VAMOS
APRUMAR A CONVERSA? CIRCO ITINERANTE – Foram quinze dias de muito teitei
naquele ano de 1985. Veja que doidice: aluguei um empanado de circo - daqueles
tipo tomara que não chova, evidentemente. No acerto do arrendamento, vieram uns
dois ou três funcionários do próprio circo que funcionariam como atrações
circenses específicas – do tipo homem que cospe fogo, mulher da maleta e por aí
vai -, e ao mesmo tempo como vigilantes que virariam a noite tomando conta do
patrimônio. O Brasil atravessava o momento do processo de redemocratização e os
ânimos andavam exaltados com o confronto entre a direita poderosa e a esquerda
esfacelada na cidade e toda região Mata Sul de Pernambuco. Tudo muito instável
e inseguro: só na base do cochicho e do alarde. Catei apoios financeiros e
logísticos, e me dediquei a realizar uma programação que usava como tema central
a música Karatê de Egberto Gismonti e
uma trilha sonora toda em cima do álbum Zabum-ê-bum-a,
de Hermeto Pascal. Das atrações que vingaram, merecem destaques o show encantador
de Ozi dos Palmares, o sempre maravilhoso show do Zé Ripe & sua banda, o
show de rock do Siqueira Junior, exposições de pintura de Ângelo Meyer,
Rollandry Silverio e de outros artistas da região; esquetes teatrais, o Palhaço
Pirulito comandando as tardes, espetáculo de dança, recital de poesia,
lançamentos e exposições de livros e revistas – foi o lançamento da revista em
quadrinhos Aventureiros do Una. O
último dia, uma apoteose: além de toda uma corrida programação, deu-se o
encerramento de todo evento com apresentação do cantor Everaldo Souza,
acompanhado do violonista Zito Arão. Foi o dia que o circo entupiu e, para
completar o espetáculo, São Pedro também quis comemorar: mandou chuva! Era um molhadeiro
do lado de dentro e do lado de fora. Finda a temporada, terminado o show, vamos
comemorar. E é chegada a hora do vamos ver. Pontos positivos: como usei o apelo
de que criança não pagaria a entrada, devido a greve dos professores que foi
deflagrada no terceiro dia do evenrto, a meninada invadia o circo às 3hs da
tarde e os pais chegavam depois das 19hs para buscá-las e, pra nossa sorte,
muitos ficavam para apreciar os eventos até a vigésima terceira hora noturna. E
como organizei o troço com um bar bem servido de todo tipo de bebida,
acompanhado de bons pratos como tira-gosto, era a partir do horário adulto que
a turma do poleiro descia para comprar brebotes para encher a pança. Uma beleza
que dava para assar e comer, misturando apurado e lucro e dando pra levar o
barco meio lá e meio cá. Pontos negativos. Às vésperas da estreia, os bancários
entraram em greve. Então os apoios amealhados, pinotaram. Eita! Fiquei sozinho
no meio do tiroteio. Mas como não sou de me acovardar, mandei ver. Resultado:
todo custeamento foi do próprio bolso. E o resultado de mesmo? Ah, agora é que
entra o melhor de tudo. No meio das comemorações de encerramento, fui chamando
o pessoal externo: fornecedores e complementares, acertando tudo. Os internos e
colaboradores, foram pra minha casa continuar a comemoração e para serem
devidamente contemplados com seus respectivos pagamentos. Peguei o apurado que
restava, me sentei no chão da varanda da minha casa e fui chamando um por um da
fila, enquanto degustava de umas e outras, devidamente acompanhado de petiscos.
Um por um chamado e devidamente pago. Peraí! Na horagá, faltou um: o garçom. E cadê
grana? A maior estrela de todo evento e que comandou tudo sozinho – afora a inusitada
e remediável iniciativa de, na ocasião dos atrasos sempre frequentes das
atrações no picadeiro, ele dar uma de imitar o cantor Paulo Sérgio, enquanto
servia as mesas, premiando a todos com um verdadeiro show! Há quem diga que
esse era o melhor momento e a maior de todas as atrações de toda a programação
do circo -, justo ele e não tinha um tostão furado de nadica de nada para
pagá-lo. Foi quando eu disse: - E agora, Conde? Tô liso! Ele olhou pro lado
meio descabriado e viu uma gata parida que estava miando num cantiho da
garagem. – Simples -, disse ele e continuou: - Você me dá essa gata e os
gatinhos e está tudo quites. Cuma? Foi isso mesmo. Esse o acontecimento que
ficou na memória de todos os participantes. Falou do Circo Itinerante, todo
mundo só se lembra de uma coisa: o cachê do garçom. E vamos aprumar a conversa
& tataritaritatá! Confira mais aqui.
Imagem: Nude
Woman with Veil, do
pintor ítalo-brasileiro Eliseu Visconti
(1866-1944). Veja mais aqui.
Curtindo Sonatas and Interludes for Prepared Piano + A Book of Music for Two Prepared Pianos (1946-48), do compositor,
teórico musical, escritor e anarquista John
Cage (1912-1992), performance de Joshua Pierce ao piano (Tomato Records). Veja mais aqui.
LINGUAGEM, PODER E
DISCRIMINAÇÃO – O livro Linguagem, escrita e poder (Martins
Fontes, 2009), do antropólogo e linguísta Maurizio
Gnerre, aborda temas como perspectiva histórica e linguística, gramatica
normativa e discriminação, considerações sobre o campo de estudo da escrita, as
crenças e dúvidas sobre a escrita, escritas alfabéticas e não-alfabeticas, a
escrita e o estudo da linguagem, posições teóricas e contribuições de
psicólogos e antropólogos. Do livro destaco o trecho: No quadro defiticitário e
deformado da educação brasileira, é lugar-comum alarmar-se diante da
fragilidade do desempeno verbal – sobretudo, escrito – do conjunto de seus
protagonistas, não apenas discentes. Entretanto, raras vezes esse alarme evolui
claramente para uma avaliação crítica séria e abrangente dos problemas de
diferentes ordens manifestados nessas área. Geralmente, ele tende a diluir-se
nas fórmulas bem conhecidas do conformismo didático de técnicas supostamente
motivadoras e criativas. A evitar atitudes desse tipo, é preciso atentar, pelo
menos, para uma exigência básica: a adoção de um ponto de vista
não-convencional sobre a linguagem, sua natureza, seus modos de funcionamento,
suas eventuais finalidades, suas relações com a cultura e as implicações
complexas que ela mantem com a ideologia. É preciso partir de uma concepção de
linguagem que não a confine a uma coletânea abritária de regras e exceções, e,
tampouco, a um rígido bloco formalizado, imune às variações e diferenças
existentes nas situações concretas em que a linguagem se torna, de fato, um
processo de significação [...]. Veja mais aqui.
A MORTE DA PORTA-ESTANDARTE – No livro A Morte da
Porta-Estandarte e Outras Histórias (José Olympio, 1969), do escritor,
professor e homem de teatro Aníbal Machado (1894-1964), encontro o conto
homônimo do qual destaco o trecho a seguir: [...] O crime do negro abriu uma clareira silenciosa no meio do povo. Ficaram
todos estarrecidos de espanto vendo Rosinha fechar os olhos. O preto ajoelhado
bebia-lhe mudamente o último sorriso, e inclinava a cabeça de um lado para
outro como se estivesse contemplando uma criança. Uma Escola de Samba repontava
no Mangue. Ainda se ouviam aclamações à turma da Mangueira. Quando o
canto-foi-se aproximando, a mulata parecia que ia levantar-se. E estava
sorrindo como se fosse viva, como se estivesse ouvindo as palavras que o
assassino agora lhe sussurra baixinho aos ouvidos. O negro não tira os olhos da
vitima. Ela parecia sorrir; os curiosos é que queriam chorar. A qualquer
momento ela poderia se erguer para dançar. Nunca se viu defunto tão vivo.
Estavam esperando esse milagre. Ouvia-se uma canção que parece ter falado ao
criminoso: Quem quebrou meu violão de estimação? Foi ela... Ainda apareceram
algumas mães retardatárias rondando de longe a morta. A morta não tinha mãe nem
parentes, só tinha o próprio assassino para chorá-la. É ele quem lhe acaricia
os cabelos, lhe faz uma confidencia demorada, a chama pelo nome: - Está na
hora, Rosinha... Levanta, meu bem.... É o “Lira do Amor” que vem chegando...
Rosinha, você não me atende! Agora não é hora de dormir... Depressa, que nós
estamos perdendo... O que é que foi? Você caiu? Como foi?... Fui eu? Eu?... Eu,
não! Rosinha... Ele dobra os joelhos para beijá-la. Os que não queriam se
comover foram-se retirando. O assassino já não sabe bem onde está. Vai sendo
levado agora para um destino que lhe é indiferente. É ainda a voz da mesma
canção que lhe fará alguma coisa ao desespero: Quem fez meu coração seu barrão,
foi ela... [...] Veja mais aqui e
aqui.
A TERRA, NOTURNO & AH,
SIM, A VELHA POESIA – No
livro Nova antologia poética
(Codecri, 1981), do poeta, tradutor e jornalista Mário Quintana (1906-1994), destaco, primeiramente, o seu poema A
Terra: As fronteiras foram riscadas no
mapa, / a Terra não sabe disso: / são para ela tão inexistentes / como esses
meridianos com que os velhos sábios a recortavam / como se fosse um melão. / É
verdade que vem sentindo há muito uns pruridos, / uma leve comichão que às
vezes se agrava: / ela não sabe que são os homens… / Ela não sabe que são os
homens com as suas guerras / e outros meios de comunicação. Também o
belíssimo Noturno: Nem tudo está / mudado: / durante o
sono / o passado / em cada esquina põe um daqueles lampiões. / E os autos,
minha filha, esses ainda nem foram inventados... / Só essa velha carruagem
rodando rodando / sobre as pedras irregulares do calçamento. / Essa velha
carruagem que passa, noite alta, pelas ruas, ... / E ao fundo do teu sono há
uma lamparina acesa / - das que outrora havia ao pé de alguma imagem. / Ela
arde sem saber como a parede é nua. / Mas / há um cigarro que se fez em cinza
à tua / cabeceira – sem simbolismo algum – um toco / de cigarro apenas... Por fim, Ah, sim, a velha poesia: Ah, sim, a velha poesia.../ Poesia, a minha
velha amiga... / eu entrego-lhe tudo / a que os outros não dão importância
nenhuma... / a saber: / o silêncio dos velhos corredores / uma esquina / uma
lua / (porque há muitas, muitas luas...) / o primeiro olhar daquela primeira
namorada / que ainda ilumina, ó alma, / como uma tênue luz de lamparina, / a
tua câmara de horrores. / E os grilos? / Não estão ouvindo lá fora, os grilos?
/ Sim, os grilos... / Os grilos são os poetas mortos. / Entrego-lhes grilos aos
milhões um lápis verde um retrato / amarelecido um velho ovo de costura os teus
pecados / as reivindicações as explicações – menos / o dar de ombros e os risos
contidos / mas / todas as lágrimas que o orgulho estancou na fonte / as
explosões de cólera / o ranger de dentes / as alegrias agudas até o grito / a
dança dos ossos... / Pois bem, / às vezes / de tudo quanto lhe entrego, a
Poesia faz uma coisa que / parece que nada tem a ver com os ingredientes mas
que / tem por isso mesmo um sabor total: eternamente esse / gosto de nunca e de
sempre. Veja mais aqui, aqui e aqui.
O ESPAÇO TEATRAL – No livro Chaves da estética (Civilização Brasileira, 1973), do filósofo
francês Étienne Souriau (1892-1979),
encontro o texto O cubo e a esfera, do qual destaco o trecho seguinte: Tenho a intenção de pôr, em poucas palavras,
o princípio de uma discussão possível, apresentando, a proposito do espaço
teatral, duas concepções diferentes, não só da realidade cênica, mas até de
toda a arte teatral. Talvez, até, estas duas concepções revelem duas formas de
espírito diferentes; e se esta morfologia dos espíritos teatrais (espectadores,
atores, autores) me leva a falar de espíritos esféricos ou espíritos cúbicos,
peço desculpa, antecipadamente, desta terminologia bizarra. [...] Parto do princípio de que em todas as artes,
sem exceção, mas singularmente na arte teatral, trata-se de apresentar, de por
em patuidade, todo um universo: o universo da obra. Em patuidade: uso de um
termo filosófico um tanto raro que não deve perturbar-vos: designa a existência
brilhante, que se manifesta poderosamente nos espíritos. Um universo em presença
brilhante... um universo apresentado no seu pleno poder de nos emocionar, de
nos transtornar, de nos impor a sua realidade, de ser, para nós, durante uma ou
duas horas, toda a realidade. [...] Portanto,
uma vez mais, deve ser-nos presente todo um universo, mas posto, sustentado,
evocado por um núcleo central, por essa pequena porção de realidade realizada,
se assim pode dizer-se, que se nos coloca sob os olhos e de que o punctum
saliens, o coração batendo vivo, o centro ativo, é o grupo momentâneo dos
atores em cena. Mas como obter essa presença total, essa vida comum de todo o
universo da obra, a partir desse pequeno coração palpitante, desse ponto
central presente e atuante de que o essencial é uma mínima constelação de
personagens? É aqui que se apresenta, dois processos (evidentemente, estilizo,
simplifico, tomo os dois casos mais puros e mais extremos, na sua mais evidente
oposição). Primeiro processo: o que chamo de cubo. [...] E passemos, agora, ao princípio esférico.
Ver-se-á que é completamente diferente. É outro o seu dinamismo prático e
estético (bem entendido que uma vez mais estilizo, exagero até o caso piro e
extremo). [...] Veja mais aqui.
OS SONHADORES – O drama Os sonhadores (The Dreamers, 2003), do cineasta e roteirista
italiano Bernardo Bertolucci, é
baseado no romance The Holy Innocents (Os inocentes sagrados), de Gilbert
Adair, contando a história de um jovem estudante americano que está na Fraça em
1968, num intercâmbio e que, em suas idas à cinemateca, conhece um casal de
gêmeos que compartilham da mesma paixão pelo cinema. O casal convida o jovem
para um jantar quando descobre que eles possuem um relacionamento estranho,
quando os pais viajam e eles iniciam um triângulo que envolve jogos
psicológicos e sexuais sobre a temática do cinema. O destaque do filme fica por
conta da belíssima atriz e modelo francesa Eva
Green que ficou internacionalmente com este filme. Veja mais aqui, aqui e
aqui.
IMAGEM DO DIA
Hoje é dia da Tríplice Deusa Inca: Mama Kila, Mama Ogllo e Mama Cocha.
Veja mais no MCLAM: Hoje é dia do
programa SuperNova, a partir das 21hs, no blog do Projeto MCLAM, com a
apresentação sempre especial de Meimei
Corrêa. Para conferir online acesse aqui.
VAMOS APRUMAR A CONVERSA?
Aprume aqui.