HANNAH
ARENDT
- A filósofa política alemã de origem judaica Hannah Arendt (1906-1975), em seu
livro A condição humana, destaca que:
[...] Vistos como parte do mundo, os produtos
da obra – e não os produtos do trabalho – garantem a permanência e a
durabilidade sem as quais o mundo simplesmente não seria possível. É dentro
desse mundo de coisas duráveis que encontramos os bens de consumo com os quais
a vida assegura os meios de sua sobrevivência. Exigidas por nosso corpo e
produzidas pelo trabalho deste último, mas sem estabilidade própria, essas
coisas destinadas ao consumo incessante surgem e desaparecem num ambiente de
coisas que não são consumidas, mas usadas, e às quais, à medida em que as usamos,
nos habituamos e acostumamos. Como tais, elas geram a familiaridade do mundo,
seus costumes e hábitos de intercâmbio entre os homens e as coisas, bem como
entre homens e homens. O que os bens de consumo são para a vida humana, os
objetos de uso são para o mundo do homem. É destes que os bens de consumo
derivam o seu caráter de objeto; e a linguagem, que não permite que a atividade
do trabalho produza algo tão sólido e não-verbal como um substantivo, sugere a
forte probabilidade de que nem mesmo saberíamos o que uma coisa é se não
tivéssemos diante de nós 'o trabalho de nossas mãos'. [...] É esta durabilidade que empresta às coisas
do mundo sua relativa independência dos homens que as produziram e as utilizam,
a 'objetividade' que as faz resistir, 'obstar' e suportar, pelo menos durante
algum tempo, as vorazes necessidades de seus fabricantes e usuários. [...] Em outras palavras, contra a subjetividade
dos homens ergue-se a objetividade do mundo feito pelo homem, e não a sublime
indiferença de um a natureza intacta, cuja devastadora força elementar os
forçaria a percorrer inexoravelmente o círculo do seu próprio movimento
biológico, em harmonia com o movimento cíclico maior do reino da natureza.
Somente nós, que erigimos a objetividade de um mundo que nos é próprio a partir
do que a natureza nos oferece, que o construímos dentro do ambiente natural
para nos proteger contra ele, podemos ver a natureza como algo 'objetivo'. Veja
mais aqui.
Imagem: Academia, da pintora e desenhista brasileira Tarsila do Amaral (1886-1973).
Ouvindo: Concerto para Piano e Orquestra em Lá Menor, Op. 16, do compositor norueguês Edvard Hagerup Grieg (1843-1907), com a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA), Regência de Marcelo Lehninger e piano de Lígia Moreno.
OS
PROFESSORES DE GRÁMATICA E CONCURSOS PÚBLICOS – O jornalista e escritor modernista
brasileiro, Rubem Braga (1913-1990) desabafou em sua crônica Nascer no Cairo ser fêmea de cupim, do
seu ótimo livro Ai de ti, Copacabana
(1960), contra o purismo dos professores de gramática e as esdrúxulas
alternativas apresentadas em provas de concurso público: Conhece
o vocábulo escardinchar? Qual o feminino de cupim? Qual o antônimo de póstumo?
Como se chama o natural do Cairo? O leitor que responder "não sei" a
todas estas perguntas não passará provavelmente em nenhuma prova de Português
de nenhum concurso oficial. Alias, se isso pode servir de algum consolo à sua
ignorância, receberá um abraço de felicitações deste modesto cronista, seu
semelhante e seu irmão. Porque a verdade é que eu também não sei. Você dirá,
meu caro professor de Português, que eu não deveria confessar isso; que é uma
vergonha para mim, que vivo de escrever, não conhecer o meu instrumento de
trabalho, que é a língua. Concordo. Confesso que escrevo de palpite, como
outras pessoas tocam piano de ouvido. De vez em quando um leitor culto se
irrita comigo e me manda um recorte de crônica anotado, apontando erros de
Português. Um deles chegou a me passar um telegrama, felicitando-me porque não
encontrara, na minha crônica daquele dia, um só erro de Português; acrescentava
que eu produzira uma "página de bom vernáculo, exemplar". Tive
vontade de responder: "Mera coincidência" — mas não o fiz para não
entristecer o homem. Espero que uma velhice tranquila - no hospital ou na
cadeia, com seus longos ócios — me permita um dia estudar com toda calma a
nossa língua, e me penitenciar dos abusos que tenho praticado contra a sua
pulcritude. (Sabem qual o superlativo de pulcro? Isto eu sei por acaso:
pulquérrimo! Mas não é desanimador saber uma coisa dessas? Que me aconteceria
se eu dissesse a uma bela dama: a senhora é pulquérrima? Eu poderia me queixar
se o seu marido me descesse a mão?). Alguém já me escreveu também — que eu sou
um escoteiro ao contrário. "Cada dia você parece que tem de praticar a sua
má ação — contra a língua". Mas acho que isso é exagero. Como também é
exagero saber o que quer dizer escardinchar. Já estou mais perto dos cinquenta
que dos quarenta; vivo de meu trabalho quase sempre honrado, gozo de boa saúde
e estou até gordo demais, pensando em meter um regime no organismo — e nunca
soube o que fosse escardinchar. Espero que nunca, na minha vida, tenha
escardinchado ninguém; se o fiz, mereço desculpas, pois nunca tive essa
intenção. Vários problemas e algumas mulheres já me tiraram o sono, mas não o
feminino de cupim. Morrerei sem saber isso. E o pior é que não quero saber;
nego-me terminantemente a saber, e, se o senhor é um desses cavalheiros que
sabem qual é o feminino de cupim, tenha a bondade de não me cumprimentar. Por
que exigir essas coisas dos candidatos aos nossos cargos públicos? Por que
fazer do estudo da língua portuguesa unia série de alçapões e adivinhas, como
essas histórias que uma pessoa conta para "pegar" as outras? O
habitante do Cairo pode ser cairense, cairei, caireta, cairota ou cairiri — e a
única utilidade de saber qual a palavra certa será para decifrar um problema de
palavras cruzadas. Vocês não acham que nossos funcionários públicos já gastam
uma parte excessiva do expediente matando palavras cruzadas da "Última
Hora" ou lendo o horóscopo e as histórias em quadrinhos de "O
Globo?". No fundo o que esse tipo de gramático deseja é tornar a língua
portuguesa odiosa; não alguma coisa através da qual as pessoas se entendam,
ruas um instrumento de suplício e de opressão que ele, gramático, aplica sobre
nós, os ignaros. Mas a mim é que não me escardincham assim, sem mais nem menos:
não sou fêmea de cupim nem antônimo do póstumo nenhum; e sou cachoeirense, de
Cachoeiro, honradamente — de Cachoeiro de Itapemirim! Veja mais aqui.
OBSTINAÇÃO
DE MULHER - A psicóloga e professora norte-americana,
Eleanor Jack Gibson (1910-2002), na década de 1930, ao se candidatar ao
programa de pós-graduação na Yale University, recebeu a informação de que o
diretor do laboratório de primatas não permitia a presença de mulheres em suas
instalações. Ela também foi impedida de participar de seminários sobre a
psicologia freudiana, tendo em vista que as mulheres eram proibidas de usar a
biblioteca dos estudantes e a lanchonete porque era de uso exclusivo dos
homens. Só depois de 1932, quando se casou com o também psicólogo James J.
Gibson que ela se doutorou em Psicologia pela Universidade de Yale e passou a
lecionar no Smith College e na Universidade de Cornell. Os seus estudos
envolveram investigações sobre a aprendizagem humana e animal, analisando o
desenvolvimento das capacidades de leitura e o desenvolvimento perceptual em
crianças e adolescentes, desenvolvendo o processo de diferenciação. A partir da
década de 1970, ela passou a se dedicar à causa ambiental desenvolvimento
estudos na área de Psicologia Ambiental, passando a ser membro da Sociedade
Internacional para a Psicologia Ecológica. Veja mais aqui.
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