu / circundando
a lacuna. / Eu preciso de um espelho / Não há nada para cobrir meu buraco. / Apenas
fragmentos e o quadro. / Estilhaços afiados que me machucam / refletindo um
olho, / um lábio / uma orelha, / Como se ele não tivesse rosto, / como se algo
sintético, / mudança, / oscilará nas quatro dimensões / às vezes esgueirando-se
para os outros / Ainda desconhecido. / Eu mudei de formas / e dance. / Eu vou
morrer um dia / e eu não sei sobre o meu rosto / e não posso voltar atrás.
AQUI ESTOU: Aqui estou, outra vez, / presa em meu anel de silêncio / querendo
adivinhar a voz do mundo / que me chega confusa. / Ouço de longe a dor, / não
sei o canto do gozo, / um muro de névoa me rodeia / e é de fogo minha angústia.
/ Vem em meu socorro, vento, / rompe minha prisão leve e leva-me a uma ilha sem
muros / onde possa ouvir todas as vozes!
AUSÊNCIA: Olá / Eu disse olhando para o seu retrato / e a
saudação foi atordoada / entre meus lábios. / Novamente a pontada, / sabendo
que é inútil; / o tempo abrasador / da sua ausência.
MEMÓRIAS ALEATÓRIAS: Memórias aleatórias / Eu encontrei o
seu. / Não doeu. / Tirei-o do estojo, / Eu balancei suas raízes / no vento, / Coloquei
em contraluz: / Era um vidro polido / peixe dourado refletindo, / uma flor sem
espinhos / não queimou. / Eu o joguei contra a parede / e a sirene do meu
alarme tocou. / Quem apagou o fogo? / Quem tirou sua vantagem / para minha
lembrança / que eu amei?
CLARIBEL ALEGRÍA - A poesia da premiada escritora nicaraguense Claribel Alegría (1924-2018), associada
à Geração Engajada com seus poemas orais por temáticas da denúncia social, o
compromisso polítoco, o amor, a solidão e o esquecimento. Veja mais aqui e aqui.
&
CINCO POEMAS DE KÁTIA
BORGES
EFÍGIE: Costura o sol no peito / pela parte de dentro / da blusa, como se efígie
/ reversa, o ano inteiro, / e no lado inverso escreve chuva. / Subverte as
estações / por dentro e, no inverno, / orquestra flores, / enquanto o outono
ainda / desfolha-se, / costura o sol no peito.
PAZ: Invento a paz: panos brancos nas janelas. / Os burgueses da pensão
estranham – canto. / Eu, que nunca cantei. / Atendo no balcão os mortos todos,
/ procurando achados e perdidos. / E vivo. Eu, / que nunca ousei. / O luto, que
cobriu de negro / este quarto, hoje é passado. / Enterrado no quintal dos
fundos. / Que as crianças entrem e desarrumem tudo, / rasgando em algazarra
meus retratos.
KAPALABHATI: O poema perfeito respira no erro / que o
socorre em kapalabhati. / O poema perfeito se esconde / enquanto respira / no
erro que o socorre / em onze expirações contínuas. / O poema perfeito escorre,
/ emsukhasana, ujjayi-pranayama. / (bhastrikas como se rimas, / estrofes como
se ramas, / dharmas como se dramas) / O poema perfeito brinca / entre os ossos
do crânio.
TEU MOVIMENTO: Antes que te chame / o pelotão de fuzilamento / repara o pássaro / apara
o dia. / Há um olhar que se derrama / lento sobre a vigia / e graciosidade no
andar / do carcereiro. / Antes, sim, que chamem / o teu nome, anota / num papel
ou na parede / certo verso de cimento. / Na argamassa firme / teu movimento.
AUTOFICÇÃO: A moça amarga ainda sonha / flores em datas festivas, / talvez gérberas,
/ sussurra em voz alta, / falsamente distraída, talvez, / na correspondência
incompleta, / achem por descuido a pétala / esquecida de alguma efeméride, / que
nem alegria (veja bem) / nem alegria trouxe / (anêmonas talvez).
KÁTIA BORGES - Poemas da escritora
e jornalista Kátia Borges, que é mestre e doutoranda em Literatura e Cultura
pelo Instituto de Letras da Ufba e autores de obras como De volta à caixa de abelhas (As Letras da Bahia, 2002), Uma Balada para Janis (P55, 2010), Ticket Zen (Escrituras, 2011), São Selvagem (P55, 2014), Escorpião Amarelo (P55, 2012) e O exercício da distração (Penalux,
2017). Veja mais aqui.
A ARTE DE SANDRA SEDMAK
A arte era um meio de comunicação sem falar quando eu era
jovem e dolorosamente tímido. Elementos figurativos sempre foram incluídos no
meu trabalho, independentemente do assunto. Quero que o espectador veja como as
linhas e a energia que eu uso se relacionam com a humanidade. Como estamos
todos conectados ao longo do ciclo da vida. Eu escolho pintar com encaustics -
pintando com camada sobre camada pigmentada de cera de abelha. A fisicalidade
do processo - esculpir, raspar, queimar a cera - me permite liberar a energia
dentro de mim, incorporando luz e profundidade ao meu trabalho. Cavar fundo na
cera imita minha intenção de cavar fundo dentro de uma pessoa para mostrar quem
ela realmente é. Costumo pintar mulheres rubenescas. Capturar a torção do quadril,
a adorável linha do pescoço, me liberta. Minhas figuras são reais e
verdadeiras. As curvas são comemoradas. Eu pinto momentos, esperando que o
espectador abraça a beleza que todos sentimos por dentro.
SANDRA SEDMAK - A arte da artista estadunidense Sandra Sedmak, envolvida em muitas organizações
artísticas locais, tendo atuado como representante de Artistas do Comitê
Diretor do Centro de Artes da Escola 33 por vários anos e integrou a criação da
Galeria dos Membros, tornando-se membro honorário da The Creative Alliance em
Baltimore, onde também é voluntária como monitor de desenho de vida.
Atualmente, ela ministra oficinas de pintura encáustica nos dois centros de
arte e também em estúdio.
&
A ARTE DE JULIA BAX
Produzir o máximo possível. Existe um mínimo de horas que uma pessoa tem
que dedicar para conseguir chegar a um nível profissional, assim como para aprender
um instrumento musical. Não adianta ter talento se não dedicar as horas ao
treino. É ai que muitos talentosos param e os dedicados avançam! É mais
importante ser "teimoso" do que talentoso. Outra coisa: se for pedir
conselhos a um profissional, escute-os! Não arranje desculpas para os defeitos
no seu desenho. Engula a critica e corrija-os!
JULIA BAX - A arte da premiada ilustradora e quadrinista Julia Bax (Julia Nascimento
Bacellar), que é formada em Economia e iniciou sua carreira nos
quadrinhos nas revistas Kaos! e Quebra-Queixo Technorama. Edita o blog Julia Bax, Durante dois anos, publicou tirinhas mensais no
caderno Folhateen do jornal Folha de São Paulo, lançou juntamente com o
roteirista Diogo Bercito, o álbum Remy (2003) e publicou o álbum Pink Daiquiri e o artbook A Forma da Luz (2015). Veja mais aqui.
PERNAMBUCULTURARTES
Sempre fui muito tímida e introvertida até meus 21 anos. Na época da
adolescência, sofri bullying e fiquei muito sozinha por enxergar o mundo, fora
do que "era normal". Ter cara de "menina nova", sempre fez
também às pessoas me subestimarem. As pessoas interpretam que "ser
assim", faz com que você sempre seja 100% doce e sempre concorde com tudo.
Desde muito nova, sempre segui minha intuição fazendo aquilo que achava certo
por mim e não liguei muito para o julgamento alheio. Sempre me propus vários
desafios para querer me conhecer mais e entender os prós e contras de algo,
pensar em como aquilo poderia me ajudar. Sendo MUITO curiosa, sempre me
questionei para ter as minhas respostas... Porque as que eu tinha não me eram
satisfatórias. Nunca fiz nada pensando na possibilidade e medo de "o que
as pessoas vão pensar de mim se eu fizer tal coisa". Digo isso porque
muitos da área artística tem MEDO de fazer qualquer coisa por medo do
julgamento das pessoas, por medo de saber se o que está desenhando/pintando
está certo/bonito/feio/errado. Eu simplesmente fazia. Eu simplesmente sinto o
agora e faço. Não consigo guardar pra mim, preciso fazer e me satisfazer. E preciso
ser verdadeira. Não sei disfarçar uma alegria ou uma dor ou uma ilusão. Gosto
de botar a realidade pra fora. Foi assim que entrei no mundo da Aquarela. Ela
me ajudou a me conhecer como pessoa e como "Ana Blue". Ela me ajudou
a focar, controlar a ansiedade e a depressão. Constantemente, nos comunicamos
por aquilo que expressamos: na nossa arte, todas nossas respostas estão lá, na
nossa cara. Nasci em 93, sou canceriana com ascendente em escorpião, Designer
de Moda por formação, tropecei na estamparia, cai na aquarela e com isso tudo
transformo minhas ilustrações em estampas para minha papelaria criativa
autoral. Pode parecer que não, mas eu amo falar e se for sobre arte Melhor
ainda. Se deixar posso gravar um vídeo de 1h falando sozinha, hahaha, é ótimo.
Porque falar alto é uma forma de assimilar tudo aqui que entendemos. E por
isso, não me aguentei e há 4 anos mantenho um canal artístico que falo sobre
empoderamento, processo criativo, aquarela e eu mesma.
A arte
da pintora, ilustradora,
cartunista, quadrinista e designer gráfico, Ana Blue (Analúcia Vasconcelos de Melo) aqui.
&
A poesia da
escritora Vernaide Wanderley aqui.
A música da cantora e instrumentista Isaar França aqui.
A arte do
artista visual Fernando Duarte aqui.
O príncipe do reino das
sete luas e outras histórias, da
jornalista, advogada, escritora e jardinista Tereza Figueiredo aqui.
A arte do artesão Epifanio Bezerra aqui
&
A rua
das viúvas aqui.