sábado, janeiro 10, 2015

HILARY MANTEL, GLORIA DÜNKLER, SILVINA OCAMPO, BEATRIX POTTER & SALUSTÉRIO

 


O VELÓRIO DO ARRUADO - Salustério o que tinha de firme, tinha de certo e certeiro. Dito dele ninguém apagava: tudo no tanto, nos conformes. Tinha duas paixões: jogar e fazer filhos. Jogava de tudo e se gabava de nunca usar da trapaça. Isso era. Fosse de taco, palitos, cartas, pedras, até pulhas: ninguém tinha fôlego para superá-lo, sua peta a mais cabeluda. Até do estrangeiro aparecia desaforados. E todos desbancados por sua perícia na volta da empáfia. Tudo com ele era no apostado. E foi assim que amealhou na vida uma bodega sortida de construir um arruado só dele, de casinhas uniformes, só pra ele e os seus. Tudo que ganhou e possuía foi oriundo do jogo. Já os filhos, quatro com a primeira, cinco com a segunda, dois com a terceira, três com a quarta e quatro com a quinta. Tudo criado no tanto e no justo: criação, comida, estudo, pé de meia e casa pro casório. Quando os três últimos caçulas nasceram, os quatro mais velhos já estavam casados e logo criados no amontoado duns e doutros. Tudo de seu, na volta da munheca, no bafo do fiapo de bigode. As esposas foram trocadas quando não mais lhe serviam, nem davam mais no caldo ou demoradas de emprenhar. Todas substituídas por mais novas, evidentemente. Apesar de bastante austero nunca foi sovina: vendia no preço e peso certo, nada de fiados. Tinha uma freguesia certa que ele fazia exceção em valsas semanais, quinzenais ou mensais. Quando dava por falta de um desses prediletos, logo visitava o sumido e, se tivesse em situação de dificuldade, dispunha de feira e necessários até que o enfermo saísse do aperto. Mas se tivesse se escondendo, era catabi no pau da venta cobrando vergonha na cara. Apesar de estibado aos equilíbrios, guardava um desgosto: os filhos cresciam e passavam a não se dar. O mais velho casou-se e, por artes do destino, intrigou-se do irmão encostado e, assim, se sucedeu a um por um dos seus descendentes com as devidas esponsais. Até o dia que chamou todos na grande pelo aperreio, teve um troço e bateu as botas. Só a viúva resistiu embuchada do décimo nono de sua prole, devota fiel à toda prova, como todas as outras abandonadas que, mesmo depois de descartadas, jamais convolaram novas núpcias. Na hora do velório foram chegando vizinhos e achegados, filhos e simpatizados. A viúva sozinha amargava no canto. As outras viúvas deram as caras, cada qual paparicada pelos de seu no maior pé de briga, não respeitaram nem o falecido. Pra piorar uma chuva torrencial despencava para contê-los todo na sala. Ia se apaziguando como podia até o estouro da boiada de um instante pro outro e a coisa se descabelou: bastou um dos filhos debulhar queixume que o escarcéu tomou conta, com deixa disso e puxa-encolhe. A chuvarada mais engrossou o pandemônio e nem notaram as águas do rio subindo, invadindo a ruela, daí a pouco sala adentro e cada um procurava o lugar mais alto, sem dar mão a torcer na arenga. Calúnias e impropérios soavam enquanto tudo ia sendo alagado. No calor dos desaforos foi que deram fé que a enchente levara o caixão e todos timbungaram para salvar o defunto que descia correnteza afora e nunca mais deram sinal de vida. Pronto, parecia um santo remédio pra discórdia. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 


DITOS & DESDITOS - Que céu pode ser mais real do que reter o mundo espiritual da infância? Graças a Deus nunca fui mandado para a escola; teria apagado um pouco da originalidade. Com oportunidades o mundo é muito interessante. Graças a Deus tenho o olho que vê, ou seja, enquanto estou deitado na cama posso andar passo a passo pelas colinas e terrenos acidentados vendo cada pedra e flor e pedaço de pântano e algodão passar onde minhas velhas pernas nunca chegarão eu de novo. Não posso descansar, tenho que empatar, por pior que seja o resultado, e quando passo por um mau momento, o desejo é mais forte do que nunca. Quanto mais curto e claro, melhor. Eu odeio terminar livros. Eu gostaria de continuar com eles por anos. Pensamento escritora e ilustradora Beatrix Potter (1866-1943). Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

ALGUÉM FALOU: Como a vida seria curta se certos momentos desagradáveis não a fizessem parecer interminável! Superficialmente, não há distinção entre as nossas experiências – algumas são vívidas, outras opacas; alguns são agradáveis, outros causam agonia ao relembrar – mas não há como saber quais são sonhos e quais são realidade. Ele te ama como se você me pertencesse, sem registrar que ninguém é de ninguém, que possuir algo, qualquer coisa, é um sofrimento vão. Pensamento da escritora argentina Silvina Ocampo (1903-1994). Veja mais aqui e aqui.

 

DE AUSÊNCIA & OUTRAS COISAS - [...] É a ausência de fatos que assusta as pessoas: a brecha que você abre, na qual elas despejam seus medos, fantasias, desejos. [...] Algumas dessas coisas são verdadeiras e algumas delas mentiras. Mas são todas boas histórias [...] É muito bom planejar o que você fará em seis meses, o que fará em um ano, mas não adianta nada se você não tiver um plano para amanhã [...] Fortaleza... Significa firmeza de propósito. Significa resistência. É ter força para conviver com o que te constrange [...]. Trechos extraídos da obra Wolf Hall (Picador, 2010), da escritora e crítica literária britânica Hilary Mantel (1952-2022).

 

TRÊS POEMAS - [MEU TRABALHO É CONSTRUIR] - Meu trabalho é construir, ligar os motores, \ partir e não voltar atrás.\ A miséria despediu-se de mim\ agitando o lenço ao vento\ e compreendi então que o meu destino era triunfar.\ Foi segurar esperanças amarradas ao cinto,\ remar em busca da sua margem,\ semear o poema e deixá-lo brotar. [À TARDE ANDÁVAMOS NOS TELHADOS] - À tarde ficávamos nos telhados para ouvir o cóclea de galinhas atacadas pelo puma, ou as queixas de uma ovelha perdida. Superado pela selvageria desta terra que se perpetuou além do que Nossos esforços nunca seriam suficientes. saboreando o show da lua redonda e doce, aquela panqueca como o seio de uma mãe, como um gole de cerveja, como a perna de uma boa mulher, cantamos bêbados e exausto, discutindo as notícias que vieram de a pátria. [AS TERRAS DE LLAFENKO] As terras de Llafenko nunca foram um Éden como eram ele nos contou. As pegadas estavam cobertas de espinhos; chuvas e os ventos eram devastadores, caprichosos e a charneca Ele fechou suas entranhas para semear. Frutas silvestres e ovelhas pastando nos prados recusaram-se a deixar seus cativeiro; A floresta não se deixou derrubar e os rios Eles abriram caminho com mais fúria. As terras Llafenko foram um labirinto de segredos, um enxame de perguntas sem respostas. Poemas da premiada escritora chilena Gloria Dünkler.

 

SACADOUTRAs

 

Imagem: Mystic flowers I Tempera on cardboard, da artista plástica Nina Kozoriz. Veja mais aqui e aqui.

Ouvindo: Slaves Mass, álbum de 1977, do compositor, arranjador e multi-instrumentista alagoano, Hermelo Pascoal. Veja mais aqui e aqui.

O SEGREDO DA VIDA DE BEETHOVEN – O gênio da música, o compositor alemão Ludwig van Beethoven (1770-1827), em mais um momento de profunda inspiração, falou a respeito do segredo da vida: Feliz aquele que, tendo aprendido a dominar todas as paixões, emprega sua energia no cumprimento das tarefas impostas pela vida sem se preocupar com o resultado. O objetivo do teu esforço deve ser a ação, e não aquilo que ela produzirá. Não sejas um daqueles que, para agir, necessita do estímulo representado pela esperança da recompensa! Não deixes teus dias se evanescerem na indolência. Sê trabalhador e cumpre com teu dever sem te inquietares com as consequências, sejam elas bons ou maus produtos; essa indiferença atrairá tua atenção para as considerações espirituais. Busca refugio apenas na sabedoria, pois apegar-se aos resultados causa infelicidade e sofrimento. O verdadeiro sábio não se ocupa daquilo que é bom ou mão no mundo. Pensa sempre nessa direção: eis o segredo da vida! Veja mais aqui, aqui e aqui.

EM BUSCA DA MEMÓRIA – Em um dos seus livros, Em busca da memória: o nascimento de uma nova ciência da mente, o neurocientista austríaco Eric Richard Kandel fala da maravilha que é a faculdade de lembrarmos do que nos ocorreu na vida, destacando a nova revolução científica acerca dos estudos da mente. Ele destaca no início da obra que: A memória sempre me fascinou. Pense no que ela é capaz de nos proporcionar. Podemos nos lembrar, por vontade própria, de nosso primeiro dia de aula na escola secundária, de nosso primeiro encontro, de nosso primeiro amor. Ao fazer isso, não nos recordamos somente do evento em si, mas experimentamos também a atmosfera em que ele ocorreu — os cenários, os sons, os cheiros, o ambiente social, o momento do dia, as conversas e o clima emocional. Recordar o passado é uma forma de viagem mental no tempo. Ela nos liberta dos limites temporais e espaciais e permite que nos movamos livremente ao longo de dimensões completamente outras. Veja mais aqui e aqui.

LINDA LOVELACE – A atriz norteamericana Linda Susan Boreman tornou-se famosa com o nome artístico de Linda Lovelace (1949-2002), ao protagonizar o filme Deep Throat, em 1972 – um filme que se fez maravilhoso no imaginário da minha adolescência: é que nessa época eu tinha apenas meus 12 anos de idade e sob a petulância de um bigodinho ralo embaixo da venta que me dava a empáfia de um adulto precoce que não tinha tirado ainda nem a catinga do mijo, consegui burlar os porteiros e me deliciar com as cenas desse clássico do erotismo (ou pornográfico? Qual a distância entre o erótico e o pornográfico? Um cabelinho de sapo. Cada um com seu olhar e fim de papo: cada qual, cada qual. Enfim, por causa desse filme, Linda foi regia e devidamente homenageada nos meus prazeres solitários noitedias). E depois vieram outros tantos filmes que culminaram no lançamento de uma autobiografia Ordeal contando sua atribulada vida de sucesso e decadência. Mãe de dois filhos, vítima de uma série de problemas de saúde e de muitos altos e baixos, tornou-se uma ativista ferrenha contra a indústria pornográfica, até morrer de um acidente de automóvel. Sua vida trágica foi transformada num filme em 2013, o Lovelace, dirigido por Rob Epstein e Jeffrey Friedman, e estrelado pela lindíssima Amanda Seyfried numa atuação, a meu ver, fenomenal. Como já dizia Caetano Veloso: “Cada sabe a dor e a delícia de ser o que é”. Veja mais aqui e aqui.


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