quarta-feira, janeiro 21, 2015

MARY O'MALLEY, KAMILA SHAMSIE, GERDA TARO & LINA WERTMÜLLER

 


GERDA SORRI NO MEU CORAÇÃO... - Aquela pequena sorridente, uma judia charmosa e bela tão corajosa era Gerta de Stuttgart: uma pequena ruiva com seu sorriso cativante e modos para lá de confiantes. Oriunda de uma família judia que foi pra Leipzig, logo foi presa por distribuir material antinazista: colava cartazes de propaganda comunista nas paredes, sob o manto da escuridão. Ao ser libertada, ela usou um passaporte falso para viajar por terra até Paris, onde foi cuidada por uma rede comunista. La pequeña rubia teve que deixar sua casa e nunca mais voltou. Adotou o nome Taro – homenagem à Tarō Okamoto e Greta Garbo – e suas fotos passaram a resplandecer no Ce Soir já contrariavam a propaganda nacionalista. Foi enfrentar o fascismo com viagens à Espanha para documentar combates: tinha um fascínio e empatia pelo sofrimento do povo espanhol. Foi ali que começou a desenvolver um estilo próprio de fotografar, construía sua carreira recusando-se ao casamento. Deveria retornar à França, mas não: estava lá na linha de frente da guerra, a brutalidade da Guerra Civil Espanhola: bombas caíam do céu e aviões metralhavam o solo e ela desejava tirar as fotos mais dramáticas que pudesse, razão pela qual se colocava sempre em risco, situações altamente perigosas. Fugia das perseguições e lutava para conseguir trabalho. Tirava o maior proveito de si mesma: um agudo sentimento de exílio no seu radicalismo. Autorreinventava-se com imprudência e bravura na carreira pelas linhas de batalha, movida por uma mistura de humanidade e compromisso político, uma compreensão astuta. Numas férias curtas dançou o Dia da Bastilha nas ruas abaixo do Sacré Coeur, traçando planos pro futuro. Regressou sozinha à Espanha desafiando a proibição de jornalistas viajarem para o front. Tudo era possível: amar, se arriscar, viver. Contava apenas com 26 anos, capturava a carnificina escondida nas trincheiras enfrentando uma batalha perigosa e, num retiro em Brunete, a guerra a consumiu: um tanque a esmagou e ela não deveria estar lá. A heroína sucumbiu, a anarquista se calou, a pioneira partiu. As suas fotos deste dia foram todas perdidas e ela quase esquecida, suas conquistas foram desvanecidas. Os negativos da cronista visual da guerra esquecidos por muito tempo na Mala Mexicana. Veja mais abaixo e mais aqui e aqui.

 


DITOS & DESDITOS - Sinto-me confiante em mim mesma. Eu me comporto com equilíbrio, sem medo... Quando você pensa em todas as pessoas boas que nós dois conhecemos que foram mortas mesmo em uma ofensiva, você tem uma sensação absurda de que de alguma forma é injusto ainda estar vivo. Tenho fotos fantásticas, tenho champanhe, vamos dar uma festa. Eles cuidaram da minha câmera?... Últimas palavras da fotógrafa, jornalista e anarquista alemã Gerda Taro (Gerta Pohorylle – 1910-1037), a primeira mulher fotojornalista a morrer enquanto fazia cobertura de guerra. Veja mais aqui e aqui.

 

ALGUÉM FALOU: Amar é estar engajado, é trabalhar, é estar interessado, é criar. Se amo algo eu faço, e se não amo, não faço. Acho que esta é a escolha mais importante que qualquer um de nós pode fazer na vida, na arte, na história: fazer aquilo que amamos. Se você ama, é importante. Se você ama isso, enquanto faz isso, você é uma verdadeira expressão de si mesmo, de seu tempo e de sua história. Você é autêntico. Se você não ama isso, você trai não apenas a si mesmo, mas também a sua história, a sua cultura, a sua posição na sociedade. Sinto que as regras são feitas para serem quebradas, principalmente na arte! Prefiro a desordem criativa a regras rígidas. O importante não é que você tenha uma derrota, mas como você reage a ela. Sempre existe a possibilidade de transformar uma derrota em outra coisa, algo novo, algo forte. Todas as boas histórias, todas as pessoas que lembramos são aquelas que fazem isso, que fazem vitórias com seus fracassos. Porque as vitórias não ensinam nada. As vitórias não são úteis. Muitas vezes são perigosos. Quando você pode usar palavrões em todas as situações com todos, isso é uma grande libertação. Pensamento da cineasta italiana Lina Wertmüller (Arcangela Felice Assunta Wertmüller von Elgg Spanol von Braucich  - 1928- 2021), diretora de filmes como Peperoni ripieni e pesci in faccia (2004), Ferdinando e Carolina (1999), Ninfa plebea (1996), Io speriamo che me la cavo (1992), In una notte di chiaro di luna (1989), Imago urbis (1987), entre tantos outros. Veja mais aqui.

 

CARTOGRAFIA - [...] Por um segundo, quase fiquei com ciúmes das nuvens. Por que ele estava olhando para elas como uma fuga quando eu estava bem aqui ao lado dele? [...] A definição dela de romance era intimidade distraída, a maneira como a mão de outra pessoa se desvia para o seu prato de comida. Eu respondi: não, isso é apenas amizade; romance é sempre saber exatamente onde estão as mãos dessa outra pessoa. Ela sorriu e disse, houve um tempo em que eu também pensava assim. Mas no cerne do romance está o conhecimento de que essas mãos podem vagar para outro lugar, mas de alguma forma, por sorte, destino ou tateando às cegas, elas encontrarão um caminho de volta para você, e talvez você seja inteligente o suficiente para ser grato por tudo o que ainda é possível, apesar de suas próprias fraquezas - e as dele [...] Você tem essa habilidade de encontrar beleza em lugares estranhos. [...] Eles adoram você porque acham que você oferece sua amizade e não pede nada em troca. Mas isso não é verdade-' Ele respirou fundo. 'Você pede alguma coisa. Você pede que nunca esperemos que você precise de nós. [...]. Trechos extraídos da obra Kartography (Harper Paperbacks, 2004), da escritora paquistanesa Kamila Shamsie, que no livro Broken Verses (Harper Paperbacks, 2005), expressa que: [...] Não há mistério algum-- essa é a beleza disso. Somos inteiramente explicáveis um ao outro, e ainda assim ficamos. Que milagre é esse. [...]. No livro Salt and Saffron (Bloomsbury, 2001), ela traz: [...] Que horror é aquela manhã quando você acorda e seu primeiro pensamento não é sobre a pessoa que foi embora. É quando você sabe, eu nunca vou morrer de um coração partido [...] Decisões. Onde, o quê, por quê. Não consigo lidar com elas. Então, estou prolongando a indecisão com o ensino superior. [...]. Por fim, no livro Burnt Shadows (Bloomsbury, 2009), ela expressa que: [...] Tantas coisas que você promete a si mesmo que não vai se acostumar, e então se acostuma. [...], como também é autora da frase: Deveríamos ter histórias em comum, eu me peguei pensando. Deveríamos ter histórias, e piadas que ninguém entende, e memórias que sabemos que permanecerão vivas porque nenhum de nós deixará o outro esquecer.

 

DOIS POEMAS - SEGURANDO ROSA - O corpo não deseja ficar desimpedido. \ O braço quer que a criança se afaste \ da panela fervendo. Sinto falta: da sua fúria \ estridente como paramilitares juniores, \ das suas queixas extravagantes, do seu sono sem fundo. \ Sinto principalmente falta de seus pequenos corpos, \ doces como sorvetes de verão, como frutas silvestres. \ Podemos nos separar do mar e viver. \ É como superar uma gagueira ou um carrapato. \ Ao ensinar diariamente novos hábitos ao corpo, \ os planetas são persuadidos a sair de órbita. \ Em segundos tudo está desfeito. Segurar Rosa \ em um hotel em Dublin é dormir \ em uma casa na praia e acordar \ com o mesmo som. A doca magnética \ da criança ao quadril, da terra à lua, tempo roubado. O RETRATO - Eu não fui sempre assim. Aprendi \ a compostura da maneira mais difícil. Essas não eram cores \ que eu usava até que ele me vestisse. Eu sou a favor do monótono. \ Não é semelhança, é mais minha mãe ou uma irmã. \ Ele alongou meu rosto. Ele me pintou antes, \ linhas tensas e nítidas, meu rosto cortado como uma jóia \ Em um triângulo rígido, um brilho inquieto de índigo, \ vermelhão. Quando ele descobriu a tela, senti \ como quando me peguei no espelho \ e era o rosto dela. O estranho é que eles nunca se conheceram. \ Está nos ossos, disse ele, como uma doença. \ Somos a casa um do outro agora e me abraçamos a noite toda. \ Existem vidas piores. Ele me chama de companheiro \ de sua alma. Claro que ele trai modelos, \ mas um dos consolos da idade é um casamento sólido. \ Ele traça o entalhe abaixo da minha garganta com o polegar. \ Ele diz que é um V quase perfeito. Embora \ eu saiba que não é, algo ainda se agita entre meus quadris. \ Quando ele me pinta, vejo uma mancha ali, como um hematoma, \ como se ele quisesse deixar sua marca, uma resistência \ ao artifício. Ele deixa o fundo escuro \ para os nossos segredos. Eu o amo bastante. Ele fica. Poemas da poeta irlandesa Mary O'Malley, autora de obras tais como: A Consideration of Silk (Salmon Poetry Galway, 1990), Where the Rocks Float (Salmon, Galway, 19930, The Knife in the Wave (Salmon Co.Clare, 1997), Asylum Road (Salmon Publishing, 2001), The Boning Hall (Carcanet Press, 2002), A Perfect V (Carcanet Press, 20060 e Valparaiso (Carcanet Press, 2012).

 

SACADOUTRAS

 


FECAMEPA E OS PRIMÓRDIOS DA CORRUPÇÃO NO BRASIL – Por volta de 1534, registra Nelson Barbalho, no seu Cronologia pernambucana: subsídios para a história do agreste e do sertão, que: [...] Como nas demais cartas donatariais, também, nesta assinada El-Rei se reservara o direito de conservar integra ou de modificar a Capitania de acordo com os interesses do Estado ou da própria colonia, caso sugrisse necessidade disso, fato que torna patente o motivo central de cada doação: deveriam os donatários prover a prosperidade de suas terras, é claro, de modo, contudo, a beneficiar simultaneamente e preferencialmente a Coroa onipoente e onipresente. O fidalgo português Pero Lopes de Souza, 1º donatário da Capitania de Itamaracá, era filho de Lope de Souza, senhor do Prado e alcaide-mor de Bragança. Seu irmão Martin Afonso de Souza, era o donatário da Capitania de São Vicente. Não se conhecia a data de seu desembarque e posse na donataria itamaraquense, mas sabe-se que ele entregaria ou deixaria sua administração aos cuidados de Francisco de Braga, na qualidade de capitão-mor/governador, em nome do 1º donatário, permanecendo Braga no cargo até se ver obrigado a abandoná-lo, em face de algumas diferenças tidas com o donatário de Pernambuco, Duarte Coelho, que o teria mandado desfeitear, aplicando-lhe cutilada no rosto. Não podendo ir ao revide, Francisco Braga, sentindo-se diminuiido no posto e largando-o de mão, embaraçaria para as Índias de Castela, levando em sua companhia tudo quanto fora possível levar e deixando a Capitania de Pero Lopes inteiramente desbaratada, perdida, desgovernada, feito corpo sem cabeça. Ora, ora, ora! Vamos aprumar a coversa e tataritaritatá! Veja mais aquiaqui.

Imagem: Introspecção, da artista plástica G. Graça Campos.

Ouvindo: Aquarela do Brasil, de Ari Barroso, na interpretação do tenor espanhol Plácido Domingo com a King of Opera Performers. Foto: Vinicius Pereira.

 
Imagem: J. Lanzellotti – Estórias e lendas do Norte e Nordeste.

IANGAÍ, Ó LINDA, OLINDAAs malocas dos caetés amanheceram em azáfama. Até as mulheres atendiam ao chamado dos borés. A valente tribo dos nativos brasileiros se preparava para assaltar o acampamento dos brancos, onde Duarte Coelho Pereira, recém-vindo de Portugal com sua esposa d. Brites de Albuquerque e o cunhado Jerônimo de Albuquerque, tomara posse da Capitania de Pernambuco, doada por d. João III, e dera início à povoação. Os fidalgos e amigos, companheiros do donatário, sabem, por informações dos índios tabaiaras que, além dos morros, existe a poderosa nação dos caetés. É o ano de 1535. Tarde de verão. Duarte Coelho e sua gente descobrem, no morro onde está a Sé, o sinal guerreiro, denunciador das hostilidades dos aborígenes. Todos se preparam e esperam. Um pouco mais, e uma saraivada de flechas dá início ao combate A luta se encarniça. Caem em poder dos brancos, como prisioneiros, muitos índios caetés. Há entre eles também mulheres. E no meio delas está Iangai, a bela índia. Embora prisioneira, Iangai com altivez deliciosa zomba dos brancos. Duarte Coelho é atingido por uma flecha. Recolhe-se, com a ferida sangrando. E a batalha prossegue, sem desfalecimentos. Tabira, chefe dos tabajaras, conduz os prisioneiros à presença do donatário. Este, ao ver Iangai, radiosa de revolta e envolvida pelo frescor de sadia juventude, exclama fascinado: - Ó linda! Pede-lhe Tabira, então, consentimento para sacrificar os prisioneiros. Duarte Coelho, porém, exclui Iangai. E a formosa índia, quando partem seus companheiros para o sacrifício, envolve-os com um olhar doloroso de angústia, seus lábios balbuciam qualquer coisa e uma lágrima cristalina ilumina-lhe a face crestada pelo sol dos trópicos. Entre os condenados à morte está Camura, o eleito do seu coração bravio – um guapo rapagão, de olhar penetrante, tez descoberta e músculos fortes e desenvolvidos. Hajissé e Piragibe, valorosos guerreiros tabajaras, desconfiam sempre dos propósitos de Iangai que permanece fiel ao juramento de amor a Camura. Vigiam-na secretamente. Duarte Coelho se desespera ante o desprezo de Iangai, a quem visita escondido de sua esposa.A índia d. Maria do Espírito Santo Arco Verde, tabaiara, que se havia batizado casando com Jerônimo de Albuquerque, um dia conta discretamente a Duarte Coelho que a sua Ólinda, como ele a apelidara, tenciona matá-lo. Ele, entretanto, não acredita. Ama-a e o amor condescende sempre. Desprezado assim por Iangai, Duarte Coelho se consola em citar o seu nome. E o faz com volúpia. Há naquele apelido um mundo de quimeras que ela alimenta. E quando escreve para Portugal, vai datando as suas cartas: Desta Pernambuco, ou desta Olinda da Nova Lusitânia etc. A nobreza de uma homenagem a quem lhe despertara o amor e o desprezo. Um dia, a notícia se avoluma: o último dos caetés desaparecera – Iangai fugira! Saem em sua perseguição. E, após incessante batida, encontram o cadáver da índia envolta em folhas de timbó, abundante nas matas de Palmira, próximas das atuais ruínas. Iangaí se suicidara. Vencido assi, o derradeiro caeté que fora o próprio amor de Duarte Coelho, este incrementa a construção da cidade e lhe dá o nome do seu sonho: Olinda. Diz-se que ainda hoje, quando o sol se põe, viandantes ouvem, pelas imediações das ruínas de Palmira, juntamente com o sibilar modulado das cigarras, o cantar longínquo duma mensagem de saudade. Mas ninguém ainda pôde identificar aquela voz misteriosa de mulher. (Lula Cardoso Aires, A origem do nome Olinda. Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco, vol. XXXII, nº 151/154, p. 43-45, Recife, 1934). Veja mais aquiaqui

A ESTEATOPIGIA É A ALEGRIA BRASILEIRA – Já tratei aqui e aqui a respeito dos estudos acadêmicos desenvolvidos a partir das esculturas paleolíticas da Vênus de Willendorf e da cobiçada Vênus Hotentote do séc. XVIII, realizados por diversos estudiosos, sobre a bunda e suas dimensões maravilhosas, a exemplo do zoólogo e anatomista francês Henri Marie Ducrotay de Blainville (1777-1850) e do filósofo, anatomista e zoólogo frances Barão Georges Léopold Chrétien Frédéric Dagobert Cuvier (1769-1832), afora o paleontólogo americano Stephen Jay Gould do cientista social e escritor pernambucano Gilberto Freyre e Jean-Luc Hennig que escreveu a sua Breve História das Nádegas, entre outros. O também antropólogo, historiador e poeta Antonio Risério debruçou-se sobre o delicioso tema, tratando: “[...] a bunda é fundamental. Bunda – e não nádegas, que é uma expressão plural. Bunda é conjunto. É o “milagre de ser duas em uma, plenamente”, como dizia Drummond, acrescentando: “A bunda é a bunda, redunda”. E é com ela que o Brasil requebra em todas as suas festas. Nada de nádegas, nada da fresse (“fenda”) dos francesses. A bunda brasileira, formada graças à herança genética africana, é massa carnal rebolante – e não bipartição, fenda ou vazio. E, se temos uma estética da bunda, cânones dessa ondulação corporal sedutora, a bunda também remete a uma estética. E esta – como bem viu Jean-Luc Hennig em sua Breve História das Nádegas – é barroca. Sim: a bunda é barroca. Curva e plenitude. [...] O corpo “violão” de nossas mestiças tropicais não é o corpo quadrado de índias e nórdicas. Mas, além do corpo, existe a visão desse mesmo corpo. O nosso modo de lidar com ele. daí que a nossa alegria, manifestando-se em nosso corpo e sua bunda, seja também inseparável da informalidade brasileira (vide Sérgio Buarque), com o seu horror às normas e às distancias interpessoais [...]”. Veja mais aqui e aqui.




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