Não acredito que
as poucas mulheres que alcançaram grandeza no trabalho criativo sejam exceção,
mas acho que a vida tem sido difícil para as mulheres. Não lhes deu
oportunidade, não as tornou convincentes. Uma mulher não tem sido considerada
uma força de trabalho no mundo, e o trabalho que seu sexo e suas condições lhe
impõem não foi ajustado a ponto de lhe dar um pouco mais de espaço para o
desenvolvimento de sua melhor versão. Ela tem sido prejudicada e apenas
algumas, por força das circunstâncias ou força inerente, conseguiram superar
essa desvantagem. Não existe sexo e arte. Gênio é uma qualidade independente. A
mulher do futuro, com sua perspectiva mais ampla e suas maiores oportunidades,
irá longe, acredito, em trabalhos criativos de todos os tipos...
Pensamento da
compositora e pianista francesa Cécile Chaminade (Cécile Louise
Stéphanie Chaminade – 1857-1944), ao som do Concertino for Flute (Sanders
Theater, Harvard University, Cambridge, Massachusetts, 2015 - Boston
Philharmonic Youth Orchestra, Hayley Miller in flute, Benjamin Zander, conductor)
e Suite Callirhoë, Op. 37 (Orquesta Juvenil Universitaria Eduardo Mata,
Gustavo Rivero Weber, director Sala Nezahualcóyotl, CCU 2022). Veja mais aqui
& aqui.
Entrevista com o sicário fantasma... - Na regra de uma, lá se vão duas, depois de três pra mais de quatro, das
coisas quase sequer terem fim! Hehehe. Esse era o prefixo na chegada do Zé
Puliça, ao largar do expediente noturno pro café matinal no pavilhão de Pedim do Padre. Chegava com seu ar de caboclo do pé de serra, criado na beira de
rio ligeiro, atarracado no seu quase metro e meio de estatura, fala mansa de
alerta, impávido quasímodo, com mastigado num palito de dentes pelo canto da
boca e o olhar de soslaio pra todo mundo. Era naquela hora somente que se dava
aos gracejos. No mais era inabalável, devagar do dizer, jeito imperturbável, quase
silencioso, ladino. Na sua face a experiência de quem estreou na vida pelos
canaviais, corte da cana. E se fez vaqueiro de aboiar lonjuras, de se danar pela
Serra da Preguiça, atrás do Rabicho da Geralda, que bebia água no riacho
Agudo, da Várzea do Cisco. Foi ele quem amansou o malvado turino Pintadinho, na
lagoa das Mofadas. Depois meteu-se num remoinho agitado pra pegar de mão o
indomável Jauaraicica. Foi peleja, viu? Depois dessa casou-se primeiro
com uma burrinha de padre, achada no meio do caminho e, nos achegados,
ela desencantou fogosa. Nem demorou muito e enviuvou. Solitário deu de
engrossar as fileiras dos cabras de Lampião, arribando pariceiro do
valente Rio Preto, a trocar loas com o topetudo André Tripa, nas farras com
Cabeleira e Teodósio e, mais que azogado, viu os milagres da braúna de Conselheiro.
Sua fama cresceu de mesmo no dia que um tal de Zé Branquelo, apelidado de Hulk
Branco, terrível estuprador gigante escapulia da lei. Quanto me dá preu trazer
a cabeça desse safado? Tudo acertado e dias depois lá estava ele: Eu dei voz de
prisão, ele não quis se entregar; trouxe a fim da força, taí! E sacudiu a
cabeça do libertino no birô do delegado. Susto da pêga, da autoridade quase
cagar-se todo! Que é isso, rapaz, cadê as mãos dele? Ah, esqueci as chaves das
algemas em casa, não queria perdê-las; mas as digitais do desgraçado estão
aqui, tome! Pode conferir se é ele mesmo! E era. A partir disso, onde tivesse meliante
odiado ou foragido com a cabeça a prêmio, lá estava ele na caça ao ganso - bastava
suspeitar, nem estouvava, resolvia. Assim caçou Megalodon, Tiranossauro,
resolveu o caso Taylor v. Taintor, desbaratou uma rede de camicases, enfrentou
fera na Oração da Cabra Preta, numa encruzilhada para tirar tudo a limpo;
desfeitou em pleno natal um cabuloso que queria lhe enrolar com chá de heléboro
negro: Quer me envenenar, fidapeste? Cada uma, hem? Nunca trastejou da coragem
diante de alças de mira, garras de bicho, encarou obstáculos, pegou malfeitores
na curva do desvio, detonou de véspera um bocado de homem-bomba que apareceu. Só
isso? Pra ele: Só poltronice! Ah, assim o senhor acaba com a humanidade! Comigo
é assim: Corro pro perigo, cerro os punhos e o enfrento o sopapo! Por causa
disso conheceu o Agente 114, caçador de bandidos, o tal do Jonah Hex, ocasião
em que flertou e se ajeitou num caso íntimo com a gringa bonitona Domino Harvey.
Quando ela partiu, ele foi pegar o dragão da Caverna dos Suspiros e
tomou pra si os tesouros do Pirata. Ali viu de longe a Alamoa, na Porta
do Pico, e com ela casou-se numa sexta-feira do Espinhaço do Cavalo. Mas tinha
de voltar e ela não quis. Pegou a Nau Catarineta e foi dar na Cova da Serpente de Asas, no Serrote da Lapa. Lá tomou um guizo e uma pena da bicha ruim,
além de ganhar uma carranca do alcoviteiro Caboclo D’Água, que
arrumou pra ele um romance tórrido com a Siana Branca de Correntina. No
meio da função descabelada, deu uma ventania repentina e ele se viu atracado
com o devorador ciclope Labatut, tendo de pegá-lo na marra pela munheca e
sair montado na Cabra Cabriola pra caçar o Carneiro de Ouro, lá
na Furna dos Morcegos. Ao capturar o caprino apareceu logo uma jiboia e ele agarrou-se
com ela de desencantá-la: era uma princesa frochosa, com quem juntou as
catrevagens por um bom bocado de tempo. Tome trupé! E agora? Hoje vivo de
apaziguar a noite deste fim de mundo! Acha pouco? Escreva aí: Fim de valentão é
cadeia, bala quente e peixeira fria! “Pecador repara que há de morrer”.
Há de valer confissão, senão num salva! Não vim praquí só pra contar hestória. Enfrentei
quantos ariscos mandacarus de fogo, vali-me do Justo Juiz, não fosse
minha devoção, já tinha emborcado faz tempo. Sou o verdadeiro de muitas cópias.
Fiz poucos amigos porque não quiseram e também porque não quis. É preciso
refazer a humanidade de outro modo: está tudo perdido. Somente parvos, quanta
maluquice, Deus meu! Eu sou assim, o mundo assado. E era só vê-lo sentado no
tamborete lá na frente da prefeitura, desavindo, com sua jaqueta puída, de
relance no bolso o distintivo de detetive, assoprando uma música lúgubre no
pente enrolado em papel de cigarro: uma balada de morte. Que bicho mora dentro
de mim? Ainda outro dia soube dele agarrado num fuá da peste com a Mulher da Sombrinha. Coisa dele mesmo. Todo mundo tremia, de considerá-lo às
escondidas um duende desumano, um sátiro impiedoso, o deslavado monstro do
silêncio, um vilão inumano ou algo parecido. Deus me defenda! Culpa tinha? Mais
diziam amiúde que ele vasculhava os escondidos só por perversão. Tornou-se
agonia do povo, um pária. E ele: Não quero esse veneno, morro de fome; minhas
muitas vidas valem cada uma das minhas tantas mortes: para cada medo uma
coragem equivalente, não levo ignominia pra casa. Era seu desencanto na sua
impiedosa careta só pra assustar: Não acredito em mais ninguém nem em nada. Tudo
é tão crepuscular... Morreu por vontade própria, como quem foi cagar no mato a
cochilar sonhando vigia dos vivos. Até mais ver.
Alice Walker: Ninguém é seu amigo se exige seu silêncio ou nega seu direito de crescer... A maneira mais comum de as pessoas desistirem do seu poder é pensar que não têm nenhum... O que a mente não entende, ela adora ou teme... Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.
Hilary
Mantel: Se
você ficar preso, afaste-se da sua mesa. Dê uma caminhada, tome um banho, vá dormir,
faça uma caminhada, desenhe, ouça música, medite, faça exercícios; faça isso,
não fique aí parado, olhando feio para o problema. Mas não faça ligações nem vá
a festas; se fizer isso, as palavras de outras pessoas vão jorrar onde as suas
palavras perdidas deveriam estar. Abra um espaço para elas, crie um espaço.
Seja paciente... Veja mais aqui.
Katherine
Mansfield:
Estabeleça como regra de vida nunca se arrepender e nunca olhar para trás.
O arrependimento é um terrível desperdício de energia; não se pode construir
sobre ele; só serve para se afundar... Veja mais aqui, aqui & aqui.
A CULTURA DO PAÍS
Imagem: Acervo ArtLAM.
Alteridade \ esse
medo \ que ficou \ escondido na infância \ rouba do que serão \ sensações
remotas \ Pior que isso, ele come \ coisas \ que nem vê. \ late \ até não
existir mais \ mas um espelho lascado \ onde minha vida ainda é \ feita e
contemplada \ e então \ - se houvesse um depois - \ ergue um bastião de
palavras \ entre uma língua estrangeira \ e a própria estranheza \ Não sei
porque \ essa ferida não me atinge.
II - 0,0016
quilômetros de palavras \ confinadas em um poema \ maneira curiosa de dizer que
\ um homem caminhou pela morte \ formas \ ligeiramente arrependidas cruzaram-no
\ graduações \ do que ele não tinha \ o ar \ que \ o mundo inala a cada minuto \
cada vez que sente falta de si mesmo \ o resto \ era aritmética superior \ sabendo
cair e não cair, evaporar \ como uma ferida transparente.
Poema da
escritora e tradutora argentina María Negroni. Veja mais aqui, aqui
& aqui.
TRISTE TIGRE - [...] É verdade que ninguém [...] tinha
visto o que nós, as crianças e minha mãe, víamos em casa, onde ele se
comportava como um tirano. E é isso que se destaca acima de tudo nessa
personalidade: alguém que não suporta contradições, que precisa sempre ter
controle sobre tudo, que decide, monitora, pune e que nunca compartilha o poder.
[...] O que há de libertador na literatura é que ela nos oferece acesso a
algo maior do que nós mesmos. Maior do que a nossa dor, maior do que a nossa
experiência pessoal, maior do que a intensidade de que falei. Descobrir a
literatura é como ter acesso a um mundo de risco extremo, de encontros com a
enormidade da vida e da morte, mas em um plano diferente. Pode ser um consolo.
Uma forma de consolo, mas nunca o suficiente para salvar uma pessoa. [...] Com uma criança, a porta está sempre
escancarada. Uma criança não pode abrir ou fechar a porta do consentimento. Não
consegue chegar à maçaneta. Simplesmente, não está ao seu alcance [...] Posso dizer que
fiquei feliz, que nós ficamos felizes. Ninguém pode tirar a chuva de verão de
nós. [...]. Trechos extraídos da obra Triste tigre (2023), da escritora francesa Neige Sinno, autora de obras como A Vida dos Ratos (2007) e Le Camion (2018).
ECOFEMINISMO
MATERIALISTA - [...] Ecofeministas materialistas estão falando sobre condições
econômicas-biológicas-biofísicas radicais da vida [...] Nos últimos
anos, o capitalismo intensificou sua penetração em todos os aspectos da vida
cotidiana, como a proeminência dos grandes bancos ou a tendência à
digitalização. Os bancos estão comprando enormes quantidades de terras
agrícolas ao redor do mundo para uso em tecnologias agrícolas experimentais,
como sementes híbridas geneticamente modificadas. Mas a terra para o cultivo de
alimentos é a base do sustento das pessoas. É claro que, se você olhar além do
capitalismo, encontrará o patriarcado. No sistema
patriarcal-colonial-capitalista, a forma originária e mais antiga de poder é a
dominação dos homens sobre as mulheres. Em seguida, vem a colonização, invadindo
a terra e se apropriando dos recursos de outros povos. Finalmente, a forma
econômica capitalista emerge da colonização e é relativamente moderna, com
apenas algumas centenas de anos. É importante ver esses três sistemas como
sistemas concorrentes, emaranhados e que se reforçam mutuamente. O próprio
capitalismo não funcionaria sem as energias patriarcais que o impulsionam.
Essas energias são aprendidas e incorporadas nos homens e expressas em práticas
sociais e econômicas. Observando os três sistemas, cada um tem vários níveis –
do inconsciente às ações cotidianas, às estruturas políticas e à ideologia.
[...] A natureza passa pelos corpos, que, uma vez mortos, retornam para
fertilizar a Terra. Então, sim, foi uma alegria aprender sobre o sentido
relacional de "corpo-território" das mulheres latino-americanas. [...]
Um ecofeminismo materialista combina uma resposta feminista, descolonial e
socialista ao colapso ecológico do século XXI. Buscamos um Pluriverso –
como diz o movimento zapatista, um mundo onde muitas culturas autônomas
coexistem. Já mencionei a agricultura comunitária de mulheres chinesas, e há
iniciativas semelhantes de Rojava ao Equador. O Pluriverso descreve uma
variedade de modelos para viver a sustentabilidade – e no final do livro há um
convite para se tornar ativo e participar da Tapeçaria Global de Alternativas,
algo que Ashish Kothari e colegas na Índia estão coordenando. Coisas boas estão
acontecendo – só que o sistema-mundo do capitalismo colonial-patriarcal é tão
agressivo e tão barulhento que nos falta tempo! [...]. Trechos da
entrevista Materialist Ecofeminism (Capire, 2025), concedida pela
socióloga australiana Ariel Salleh, que escreve
sobre relações entre humanidade e natureza, ecologia política, movimentos de
mudança social e ecofeminismo: A fotossíntese
foliar à luz solar impulsiona o ciclo hidrológico da Terra enquanto retira
carbono da atmosfera. Essa análise do clima é precisamente o oposto do que
afirmam os agricultores industriais e os fabricantes de alimentos falsificados.
Diferentemente da lógica dos aproveitadores e mecanófilos, a chave para curar
"o metabolismo do clima" é a água – a corrente sanguínea do planeta.
Uma ciência relacional reconhece a influência de múltiplos processos vitais na
condução da circulação de resfriamento da Terra, dos ciclos hídricos locais e
globais. Biosfera e atmosfera são uma só. Ela é autora
dos estudos Ecofeminismo (2017), Ecofeminismo como sociologia (2019)
e Teorias e lutas feministas marxistas hoje: escritos essenciais sobre
interseccionalidade, trabalho e ecofeminismo (2019), entre outros. Veja
mais aqui & aqui.
A ARTE DE JULIANA XUCURU
Na nossa infância indígena, a arte é
fundamental e está presente desde cedo...
Pensamento da artista visual, ativista e
pesquisadora indígena Juliana Xucuru, do povo Xukuru de Cimbres, com graduação
e mestrado em Artes Visuais, pela UFPB e UFPE. Sua obra se insere a partir da
virada decolonial, questionando referenciais hegemônicos eurocêntricos impostos
pela invasão colonial sobre as terras indígenas de seu povo e outras etnias;
principalmente do Nordeste do Brasil. Os modos de vida em interação com a
natureza sagrada e os encantados de luz, princípios da cosmovisão indígena de
seu povo Xukuru, e os deslocamentos forçados das mulheres indígenas, bem como
as formas de trabalhos análogas à escravidão, são temas constantes em seus
trabalhos artísticos. Com sua arte ela recupera referenciais artísticos
tradicionais de seu povo, por meio de sua presença corpo- mulher- território
Limolaygo Toype, em lugares ainda pouco ocupados pela presença das mulheres
indígenas e seus saberes ancestrais. Veja mais aqui.
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CANTALICE E A CIDADE DAS LARANJAS DE BRENDA
MAR(QUE)S PENA
Acontecerá no próximo dia 14 de setembro, na
Terceira Feira: encontro de literaturas das margens do mundo, Diamantina – MG, o
lançamento do romance Cantalice e a Cidade das Laranjas (Infame Ruído,
2025) da escritora ativista-imersiva-poeta-baterista-jornalista, Brenda
Mar(que)s Pena, contando a história de uma mulher que luta pela liberdade e
justiça em uma cidade provinciana, com memórias e encontros de coragem,
resistência, na busca por um futuro melhor em meio à escuridão de um período de
guerras e conflitos, relembrando da importância de abraçar a diversidade,
valorizar o diálogo e trabalhar por um mundo mais justo. Veja mais aqui.
ITINERARTE –
COLETIVO ARTEVISTA MULTIDESBRAVADOR:
Veja mais sobre
MJ Produções, Gabinete de Arte & Amigos da Biblioteca aqui.