domingo, agosto 10, 2025

NEIGE SINNO, ARIEL SALLEH, MARÍA NEGRONI, JULIANA XUCURU & BRENDA MARQUES PENA

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Não acredito que as poucas mulheres que alcançaram grandeza no trabalho criativo sejam exceção, mas acho que a vida tem sido difícil para as mulheres. Não lhes deu oportunidade, não as tornou convincentes. Uma mulher não tem sido considerada uma força de trabalho no mundo, e o trabalho que seu sexo e suas condições lhe impõem não foi ajustado a ponto de lhe dar um pouco mais de espaço para o desenvolvimento de sua melhor versão. Ela tem sido prejudicada e apenas algumas, por força das circunstâncias ou força inerente, conseguiram superar essa desvantagem. Não existe sexo e arte. Gênio é uma qualidade independente. A mulher do futuro, com sua perspectiva mais ampla e suas maiores oportunidades, irá longe, acredito, em trabalhos criativos de todos os tipos...

Pensamento da compositora e pianista francesa Cécile Chaminade (Cécile Louise Stéphanie Chaminade – 1857-1944), ao som do Concertino for Flute (Sanders Theater, Harvard University, Cambridge, Massachusetts, 2015 - Boston Philharmonic Youth Orchestra, Hayley Miller in flute, Benjamin Zander, conductor) e Suite Callirhoë, Op. 37 (Orquesta Juvenil Universitaria Eduardo Mata, Gustavo Rivero Weber, director Sala Nezahualcóyotl, CCU 2022). Veja mais aqui & aqui.

 

Entrevista com o sicário fantasma... - Na regra de uma, lá se vão duas, depois de três pra mais de quatro, das coisas quase sequer terem fim! Hehehe. Esse era o prefixo na chegada do Zé Puliça, ao largar do expediente noturno pro café matinal no pavilhão de Pedim do Padre. Chegava com seu ar de caboclo do pé de serra, criado na beira de rio ligeiro, atarracado no seu quase metro e meio de estatura, fala mansa de alerta, impávido quasímodo, com mastigado num palito de dentes pelo canto da boca e o olhar de soslaio pra todo mundo. Era naquela hora somente que se dava aos gracejos. No mais era inabalável, devagar do dizer, jeito imperturbável, quase silencioso, ladino. Na sua face a experiência de quem estreou na vida pelos canaviais, corte da cana. E se fez vaqueiro de aboiar lonjuras, de se danar pela Serra da Preguiça, atrás do Rabicho da Geralda, que bebia água no riacho Agudo, da Várzea do Cisco. Foi ele quem amansou o malvado turino Pintadinho, na lagoa das Mofadas. Depois meteu-se num remoinho agitado pra pegar de mão o indomável Jauaraicica. Foi peleja, viu? Depois dessa casou-se primeiro com uma burrinha de padre, achada no meio do caminho e, nos achegados, ela desencantou fogosa. Nem demorou muito e enviuvou. Solitário deu de engrossar as fileiras dos cabras de Lampião, arribando pariceiro do valente Rio Preto, a trocar loas com o topetudo André Tripa, nas farras com Cabeleira e Teodósio e, mais que azogado, viu os milagres da braúna de Conselheiro. Sua fama cresceu de mesmo no dia que um tal de Zé Branquelo, apelidado de Hulk Branco, terrível estuprador gigante escapulia da lei. Quanto me dá preu trazer a cabeça desse safado? Tudo acertado e dias depois lá estava ele: Eu dei voz de prisão, ele não quis se entregar; trouxe a fim da força, taí! E sacudiu a cabeça do libertino no birô do delegado. Susto da pêga, da autoridade quase cagar-se todo! Que é isso, rapaz, cadê as mãos dele? Ah, esqueci as chaves das algemas em casa, não queria perdê-las; mas as digitais do desgraçado estão aqui, tome! Pode conferir se é ele mesmo! E era. A partir disso, onde tivesse meliante odiado ou foragido com a cabeça a prêmio, lá estava ele na caça ao ganso - bastava suspeitar, nem estouvava, resolvia. Assim caçou Megalodon, Tiranossauro, resolveu o caso Taylor v. Taintor, desbaratou uma rede de camicases, enfrentou fera na Oração da Cabra Preta, numa encruzilhada para tirar tudo a limpo; desfeitou em pleno natal um cabuloso que queria lhe enrolar com chá de heléboro negro: Quer me envenenar, fidapeste? Cada uma, hem? Nunca trastejou da coragem diante de alças de mira, garras de bicho, encarou obstáculos, pegou malfeitores na curva do desvio, detonou de véspera um bocado de homem-bomba que apareceu. Só isso? Pra ele: Só poltronice! Ah, assim o senhor acaba com a humanidade! Comigo é assim: Corro pro perigo, cerro os punhos e o enfrento o sopapo! Por causa disso conheceu o Agente 114, caçador de bandidos, o tal do Jonah Hex, ocasião em que flertou e se ajeitou num caso íntimo com a gringa bonitona Domino Harvey. Quando ela partiu, ele foi pegar o dragão da Caverna dos Suspiros e tomou pra si os tesouros do Pirata. Ali viu de longe a Alamoa, na Porta do Pico, e com ela casou-se numa sexta-feira do Espinhaço do Cavalo. Mas tinha de voltar e ela não quis. Pegou a Nau Catarineta e foi dar na Cova da Serpente de Asas, no Serrote da Lapa. Lá tomou um guizo e uma pena da bicha ruim, além de ganhar uma carranca do alcoviteiro Caboclo D’Água, que arrumou pra ele um romance tórrido com a Siana Branca de Correntina. No meio da função descabelada, deu uma ventania repentina e ele se viu atracado com o devorador ciclope Labatut, tendo de pegá-lo na marra pela munheca e sair montado na Cabra Cabriola pra caçar o Carneiro de Ouro, lá na Furna dos Morcegos. Ao capturar o caprino apareceu logo uma jiboia e ele agarrou-se com ela de desencantá-la: era uma princesa frochosa, com quem juntou as catrevagens por um bom bocado de tempo. Tome trupé! E agora? Hoje vivo de apaziguar a noite deste fim de mundo! Acha pouco? Escreva aí: Fim de valentão é cadeia, bala quente e peixeira fria! “Pecador repara que há de morrer”. Há de valer confissão, senão num salva! Não vim praquí só pra contar hestória. Enfrentei quantos ariscos mandacarus de fogo, vali-me do Justo Juiz, não fosse minha devoção, já tinha emborcado faz tempo. Sou o verdadeiro de muitas cópias. Fiz poucos amigos porque não quiseram e também porque não quis. É preciso refazer a humanidade de outro modo: está tudo perdido. Somente parvos, quanta maluquice, Deus meu! Eu sou assim, o mundo assado. E era só vê-lo sentado no tamborete lá na frente da prefeitura, desavindo, com sua jaqueta puída, de relance no bolso o distintivo de detetive, assoprando uma música lúgubre no pente enrolado em papel de cigarro: uma balada de morte. Que bicho mora dentro de mim? Ainda outro dia soube dele agarrado num fuá da peste com a Mulher da Sombrinha. Coisa dele mesmo. Todo mundo tremia, de considerá-lo às escondidas um duende desumano, um sátiro impiedoso, o deslavado monstro do silêncio, um vilão inumano ou algo parecido. Deus me defenda! Culpa tinha? Mais diziam amiúde que ele vasculhava os escondidos só por perversão. Tornou-se agonia do povo, um pária. E ele: Não quero esse veneno, morro de fome; minhas muitas vidas valem cada uma das minhas tantas mortes: para cada medo uma coragem equivalente, não levo ignominia pra casa. Era seu desencanto na sua impiedosa careta só pra assustar: Não acredito em mais ninguém nem em nada. Tudo é tão crepuscular... Morreu por vontade própria, como quem foi cagar no mato a cochilar sonhando vigia dos vivos. Até mais ver.

 

Alice Walker: Ninguém é seu amigo se exige seu silêncio ou nega seu direito de crescer... A maneira mais comum de as pessoas desistirem do seu poder é pensar que não têm nenhum... O que a mente não entende, ela adora ou teme... Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

Hilary Mantel: Se você ficar preso, afaste-se da sua mesa. Dê uma caminhada, tome um banho, vá dormir, faça uma caminhada, desenhe, ouça música, medite, faça exercícios; faça isso, não fique aí parado, olhando feio para o problema. Mas não faça ligações nem vá a festas; se fizer isso, as palavras de outras pessoas vão jorrar onde as suas palavras perdidas deveriam estar. Abra um espaço para elas, crie um espaço. Seja paciente... Veja mais aqui.

Katherine Mansfield: Estabeleça como regra de vida nunca se arrepender e nunca olhar para trás. O arrependimento é um terrível desperdício de energia; não se pode construir sobre ele; só serve para se afundar... Veja mais aqui, aqui & aqui.

 

A CULTURA DO PAÍS

Imagem: Acervo ArtLAM.

Alteridade \ esse medo \ que ficou \ escondido na infância \ rouba do que serão \ sensações remotas \ Pior que isso, ele come \ coisas \ que nem vê. \ late \ até não existir mais \ mas um espelho lascado \ onde minha vida ainda é \ feita e contemplada \ e então \ - se houvesse um depois - \ ergue um bastião de palavras \ entre uma língua estrangeira \ e a própria estranheza \ Não sei porque \ essa ferida não me atinge.

II - 0,0016 quilômetros de palavras \ confinadas em um poema \ maneira curiosa de dizer que \ um homem caminhou pela morte \ formas \ ligeiramente arrependidas cruzaram-no \ graduações \ do que ele não tinha \ o ar \ que \ o mundo inala a cada minuto \ cada vez que sente falta de si mesmo \ o resto \ era aritmética superior \ sabendo cair e não cair, evaporar \ como uma ferida transparente.

Poema da escritora e tradutora argentina María Negroni. Veja mais aqui, aqui & aqui.

 

TRISTE TIGRE - [...] É verdade que ninguém [...] tinha visto o que nós, as crianças e minha mãe, víamos em casa, onde ele se comportava como um tirano. E é isso que se destaca acima de tudo nessa personalidade: alguém que não suporta contradições, que precisa sempre ter controle sobre tudo, que decide, monitora, pune e que nunca compartilha o poder. [...] O que há de libertador na literatura é que ela nos oferece acesso a algo maior do que nós mesmos. Maior do que a nossa dor, maior do que a nossa experiência pessoal, maior do que a intensidade de que falei. Descobrir a literatura é como ter acesso a um mundo de risco extremo, de encontros com a enormidade da vida e da morte, mas em um plano diferente. Pode ser um consolo. Uma forma de consolo, mas nunca o suficiente para salvar uma pessoa. [...] Com uma criança, a porta está sempre escancarada. Uma criança não pode abrir ou fechar a porta do consentimento. Não consegue chegar à maçaneta. Simplesmente, não está ao seu alcance [...] Posso dizer que fiquei feliz, que nós ficamos felizes. Ninguém pode tirar a chuva de verão de nós. [...]. Trechos extraídos da obra Triste tigre (2023), da escritora francesa Neige Sinno, autora de obras como A Vida dos Ratos (2007) e Le Camion (2018).

 

ECOFEMINISMO MATERIALISTA - [...] Ecofeministas materialistas estão falando sobre condições econômicas-biológicas-biofísicas radicais da vida [...] Nos últimos anos, o capitalismo intensificou sua penetração em todos os aspectos da vida cotidiana, como a proeminência dos grandes bancos ou a tendência à digitalização. Os bancos estão comprando enormes quantidades de terras agrícolas ao redor do mundo para uso em tecnologias agrícolas experimentais, como sementes híbridas geneticamente modificadas. Mas a terra para o cultivo de alimentos é a base do sustento das pessoas. É claro que, se você olhar além do capitalismo, encontrará o patriarcado. No sistema patriarcal-colonial-capitalista, a forma originária e mais antiga de poder é a dominação dos homens sobre as mulheres. Em seguida, vem a colonização, invadindo a terra e se apropriando dos recursos de outros povos. Finalmente, a forma econômica capitalista emerge da colonização e é relativamente moderna, com apenas algumas centenas de anos. É importante ver esses três sistemas como sistemas concorrentes, emaranhados e que se reforçam mutuamente. O próprio capitalismo não funcionaria sem as energias patriarcais que o impulsionam. Essas energias são aprendidas e incorporadas nos homens e expressas em práticas sociais e econômicas. Observando os três sistemas, cada um tem vários níveis – do inconsciente às ações cotidianas, às estruturas políticas e à ideologia. [...] A natureza passa pelos corpos, que, uma vez mortos, retornam para fertilizar a Terra. Então, sim, foi uma alegria aprender sobre o sentido relacional de "corpo-território" das mulheres latino-americanas. [...] Um ecofeminismo materialista combina uma resposta feminista, descolonial e socialista ao colapso ecológico do século XXI. Buscamos um Pluriverso – como diz o movimento zapatista, um mundo onde muitas culturas autônomas coexistem. Já mencionei a agricultura comunitária de mulheres chinesas, e há iniciativas semelhantes de Rojava ao Equador. O Pluriverso descreve uma variedade de modelos para viver a sustentabilidade – e no final do livro há um convite para se tornar ativo e participar da Tapeçaria Global de Alternativas, algo que Ashish Kothari e colegas na Índia estão coordenando. Coisas boas estão acontecendo – só que o sistema-mundo do capitalismo colonial-patriarcal é tão agressivo e tão barulhento que nos falta tempo! [...]. Trechos da entrevista Materialist Ecofeminism (Capire, 2025), concedida pela socióloga australiana Ariel Salleh, que escreve sobre relações entre humanidade e natureza, ecologia política, movimentos de mudança social e ecofeminismo: A fotossíntese foliar à luz solar impulsiona o ciclo hidrológico da Terra enquanto retira carbono da atmosfera. Essa análise do clima é precisamente o oposto do que afirmam os agricultores industriais e os fabricantes de alimentos falsificados. Diferentemente da lógica dos aproveitadores e mecanófilos, a chave para curar "o metabolismo do clima" é a água – a corrente sanguínea do planeta. Uma ciência relacional reconhece a influência de múltiplos processos vitais na condução da circulação de resfriamento da Terra, dos ciclos hídricos locais e globais. Biosfera e atmosfera são uma só. Ela é autora dos estudos Ecofeminismo (2017), Ecofeminismo como sociologia (2019) e Teorias e lutas feministas marxistas hoje: escritos essenciais sobre interseccionalidade, trabalho e ecofeminismo (2019), entre outros. Veja mais aqui & aqui.

 

A ARTE DE JULIANA XUCURU

Na nossa infância indígena, a arte é fundamental e está presente desde cedo...

Pensamento da artista visual, ativista e pesquisadora indígena Juliana Xucuru, do povo Xukuru de Cimbres, com graduação e mestrado em Artes Visuais, pela UFPB e UFPE. Sua obra se insere a partir da virada decolonial, questionando referenciais hegemônicos eurocêntricos impostos pela invasão colonial sobre as terras indígenas de seu povo e outras etnias; principalmente do Nordeste do Brasil. Os modos de vida em interação com a natureza sagrada e os encantados de luz, princípios da cosmovisão indígena de seu povo Xukuru, e os deslocamentos forçados das mulheres indígenas, bem como as formas de trabalhos análogas à escravidão, são temas constantes em seus trabalhos artísticos. Com sua arte ela recupera referenciais artísticos tradicionais de seu povo, por meio de sua presença corpo- mulher- território Limolaygo Toype, em lugares ainda pouco ocupados pela presença das mulheres indígenas e seus saberes ancestrais. Veja mais aqui.

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CANTALICE E A CIDADE DAS LARANJAS DE BRENDA MAR(QUE)S PENA

Acontecerá no próximo dia 14 de setembro, na Terceira Feira: encontro de literaturas das margens do mundo, Diamantina – MG, o lançamento do romance Cantalice e a Cidade das Laranjas (Infame Ruído, 2025) da escritora ativista-imersiva-poeta-baterista-jornalista, Brenda Mar(que)s Pena, contando a história de uma mulher que luta pela liberdade e justiça em uma cidade provinciana, com memórias e encontros de coragem, resistência, na busca por um futuro melhor em meio à escuridão de um período de guerras e conflitos, relembrando da importância de abraçar a diversidade, valorizar o diálogo e trabalhar por um mundo mais justo. Veja mais aqui.

 

ITINERARTE – COLETIVO ARTEVISTA MULTIDESBRAVADOR:

Veja mais sobre MJ Produções, Gabinete de Arte & Amigos da Biblioteca aqui.


 


NEIGE SINNO, ARIEL SALLEH, MARÍA NEGRONI, JULIANA XUCURU & BRENDA MARQUES PENA

    Imagem: Acervo ArtLAM . Não acredito que as poucas mulheres que alcançaram grandeza no trabalho criativo sejam exceção, mas acho que a...