VAMOS APRUMAR A CONVERSA? ALTER
EGO - Abri a porta e o
céu estava cinzento. E na penumbra da sala, o meu coração está feliz com os
acordes do Koln Concert de Keith Jarret. A minha pena ainda transcreve imagens
da cabeça: um asno na lira e seus fragmentos múltiplos desentoados de pedaços
outros. Deus me abençoe. Deus me proteja nessa desolação, uma ausência que
atormenta. Joguei meu último poema no riacho e outros tantos no interior das
garrafas para jogá-los ao mar, quem sabe alguém desavisado não se importune ao
ler meus versos. A solidão me silenciou. Estou esvaziado. Logo eu que vim
curumba da terra batida do Una, nascido em sessenta com Brasília e o videoteipe,
expondo agora sintaxes exclusivas do coração. Inauguro a minha agonia. Eu que
morri tantas vezes sem chegar ao desespero, que vim de longe, de um mundo
pequeno onde hoje a vida é quase reduzida a uma condição inóspita. Eu que ergui
a minha própria casa, o meu contíguo pardieiro e fiquei entregue ao meu
abandono, sem nunca haver ambicionado grandes palácios ou usado um cajado para
imprimir a ordem. Eu que sou o mar que beija a terra na pose mais íntima de se
amar. Sou eu que valho o que medra nada, um astronauta intrépido no mundo da
lua, um zagueiro insone das coisas da minha gente, um lavrador dos dias que
venham depois. E quando beijo eu sou de mim o que é para todos. E quando abraço
eu sou de graça o que é de mim. E quando sorrio eu sou de paz pra não ser
guerra. E quando eu choro eu sou em flor mais que a ternura. Sou eu calor a quarenta
e tantos graus. Eu sou o tom de si, de mim, Jobim. O tom que salte, deite,
Waits. O que faz, que foi, que é, Tom Zé. O tom depois, de antes, Tom
Cavalcanti. Sou eu que gosta de cheirar xibiu de moça donzela. Sou a que já no
caritó reza todas as noites por Santo Antônio casamenteiro ajeitar um príncipe
encantado para esquentar os pés nas noites de frio. Sou meu coração Caravaggio
pintando o sete e santos e sempre atraído pela promiscuidade e rebeldia. Meu
coração de frases obscenas na calada da noite, na luta para não ser devorado na
competição natural da vida. Meu coração pavão a legislar em causa própria, sempre
a me desvencilhar da espada de Dâmocles sobre a cabeça. Sou eu que tenho a
força do braço Anteu sem poder largar o chão do meu país. Eu, depositário de
tudo, sempre paguei o pato, azougado como quê, completo de emoção e sob o
efeito do álcool, hum! um timoneiro na proteção de mercúrio seduzido pelo
insólito já que nada me é estranho. As minhas batalhas algumas ganhei, muitas
perdi. Nunca gostei de jogo, claro, um mau jogador. Coisas que vi que fiquei
passado. Nomes que não sei dizer. Ainda perdi o que de melhor me restava e tive
de ser São Jerônimo depondo à caveira, aguçando os meus cem olhos de Argus, apenas
sabendo o que é bom ou mal por ser desobediente, plagiando Shulock, “Us” de
Peter Gabriel e o meu trono absoluto no banheiro, reunindo os meus pecados, You’re
the top de Cole Porter. A fascinação pelo proibido. Os meus gritos até me
assustam e alguns até me extasiam. Eu divido a minha mesa, partilho a minha
alegria, meu ancestral fenício, minha herança viking. Devo estar me
masturbando: minha solidão, meu claustro. Duvido que eu tenha sanidade mental. Os
demônios estão soltos, quem sabe e por alguma forma possam me perdoar. Eu sei
dos meus fracassos no meio dos sonhos de Kurosawa. Bastar-me-ei a mim mesmo se
de mim sobrar alguma coisa. (Alter ego - O trâmite da solidão. Luiz Alberto
Machado). Veja mais aqui e aqui.
Imagem: The Potato Gatherers, do pintor francês Jean Baptiste Camille Corot (1796-1875). Veja mais aqui e aqui.
Curtindo Dois na rede ao vivo (Fina Flor, 2014),
do pianista,
compositor, arranjador e maestro brasileiro Gilson Peranzzeta & saxofonista, flautista,
arranjador e professor de música brasileiro Mauro Senise, a dupla comemorando 25 anos de
parceria. Inclusive, logo mais, às 23hs, estarão na Rádio MEC FM 99.3.
BRINCARTE DO NITOLINO – Hoje é dia do programa Brincarte do
Nitolino pras crianças de todas as idades, a partir das 10hs, no blog do
Projeto MCLAM, com apresentação da simpática Ísis Corrêa Naves. Na programação
voltada pras comemorações do Dia dos Avós, participação de Ruth Moura (aluna do
Colégio e Curso Fator-RJ), Viva Senior, Titio
Avô, Gabryel Gomes (aluno do
Colégio e Curso Fator-RJ), Julio Castex
(aluno do Colégio e Curso
Fator-RJ), Cristina Mel, A infância,
Meimei Corrêa, Nitolino & muito mais músicas, poesias, brincadeiras e
histórias para a garotada. No blog além das dicas de Psicologia Infantil,
Educação Infantil, Direito da Criança e do Adolescente, Literatura Infantil,
Música Infantil e Teatro Infantil, também os destaques comemorativos dos
parceiros do Brincarte: a arte de Rollandry Silvério, Marcos Palmeira e Ismael
Oliveira. Para conferir clique aqui ou aqui.
CRIANÇAS: UMA LIÇÃO DE
CIDADANIA – Como
resultado de uma atividade desenvolvida pela professora Rachel Lucena na sala de aula com alunos do 7º Ano do Colégio e Curso Fator-RJ, que desenvolveram
trabalhos poéticos que foram destacados no blog Brincarte do Nitolino. A matéria conta com entrevista da
professora, poesias dos vinte e dois alunos selecionados e um histórico da
escola. Os trabalhos publicados revelam uma verdadeira lição de cidadania dada
pelos alunos do educandário, fazendo eco com a proposta da canção Todo dia é dia de ser criança, cujo
refrão expressa: Todo dia é dia de ser
criança e de ter a esperança por meu país melhor, por um Brasil melhor pras
crianças e todos nós! Hoje essas crianças estão destacadas e ganharam uma
homenagem com a dedicatória do programa para elas e para a professora. Confira
aqui.
A PSICOLOGIA DO ARQUÉTIPO DA
CRIANÇA – O livro Os
arquétipos e o inconsciente coletivo (Vozes, 2000), do psicólogo e
psicanalista suíço Carl Gustav Jung
(1875-1961), trata de temas como o conceito de inconsciente coletivo, o
arquétipo com referência especial ao conceito de anima, aspectos psicológicos
do arquétipo materno, exacerbação do eros, psicologia do renascimento,
psicologia do arquétipo da criança, função do arquétipo, aspectos psicológicos
da core, fenomenologia do espirito no conto de fadas, psicologia da figura do
trickster, estudo empírico do processo de individuação, o simbolismo da
mandala, entre outros assuntos. Da obra destaco o trecho: [...] A "criança" é portanto também
"renatus in novam infantiam", não sendo portanto apenas um ser do
começo mas também um ser do fim. O ser do começo existiu antes do homem, e o
ser do fim continua depois dele. Psicologicamente, esta afirmação significa que
a "criança" simboliza a essência humana pré-consciente e
pós-consciente. O seu ser pré-consciente é o estado inconsciente da primeiríssima
infância; o pós-consciente é uma antecipação per analogiam da vida além da morte. Nesta
ideia se exprime a natureza abrangente da totalidade anímica. Esta nunca está
contida no âmbito da consciência, mas inclui a extensão do inconsciente,
indefinido e indefinível. A totalidade é pois empiricamente uma dimensão
incomensurável, mais velha e mais nova do que a consciência envolvendo-a no
tempo e no espaço. Esta constatação não é uma simples especulação, mas uma
experiência anímica direta. O processo da consciência não só é constantemente
acompanhado, mas também frequentemente conduzido, promovido e interrompido por
processos inconscientes. A vida anímica estava na criança ainda antes de ela
ter consciência. Mesmo o adulto continua a dizer e fazer coisas cujo significado
talvez só se torne claro mais tarde, ou talvez se perca. No entanto, ele as
disse e fez como se soubesse o que significavam. Nossos sonhos dizem
constantemente coisas que ultrapassam a nossa compreensão consciente (razão
pela qual são tão úteis na terapia das neuroses). Temos pressentimentos e
percepções de fontes desconhecidas. Medos, humores, intenções e esperanças nos
assaltam, sem causalidade visível. Tais experiências concretas fundamentam
aqueles sentimentos de que nós nos conhecemos de modo muito insuficiente e a
dolorosa conjetura de que poderíamos ter vivências surpreendentes conosco
mesmos. Veja
mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
EMINÊNCIA PARDA – O romance histórico Eminência parda (Grey eminence - Hemus, 1980), do escritor inglês Aldous Huxley (1894-1963),é uma
biografia romanceada do sacerdote católico, poderoso político e colaborador do
Cardeal Richiliey, François Leclerc du Trembley - o Padre Joseph, chamado de
eminência parda devido a cor do hábito de sua origem religiosa, os Capuchinhos.
Com essa obra o autor faz um ataque à igreja do séc. XVII, retratando o papel
desempenhado pela instituição na política da época, fazendo um paralelo entre a
vida espiritual e a degeneração da fé. O livro é dividido em duas partes, na
primeira o trabalho do padre na criação da ordem das Irmãs do Calvário até a
luta contra os huguenotes e calvinistas. Na segunda parte, conta da atuação do
padre na Guerra dos Trinta Amos e o seu nacionalismo. Da obra destaco o trecho:
[...] Para a transformação radical e
permanente da personalidade, um único método efetivo foi descoberto: o dos
místicos. É um método, exigindo daqueles que o experimentam uma grande dose de
paciência, resolução, autossacrifício e conscientização, que muitas pessoas não
estão preparadas para dar, exceto, talvez, em tempos de crise, quando ficam
predispostas, por um curto período, a fazer imensos sacrifícios. Mas,
infelizmente, o aperfeiçoamento no mundo não pode ser alcançado mediante
sacrifícios em tempos de crise. Ele depende de esforços feitos e continuamente
repetidos durante os períodos monótonos e desinteressantes que separam uma
crise da outra e dos quais a vida normal consiste principalmente [...].
Este trecho foi destacado, também, por Raymond Andrea, no seu artigo Crises no desenvolvimento místico (The Modern Mystic and Montly Science Review
– O Rosacruz, 2013), no qual ele expressa que: Citei essa passagem de Aldous Huxley [...] por ele anunciar ali uma verdade fundamental acerca do desenvolvimento
místico. [...] certamente se esforçou
bastante para se informar, mediante a orientação de reconhecidos escritos
místicos, sobre o método de disciplina seguido pelos místicos das primeiras
escolas de pensamento, disciplina que, aliás, está em triste necessidade hoje
[...] Veja mais aqui, aqui e aqui.
A FLAUTA QUE ME ROUBARAM – A coletânea poética A flauta que me
roubaram (2001), do poeta e jornalista, representante do grupo Verde-Amarelo do
Modernismo, Cassiano Ricardo
(1895-1974), organizado pelo jornalista Júlio Ottoboni, reúne poemas temáticos
do autor, entre os quais destaco Ciente: [...] 4 O mundo me ensinou, / me cuspiu no rosto, / me fez triste e sábio. /
E em meio ao triste pão / que minha mão amassa, / em meio à convicção / que
substituiu o êxtase, / em meio à mais abjeta / condição de vida, / resta-me,
só, a ironia / da poesia. / Resta-me só esta graça / de ser poeta. / Poesia!
Única coisa / que, depois de sabida, / continua secreta... Também o poema
Outro epigrama: Se perdi a inocência /
para ganhar o pão de cada dia, / com o suor do próprio rosto / lamento apenas
tenha sido tão escassa / a inocência de que eu era servido. / Para que tão
facilmente eu a houvesse perdido / e o pão de cada dia, em consequência, / me
seja, agora, uma simples migualha. / Por que não foi maior minha inocência?
Por fim o belíssimo poema Elegia para minha mãe: Só me resta agora / esta graça triste / de te haver esperado /
adormecer primeiro. / Vivo continuamente longe / de mim, nas horas em que me
decomponho / num sonho; estou no outro hemisfério, / que é um não sei onde,
onde só ausência lavra. / Só me encontro comigo, ó amigo / se divido em dois,
diante do espelho, / um em frente do outro, / sem nenhuma palavra. Veja
mais aqui e aqui.
A PROFISSÃO DA SENHORA
WARREN – A peça teatral
em quatro atos A profissão da senhora
Warren (1960 – Peixoto Neto, 2004), do escritor e dramaturgo irlandês e
ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1925, George Bernand Shaw (1856-1950), conta a história de uma mulher
rica que dá a sua única filha uma educação elitista, para que ela possa entrar
na aristocracia de Cambridge, quando uma revelação sobre a origem da riqueza e
ascensão social da mãe, passa a perturbar a tranquilidade burguesa da família.
Da obra destaco a cena do segundo ato: [...] ATO II (O interior da casa, à
noite. Olhando-se de dentro, inverte-se a posição da janela, com suas cortinas
baixadas, e que agora é vista no meio da parede principal. A porta de entrada
fica à esquerda da janela. No primeiro plano da parede esquerda, a porta que dá
para a cozinha. Mais para o fundo, na mesma parede, existe uma cômoda sobre a
qual se vê um candelabro e uma caixa de fósforos. Por trás desses objetos, o
rifle de Frank com o cano apoiado nas prateleiras. No meio da sala está
colocada uma mesa. Sobre ela uma lâmpada acesa. Os livros e papéis de Vivie
estão colocados sobre uma outra mesa, colocada contra a parede, à direita da
janela. Uma lareira apagada, na parede direita, tendo ao lado um pequeno banco.
Duas cadeiras estão colocadas à direita e à esquerda da mesa do centro. A porta
se abre mostrando uma linda noite estrelada. A Sra. Warren, com os ombros
protegidos por um xale de Vivie, entra seguida de Frank que atira a sua capa
sobre a cadeira. Ela caminhou muito e faz um gesto de alívio enquanto tira os alfinetes
do chapéu para retirá-lo da cabeça, repõe os alfinetes no chapéu e o coloca em
cima da mesa) WARREN – Oh! Deus. Não sei o que será pior no campo. Passear ou
ficar em casa sem nada para fazer. Eu tomaria com prazer um uísque com soda, se
isso existisse por aqui. FRANK – Talvez Vivie possa arranjar. WARREN – Não diga
bobagens. O que faria uma moça na idade dela com uma garrafa de uísque em casa!
Deixe estar, não tem importância. Não consigo fazer uma ideia de como ela passa
o tempo aqui. Seria melhor que tu tivesses ficado em Viena. FRANK – Poderia
levá-la para lá? (Ajuda a Sra. Warren a tirar o xale, acariciando delicadamente
os seus ombros) WARREN – Gostaria, não? Estou começando a pensar que você é um galho
do mesmo tronco. FRANK – Como o pastor, hein? (Coloca o xale sobre a cadeira
mais próxima, sentando-se nela) WARREN – Não se preocupe com essas coisas. O
que você entende disso? Ainda é muito jovem. (Afasta-se até o meio da sala para
estar a salvo tentação) FRANK – Iria comigo a Viena? Nós nos divertiríamos como
loucos. WARREN – Não, obrigada. Viena não é lugar para você. Quando tiver
alguns anos a mais... (Faz um gesto com a cabeça para reforçar o que disse.
Frank faz uma cara triste, desmentida por seu olhar sorridente. Ela olha para
Frank e se encaminha de volta, em sua direção) Agora ouça, menino: eu o conheço
como a palma de minha mão, exatamente como conheço seu pai e muito mais do que
você a você mesmo. Portanto tire da cabeça essas idéias bobas em relação a mim,
compreende? FRANK – (cortejando-a galantemente com um tom acariciante de voz) É
impossível, minha querida Sra. Warren. É mal de família. (A Sra. Finge dar-lhe
uma bofetada; depois olha para o belo rosto sorridente do rapaz, tentada. Finalmente
o beija e, imediatamente, volta-se irritada consigo mesma) WARREN – Ora veja!
Não deveria ter feito isso. Eu sou mesmo impossível. Mas não dê importância,
meu querido. Foi apenas um beijo maternal. Vá-se embora. Vivie está a sua
espera. Vá brincar com ela. FRANK – Já brinquei! WARREN – (volta-se para Frank,
com voz assustada) O quê? FRANK – Eu e Vivie somos tão bons amigos! WARREN – O
que você está querendo dizer? Não permitirei que sedutor algum se divirta às
custas de minha filha, ouviu? Não permitirei. FRANK – (imperturbável) Minha
querida Sra. Warren, não tem por que ficar assustada. Minhas intenções são
honestas e a sua menina é capaz de se defender sozinha. E também não necessita
de metade dos cuidados de que necessita a sua mãe. Não é tão bonita quanto a
Sra., sabia? WARREN – (surpreendendo-se com a segurança de Frank) Não se pode
negar que não lhe falta cinismo. Não sei a quem você saiu assim. A seu pai,
certamente, não foi. CROFTS – (do jardim) Creio que são os ciganos. O REVERENDO
– (respondendo) Sim, mas os bruxos ainda são piores. WARREN – (a Frank) Psst!
Lembre-se do que lhe preveni. (Crofts e o reverendo entram, continuando o que
conversavam) Então, o que foi feito de vocês? E por onde andam Praddy e Vivie?
CROFTS – (colocando o chapéu sobre o banco e a bengala no canto da lareira)
Fomos até a cidade. Estava com vontade de beber. (Senta-se no banco, esticando
as pernas sobre ele) WARREN – Vivie não devia Ter saído assim sem me avisar
antes. (A Frank) Pegue uma cadeira para seu pai, Frank; onde está a sua
educação? (Frank levanta-se, oferece educadamente ao pai a sua própria cadeira
e pega uma outra para si, sentando-se perto da mesa entre seu pai e a Sra.
Warren) George, onde você irá passar a noite? Não poderá ficar aqui. E Praed,
como se arranjará? CROFTS – Gardner me dará hospedagem. WARREN – Não duvido que
você já tenha se arranjado. Mas Praed? CROFTS – Não sei. Que procure uma
hospedaria. WARREN – Você não teria um lugar para ele, Sam? O REVERENDO –
Bem... Como pastor dessa região... Isto é... Não tenho liberdade para fazer o
que quero. Qual a posição social do Sr. Praed? WARREN – Oh! É uma pessoa
direita, um arquiteto. Mas como você é convencional, Sam! FRANK – Ela tem
razão, chefe. Praed construiu em Gales o castelo do duque. O Castelo de
Caernarvon. Você já deve Ter ouvido falar. (Pisca maliciosamente para a Sra.
Warren, olhando depois, com inocência, para seu pai) O REVERENDO – Bem, nesse
caso está claro que ficaremos muito contentes. Suponho que ele conheça o duque
pessoalmente, não? FRANK – São íntimos amigos. Você poderá colocar Praed no
velho quarto de Georgina. WARREN – Bem, então está resolvido. Se aqueles dois
já tivessem voltado, nós poderíamos jantar. Afinal de contas, já é tarde e eles
não podem mais ficar passeando. CROFTS – (agressivamente) Que mal lhe estão
fazendo? WARREN – Mal ou não, eu não gosto disso. FRANK – É melhor não
esperá-los mais. Sra. Warren. Praed não voltará tão cedo. Ele nunca soube o que
fosse passear pela Campina, em uma noite de verão. Acompanhado de uma moça como
a minha Vivie. CROFTS – (endireitando-se no banco, com ar de certo desalento) E
você sabe? Vamos? O REVERENDO – (levantando-se, deixando de lado o seu modo
profissional de falar, usando de força e sinceridade) - Frank, de uma vez por
todas, isso não está em discussão. A Sra. Warren poderá lhe dizer que este
assunto não lhe diz respeito. CROFTS – Claro que não. FRANK – (com encantadora
placidez) É verdade, Sra. Warren? WARREN – (refletindo) Bem, eu não sei. Se a
menina quer se casar, não será justo conservá-la solteira. O REVERENDO –
(espantado) Casar-se com ele? A sua filha casar-se com meu filho? Inteiramente
impossível! CROFTS – Claro que é impossível, Kitty. Não seja boba. WARREN –
(irritada) Por que não? Minha filha não será suficientemente digna de seu
filho, Sam? O REVERENDO – Mas certamente a minha cara Sra. Warren conhece
razões... WARREN – (desafiadora) Eu não conheço razão alguma. Se você conhece
poderá contá-la ao rapaz, à menina... Ou a toda e congregação, se quiser. O
REVERENDO – (sentando-se desanimado na cadeira que ocupava) Você sabe muito bem
que eu não poderia contá-las a ninguém. Mas meu filho acreditará quando eu lhe
disser que existem razoes... FRANK – Perfeitamente, papai, ele acreditará. Mas
desde quando as suas razões influíram no comportamento de seu filho? CROFTS –
Você não poderá se casar com ela e isso é tudo. (Levanta-se e fica de pé no
meio da sala, de costas para a lareira, com um ar acintosamente grave) WARREN –
(virando-se para Crofts, asperamente) Por favor, o que você tem a ver com isso?
FRANK – (com o tom mais lírico de sua voz) Era exatamente o que eu ia
perguntar, com a elegância que me é habitual. CROFTS – (à Sra. Warren) Acho que
você não deseja casar sua filha com um rapaz mais jovem do que ela e sem
ocupação ou bens que lhe permitam sustentar uma mulher. Pergunte a Sam, se não
me acredita. Quanto você está disposto a dar ar a seu filho? O REVERENDO – Nem
um xelim. Ele já recebeu de mim o que tinha para receber, e acabou de gastar
tudo em julho do ano passado (A Sra. Warren assume um ar sombrio) CROFTS –
(olhando-a) Está ouvindo? Não lhe disse? (Volta a sentar-se no banco, esticando
as pernas, como o assunto estivesse definitivamente encerrado) FRANK –
(queixosamente) Tudo isso é tão mesquinho. Supõem então que a Srta. Warren se
casaria por dinheiro? Se nós nos amamos... WARREN – Muito obrigada, mas o amor
de vocês tem poucas garantias, meu rapaz. Se você não tem meios suficientes
para manter uma mulher, então não há mais o que conversar. Vivie não será sua.
FRANK – (divertindo-se) O que diz a isso, chefe? O REVERENDO – Concordo com a
Sra. Warren. FRANK – E o bondoso velho Crofts já expressou a sua opinião?
CROFTS – (olhando-o com rancor) - Olhe aqui, rapaz. Eu não tolero mais as suas
impertinências. FRANK – Perdoe-me se o irritei. Mas ainda há pouco você falou
comigo como se fosse meu pai e... Basta-me um pai, obrigado. CROFTS –
(enfurecido) Ah ... (Volta-lhe novamente as costas) FRANK – (levantando-se)
Sra. Warren, eu não abriria mão de Vivie nem mesmo para lhe ser agradável.
WARREN – (resmungando entre dentes) Canalha! FRANK – (continuando) E como tenho
a certeza de que irá procurar outros candidatos à mão de Vivie, falarei
imediatamente com ela. (Todos olham fixamente para ele, que recita, com grande
encanto) “Quem do destino tem medo nunca será vencedor; ou tudo ou nada é o
segredo de todo bom jogador.”... (A porta da casa se abre enquanto Frank
recita. Vivie e Praed entram. Ela pára. Praed coloca o seu chapéu sobre a
cômoda. Há uma brusca mudança nas atitudes de todos, que tentam dissimular o
assunto de que tratavam. Crofts retira as pernas do banco, recompondo-se,
enquanto Praed junta-se a ele perto da lareira. A Sra. Warren perde a
naturalidade, refugiando-se em uma pergunta de repreensão) [...] Veja mais
aqui, aqui, aqui e aqui.
LARANJA
MECÂNICA – Quando li pela primeira vez o romance distópico Laranja Mecânica (A
Clockwork Orange, 1962), do
escritor, compositor e critico britânico Anthony Burgess (1917-1993), eu
tinha pouco mais de dezoito anos de idade e me impressionei bastante, a ponto
de procurar imediatamente assistir o filme originado na obra: um depoimento
acerca de experiências de um jovem inglês e uma sátira aguda à sociedade
inglesa. Depois foi que eu soube que o romance foi inspirado num fato real ocorrido
em 1944 e que já havia um filme lançado em 1971, com direção do cineasta,
roteirista, fotografo e produtor estadunidense Stanley Kubrik (1928-1999). O
filme não deixa a desejar: violência, perturbações psicológicas e
psiquiátricas, delinquência juvenil, gangues de rua e, principalmente a
sociopatia carismática do protagonista interpretado por Malcom McDowell: a Nona
Sinfonia de Bethoven, estupros, arruaceiros violentos que cometem crimes
terríveis, até que o jovem protagonista e capturado pela polícia e submetido a
um processo de reabilitação por meio de um condicionamento psicológico – uma
crítica aguda ao Behaviorismo, a psicologia comportamental dos psicólogos John
Watson e B. F. Skinner –, quando a obra escandaliza com a paródia da terapia da
aversão. Tudo começa a escandalizar quando o jovem é condenado a 14 anos de
prisão e, com dois anos apenas de cumprimento da pena, ele se torna a
voluntária cobaia do tratamento Ludovico, uma terapia experimental de aversão
para a reabilitação de criminosos num processo de uso de drogas e lavagem
cerebral, no prazo de duas semanas. A história, a partir daí, toma um rumo
inesperado e instigante que vai explicitar o significado do título: orgânico do
lado de fora, mecânico no interior. Veja mais aqui.
IMAGEM DO DIA
Imagem: desenho
(bico de pena) do artista plástico paisagista Demócrito Borges.
Veja mais no MCLAM: Hoje é dia do
programa Domingo Romântico com a
reprise da semana, a partir do meio dia, no blog do Projeto MCLAM, com a
apresentação sempre especial de Meimei
Corrêa. Para conferir online acesse aqui.
VAMOS APRUMAR A CONVERSA?
Imagem: desenho
(bico de pena) do artista plástico paisagista Demócrito Borges.
Aprume aqui.