CAPMANY: AS CEM
MIL FACES DA LIBERDADE - Barcelona
era o seu chão, sua alma, sua vida. Tudo nela catalã desde o intelectual avô ao
pai folclorista amante da ópera e da biblioteca. Da infância aos estudos de
filosofia e a docência até vidraceira gravadora: Ensinaram-nos a pensar, a
organizar o conhecimento, a dizer a verdade, a sentir -somos responsáveis para
cada um dos nossos atos... Nos atentados sobre Barcelona ela serviu como
voluntária no Lar Sueco-Catalão de Teià. De uma pequena loja herdada La Rambla,
não quis saber do ofício de cesteiro: interessava-se pelo ativismo cultural. E percorreu
o país encantada com as canções e contos folclóricos, a primeira escrita do Necessitem
morir. Veio então a Escola de Arte Dramática Adrià Gual e Barcelona é ela,
a mulher que lia avidamente, bebia e fumava compulsivamente, tecia e desfazia
amizades e relacionamentos amorosos, esticava a noite com discussões intermináveis,
exercia com paixão e rigor as calúnias, rigorosa nas tramas e adivinhação das conspirações.
Deu-se então El cel no és transparente e, depois, Com una mà. E
veio L'altra ciutat, Tana o la felicitat, o apogeu com Betúlia,
El gust de la pols e mais Ara e Traduït de l'americà. Virava
a década e com ela Tu i l'hipòcrita, El gust de la pols, La
pluja als vidres, La dona a Catalunya: consciència i situació e El
desert dels dies. E ainda tinha que escrever quantos artigos, ensaios,
roteiros, recuperar a memória, traduzir, presidir instituição e tornar-se
vereadora sob o alerta: “Você vai estragar a sua imagem!”. E surgiram Un
lloc entre els morts, Vent de garbí i una mica de por, Feliçment, jo sóc
una dona e Un lloc entre els morts. Outra década no calendário, todas
as lutas de uma insurgente e ao depor diante de acusações: No nosso futuro e
em na nossa escola caberão todos, porque a língua catalã será um nexo de união
e nunca de separação... Aquele intelectual que não sabe que é um trabalhador
cultural, nada sabe e não é ninguém... E vieram Vitrines d'Amsterdam, os
dois volumes de Pedra de toc, Cartes impertinents de dona a dona,
Numnius Dexter Optatur - Papa de Roma, Quim-Quima, El jaqué de
la democracia, L'ombra de l'escorpí e El cavaller Tirant. Mais
uma década e lá estava ela polifacética, libertária, polêmica, plural, teimosa,
tímida – uma personagem que não se encontra, a resistência do feminismo em
pessoa: Á vida é
muito curta para desempenhar todos os papéis. E mais vieram: Vés-te'n ianque, Coses i noses,
Tirant lo Blanc, Dietari de prudències, Lo color més blau,
Mala memória, El cap de Sant Jordi, Fumar o no fumar: vet aquí
la qüestió e Això era i no era. Adaptável e resistente a cada sol que
entrava pela janela. E ria com a lembrança dos cesteiros familiares, preferia
um pouco mais de felicidade agora em vez de uma grande dignidade daqui a cem
anos: Quando eu digo sim, é sim, e quando eu digo não, é não. E o ocaso
noutra década: Aquelles dames d'altres temps e póstuma De veu a veu:
contes i narracions. A atriz, a escritora, a dramaturga, a professora, a
filósofa e antifranquista, todas uma só e aos goles a profusão de contar muitas
vezes e cada qual diferente da outra. Vá em frente, tenho cem mil imagens!
E traçou as cem mil linhas de sua resistência, do seu compromisso, da sua
liberdade. E envolveu-se em todos os incêndios e o fogo todas as vidas e a vida.
AS CEM MIL FACES DE CAPMANY - Uma mulher
capaz de prazer pode tornar-se rebelde, pode trair o seu dono e senhor, pode
procurar esse prazer longe do leito conjugal, pode contornar o domínio do homem
e dar-lhe descendência ilegítima para zombar e fraudar a sacrossanta lei da herança.
O que é certo é que eles vão lutar contra a norma. Já era hora.
A primeira
armadilha em que as mulheres caíram desde o momento em que tentaram as suas
revoltas libertadoras é aceitar que ela é de uma certa maneira (a chamada
maneira feminina de ser) contra outro modo (o chamado masculino), que é, para
ser franco, o dominante. Esta formulação da feminilidade como um facto
diferencial negativo é o princípio da sua alienação. A mulher não conseguirá
nada se não entender e aceitar que a sua luta não é uma luta a favor da mulher,
mas a favor de uma pessoa oprimida, usada, tratada injustamente, e justamente
por isso, quando ela atingir esta convicção, fará causa comum com todas as
justas demandas da terra, trabalhistas, nacionais, raciais. Pensamento da escritora, dramaturga e
ensaísta catalã Maria Aurèlia Capmany i Farnés (1918-1991). Veja mais
aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
DITOS &
DESDITOS - Silêncio antes de nascer, silêncio depois da morte: a vida nada
mais é do que ruído entre dois silêncios insondáveis. Só temos aquilo que
damos. Você é o contador de histórias da sua própria vida e pode criar sua
própria lenda ou não. Escreva o que não deve ser esquecido. A verdadeira
amizade resiste ao tempo, à distância e ao silêncio. Pensamento da
escritora chilena Isabel Allende, que na sua obra City of the Beasts
(HarperTrophy,
2004), expressa que: […] Quanto mais vivo, mais
desinformado me sinto. Só os jovens têm explicação para tudo. [...] As
palavras não são tão importantes quando você reconhece intenções. [...]. Também
noutra obra The House of the Spirits (Atria, 2014),
expressa: […] Você não pode encontrar alguém que não queira ser
encontrado. [...] Às vezes sinto como se já
tivesse vivido tudo isso antes e já tivesse escrito estas mesmas palavras, mas
sei que não fui eu: foi outra mulher, que guardou seus cadernos para que um dia
eu pudesse usá-los. Escrevo, escreveu ela, que a memória é frágil e o espaço de uma única vida
é breve, passando tão rápido que nunca temos oportunidade de ver a relação
entre os acontecimentos; não podemos avaliar as consequências dos nossos atos e acreditamos na
ficção do passado, do presente e do futuro, mas também pode ser verdade que
tudo acontece simultaneamente. ... Por isso a minha Avó Clara escrevia nos seus cadernos, para ver as
coisas na sua verdadeira dimensão e para desafiar a sua fraca memória. [...]. Já na sua obra Of
Love and Shadows (Atria, 2014), também expressa: […] Para as mulheres, os melhores afrodisíacos são as palavras. O ponto G está nos ouvidos. Quem procura lá embaixo está perdendo
tempo. […]. Por fim, autora da frase: Escrever é um processo, uma viagem à memória e à alma... Veja mais aqui.
ALGUÉM FALOU: Quais ações são excelentes? Fortaleça o
coração do ser humano, alimente os enfermos, ajude os enfermos, alivie dores
dolorosas e remova a dor das feridas.
A melhor riqueza é a riqueza da alma. Pensamento da ativista saudita Loujain
Alhathloul. Veja mais aqui e aqui.
IRMANDADE DAS
CALÇAS VIAJANTES - [...] Talvez a verdade seja
que há um pouco de perdedor em todos nós. Ser feliz não é ter tudo perfeito na sua vida. Talvez seja sobre juntar todas as
pequenas coisas. [...] Talvez, às
vezes, seja mais fácil ficar bravo com as pessoas em quem você confia, porque
você sabe que elas sempre amarão você, não importa o que aconteça. [...] Hoje
é o amanhã com o qual nos preocupamos ontem. [...]. Trechos
extraídos da obra The Sisterhood of the Traveling Pants (Ember, 2003), da escritora
estadunidense Ann Brashares, que na obra My Name Is
Memory (Riverhead,
2011) expressou: […] Ame quem você ama
enquanto você os tem. Isso é tudo que você pode fazer. Deixe-os ir quando for necessário. Se você sabe amar, nunca vai acabar. [...] O amor exige
tudo, dizem, mas o meu amor exige apenas isto: que não importa o que aconteça
ou quanto tempo demore, você manterá a fé em mim, se lembrará de quem somos e
nunca sentirá desespero. [...] Eu fiz a busca e a
lembrança, ela fez o desaparecimento e o esquecimento [...]. Também na obra Forever in
Blue: The Fourth Summer of the Sisterhood (Ember, 2008), ela expressa: […] Os pais eram os únicos obrigados a amar você; do resto do mundo você tinha que
merecê-lo [...] algumas pessoas se apaixonam
continuamente, enquanto outras só conseguem fazer isso uma vez. [...]. Veja
mais aqui e aqui.
UMA MULHER FALA - Lua marcada e tocada pelo sol \ minha magia
não está escrita\ mas quando o mar volta\ isso deixará minha forma para trás.\ Eu
não busco nenhum favor\ intocado pelo sangue\ implacável como a maldição do
amor\ permanente como meus erros\ ou meu orgulho\ eu não misturo\ amor com pena\
nem odeio com desprezo\ e se você me conhecesse\ olhe para as entranhas de
Urano\ onde os oceanos agitados batem.\ eu não moro\ dentro do meu nascimento
nem das minhas divindades\ que não tem idade e está meio crescido\ e ainda
buscando\ minhas irmãs\ bruxas em Daomé\ me use dentro de seus panos enrolados\
como nossa mãe fez\ luto.\ eu fui mulher\ por muito tempo\ cuidado com meu
sorriso\ Eu sou traiçoeiro com magia antiga\ e a nova fúria do meio-dia\ com
todos os seus amplos futuros\ prometido\ Eu sou\ mulher\ e não branco. Poema da escritora e ativista
caribenha-americana Audre Lorde (1934-1992). Veja mais aqui, aqui, aqui
e aqui
SACADOUTRAS
OSWALD DE ANDRADE – Em
fins dos anos 1980, já de saco cheio com as aulas do curso de Letras, resolvi,
por conta própria, dar continuidade aos estudos que eu já havia começado por
volta dos meus 15 anos: estudar a Literatura Brasileira mais a fundo. Foi
quando comprei livros e livros de História da Literatura (os de Carpeaux,
Manuel Bandeira, Silvio Romero, Afranio Coutinho, Wilson Martins, Nelson
Werneck Sodré e outros e outros), estudando, assim, cada autor e lendo suas
obras. Leituras de anos. Quando cheguei no Oswald de Andrade (1890-1954),
nossa, fiquei admirado! E fui lendo um a um dos seus livros. Cada leitura um
êxtase especial. Ficou o Memórias
sentimentais de João Miramar, com a pregação
e disputa do natural das Américas aos sobrenaturais de todos os orientes: - Tudo é tempo e contratempo! E o tempo é
eterno. Eu sou uma forma vitoriosa do tempo, em luta seletiva, antropofágica.
Com outras formas do tempo: moscas, eletroéticas, cataclismas, polícias e
maribondos! Ó criadores das elevações artificiais do destino eu vos maldigo! A
felicidade do homem é uma felicidade guerreira. Tenho dito. Viva a rapaziada! O
gênio é uma longa besteira! E também ficou o Música de manivela do
Pau-Brasil: Sente-se diante da vitrola /
e esqueça-se das vicissitudes da vida / na dura labuta de todos os dias / não
deve ninguém que se preze / descuidar dos prazeres da alma. Veja mais aqui, aqui e aqui.
SÉRGIO PORTO, O STANISLAW PONTE-PRETA – Do
Sérgio Porto – leia-se Stanislaw Ponte Preta -, li tudo: o homem do lado, primo
Altamirando, Rosamundo, Ria Zulmira, a casa demolida, garoto linha dura, as
cariocas, na terra do crioulo doido e, sobretudo, os Febeapás 1 e 2. Confesso
que eu sou desse autor um xexéu xucro: influência a ponto de copiar com a maior
incapacidade de alcançar o talento dele. Destaco o Era covardia, do Primo
Altamirando e elas: Tem sogra até
boazinha, que faz o chamado biombo conjugal, isto é, fica aparando os golpes da
gente para que a filha não se chateie. O cara some, não aparece pro jantar e a
sogra, morando nas aflições da filha, inventa enredo para que ela não dê
bronca, aventando hipóteses tais como plantão no escritório, pneu do carro
furado, falta de condução e outras desculpas próprias par amenizar a raiva da
esposa aflita que vê afrouxar o chamado lado conjugal [...] Ontem lá estivemos, frente ao juiz, servindo
de testemunha no processo de anulação do casamento. Jandira, a que suou a
camisa nº 11 no time de Primo Altamirando, estava triste, pois adorava o marido
(consta que Mirinho tem truques pra mulher que até Deus duvida). Mas a sogra
estava mais furiosa que a torcida do Madureira. E tudo porque a separação foi
proposta justamente depois do dia em que ela saiu no tapa com o padeiro e
Mirinho assistiu a sogra apanhar uma surra bizantina, impávido e – por que não
dizer – um tanto ou quanto eufórico. Aliás, o juiz resolveu anular o casamento,
por causa desse episódio, revoltado com o cinismo de nosso nefando parente. – O
senhor viu sua sogra levar uma surra do padeiro e não ajudou? – quis saber o
magistrado. – Não, excelência – respondeu Mirinho. – E por que não ajudou? –
estranhou o juiz. – Porque não ficava bem, dois homens batendo numa velha só.
Veja mais aqui e aqui.
HYPATIA DE ALEXANDRIA – A
filósofa neoplatonista grega e do Egito Romano, Hypatia de Alexandria (350-415
d.C.), foi a primeira mulher a lecionar filosofia e astronomia e considerada
matemática. Ela era ascética e virgem – o seu corpo,para ela, deveria ser sua
exclusiva propriedade -, cultuava as ideias do astrônomo e matemático grego,
Aristarco de Samos (310-230 a.C.), o heliocentrismo (precursor das ideias de
Nicolaus Copérnico), quando ministrava aulas na Biblioteca de Alexandria. Entre
os seus feitos estão o aperfeiçoamento do astrolábio, defendendo que o
conhecimento devia ser acessível a todos. Uma mulher erudita enfrentando a
misoginia dos santos teólogos da igreja cristã, numa época de fanatismo
religioso preocupado em apedrejar e esfaquear os descrentes e em sujeitar as
mulheres à total submissão. Ela foi acusada em praça pública por atentar contra
os costumes morais e bruxa, foi arrastada por uma milícia de fanáticos cristãos
até uma igreja, onde foi despida, apedrejada até a morte, esfolada com lascas
de vasos de cerâmica, tendo sido arrancado todos os seus membros e jogado os
pedaços à fogueira. Tal evento marcou o fim da era do conhecimento e da
racionalidade, dando inicio à idade das trevas que perdurou até o Renascimento,
no século XVI. Sua vida foi transformada em filme, Ágora, de 2009, direção de Alejandro Amenábar, com roteiro escrito
pelo próprio diretor em parceria com Mateo Gil. Veja mais aqui.









