O TEMPO PASSA E
A COISA VOLTA? UÉ, COMO É QUE É, HEM? – Há 30 anos atrás, mais ou menos, já ouvia os 40
anos de Altay Veloso & Feital. Até parecia que o meu país ia pegar no tranco
– mesmo com as passadas de mão sobre os quepes e outras cabeças de fósforos. Quase
esqueci aquela do Ignácio Loyola Brandão: Nenhum. Pois é, não acreditei. Estava
em plena década, a mesma que jamais acabaria – melhor, que foi perdida e
ninguém achou até hoje. Diziam ser o fim da era industrial: era a vez da...
desinformação. O pior: às voltas com a AIDS. O melhor foi que deram uma dedada
no furico da ditadura militar, mas ficou só nisso. Faltou um Príapo macho pra
enrabá-la nos conformes, desancando de vez. Ali eu queria mesmo era botar meu
bloco na rua, mas cadê cacife? Juntei meus trapos e mijados e não esperei a
banda passar. Tinha mais o que fazer, ora. Claro, tinham derrubado o muro de
Berlim e ninguém sabia onde é que a coisa mesmo ia dar. Se já fosse janeiro nem
sabia se passado. O assunto do dia? Trâmite de conspirações, só boataria sobrou,
não sei mais nada: quando a mentira tinha pernas curtas era outra coisa. Agora prestes
a viver outro golpe: corda de guaiamum nunca vem sozinha. E não precisam mais
tirar as crianças da sala: elas já sacaram que a vida é uma sacanagem
deslavada! E de hipocrisia o mundo está já muito cheio, chega transbordar pelo
ladrão. Isso só não, como todo tipo de falácias, das mais vetustas
desenterradas de covas, às inventadas agorinha mesmo pelo plantão da
pilantragem. Para quem não sabe: o passado foi fabricado no presente e com a
cara mais lisa do mundo. O historiador sempre se fez de covarde, não fosse o
poeta ninguém saberia o que se escondeu aos olhos abertos. Quem quiser que
emporcalhe mais as reputações já tão escusas dos políticos e o ensandecido
tráfego das ruas. E ainda pensam que sou premiado. Taí, a sorte bateu no cara
errado. Fui na frente, sozinho – queria lá que ninguém viesse atrás, oxe! Sou um
lavrador do nada. Resta só morrer de vergonha e só me salvar dela quando
morrer. Já dei murro em ponta de faca, já bati prego sem estopa e hoje não
tenho tanta força pra levar as coisas na munheca. Agora estou mais pra jogar
conversa fora. Chega de indignação catatônica ou tacanha. Eu tô é puto! Já chorei
muitas pitangas, crocodilos e abrobrinhas. Aliás, florafaunafora. Vixe! Agora não,
penicão! Minha quota já foi pro beleléu. E ai de quem tiver enfiado o pé na
porra da cloaca toda. Como não entendo direito de tais coisas, muito menos
posso conceber qual será mesmo o destino da gente. Não tenho certeza de nada, jamais
tive. Além do mais costumo falar sozinho, por isso ouço vozes em respostas e
indagações. Doidices dum possivelmente poeta d’água doce de quinta categoria. Poetastro,
na vera! E metido a desconstrutivista. Merda pura! Valho-me de não ter o menor
tico de saudade. Não há muito que esperar da humanidade: fracassou faz tempo. Sou
do presente, o futuro que se dane. Aqui mesmo o tempo passa e o enterro
voltado. Ó Fecamepa!!!! Tô fora! Vou danado pra Catende sem saber se vou
chegar. Ah, passei direto, batido. Não era pra lá, não era. Ponto, ao trabalho!
E vamos aprumar a conversa! Veja mais aqui e aqui.
DITOS &
DESDITOS - Comecei a
escrever – rimar – aos 10 anos e meio. Aos 16 anos, inconscientemente me
libertei da rima. Por volta dos meus 20 anos eu já havia me libertado da minha
língua materna, o búlgaro. Ao aproximar-me dos 50 anos, libertei-me de todos os
furos... Este é um processo de libertação natural, permanente, que acontece
pouco a pouco para mim. Talvez um dia eu acorde e tudo desapareça... O amor me
decidiu... Minha vida é muito curta e sou primeiro um escritor... Pensamento da escritora búlgara Rumjana
Zacharieva.
ALGUÉM FALOU: Buscar
sempre a excelência significa lidar com uma montanha de inseguranças... Devemos ter cuidado com duas categorias de
pessoas: aquelas que não têm personalidade e aquelas que têm mais de uma... Atuar
é uma necessidade, como amar ou ir ao banheiro... Pensamento da atriz italiana Mariangela
Melato (1941-2013).
A DESFIGURAÇÃO
SILVA - [...] Estamos convencidos de que a destruição é
progresso, que correr para a morte é vida, que este enxame de moscas, como a
água suja do rio, é poesia; que somos
poesia porque estamos cobertos de merda.
[...] O silêncio é tudo menos a ausência de sentido.
[...] Dizem-nos que o conhecimento especializado é a única coisa que nos
afastará da pobreza e da dor, que nos libertará, mas na realidade nos
transforma em instrumentos burocráticos; Ensina-nos a
virar o rosto, a sentir-nos alheios ao sofrimento dos outros, sortudos, a
acreditar que não há nada que possa ser feito. [...] E um dia a palavra mordeu sua língua, mas
ele ainda teve forças para tirá-la e mostrá-la em toda a sua obscenidade.
[...] Onde há palavra, há perigo de poesia. [...]. Trechos
extraídos da obra La desfiguración Silva (Cadaver Exquesito, 2014), da
escritora equatoriana Mónica Ojeda Franco. Veja mais aqui.
DOIS POEMAS - ISSO É UM JATO DE CHUVA QUE OUÇO OU
ESTILHAÇOS DE UM ASTERÓIDE? - Ó Dimorphos, pequena lua nascida em nossa
imaginação \ por sua luz oscilante, agora destinada a ser um \ espetinho ou,
pelo menos, cortada para mudar a velocidade \ de sua órbita em torno de Didymos,
o objeto próximo à Terra potencialmente perigoso \ do grupo Apollo ao qual você
se apega... \ Nunca é fácil quando dois objetos querem estar no mesmo \ lugar
ao mesmo tempo. No kerthump pretendido, \ imagine a coroa de gotas de leite de
Edgerton no prelúdio \ de Also sprach Zarathustra enquanto tomamos Deus em \ nossas
próprias mãos. Na verdade, tive mais quase acidentes \ do que colisões, estive
mais perto de ser atropelado \ por picapes que disparavam para a esquerda em \ faixas
de pedestres controladas pelo trânsito do que gostaria de lembrar, pois são
precursores \ da grade envenenada que finalmente acontecerá. nós entramos,
ejetando \ plumas do que nos prendia, um detrito brilhante \ que voltou a ser
pouco mais que cinzas. SETEMBRO, PENSANDO NA VESPA OPERÁRIA COM A QUAL COLIDI
NESTE VERÃO - Com a intenção de amassar pedaços de convés desgastado \ dentro
de sua boca, você se lançou de seu planeta \ de polpa em forma de fita, assim
como eu, objeto interestelar \ em missão para tomar uma taça de vinho, cruzei
sua \ trajetória de vôo - golpe para você, picada para mim, seu veneno \ excitando
meus receptores de dor, minha bochecha \ inchando como seu ninho, que
continuava crescendo \ de dentro para fora. Pensei em matar você, \ mas o fim
da temporada chega logo. Ânforas \ de saliva esvaziando seus corações. \ É você
arrastando sua casca faminta pelo \ chão? Aqui, beba esta água com açúcar. \ Cada
um de nós dá o último suspiro. \ Exala – esperamos, saciados. Poemas da poeta canadense Donna Kane,
autora do livro Erratic (2007).
SACADOUTRAS
VIRGINIA & ORLANDO: A
ARTE DE WOOLF – A vida e
a obra da escritora inglesa Virginia
Woolf (1882-1941), são dignos de nota: uma literatura maravilhosa, uma existência
impetuosa: depressões da juventude até o suicídio. No dia 28 de março de 1941,
ela vestiu o casaco, encheu os bolsos com pedras, deixou uma carta e se afogou
no Rio Ouse: “[...] Sinto que com certeza enlouquecerei novamente. [...] E desta vez não devo me recuperar.
Começo a escutar vozes, e não consigo me concentrar. Portanto estou fazendo o
que parece ser a melhor coisa a se fazer. [...] Não consigo mais lutar [...]”.
Quando li o maravilhoso livro Orlando:
uma biografia (1928), foi como se eu tivesse saído de uma experiência tão
ricamente vivida: uma novela com estilo influente, envolvente, fazendo uso de um
método narrativo satírico e bem humorado dos convencionalismos históricos, contando
a história de um jovem inglês que, do inopinado, se vê transformado numa mulher
dotada de imortalidade: a trama dessa ambiguidade identitária do personagem
perpassam as relações da condição humana. Numa parte do livro está inscrito
que: “[...] tem razão o filósofo ao dizer
que entre a felicidade e a melancolia não medeia espessura maior que a de uma
lâmina de faca; e prossegue opinando serem irmãs gêmeas; e daí conclui que
todos os extremos de sentimentos são aparentados com a loucura [...] Ruína e morte, pensou, recobrem tudo. A vida
do homem acaba no túmulo. Somos devorados pelos vermes. [...] bateu a primeira pancada da meia-noite. A fria
brisa do presente afagou-lhe a face com seu breve sopro de medo. Olhou ansiosamente
para o céu. Estava escuro, com nuvens, agora. O vento rugia em seus ouvidos. Mas
no rugido do vento ouvia o rigir de um aeroplano que se aproximava cada vez mais.
– Aqui, Shel, aqui! -, gritou, desnudando seu poeto à lua (que agora brilhava)
de modo que suas pérolas resplandeciam como ovos de uma enorma aranha lunar. O aeroplano
rompeu as nuvens e pairou por sobre a sua cabeça. Revoou um pouco por cima
dela. As pérolas arderam como um relâmpago fosforescente na escuridão. E quando
Shelmerdine, agora um garboso capitão, bronzeado, rosado e ativo, saltou em
terra, por cima de sua cabeça voou um pássaro selvagem. – É o ganso! – gritou Orlado.
– O ganso selvagem... E a duodécima pancada da meia noite soou; a duodécima
pancada da meia noite de quinta feira, onze de outubro de mil novecentos e
vinte e oito”. Esse belíssimo livro foi levado para o cinema 1992, na
direção de Sally Potter, estrelado por Tilda Swinton e Quentin Crisp. No
Brasil, foi encenado sob a direção da Bia Lessa numa temporada em 1989, no Rio
de Janeiro com um timaço de atores, entre eles Fernanda Torres, Julia Lemmertz,
entre outros, no projeto Inventário do Tempo. A escritora tem uma frase contida
no seu ensaio Um teto todo seu (1929) que diz: "Uma mulher deve ter
dinheiro e um teto todo seu se ela quiser escrever ficção". Na verdade
ela quis dizer: Todo aquele que quiser escrever ficção deve ter dinheiro
suficiente e um teto todo seu. Isso sim. Veja mais aqui e aqui.
ADELAIDE CABETE - A médica obstetra e ginecologista,
professora, republicana convicta e feminista portuguesa Adelaide de Jesus Damas
Brazão Cabete, ou simplesmente Adelaide Cabete
(1867-1935), foi uma ativista pacifista, humanista e abolicionista que, ao seu
formar em 1900, defendeu a tese de Protecção às Mulheres grávidas Pobres
como meio de promover o Desenvolvimento físico das novas gerações. Em 1907
foi iniciada no Rito Escocês Antigo e Aceite e, depois, no Rito Francês, na
Loja Maçônica Feminina Humanidade que, anos depois, passa a ser Loja de Adoção
perdendo os direitos detidos em igualdade com lojas masculinas, o que a levou a
fundar a Jurisdição Portuguesa da Ordem Maçônica Mista Internacional O Direito
Humano, em 1923. Depois disso, passou a integrar a Liga Republicana das
Mulheres e, em seguida, fundou a Liga Portuguesa Abolicionista e presidiu o
Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas com campanhas sufragistas e, por consequência,
foi a primeira e única mulher a votar a Constituição Portuguesa, em Luanda, em
1933. Veja mais aqui.









