VAMOS
APRUMAR A CONVERSA? O ÜBERMENSCH DE NIETZSCHE – Veja como são
coisas: quando o filósofo alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900)
inventou a palavra Übermensch, era com
o objetivo de caracterizar um ser humano hipotético, capaz de altas conquistas
morais e intelectuais. Porém, ela foi inicialmente traduzida como Super-homem e, posteriormente corrigindo
o equívoco, passou a ser traduzida como o Além-do-homem.
E o que tem a ver o cu com as calças? Qual o mata burro criado pela distinção
entre super e além? Um coisa não tem relação alguma com a outra. Seguinte: no
livro Assim Falou Zaratustra: um livro
para todos e ninguém (1884), o filósofo começa com a seguinte frase: “[...]
O homem é uma corda atada entre o homem e
o além-do-homem – uma corda sobre um abismo”. Nessa e noutras obras do
autor, ele fazia referência ao homem em sua superioridade moral e intelectual,
com a capacidade de conhecer o seu interior e tornar-se maior que o próprio
tamanho - ou seja, o poder de estar acima das vicissitudes e mazelas; ao
contrário, adotou-se a ideia de Super-homem como um ser superior e fora da
condição humana. Foi o que aconteceu quando, em 1903, a palavra passou a ser
popularizada com a apresentação da peça teatral Man and Superman, do dramaturgo inglês George Bernard Shaw (1856-1950),
ocasião em que o termo deu origem a varias outras combinações, entre as quais a
mais corrente hoje, Superman das
histórias em quadrinhos, ou comic strips,
criado pelos desenhistas Jerry Sigel e Joe Shuster, a partir de 1938, no Action Comics Magazine. Se o filósofo
chamava atenção para a grandeza interior, intelectual e moral do ser humano com
a capacidade de mudar a si e ao mundo ao seu redor, diferentemente disso, nessas
histórias o repórter Clark Kent, oriundo de um outro planeta e se passando por
ser humano, se transforma numa espécie de justiceiro ou de invencível paladino
da justiça na defesa de pobres e oprimidos, combatendo a desmoralização e
pobreza humanas ao intervir nas situações perigosas de delitos de toda espécie,
como um deus ex-machina. Este herói,
com força e poderes sobre-humanos, conseguia além de ver e ouvir através das
paredes, ter visão de Raio X, ter poderes superiores capazes de derrotar sempre
os inimigos com seus músculos incomparáveis. Como metáfora, vá lá que se busque
uma relação entre um e outro, evidentemente se jogando fora o que há de
sobrenatural. Fora disso, tem-se com esse simples relato, em primeiro lugar, a
necessidade de um maior conhecimento acerca da obra do pensador; e de outro, a
identificação da gênese de um equívoco, a forma como se corrompe uma ideia que
se torna senso comum, um exemplo dos muitos mal-entendidos que se proliferam por
aí. Vamos aprumar a conversa & tataritaritatá! Veja mais aqui, aqui, aqui e
aqui.
Imagem: Nu, do pintor austríaco Ernst
Hochschartner
(1877-1947)
Curtindo: Phryné (Frinéia, 1960/2013), do compositor, maestro e pianista do
Romantismo francês Camille Saint-Saëns (1835-1921), na interpretação da
soprano Denise Duval com a Orchestre &
Chorale Lyrique de l'ORTF & maestro Jules Gressier. Veja mais aqui.
PROCESSO CIVILIZADOR – Os dois volumes da obra Processo civilizador (1939 – Zahar,
1990), do sociólogo alemão Norbert Elias
(1897-1990), abordam, no primeiro volume - Uma história dos costumes -,
abordando temas como sociogênese dos conceitos de civilização e cultura,
fisiocracia e movimento de reforma francês, civilização como comportamento
humano, mudanças de atitude nas relações entre os sexos, da agressividade e
cenas da vida de um cavaleiro medieval, entre outros assuntos, enquanto que no
segundo volume – Formação do Estado e Civilização – trata sobre a sociogenese
do absolutismo, dinâmica da feudalização, forças centralizadores e
descentralizadora, migração dos povos, cruzadas, formação de novos órgãos e
instrumentos sociais, estrutura e sociogenese do Estado, mecanismo monopolista,
distribuição das taxas de poder, monopólio, processos civilizadores,
psciologização racionalista, entre outros assuntos. Da obra destaco o trecho:
[...] 0 homem ocidental nem sempre se comportou da
maneira que estamos acostumados a considerar como típica ou como sinal característico
do homem "civilizado". Se um homem da atual sociedade civilizada ocidental
fosse, de repente, transportado para uma época remota de sua pr6pria sociedade,
tal como 0 período medievo-feudal, descobriria nele muito do que julga
"incivilizado" em outras sociedades modernas. Sua reação em pouco
diferiria da que nele e despertada no presente pelo comportamento de pessoas
que vivem em sociedades feudais fora do Mundo Ocidental. Dependendo de sua situação e inclinações, sentir-se-ia atraído pela vida mais desregrada, mais descontraída e
aventurosa das classes superiores desta sociedade ou repelido pelos costumes
"bárbaros", pela pobreza e rudeza que nele encontraria. E como quer
que entendesse sua própria "civilização",
ele concluiria, da maneira a mais inequívoca, que a sociedade existente
nesses tempos pretéritos da bist6ria ocidental não era "civilizada" no
mesmo sentido e no mesmo grau que a sociedade ocidental moderna. Este estado de
coisas talvez parece óbvio a numerosas pessoas e alguns julgarão desnecessário referi-lo aqui.
Mas ele necessariamente acarreta perguntas que não podemos, com a mesma justiça, dizer
que estejam claramente presentes na consciência das atuais gerações, embora
estas questões não deixem de ter importância para uma compreensão de nós
mesmos. Como ocorreu realmente essa mudança,
esse processo "civilizador" do Ocidente? Em que consistiu? E
quais foram suas causas ou forças motivadoras? É intenção deste estudo contribuir para a solução
dessas principais questões. [...]. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
O
CAMINHO DOS SONHOS – O livro O caminho dos sonhos:
em conversa com Fraser Boa (Cultrix, 1988), de da psicoterapeuta analítica,
pesquisadora e escritora alemã Marie-Louise
von Franz (1915-1998), aborda temas sobre a psicologia básica de Carl
Gustav Jung, descida ao mundo dos sonhos, mapeamento do inconsciente, a
estrutura dos sonhos, sonhos na cultura, a escada para o céu, a linguagem
esquecida, a psicologia masculina, a sombra sabe, a mãe devoradora, a morte do
dragão, a psicologia feminina, guia interior, relacionamentos, o self, entre
outros assuntos. Da obra destaco o trecho: [...] Bem, todo sonho estabelece
uma conexão essencial entre a nossa consciência de ego e o nosso centro
interior. Uma conexão duradoura. Todo aquele que tiver observado seus próprios
sonhos por alguns anos terá em mente uma série deles, da qual dirá: "Nunca
me esquecerei daquele sonho e do que significa." Fica-se para sempre
ligado a ele e, através dele, ao centro interior. "... Apanho uma lasca
que se soltou do sonho. É feita de pão. Então digo ao rapaz: 'Isso mostra como
o sonho deve ser interpretado. Você deve saber o que descartar. É como na
vida.'... Ora, assim que a interpretação atinge o alvo, ou como dizemos, chega
em casa, o sonho se transforma em pão da vida. Sempre que compreendemos um
sonho adequadamente nos sentimos alimentados. Sentimos, por assim dizer, o
alimento sobrenatural de que precisamos lá dentro e que vem do inconsciente.
Isso é muitas vezes representado nos sonhos como o pão ou a água da vida,
porque, quando atinge o alvo, sentimo-nos vivificados e alimentados, e temos
uma sensação de felicidade e satisfação, como depois de uma boa refeição. Como
se nos disséssemos: "É isso aí. Agora sei para onde estou indo. Agora
posso prosseguir." Algo se tranquiliza e se satisfaz dentro de nós. Quando
os penedos atingem o sonho, parte da substância, o pão, se desprega, e o que
resta são parafusos e porcas que lentamente constituem uma estranha estrutura
piramidal. Aí temos, por assim dizer, a forma exterior do sonho e sua
substância. E podemos dizer: "Sim, a forma exterior do sonho é a sequência
de imagens que precisamos ir compreendendo gradativamente." Mas então — e
essa é a parte mais difícil da interpretação de sonhos — temos que nos perguntar:
"Muito bem, mas qual é a essência da mensagem desse sonho? O que ele nos
diz?" Faz-se necessário assim penetrar na essência da mensagem, da
mensagem divina contida naquela estranha casca, aquela sequência de imagens absurdas
e difíceis de compreender. Essa essência aponta para o Self. Os sonhos sempre
apontam para o centro interior. São como centenas de formas que apontam para o
mesmo centro interior. Cada sonho é uma tentativa da natureza de nos centrar,
de nos religar ao nosso centro mais profundo e estabilizar nossa personalidade.
A questão principal da interpretação dos sonhos é explicada ao sonhador: ou
seja, o que descartar e o que reter. "E como a vida." O sonho, como
ávida, tem uma superfície que deve ser descartada. Por exemplo, os sonhos, sendo
natureza pura, usam alguns símiles absurdos, alguns de muito mau gosto.
Lembro-me a propósito do sonho de um analisando pintor, no qual ele cagava
tanto, tanto, que a merda inundava o banheiro. Daí descobrimos o que havia se
passado. Na noite anterior ele tinha começado a pintar uma tela pequena. Muitas
fantasias lhe vieram à mente, mas não havia espaço para elas na diminuta tela.
Dá para ver — como ele era um tanto avarento, e não queria comprar uma tela
maior, o sonho claramente lhe dizia o que achava de sua atitude. Percebe-se
assim que os sonhos não respeitam as regras da boa educação ou as ideias de
bons modos. Eles falam uma linguagem natural. A superfície é às vezes
extremamente repelente, ou simplesmente estúpida. As pessoas dirão: "Esta
noite tive um sonho absurdo e bobo." É preciso então descartar a imagem e
atingir o significado. O importante não é a imagética, mas o sentido, a
mensagem. E como diz o sonho, na vida é igual. "... Aí o sonho muda. Ainda
estamos os dois sentados um de frente para o outro, mas na beira de um
rio..." É como se a primeira parte do sonho tentasse explicar ao sonhador
o que os sonhos são em essência e de onde eles vêm, enquanto a segunda parte
procura lhe explicar como os sonhos funcionam no decorrer da vida, simbolizada pelo
rio. O rio é uma imagem do fluir do tempo. Portanto não se trata apenas do que
este ou aquele sonho significam, mas, antes, do sentido do grande rio da vida
onírica, no qual a cada noite penetramos. O que é isso? O que significa? De onde
vem esse rio, qual o princípio básico da sua vitalidade? [...]. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
O SIMÃO
MACABEU DO NOVO MUNDO – O líder político sul-americano Simon
Bolívar (1783-1830), nasceu na Venezuela. No seu batizado, o pai desejava
chama-lo Santiago quando o padre alertou: “Tenho
o pressentimento de que esse menino ainda será algum dia o Simão Macabeu do
Novo Mundo”. Dizia isso, mas era perigosíssimo rebelar-se contra o governo
espanhol na América Latina. Em 1781, quando Tupac Amaru tentou libertar o Peru,
o governador espanhol mandou cortar-lhe a língua e depois o obrigou a assistir
ao trucidamento de sua esposa e de seu filho, os quais foram atados pelos
membros a quatro cavalos que os puxaram em direções opostas, despedaçando-lhes
os corpos. No fim do espetáculo, a ele próprio foi dado o mesmo tratamento.
Isso era ainda muito vivo no tempo que Bolívar considerava: “Neste mundo louco há duas coisas que devemos
considerar antes de tudo: a santidade do corpo humano e a estupidez do espírito
humano”. A sua vida era para as aventuras amorosas, até que em 1799
voltou-se para aventurar-se no Velho Mundo. Lá casou-se e ficou viúvo, até
encontrar-se com intelectuais sul-americanos que, como ele, sonhava com a
liberdade. Organizaram-se em sociedade secreta, tornando-se Bolívar um de seus
chefes. Anos depois, regressou à terra natal pelos Estados Unidos, onde viu o
espírito da independência na sua aplicação prática. Em 1811, na Venezuela, um
libertador denominado Miranda, um soldado da desventura, propagava a Independência
da América do Sul. Uniu-se na luta até a traição, quando Miranda foi preso e
Bolívar conseguiu fugir, tendo suas propriedades confiscadas. Em seguida,
organizou duzentos homens e lançou um manifesto de libertação. Enfrentou a
força espanhola: derrotou um exército no grito: “Meu canhão? Eu não tinha
nenhum”, conquistava Tenerife e seguiu para Mompox, pelas cordilheiras andinas.
Em seis dias, travou seis batalhas e ganhou todas elas. E depois começou a
galgar os Andes em direção à Venezuela: “Temos uma missão a cumprir, e nada nos
deterá!”. Em meio de cenas de indescritível entusiasmo pela derrota espanhola,
marchou através da Venezuela para a sua cidade natal, Caracas, na qual entraram
vitoriosos em 1913. Bolívar vencera os inimigos, contudo foi incapaz de vencer
os amigos que se tornaram invejosos de seus sucessos, acusando-o de ambições
ditatoriais. Arruaças, motins, deserções, a Venezuela estava mergulhada em
guerras civis. Venceu todos e a água em voo cobria uma espantosa vastidão de
território para libertar a América de seus tiranos e traidores. Em toda parte
era aclamado como um salvador: libertador da Venezuela, de Nova Granada, da
Colômbia, do Equador, da Bolívia, do Chile, do Peru – “O domínio espanhol na
América do Sul agora não é mais que uma recordação”. Em 1826 havia Bolívar
completado a sua obra de libertação. A partir daí, a tragédia toma conta da sua
vida: “Deixemos de regionalismos. Não mais Venezuela, não mais Equador, Chile,
Bolívia ou Peru. Unamo-nos todos em uma só família de americanos”. Contudo,
rivalidades, conspirações, assassinatos, Bolívar estava virtualmente sozinho,
apenas acompanhado por sua amante Manuela, embarcando numa fragata
silenciosamente para sua morte solitária, em Santa Maria, na costa da Colômbia,
balbuciando em seu estertor: “Meu último desejo é ver os americanos unidos”.
Veja mais aqui.
SONETOS – No livro Sonetos (La isla de los ratones, Santander, 1960), do poeta e
dramaturgo espanhol Lope de Vega (1562-1635), destaco dois deles, o
primeiro Soneto de Repente: Um soneto me
pede Violante, / nunca na vida estive em tal aperto; / quatorze versos dizem
que é soneto: / brinca brincando lá vão três avante. / Não pensei que
encontrasse consoante, / e na metade estou de outro quarteto; / mas, se me vem
o início de um terceto, /cá nos quartetos nada há que me espante. / No primeiro
terceto vou entrando, / e parece que entrei com o pé direito, / pois fim com
este verso lhe vou dando. / Estou já no segundo, e ainda suspeito / que vou os
treze versos acabando; / contai se são quatorze, e ei-lo: está feito. O
segundo soneto Definição de Amor: Desmaiar-se,
atrever-se, estar furioso, / áspero, terno, liberal, esquivo, / alentado,
mortal, defunto, vivo, / leal, traidor, covarde e valoroso; / não ver, fora do
bem, centro e repouso, / mostrar-se alegre, triste, humilde, altivo, /
enfadado, valente, fugitivo, / satisfeito, ofendido, receoso; / furtar o rosto
ao claro desengano, / beber veneno qual licor suave, / esquecer o proveito,
amar o dano; / acreditar que o céu no inferno cabe, / doar sua vida e alma a um
desengano, / isto é amor; quem o provou bem sabe. Veja mais aqui e aqui.
SALOMÉ – A tragédia em
um único ato Salomé (1894), do
escritor e dramaturgo irlandês Oscar
Wilde (1854-1900), conta a história bíblica de Salomé (14-71dC),
eleita a musa da estética decadentista e enteada do tetrarca Herodes Antipas, que,
para desgosto de seu padrasto, mas para o deleite de sua mãe Herodias, pede a
cabeça de Jokanaan (João Batista) em uma bandeja de prata como um recompensa
para dançar a a dança dos sete véus. A peça foi escrita em francês em 1892 para
ser representada por Sarah Bernhardt em Paris. Também foi adaptada para
o cinema em 2002, pelo cineasta e roteirista espanhol Carlos Saura, contando a história a partir de uma perspectiva de
uma companhia de dança flamenca, sobre o amor e a vingança da figura mítica e
bíblica. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
IMAGEM DO DIA
Homenagem à atriz francesa Sarah Bernhardt (1844-1923) que em sua
vida teve mais de 1.000 homens diferentes.
Veja mais sobre:
O amor de Naipi & Tarobá, Arte e percepção visual de Rudolf Arnheim, Eles eram muitos
cavalos de Luiz Ruffato, Improvisação para o teatro de Viola Spolin, a música
de Vivaldi & Max Richter, a fotografia de Fernand Fonssagrives, a
coreografia de Regina Kotaka, a
pintura de Fernand Léger & a arte de Eugénia Silva aqui.
E mais:
Duofel, três por um, A sociedade do consumo de Jean Baudrillard, Histórias
extraordinárias de Edgar Allan Poe, Tristão & Isolda de Richard Wagner, a
coreografia da arte de Pina Bausch, o cinema de Roger Vadim, a pintura de Alice Kaub-Casalonga & Vicente
do Rego Monteiro, a arte de Miles Williams Mathis, Amores impossíveis, Poetas de Palmares & Jayme Griz aqui.
A cidade, a urbanização
e as enchentes & a arte de Márcia
Spézia aqui.
Reino dos sonhos, a literatura de Osman Lins, a poesia de Denise Levertov, A palavra na democracia e na psicanálise de Jurandir Freire Costa, o cinema de Pedro Almodóvar, a música de Renato Borghetti, a fotografia de Laszlo
Moholy-Nagy, a arte de Cédric Cazal & Mike Todd aqui.
&
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Imagem: The Last Chapter, da pintora
australiana Janet Agnes Cumbrae Stewart (18883-1960)
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na
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