ELSA BARONESA - O pai cruel,
a mãe religiosa, motivos para fugir do
jugo do pai até Berlim com um trabalho num cabaré entre boêmios. Era um teatro e foi corista,
dançarina, acumulava amantes num casamento aberto. Separou-se e casou de novo
para ser abandonada. Passeou pela
Itália, Suíça e França, para depois ancorar exilada em New York, chamando
atenção por seu estilo pouco convencional de vida. Casou-se com um falso barão
alemão, um dândi que desapareceu no Canadá: este, o terceiro se
suicidara para deixar-lhe apenas o nome. Passou
a viver entre a miséria e o dandismo, tornando-se modelo provocativa de fotógrafos
e artistas no despudorado Body Sweats: The Uncensored Writings of Elsa von
Freytag-Loringhoven. Provocadora na libertação da linguagem e sexualidade
livre, atuava em meio a profiláticos, brinquedos sexuais e orgasmos femininos. Era
sempre presa pela polícia por roubo ou por vestir-se como os homens. Declarou guerra
aos burgueses, causava escândalo com sua maquiagem brilhante, penteado raspado
e tingido, trajes extravagantes e influentemente radicais. Ela se vestia
com desenhos próprios, reunindo trapos e objetivos colhidos do lixo. Logo viu-se:
a Baronesa era bizarra, cleptomaníaca, promíscua, precursora transcendental da
vanguarda, causava perplexidade e fúria com suas performances e poemas: uma
expoente Dada até a alma, a excêntrica pioneira performática de toda vanguarda.
Possuía um pseudônimo: R. Mutt, um certo Richard, proprietário do vaso
sanitário, um dos tantos codinomes dela à
beira da loucura. Foi dela a ideia da The
Fountain de Duchamp. Ela já usava despojos e objetos escatológicos. God
se mostrou – um tubo de drenagem que é montado sobre uma serra de esquadria de
madeira, o falo ligando a peça diretamente à deidade, o criador de um mundo
androcêntrico, uma blasfêmia de canos retorcidos e enferrujados - e era a luz
na fonte para ela. Dela o Hardened Ornament, seu ready-made, um
pedaço de ferro encontrado tornou-se o Símbolo de Vênus invertido: o cachimbo é
o pênis dominando a Terra, o patriarcado opressor. O enfeite tilintante Limbwish que ela usava
acompanhando o ritmo da sua cintura, o apito do membro. Era ela dominatrix e inventou
Dada, a heroína de muitas fantasias esbanjadoras, o sufrágio feminino e a
decadência religiosa nos happenings e performances, invadindo o Gabinete
Secreto do Museu Arqueológico de Nápoles, quebrando normas sexistas e os papéis
de gênero, desfilando entre objetos fálicos e afrescos eróticos. A poeta
experimental foi protagonista de Man Ray & Duchamp, raspou os pelos
pubianos nua numa intervenção artística, fez versos sexuais com sons e críticas
religiosas - Uma dúzia de
coquetéis – por favor, exaltava a felação com seu paladar lascivo pelos
versos optofonéticos nos pirulitos de solteirona: Correntes de ar serpentinas \ – – – \ hhhhphssssssss!
\ A própria palavra \ penetra! \ ('correntes de ar serpentinas \ – – – \ hhhhhphsssssss! \ A própria palavra \ penetra!
Em Aritmética Cósmica
ela se lança contra a religião cristã: onde a mulher na santíssima trindade? E quem
diria dela o urinol de Duchamp, hem? Ela sabia da falsidade. O seu corpo
reinventou a crítica artística vigente, latas de tomate cobrindo-lhe os seios,
uma gaiola por colar, frutas e legumes roubados nos adereços vestimentais: era
uma colecionadora de tudo, a sua arte viva – chutava o balde da arte
convencional e o seu mercado. A sua voz de muitos nomes com seu corpo nu onde
menos se esperava. A sua marca: EvFL. O desejo pelo orgasmo e os materiais perecíveis,
os restos e suas assemblages, o retorno da deserdada à terra natal com os
estragos da estúpida guerra, o retorno à Paris para ser mais uma vez
incompreendida. Rompeu com as fronteiras entre a arte e a vida, e fez de si sua
própria arte: Woman Art House, a transgressora por excelência suicidou-se
asfixiada por um vazamento de gás em sua própria casa. Viva a deusa-musa Elsa Hildegard, a Elsa
von Freytag-Loringhoven
(1874-1927).
A
VOZ DE ELSE, A ELSA BARONESA
- Todos
que me querem gostariam de me devorar, mas sou muito expansiva e estou aberta a
todos os lados, desejo isso aqui e aquilo ali. Eu implantei sexologia e usei. Todo artista é
louco pela vida cotidiana. Eu tinha avançado para um sexo espiritual: a arte -
que ninguém protege tão prontamente quanto um encantador corpo amoroso de
carne. Éramos pessoas de um círculo de conduta de vida supostamente altamente
cultivada pela moralidade intelectual – superior à sociedade em suas malhas
hipócritas. Tudo o que é emocional na América torna-se um mero espetáculo e faz
de conta. Os estadunidenses são treinados para investir dinheiro, dizem que
correm riscos desesperados nisso, mas nunca investem em beleza nem correm
riscos desesperados nisso. Com dinheiro tentam comprar a beleza – depois que
ela morreu – famintos – com caretas. A beleza está sempre morta na América. Pensamento da
poeta e artista polonesa Elsa von Freytag-Loringhoven (1874-1927),
autora dos poemas: A
sedutora tenacidade do disco de borracha do amuleto do polvo \ - sugando \ suavemente
- enérgico \ em \ sistemas móveis \ Malha \ Ceasar's \ Digging \ Point \ Beijo
afiado \ Plenishing \ Estalando a sede Corte de \ broca \ Rimflush \ Desejo de
sangue rubi \ Igual \ de \ qualidade verdadeiro - \ Jorrando - \ Ejaculando
silenciosamente \ Alto \ para \ manchar brilhos perseguidos \ Temperado \ dolorido
\ Namoradeira \ Carmesim de Ceasar Bainha Cardeal \ Suprema No feixe de Hedges
Of Pride – Ponto de inflamação da lâmina corajosa – Aço do punhal Marte \ adormecido
No Hearth Olympic. II - Almofadas de amor de polvo Capacidade \ de recuperação \
Discos de sucção agarram-se ao braço afiado dentro da elasticidade extática
feminina. III - Aumenta! \ Vale do torneio – \ Colchão \ do Victor \ extremamente
laureado\ Maturesmiled – \ Rosestrewn – \ Gaping – \ Openpetalled – \ Abandonflushed
– \ Profundo – saciado – vermelho \ Por: O \ ousado brilho da virtude \ – Adornado.
IV - Afrodite a
Marte \ Lâmina intermitente – \ Punhal enterrado – Teia de ternura \ altamente
flexível Abdominal de sistemas \ Aço igual em formato feminino\ A agudeza da
lâmina enterrada de Aflirt \ Mars é agressiva no ajuste aristocrático receptivo
de Keenness. V - Ouça!\ Garanhão \ Whinny está \ em \ matagais. Veja mais aqui, aqui e aqui.
DITOS &
DESDITOS - Pratique atos aleatórios de bondade e atos de beleza sem
sentido... As bibliotecas o ajudarão em tempos sem dinheiro, melhor do que o
dinheiro o ajudará em momentos sem bibliotecas... Pensamento da escritora canadense Anne Hébert
(1916-2000), que na obra Le Temps Sauvage; Suivi De La Mercière Assassinée;
Et Les Invités Au Procès (HMH,
1967), expressou: [...] Aqui me escondo quando
quero. Posso me
esconder por dias e dias, sem que ninguém saiba se existo ou não, e sem que eu
mesmo saiba. Eu me tranco lá. Eu leio, durmo, sonho. Eu não me movo mais. [...]. Veja mais
aqui, aqui e aqui.
ALGUÉM FALOU: Um camelo atravessava um rio de rápida
correnteza. Defecou, e viu então seu excremento passar por ele, levado pelas
águas ligeiras. E disse: "o que vejo? O que estava atrás de mim ainda
agora, eu vejo passando a minha frente! Pensamento do escritor grego Esopo (620 a.C. - 564
a.C.). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
FALANDO
DE ESTUPIDEZ & A ESTUPIDOLOGIA – [...] A estupidez é mais perigosa que a maldade.
Contra o mal se pode protestar; o mal pode ser exposto, revelado; pode também
ser evitado, se necessário, até pela força; o mal sempre carrega o germe da
autodecomposição, deixando pelo menos um desconforto naquele que o pratica.
Diversamente, não há como se defender da estupidez. Nada pode ser feito aqui
com protestos ou com violência; razões não a convencem; simplesmente não se dá
crédito a fatos que contradigam o próprio preconceito – em tais casos, o
estúpido se torna ainda mais resistente – e se esses fatos são incontestáveis,
podem com facilidade ser postos de lado como casos isolados e sem sentido. O
estúpido, ao contrário da pessoa má, sente-se completamente satisfeito consigo
mesmo; sim, ele até se torna perigoso, enfurecendo-se facilmente quando é
refutado. Portanto, a relação com o estúpido exige muito mais cautela do que
com a pessoa má. Nunca se há de convencer o estúpido pela razão – é inútil e
perigoso. Para saber lidar com a estupidez, é preciso antes procurar entender
sua natureza. Não se trata essencialmente de um defeito intelectual, mas algo
que atinge a humanidade do sujeito. Tanto é assim que existem pessoas de
inteligência extraordinariamente ágil que são estúpidas e pessoas
intelectualmente pesadas que podem ser tudo, menos estúpidas. Para nossa
surpresa, chegamos à seguinte conclusão: parece que a estupidez não é
propriamente um defeito congênito, mas um processo em que as pessoas se tornam
estúpidas sob certas circunstâncias, ou deixam-se fazer estúpidas de forma
recíproca. Também observamos que a estupidez aparece mais em pessoas ou grupos
propensos ou condenados a viver em comum do que em pessoas mais fechadas,
reservadas e solitárias. Assim, parece que a estupidez é um problema mais
sociológico do que psicológico. É uma forma especial de influência das
circunstâncias históricas sobre o homem, isto é, uma consequência psicológica
de certas circunstâncias externas. Em uma análise mais detalhada, verifica-se
que toda forte expansão externa do poder, seja política ou religiosa, golpeia
um grande número de pessoas com estupidez. Sim, parece que é uma lei
psicológica e sociológica. O poder de alguém precisa da estupidez de outrem. O
processo não é que, de repente, algumas faculdades – como a intelectual -
definhem ou fracassem, mas sim que a independência interna da pessoa vai sendo
roubada pela impressão esmagadora do desenvolvimento do poder, até que - mais
ou menos inconscientemente – essa pessoa renuncia a encontrar seu próprio
comportamento em relação às situações que a vida lhe apresenta. O fato de o
estúpido ser muitas vezes teimoso não significa que ele seja independente.
Conversando com ele, você quase pode sentir que seu discurso nem sequer tem a
ver com ele mesmo, com aquilo que o constitui. Trata-se de frases de efeito,
slogans e chavões que se apoderaram dele. Ele está enfeitiçado, cego, abusado e
maltratado em sua própria natureza. Tornando-se assim um instrumento sem
vontade própria, o estúpido será capaz de todo o mal e, ao mesmo tempo, incapaz
de reconhecer-se mau ou de reconhecer maldade em seus atos. Aqui está o perigo
de um abuso diabólico. Como resultado, as pessoas serão destruídas para sempre.
Disso decorre que somente um ato de liberação – e não um ato de instrução –
poderá superar a estupidez. Na grande maioria dos casos, para superar a
estupidez, a pessoa terá de aceitar que uma genuína libertação interior só se
tornará possível após a libertação externa; até então, sem essa condição,
teremos que desistir de todas as tentativas de convencer os estúpidos. A
propósito, nesse estado de coisas, fica bem claro que em tais circunstâncias é
vão tentar saber o que "o povo" realmente pensa, mesmo porque, ao
mesmo tempo - nessas dadas circunstâncias – qualquer resposta seria supérflua
para o pensador e realizador responsável. A Palavra da Bíblia que diz que o
temor de Deus é o começo da sabedoria (Salmos 111: 10); diz que a liberação
interior dos humanos, para uma vida responsável diante de Deus, é a única
verdadeira superação da estupidez. De resto, esses pensamentos sobre a
estupidez são reconfortantes, pois não permitem tratar a maioria das pessoas
como estúpidas a todo custo. Realmente, isso dependerá da tendência dos Poderes
Instituídos, vale dizer, se querem tornar seu povo estúpido ou se buscam a
independência interior e sabedoria de seus governados. Tornando-se assim um
instrumento sem vontade própria, o estúpido será capaz de todo o mal e, ao
mesmo tempo, incapaz de reconhecer-se mau ou de reconhecer maldade em seus
atos. Aqui está o perigo de um abuso diabólico. Como resultado, as pessoas
serão destruídas para sempre.
[...]. Trechos extraídos da obra Widerstand und
Ergebung. Briefe und Aufzeichnungen aus der Haft (Gütersloher Verlagshaus, 2005), do teólogo alemão Dietrich
Bonhoeffer (1906-1945), que na sua obra Letters and Papers
from Prison (Touchstone, 1997),
expressa que: [...] Devemos
aprender a considerar as pessoas menos à luz do que elas fazem ou deixam de
fazer, e mais à luz do que elas sofrem [...] Julgar os outros nos torna cegos, enquanto o amor é iluminador. Ao julgar os outros, cegamo-nos para o
nosso próprio mal e para a graça a que os outros têm tanto direito como nós. [...] Graça barata é a graça
que concedemos a nós mesmos. A graça barata é a pregação do perdão sem exigir arrependimento, do batismo
sem disciplina eclesiástica, da comunhão sem confissão... A graça barata é a
graça sem discipulado, a graça sem a cruz, a graça sem Jesus Cristo, vivo e
encarnado. [...]. Veja mais
aqui, aqui e aqui.
SOBRE A
ESTUPIDEZ - [...] Em geral, os sistemas educativos são
estúpidos, baseiam-se na repetição, memorização e seu conseqüente esquecimento. Em geral, porque eu não deveria ou não
iria manchar a memória de alguns professores que nem sequer tentaram dominar
para domar seus alunos; professores que negam a sua profissão e que Provavelmente não são
professores, pois não professam nada, ou seja, não exercem nem eles não
ensinam ciência, nem cultivam sentimentos ou crenças de qualquer espécie, nem
declaram sua adesão a algum princípio ou doutrina. Professores guardiões que,
em vez de ouvem-se falar, milagrosamente fazem com que a turma leia um livro.
Claro, que alegria tipologia são uma minoria. Para superar os obstáculos
criados pela estupidez do sistema educacional, o aluno desenvolve um tipo de
estupidez, digamos, autocomplacente, representado pelo estereótipo do aluno
modelo, ou, marginal, que é o do aluno que fica à margem, porque é feito
deliberadamente o estúpido, e aquele que acaba marginalizado, pois tudo o que
se pretende ensinar é de grande inutilidade. [...] O terreno fértil para a expressão estúpida, definida como expressão
cristalizada por uso cotidiano e atualidade, um lugar comum, um ditado sem rima
nem razão, nem pensamento, é sem dúvida no campo da paixão. Existe alguma diferença entre o ridículo
e o idiota? Sem dúvida, o ridículo pode ser original, provocativo, engenhoso,
transgressor, Por outro lado, a estupidez, coitado, é como aquela imagem de
Machadon do burro dando gira em torno de um moinho. Se a estupidez é, em parte, falta de
jeito para compreender coisas, o que você pode pedir de um amante, que perdeu
até mesmo o capacidade de falar? E o que pode ser ajudado senão nas frases usadas, o frases surradas, que
provavelmente meia dúzia de milhões de pessoas estão usando ao mesmo tempo? Mais uma vez, você tem que se proteger da
estupidez como manobra de resgate, quase se poderia dizer neste momento que a
expressão estúpida É o recurso do estupefato [...] Não há nada de estúpido no desejo, se o desejo for cego, muito
menos. Faz tempo
pensei que o comportamento do professor Inmanuel Rath, em The Blue Angel, de
Josef von von Sternberg foi estúpido por ter se submetido aos caprichos de
Lola-Lola, uma estrela sem escrúpulos, até que se viu denegrido diante de seus
alunos, vestido com palhaço. Eu me absolvo do que pensei. Não há nada de estúpido no desejo, e se for cego menos ainda, será numa
área onde não há inteligência, nem ingenuidade, nem maléfico, nem o beatífico,
nem o econômico, nem o errôneo, é um excesso e, como tal, não pertence ao
raciocínio. Que Bouvard e Pécuchet de Flaubert desejem saber, e que acabam apenas com
uma massa de dados inúteis, como o seu próprio jardim deteriorado, isso não os
torna estúpidos, mas sim fracassados, como todos os outros que busca o estado
perpétuo de desejo e, por ser de natureza efêmera, deve desaparecer renovador,
em detrimento do conhecimento das coisas, que exigem mais tempo e dedicação,
valores que não lhes podem ser atribuídos porque sem vontade pararam têm interesse
e, portanto, não valem mais tempo e esforço, e por isso, Eles não podem mais
ser conhecidos, tornaram-se opacos, então é melhor ir em busca de outro objeto
novo e inexplorado, pois não importa conhecer, mas sim manter o desejo até a
sua extinção, fim e origem da aventura de Bouvard e Pécuchet, convertida no Don
Juan do diletantismo. [...]. Trechos
extraídos da obra Sobre la estupidez (Tusquets, 1974), do romancista e
dramaturgo austríaco Robert Musil (1880-1942). Veja mais aqui, aqui e
aqui.
DEZ POEMAS - LÁ ONDE ESTÁ TÃO
BRILHANTE EM MIM - Eu
quero fazer parte deste mundo \ Eu quero dormir profundamente\ Eu quero
continuar vivendo\ Alma tranquila coração sereno\ O verme está na fruta\ Desde
o início dos tempos\ A verdade da humanidade está em outro lugar\ Aqui talvez\ Escrito
na pele\ Como se a vida preferisse\ Apenas uma única cor\ Em um mundo tão
diverso\ A pigmentação da pele\ Requer uma compreensão\ Isso continuamente
escapa\ Acontece na sua cabeça\ A ameaça\ Como uma árvore em chamas\ Florescendo
na sombra da mente. NOVE POEMAS – I - Sonho o poema de um mar sem fronteiras \ danço
na pele uma música acolhedora \ primeiro chão para qualquer lar \ enquanto as
mãos da abundância as almas corpulentas \ tecem seu arame farpado \ Não sei se
vivemos juntos \ numa encruzilhada de distribuição igualitária\ aqui esqueça a
alquimia dos sonhos \ o sentido de uma mistura essencial. II - Olhe para os
matizes e contornos desta terra para você que parte, \ o nome de cada peregrino
que se move \ para o duro vale da vida \ não está mais gravado no topo da
montanha\ quem gosta de quebrar a pedra \ sempre se reuniu de madrugada \ no
rodeio dos feiticeiros \ que mergulham a mão no fogo \ porque ninguém remodela \
mil vezes os mesmos princípios \ sem sacrificar o melhor da alma \ num cesto de
interesses provisórios \ distribuídos por aqueles \ que prometem manter o vento
sob controle. III - E o vento sobe e o tempo esculpe \ um redemoinho que revela
que sobe \ e desce os degraus do templo de areia \ como se os doze trabalhos de
Hércules \ outrora um fato \ fossem apenas uma história de ninar para as
pessoas \ depois de um árduo dia de esperança. IV - Mas devo-te toda a história
\ desde a primeira sílaba da madrugada \ até ao centro desta espiral violenta \
que nos chama\ a história havia se lançado em sua \ corrida louca \ e, como
acontece com uma brincadeira de criança, \ o bem e o mal estavam colegas de
escola \ brincando de esconde-esconde, brincando de amarelinha, \ praticando
com as palavras e armas dos fortes \ em um celeiro tranquilo \ onde o riso era
desencorajado. V - Ontem foi um gato preto\ hoje um cavaleiro branco\ depois
uma Mercedes preta com aquela primeira pedra O mal inaugura\ seu reino
subterrâneo \ entre o branco e o preto \ só o solo onde o homem caça o homem \ exala
o cheiro do tapete vermelho. VI - Há cabeças grossas \ adormecidas nos
corredores do poder \ assinando uma edição da história \ que traça seu círculo \
em torno do mesmo umbigo, \ como se ninguém \ exceto os inquilinos do Palácio, \
pudesse nascer sob o olhar do sol. VII - Eles contaram histórias de pessoas \ inocentes
em todos os sentidos \ que, à primeira luz do dia, teriam permissão \ para
sustentar as folhas das palmeiras sobre a esperança.\ aqui a preguiça assume-se
como a lei \ descansando nas redes dos escritórios \ esparramados nas salas de
espera \ lá onde o trabalho outrora inspirou a Lei. VIII - Meu Deus, livra-nos
das hienas \ das cabeças morenas desses vândalos dos sonhos \ porque a educação
não é uma armadilha \ inventada por peregrinos que chegam \ para quebrar os
alicerces \ tenho certeza agora que ela trança \ a grandeza da alma à auréola
da sinceridade \ o acoplamento fundacional que nos une \ em torno da fonte da
Bondade. IX - Como posso lhe dizer que o dia \ cai \ sob a chuva de lágrimas \ porque
o mandado emitido \ dos picos do poder \ carece de termos de reconciliação? \ amanhã
o futuro tem encontro marcado com a madrugada \ e não sei que enfant terrível \
assustado com a claridade da aurora \ aproveitará para atirar a primeira pedra \
no fosso que circunscreve o poder.
Poemas da escritora, ensaísta e filósofa marfinense Tanella Boni.
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