quarta-feira, janeiro 14, 2015

AMINA SAÏD, ALISA GANIEVA, CIORAN, SHIRLEY HAZZARD & WIAZEMSKY

 


JEUNE ET JOLIE – Era outono e o corpo ainda verão aos binóculos e todos os zoons. Os seios de fora, o vestido solto e curto, a vitalidade e quantas eram ali, quantas Leas ou Isabelles, muitas ou nenhuma delas, à procura do prazer às horas consumidas esfregando-se ao travesseiro entre as pernas. E viver agora quando houve a primeira vez de pálpebras baixas, os insensíveis fantasmas rodopiavam apenas na imaginação pelos desfiles e o olhar pervertido queria ir muito mais além, atravessar o inverno, onde o prazer no cunilíngua, o ensaio de entrega da alma na felação. Era a surpresa e o perigo, correr-se o risco: não havia nada melhor entre a timidez e a aventura. O devaneio era servir de montaria, ou vaqueira despudorada, os tropeços e a vida dupla, a grana e nada demais para quem adolescente. A primavera e o que a gente faz da vida sem saber e recomeçar todo dia, cada qual sua natureza. O que seria da vida se não experimentássemos a nossa humanidade, transgredi-la e rendermo-nos à nossa mais profunda natureza primitiva. Só poderá sorrir quem experienciou. Só terá vida plena quem vivenciou. A inocência e a dissimulação, o último suspiro e o gozo da cópula, nenhuma morte seria mais desejada, entre a dor e o gozo, matar o outro de prazer. (Leitura do drama de 2013 Jeune et Jolie, dirigido por François Ozon e estrelado pela atriz francesa Marine Vacth). Veja mais aqui e aqui.

 


DITOS & DESDITOS - No início, há algo que você espera da vida. Mais tarde, há o que a vida espera de você. Quando você perceber que são iguais, pode ser tarde demais para as expectativas. O que estamos sendo, não o que devemos ser. Eles são a mesma coisa... Pensamento da escritora australiana Shirley Hazzard (1931-2016), que no seu livro The Transit of Venus (Penguin, 1990) expressou que: […] Quando você percebe que alguém está tentando te machucar, dói menos. A menos que você os ame. [...] A doçura que todos ansiavam noite e dia. Pode-se adivinhar alguma tragédia: perda ou doença. Ela tinha a luminosidade de quem está prestes a morrer. [...]. No livro Cliffs of Fall and Other Stories (Picador, 2004) ela expressou: […] Às vezes, como agora, seu coração se contorcia e quebrava sob a determinação dele de feri-la. Outras vezes, ela estava quase convencida de que não sentia mais nada por ele, que ele havia esgotado sua resistência: então ela ficava em silêncio por algum tempo, quase em paz, fora do alcance dele, sem saber se havia sido totalmente vencida ou se tornara completamente invencível. No entanto, foi necessária apenas uma ligeira atenção da parte dele para restaurar todas as suas apreensões - pois esses sentimentos extremos só existiam dentro do âmbito do seu amor. [...]. Já na sua obra The Bay of Noon (Picador, 2003), ela manifesta que: […] Mas essa é uma maneira de continuar amando – um lugar ou uma pessoa. Sentir falta disso. Na verdade, ir embora, colocar-se em estado de saudade, às vezes é a maneira mais simples de preservar o amor. [...]. Veja mais aqui e aqui.

 

ALGUÉM FALOU: Saímos para nos encontrar e nos encontramos para nos separar... Pensamento da da atriz, diretora de cinema e escritora francesa Anne Wiazemsky (1947-2017), autora do livro Un an après (Gallimard, 2015), no qual expressou que: [...] Tínhamos nos mudado, algumas semanas antes, para o número 17 da rue Saint-Jacques, no Quinto Arrondissement. Desde a adolescência eu sonhava em morar no Quartier Latin, e aquele apartamento me parecia ter a localização ideal, perto da Sorbonne, do boulevard Saint-Michel e do Sena. Jean-Luc não dava muita importância ao lugar onde vivíamos, gostava do apartamento no número 15 da rue de Miromesnil, que ele alugava e servira de cenário para A chinesa. Mas por que não um outro? Quando eu acrescentara que “Além disso, estou de saco cheio da proximidade com a place Beauvau, de saco cheio do Élysée e de todos esses policiais”, ele respondera, forçando o sotaque suíço: “Nesse caso…”. [...], que foi adaptado para o cinema por Michel Hazanavicius, com Louis Garrel no papel de Jean-Luc Godard, tratando sobre o legendário maio de 1968. Veja mais aqui e aqui.

 

FANATISMO & RESUMO DA DECOMPOSIÇÃO - [...] Cada um de nós nasce com uma dose de pureza, predestinado a ser corrompido pelo comércio com os homens, por este pecado contra a solidão. [...] Na escala das criaturas, apenas o homem inspira repulsa constante. A repugnância que uma fera suscita é temporária; não amadurece em pensamento, enquanto os nossos semelhantes assombram as nossas reflexões. [...] Nenhuma civilização pode morrer em agonia indefinida; tribos rondam, sentindo o cheiro de cadáveres perfumados. [...] A poesia torna-se bastarda quando se torna permeável à profecia ou à doutrina: a “missão” sufoca o canto, a ideia impede a fuga. [...] Quem fala em nome dos outros é sempre um impostor. Os políticos, os reformadores e todos aqueles que reivindicam um pretexto coletivo são trapaceiros. Só o artista cuja mentira não é total, porque ele apenas inventa a si mesmo. [...] A esperança é uma virtude escrava. [...] Em cada homem nada é mais existente e verdadeiro do que a sua própria vulgaridade, fonte de tudo o que é elementarmente vivo. [...] História universal: história do Mal. Remover os desastres do devir humano é tão bom quanto conceber desastres natureza sem estações. [...] Tal engano triunfa: o resultado é uma religião, uma doutrina ou um mito – e uma multidão de devotos; outra falha: é então apenas uma divagação, uma teoria ou uma ficção. [...]. Trechos extraídos do livro Précis de Decomposition (Gallimard, 1966), do filósofo romeno Emil Cioran (1911-1995), na qual ele realiza uma genealogia do fanatismo. Já no livro The Trouble With Being Born (Arcade, 2013), ele expressa: [...] O fanatismo é a morte da conversa. Não fofocamos com um candidato ao martírio. O que devemos dizer a alguém que se recusa a penetrar em nossas razões e que, no momento em que não nos curvamos às suas, prefere morrer a ceder? Dê-nos diletantes e sofistas, que pelo menos adotem todas as razões... [...]. No livro Anathemas and Admirations: Essays and Aphorisms (Arcade, 2012), expressa que: […] Impossível para mim saber se me levo a sério ou não. O drama do desapego é que não podemos medir seu progresso. Avançamos em um deserto, e nunca sabemos onde estamos nele. [...]. Por fim, na obra Ese maldito yo (Tusquets, 2002), está expresso que: [...] Quando se comete um ato vil, hesita-se em assumi-lo, em nomear o responsável, perde-se em eternas cogitações que nada mais são do que mais um ato vil, atenuado porém pelas acrobacias da vergonha e do remorso. [...] A vida secreta anti-vida, e esta comédia química, em vez de nos incitar a sorrir, nos consome e perturba. [...] Poderíamos finalmente respirar melhor se uma manhã nos dissessem que a grande maioria dos nossos semelhantes desapareceu como num passe de mágica. [...] Existe um desvio tão evidente que adquire o prestígio de uma doença onírica. [...] Impossível encontrar a verdade em qualquer lugar; simulações em todos os lugares, das quais nada se deve esperar. Por que então acrescentar a uma decepção inicial todas aquelas que ocorrem e confirmá-la com regularidade diabólica dia após dia? [...]. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

 

A MONTANHA & O MURO - [...] O Gazelle estava correndo, de vez em quando desacelerando repentinamente, balançando e guinchando. Nas curvas, o motorista levava a mão ao coração para deixá-lo passar, conseguia apertar a mão dos colegas que passavam e gritar para os passageiros acima da música estrondosa. Os passageiros pediam para parar “aqui e ali”, “perto da mulher de saia verde”, “sempre que possível” e orgulhosamente não aceitavam um rublo de troco. Camilla foi convidada a dançar doze vezes, após o que a contagem foi perdida. Como dizem, o Avar sonhou que levou uma surra, no dia seguinte foi para a cama com a multidão - Dispersem, dispersem, não tem mais pão! – alguém gritou com uma voz grave e áspera. A fila ficou agitada e dispersa. Os tumultos continuaram. “Queimamos tudo o que está escrito da esquerda para a direita!” - explodiu de repente dos cartazes pendurados em Makhachkala. “É estranho”, as pessoas ficaram surpresas, “acontece que deveríamos queimar o próprio pôster!” - Diga-me, Mahmud, o que há de pequeno e grande no mundo ao mesmo tempo? “Não sei, pai”, respondo. “Este é o Daguestão”, explicou-me meu pai. “Basta pensar como é pequeno e quantos povos e costumes, línguas e talentos, animais e plantas coexistem nele.” Em um pequeno Daguestão você verá dunas de areia e matagais tropicais, geleiras eternas e fontes minerais, e uma planície árida e prados alpinos exuberantes, e as profundezas do mar e cânions, cujo fundo você não pode alcançar, mesmo se você voar para metade do dia! [...]. Trechos extraídos da obra The Mountain and the Wall (Deep Vellum, 2015), da escritora russa Alisa Ganieva.

 

TRÊS POEMAS - VIVEMOS EM UM PAÍS - vivemos num país \ embriagado de guerra e violência \ Medellín afundará na tristeza \ assim que você partir ficaremos aí \ esperando a luz simplesmente \ para agradecer por ter vindo... \ obrigado por virem estar aqui conosco, \ desplazados que fugiram de nossas aldeias, \ nosso passado, nosso presente devastou, \ que futuro para nossos filhos aqui em La Cruz, \ é nossa alma que eles arrancaram \ lá atrás com nossas terras... \ tiros esporádicos vindos da montanha à nossa frente \ tranquila uma mulher me diz \ no caminho de volta \ o combate está longe \ sob as espirais lentas \ dos falcões negros \ uma garrafa de vinho chileno \ passa de mão em mão \ Não sei nada sobre este país você diz \ que pode viver confortavelmente na Pensilvânia \ e não sabe nada sobre o resto do mundo, \ conte-me sobre isso você diz sua voz equilibrada \ como uma carícia interrompida \ uma bomba explodiu no meio da noite \ bem ao lado do nosso hotel em Bogotá \ que abriu meus olhos você diz \ que desde então tenho tentado entender \ libertad chora a multidão em pé \ após a leitura de um poema \ no auditório Carlos-Vieco \ Libertad. EU SOU UMA CRIANÇA E LIVRE - Sou criança e livre \ para viver no perpétuo \ sol dominical empoleirado no horizonte \ na claridade de cada coisa \ a terra contempla as suas estações \ não tenho lugar nem morada \ a vida está em todo o lado e em lado nenhum \ da cisterna do pátio a avó tira \ água para a hortelã e o manjericão \ ói a sal e especiarias \ trava sua batalha diária com o mundo real \ a brisa aumenta listras nas cortinas \ a lâmpada ainda brilha \ Eu brinco além dos quadros \ nos jardins do meu pai \ as árvores dão frutos antigos \ sussurram na língua dos pássaros \ a água do poço canta nos sulcos \ sob meus passos nascem caminhos de areia \ habito a inocência do dia \ puro começo sem antes nem depois \ de uma casinha construída como um barco \ me deixo fluir na emoção azul \ um balé de cavalos-marinhos roça \ estrelas caídas ouriços \ do-mar florescem no pedras \ algas marinhas brilham em meu pulso \ apenas o momento vive no que eu olho \ Sou uma criança e livre \ não tenho lugar nem morada \ quão vasto é o céu quando o \ mundo inteiro é um poema \ é plena luz do dia na terra \ a noite ainda não foi criada \ Eu tenho uma posição segura em todos os tempos. Poemas da poeta tunisiana Amina Saïd.

 

SACADOUTRAS

 

UMA FORMA MUITO DIFERENTE DE NARRAR – Com sua narrativa em estilo nervoso, diálogos breves e isolados e suas rápidas mudanças de ângulo influenciadas pelos cineastas russos, o romance 1919, o segundo da trilogia USA, do escritor e pintor norte-americano descendente de imigrantes portugueses originários da Madeira, John dos Passos (1896-1970) – o primeiro, Paralelo 42; o segundo, 1919; e o terceiro Dinheiro Graúdo -, o autor traça uma visão de conjunto da vida americana nas primeiras décadas do século recém-passado, revolucionou a literatura da época, criando o que seria denominado de romance coletivista – tipo de ficção em que a ênfase não é colocada sobre um indivíduo, mas sobre todo o grupo social. Por sua raiz lusitana, o autor esteve no Brasil quando escreveu O Brasil em movimento, posteriormente publicado sob o título de O Brasil desperta, o que levou o escritor lusitano Tiago Patrício a realizar uma peça inspirada no romance Manhattan Transfer do escritor, e que será encenada em 2017, nos Estados Unidos. Do seu romance 1919, destacamos: [...] João Ninguém possuía uma cabeça durante vinte anos completos, intensamente, os nervos dos olhos dos ouvidos do palato da língua dos dedos das mãos e dos pés dos sovacos, os nervos que aquecem o corpo e sentem o calor debaixo da pele levaram às circunvoluções cerebrais sensações de dor de doçura de calor de frio de posse de permissão de interdição as grandes paragonas dos jornais; aquilo que se não deve fazer, a tábua de multiplicação e as grandes divisões. Chegou a hora em que todos os homens bons a oportunidade só bate uma vez à nossa porta, é uma grande vida de Ish gebibbel, os cinco primeiros anos foram acima de tudo a segurança, imagina que um huno tentava violar a tua o meu país com razão ou sem ela, em pequenino é que se torce o pepino o que os olhos não veem coração não sente, não lhes dês explicações trata-os com dureza apanhou o que estava a pedir vivemos num país de homens brancos Deus o berro, foi para os anjinhos, se não gostas podes refilar [...]. Veja mais aquiaqui.

Imagem: Nu de dos, 1885, oil on canvas, da pintora impressionista francesa Berthe Morisot (1841-1895). Veja mais aqui aqui.



Ouvindo: Aria (Cantilena)/Bachianas Brasileiras nº 5, de Heitor Villa-Lobos, com a soprano Kiri Te Kanawa, Lynn Harrel and Cello Ensemble/Jeffrey Tate. Veja mais aqui, aqui e aqui.

A HISTÓRIA DO OLHO – Ao escrever o livro A história do olho – publicado em 1928, sob o pseudônimo de Lord Auch -, o escritor francês Georges Bataille (1897-1962) mistura erotismo, transgressão e sagrado em narrativa antropológica, filosófica, sociológica e artística, com o objetivo de: “Escrevo para apagar meu nome”. Numa tradução e prefácio de Eliane Robert Moraes e ensaios de Julio Cortázar, Roland Barthes e Michel Leiris, destacamos dessa controvertida obra: [..] Pois 0 olho, guloseima canibal, segundo a maravilhosa expressão de Stevenson, produz uma tal inquietação que não conseguimos mordê-lo. O olho chega a ocupar uma posição extremamente elevada no horror por ser, entre outros, olho da consciência. É bastante conhecido 0 poema de Victor Hugo, 0 olho obsessivo e lúgubre, olho vivo e pavorosamente imaginado por Grandville durante um pesadelo ocorrido umn pouco antes de sua morte: 0 criminoso "sonha que acaba de atingir um homem num bosque sombrio, sangue humano foi derramado e, segundo uma expressão que nos brinda 0 espírito com uma imagem feroz, fez um carvalho suar. Com efeito, não se trata de um homem mas de um tronco de arvore ... sangrento ... que se mexe e debate ... sob a arma assassina. Erguem­se as mãos da vitima, suplicantes, mas inutilmente. 0 sangue continua a correr". É nessa altura que aparece 0 olho enorme que se abre num céu negro, perseguindo 0 criminoso através do espaço, até 0 fundo dos mares, onde 0 devora, depois de tomar a forma de um peixe. Inúmeros olhos se multiplicam, enquanto isso, sob as ondas. Grandville escreve a respeito: "Seriam os mil olhos da multidão atraída pelo espetáculo do suplicio prestes a ocorrer?". Mas por que motivo esses olhos absurdos são atraídos, como uma nuvem de moscas, por algo que é repugnante? Por que, igualmente, a cabeça de um semanário ilustrado, perfeitamente sádico, que apareceu em Paris de 1907 a 1924, figura regularmente um olho sobre fundo vermelho que antecede espetáculos sangrentos? Por que 0 olho da polícia, parecido com 0 olho da justiça humana no pesadelo de Grandville, no final das contas nada mais e que a expressão de uma cega sede de sangue? Parecido ainda com 0 olho de Crampon, um condenado a morte que, abordado pelo capelão um momento antes do golpe do cutelo, repeliu, mas arrancou um olho e ofereceu como jovial presente, pois 0 olho era de vidro. Veja mais aqui, aquiaqui e aqui.

MARIE ESPINOSA: GRADIVA – Levado pela obra de Freud, me deparei certo dia com o filme Gradiva, ou melhor C´est Gradiva Qui Vous Appelle, de Alain Robbe-Grillet. 2006. O filme conta a história de um jovem crítico de arte inglês, John Locke, que começa pesquisando esboços de Delacroix e, depois, se instala nas ruínas de um antigo palácio perto de Marraquexe, para trabalhar na redação de um livro sobre orientalismo pictórico, com a temática da mulher como objeto de arte. Caindo numa cilada, o filme vai entrando num clima de tensão, mas não passando de um suspense que só valeu a pena pela aparição apreciável da bela atriz Marie Espinosa, desfilando sua nudez e sensualidade para encanto e recheio do imaginário masculino. Só a beleza da Marie Espinosa valeu o preço do ingresso. Veja mais aquiaqui e aqui.



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