VAMOS
APRUMAR A CONVERSA? POR ONDE É QUE ANDA O DORO, HEM? – Foi o Rollandry Silvério quem me
apresentou ao Doro – o Doroteu do Brincarte
do Nitolino! – com todas as suas trelas, pacutias e aprontações. Pensei até
que fossem irmãos, tal a parência deles em todos os sentidos. Mas não,
Rollandry trabalhava na Bombonieri do Seu Beija – Benjamim, seu pai – e me
chegou, da primeira vez, num mandú véio fumaçando até no retrato, caindo as
bandas e aos pedaços, pegando no empurrão, pisando no rabo do gato ao debrear e
se peidando todo – será que era cabrito? Acho que incendiário; melhor, como ele
mesmo diz: autofogaréu. – Esse carro num tá pegando fogo, não? Conferi e vi depois
de muito assuntado, que era uma Brasília que não consegui identificar a cor nem
o ano de fabricação. Sei que era esse tipo de veículo, o que dava pra crer,
pelo menos. Ele veio acompanhado do Palhaço Pirulito e do Iraquitan Oliveira que
estavam empestados de fuligem oriunda do fumaceiro do loré, com a proposta de
que eu dirigisse uma peça teatral que eles tencionavam encenar reunindo todos
os grupos amadores do teatro de Palmares. Era grupo como a praga. Nem sabia que
na terrinha tinha tanto. Como eu precisava rumar pra Recife, peguei o texto e
me dispus a adaptá-lo pra uma apresentação nas festas natalinas como eles
queriam. Na data aprazada, estavam todos ensaiados, engalanados e prontos para
se apresentarem no legendário Teatro Cinema Apolo. Foi a partir daí que o
descobri artista plástico escondido e logo batemos o centro numa parceria,
lançando os três números da revistinha em quadrinhos Aventureiros do Una e com um detalhe: as bênçãos de Maurício de
Souza. Retornei pra Palmares e abri um escritório na Praça Ismael Gouveia, no
qual alojei o Rollandry que passou a ser responsável pela criação e confecção
de cartazes e material impresso dos meus shows Por um novo dia e, por tabela, ilustrações do meu quarto livro de
poesias, Canção de Terra. Não lembro
de ter pago um centavo ao rapaz por isso. Mas vamos lá. Nessa época inventei o Circo Itinerante e ele não só atuou
multiprofissionalmente – aliás, uma das suas virtudes e engenhosidades -, como
foi uma das estrelas principais, tanto pela atuação como ator, como pela
exposição de artes plásticas que ele realizou no evento. Ao mesmo tempo, ele
fez outra exposição pra Fundação de Hermilo, denominada Orixás, na gestão da
poetamiga Jussara Koury. Deu-se, então, de Rollandry inquieto, como sempre,
pegar corujão pra São Paulo. De lá me mandou duas cartas, uma dentro da outra,
porque, segundo ele, se uma não chegasse, a outra chegaria sem dúvida. E só. Passaram-se
os anos, na verdade uns vinte anos, quando o reencontrei na condição de Design
de Joias e vendendo de tudo, até os quatro elementos. Essa foi a batida de
centro pro segundo tempo da nossa parceria. Trazendo a trouxa com todos os seus
mijados, mulher e bruguelos a tiracolo, arranchou-se em São Miguel dos Campos,
Alagoas, para uma porrada de atividades: exposição de artes plásticas, teatro
popular, material publicitário, o escambau. O maior dele foi a construção de um
carro volante de som. O veículo: um fusca. E o cara queria que esse carro
carregasse o que só poderia ser transportado por um trator. Resultado: não sei
como o fusquinha aguentou! A ponto do Marcos Palmeira chegar pra mim e dizer: -
Rollandry é um engenheiro que levou pau em cálculo. Depois de muitos incêndios,
decomposições, sobras de material – ele desmontou um carro e ao remontar, tinha
peça pra dois. Quando o Inmetro veio conferir, os caras tiveram um susto: - Um
fusca com tudo isso? Como pode? Tivemos que levar prum elevacar pros caras investigarem
na mais minuciosa conferência como é que aquilo aguentava aquela tuia de coisa
em cima dele. Depois de hora na detalhada fiscalização, aplaudiram o engenheiro
que foi capaz de fazer aquilo, mas com a advertência de encher de luminárias todas
acesas todo dia e o dia todo, para que todo mundo visse quando ele trafegasse
nas rodovias (as luzes todas não era para chamar atenção, era pra avisar que
uma doidice estava no trânsito!). Eu me virei pro Rolandry e ele, num sorriso
enigmático, confidenciou: - Segredos do ofício, é normal. Ninguém sabe como ele
foi capaz de tal proeza, só que deu certo. Pra encurtar a história, não estou
aqui pra macular o amigo, nada disso. É que pra mim todo dia é dia do amigo e
da manutenção das amizades, tanto que o Rollandry é um dos credores que figuram
no elenco das minhas dívidas no rol da Serasa das minhas amizades. Sou devedor –
tô debulhando mesmo uma confissão de dívidas das brabas - de um montante incalculável
a este rapaz, que nem mesmo eu colocando as minhas três futuras encarnações no
empenho, não dará vencimento preu adimplir. Sujeito bom, artista original –
feito daqueles que nascem da terra, produto de obra milagrosa da natureza -, e
dum humor mordaz e inteligente que me orgulha – e muito! – ter o prazer e a
graça de privar da sua amizade (sei não, depois de umas presepadas minhas, sei
não). O melhor dele é a parceria com Dona Márcia: uma ruma de menino,
escadinha, especialmente Alicinha que é um encanto de gente! Beijabrações
procês todos, ocês moram no meu coração. (Eita, esqueci de contar as últimas do
Doro. Tem nada não, fica pra outra!). E vamos aprumar a conversa conferindo
mais das artes dele aqui e mais aqui e aqui.
Imagem: Still-Life with Musical Instruments and Fruit, do pintor italiano Cristoforo Munari (1667-1720)
Curtindo o álbum infantil Adriana Partimpim (BMG/Ariola,
2004), da cantora e compositora Adriana Calcanhoto.
BRINCARTE
DO NITOLINO – Hoje é dia
de reprise do programa Brincarte do
Nitolino pras crianças de todas as idades, nos horários das 10hs e das
15hs, no blog do Projeto MCLAM, com apresentação de Isis Corrêa Naves. No blog
estão dispostas as parcerias Brincarte, com os eventos que culminaram com a
publicação das antologias Brincarte, edições de 1998 e 1999, resultado do Prêmio Nascente de Arte Infanto-Juvenil,
homenageando os participantes do certame, bem como os parceiros, o advogado e
executivo do setor automobilístico, Ismael Oliveira, o empresário Marcos
Alexandre Martins Palmeira e a arte de Rollandry Silvério. Para conferir clique
aqui ou aqui.
O
QUE É REVOLUÇÃO – A obra O que é revolução (Brasiliense, 1981), do sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995),
tratando sobre o emprego corrente da designação do termo revolução a partir do
entendimento de que são “[...] designar
alterações contínuas ou súbitas que ocorrem na natureza ou na cultura”,
chamando atenção para a compreensão de que se trata de mudanças drásticas e
violentas da estrutura da sociedade, admitindo a tendência a torná-la um fato
mítico e heroico, romântico, individualizado. Do livro destaco o trecho O que
se deve entender por revolução: A palavra revolução tem sido empregada de modo a
provocar confusões. Por exemplo, quando se fala de "revolução
institucional", com referência ao golpe de Estado de 1964. É patente que
aí se pretendia acobertar o que ocorreu de fato, o uso da violência militar
para impedir a continuidade da revolução democrática (a palavra correta seria
contrarrevolução: mas quais são os contrarrevolucionários que gostam de se ver
na própria pele?). Além disso, a palavra "revolução" encontra
empregos correntes para designar alterações contínuas ou súbitas que ocorrem na
natureza ou na cultura (coisas que devemos deixar de lado e que os dicionários
registram satisfatoriamente). No essencial, porém, há pouca confusão quanto ao
seu significado central: mesmo na linguagem de senso comum, sabe-se que a
palavra se aplica para designar mudanças drásticas e violentas da estrutura da
sociedade. Daí o contraste frequente de "mudança gradual" e
"mudança revolucionária" que sublinha o teor da revolução como uma
mudança que "mexe nas estruturas", que subverte a ordem social
imperante na sociedade. O debate terminológico não nos interessa por si mesmo.
É que o uso das palavras traduz relações de dominação. Se um golpe de Estado é
descrito como "revolução", isso não acontece por acaso. Em primeiro
lugar, há uma intenção: a de simular que a revolução democrática não teria sido
interrompida. Portanto, os agentes do golpe de Estado estariam servindo à Nação
como um todo (e não privando a Nação de uma ordem política legítima com fins
estritamente egoístas e antinacionais). Em segundo lugar, há uma intimidação:
uma revolução dita as suas leis, os seus limites e o que ela extingue ou não
tolera (em suma, golpe de Estado criou uma ordem ilegítima que se inculcava redentora; mas, na realidade, o "império da lei"
abolia o direito e implantava a "força das baionetas": não há mais
aparências de anarquia, porque a própria sociedade deixava de secretar suas
energias democráticas). No conjunto, o golpe de Estado extraía a sua vitalidade
e a sua autojustificação de argumentos que nada tinham a ver com "o
consentimento" ou com "as necessidades" da Nação como um todo.
Ele se voltava contra ela porque uma parte precisava anular e submeter
a outra à sua vontade e discrição pela força bruta (ainda que mediada por
certas instituições). Nessa conjuntura, confundir os espíritos quanto ao
significado de determinadas palavras-chave vinha a ser fundamental. É por aí
que começa a inversão das relações normais de dominação. Fica mais difícil para
o dominado entender o que está acontecendo e mais fácil defender os abusos e as
violações cometidas pelos donos do poder. O marco de 1964 (completado pelo
apogeu a que chegou o golpe em 1968-1969) ilustra muito bem a natureza da
batalha que as classes trabalhadoras precisam travar no Brasil. Elas precisam
libertar-se da tutela terminológica da burguesia (isto é, de relações de
dominação que se definem, na área da cultura, como se fossem parte do ar que
respiramos ou "simples palavras"). Ora, em uma sociedade de classes
da periferia do mundo capitalista e de nossa época, não existem "simples
palavras". A revolução constitui uma realidade histórica; a
contrarrevolução é sempre o seu contrário (não apenas a revolução pelo avesso:
é aquilo que impede ou adultera a revolução). Se a massa dos trabalhadores
quiser desempenhar tarefas práticas específicas e criadoras, ela tem de se
apossar primeiro de certas palavras-chave (que não podem ser compartilhadas com
outras classes, que não estão empenhadas ou que não podem realizar aquelas
tarefas sem se destruírem ou sem se prejudicarem irremediavelmente). Em
seguida, deve calibrá-Ias cuidadosamente, porque o sentido daquelas palavras
terá de confundir-se, inexoravelmente, com o sentido das ações coletivas
envolvidas pelas mencionadas tarefas históricas. [...]. Veja mais aqui.
OLGA BENÁRIO – O livro Olga (Companhia das Letras, 2004), do escritor Fernando Morais, trata da biografia da militante comunista alemã de
origem judaica Olga Benário Prestes
(1908-1942), que veio para o Brasil por determinação da Internacional
Comunista, em 1934, para apoiar o Partido Comunista Brasileiro, tornando-se
companheira de Luis Carlos Prestes e com o objetivo de liderar uma revolução
armada com o apoio de Moscou, até ser presa quando estava grávida e deportada
pelo Governo Vargas para a Alemanha Nazista, prisioneira da Gestapo, sendo
executada na câmara de gás, aos 34 anos de idade, no dia 23 de abril de 1942.
Da obra destaco o trecho: A reportagem que
você vai ler agora relata fatos que aconteceram exatamente como estão descritos
neste livro; a vida de Olga Benario Prestes, uma história que me fascina e
atormenta desde a adolescência, quando ouvia meu pai referir-se a Fílinto
Müller como o homem que tinha dado a Hitler, "de presente", a mulher
de Luís Carlos Prestes, uma judia comunista que estava grávida de sete meses.
Perseguido por essa imagem, decidi que algum dia escreveria sobre Olga, projeto
que guardei com avareza durante os anos negros do terrorismo de estado no
Brasil, quando seria inimaginável que uma história como esta passasse incólume
pela censura. Logo que iniciei a investigação para escrever este livro, há
quase três anos, percebi que as dificuldades para recompor o retrato de Olga
seriam muito maiores do que supunha. No Brasil não havia praticamente nada
sobre o personagem - e surpreendi-me a descobrir que até mesmo a historiografia
oficial do movimento operário brasileiro, produzida por partidos ou
pesquisadores marxistas, relegara invariavelmente a ela o papel subalterno de
"mulher de Prestes" – e nada mais do que isto. Em tudo o que pude ler
não encontrei mais do que alguns parágrafos vagos e superficiais. A esta
circunstância se somava outro obstáculo: se estivesse viva, Olga teria hoje 77
anos –e como sua militância política se deu muito precocemente, a maioria dos
personagens que conviveram com ela estavam mortos. Os poucos sobreviventes que
testemunharam sua saga na Alemanha ou no Brasil – eram, no mínimo,
octogenários, nem todos com memória ou condições de saúde para desenterrar
detalhes de episódios acontecidos há pelo menos meio século. Minha primeira e
óbvia investida foi sobre Luís Carlos Prestes. As tardes de sábado o que lhe
roubei no Rio de Janeiro produziram páginas e páginas de preciosas informações,
muitas delas inéditas. E ao lutar para romper a barreira que ele se impunha
para evitar falar de questões pessoais, muitas vezes me comovia o perceber que
o rígido comunista que transmitia a imagem de um homem de aço não escondia sua
emoção ao revelar minúcias da personalidade de sua falecida mulher ou rememorar
passagens da curta e emocionante vida em comum que tiveram. Dono de memória
prodigiosa, Prestes foi capaz de reviver com precisão a hora de um embarque ou
as exatas palavras de um diálogo ocorrido há cinquenta anos. Foram poucos os
casos de informações dadas por ele que, compulsadas com processos e documentos
oficiais da época, resultaram incorretas. Dos rolos de fita gravada de seus
depoimentos surgiram novos fatos e personagens da revolta comunista de 1935, em
cuja busca parti em seguida. Simultaneamente o jovem advogado e bibliófilo
Antonio Sérgio Ribeiro (um dos maiores estudiosos de Carmem Miranda em nosso
país) vasculhava coleções de jornais e revistas da época. O passo seguinte
envolveu uma viagem à República Democrática Alemã, onde, ao contrário do que
ocorrera no Brasil, localizei um verdadeiro tesouro. Heroína nacional cujo nome
batiza dezenas de escolas e fábricas, Olga teve sua memória carinhosamente
preservada pelos comunistas de sua terra. Nos arquivos do Instituto de
Marxismo-Leninismo, no Comitê de Resistentes Antifascistas ou nos pequenos
museus montados no campo de concentração de Ravensbrücken e o campo de
extermínio de Bernburg (ambos preservados tais como foram encontrados pelas
tropas aliadas), obtive cópias de todos os documentos e fotografias referentes
a Olga Benario. Com a preciosa ajuda de Alexandre Fischer e Katharina
Schneider, intérpretes destacados pelo governo da RDA para auxiliar-me na
pesquisa, não só selecionei e reproduzi todo o material disponível, como
entrevistei creio que todos os velhos militantes que tinham convivido com Olga
na Juventude Comunista, nos anos 20 e, uma década depois, nas prisões e campos
de concentração nazistas. [...] Este livro foi transformado em filme com o
título de Olga: muitas paixões numa só vida (2004), dirigido por Jayme
Monjardim e com música de Marcus Viana. Veja mais aqui e aqui.
CANTO PRIMEIRO – Na obra O Uruguai, do poeta luso-brasileiro Basílio da Gama (1740-1795), encontro o Canto Primeiro, o qual
destaco a seguir: Fumam ainda nas
desertas praias / Lagos de sangue tépidos e impuros / Em que ondeiam cadáveres
despidos, / Pasto de corvos. Dura inda nos vales / O rouco som da irada
artilheria. / MUSA, honremos o Herói que o povo rude / Subjugou do Uraguai, e
no seu sangue / Dos decretos reais lavou a afronta. / Ai tanto custas, ambição
de império! / E Vós, por quem o Maranhão pendura / Rotas cadeias e grilhões
pesados, / Herói e irmão de heróis, saudosa e triste / Se ao longe a vossa
América vos lembra, / Protegei os meus versos. Possa entanto / Acostumar ao voo
as novas asas / Em que um dia vos leve. Desta sorte / Medrosa deixa o ninho a
vez primeira / Águia, que depois foge à humilde terra / E vai ver de mais perto
no ar vazio / O espaço azul, onde não chega o raio. / Já dos olhos o véu tinha
rasgado / A enganada Madri, e ao Novo Mundo / Da vontade do Rei núncio severo /
Aportava Catâneo: e ao grande Andrade / Avisa que tem prontos os socorros / E
que em breve saía ao campo armado. / Não podia marchar por um deserto / O nosso
General, sem que chegassem / As conduções, que há muito tempo espera. / Já por
dilatadíssimos caminhos / Tinha mandado de remotas partes / Conduzir os
petrechos para a guerra. / Mas entretanto cuidadoso e triste / Muitas cousas a
um tempo revolvia / No inquieto agitado pensamento. / Quando pelos seus guardas
conduzido / Um índio, com insígnias de correio, / Com cerimônia estranha lhe
apresenta / Humilde as cartas, que primeiro toca / Levemente na boca e na
cabeça. / Conhece a fiel mão e já descansa / O ilustre General, que viu,
rasgando, / Que na cera encarnada impressa vinha / A águia real do generoso
Almeida. / Diz-lhe que está vizinho e traz consigo, / Prontos para o caminho e
para a guerra, / Os fogosos cavalos e os robustos / E tardos bois que hão de
sofrer o jugo / No pesado exercício das carretas. / Não tem mais que esperar, e
sem demora / Responde ao castelhano que partia, / E lhe determinou lugar e
tempo / Para unir os socorros ao seu campo. / Juntos enfim, e um corpo do outro
à vista, / Fez desfilar as tropas pelo plano, / Por que visse o espanhol em
campo largo / A nobre gente e as armas que trazia. / Vão passando as esquadras:
ele entanto / Tudo nota de parte e tudo observa / Encostado ao bastão. Ligeira
e leve / Passou primeiro a guarda, que na guerra / É primeira a marchar, e que
a seu cargo / Tem descobrir e segurar o campo. / Depois desta se segue a que
descreve / E dá ao campo a ordem e a figura, / E transporta e edifica em um
momento / O leve teto e as movediças casas, / E a praça e as ruas da cidade
errante. / Atrás dos forçosíssimos cavalos / Quentes sonoros eixos vão gemendo
/ Co’ peso da funesta artilheria. / Vinha logo de guardas rodeado / - Fontes de
crimes - militar tesouro, / Por quem deixa no rego o curvo arado / O lavrador,
que não conhece a glória; / E vendendo a vil preço o sangue e a vida / Move, e nem sabe por que move, a guerra. / Intrépidos
e imóveis nas fileiras, / Com grandes passos, firme a testa e os olhos / Vão
marchando os mitrados granadeiros, / Sobre ligeiras rodas conduzindo / Novas
espécies de fundidos bronzes / Que amiúdam, de prontas mãos servidos, / E
multiplicam pelo campo a morte. / Que é este, Catâneo perguntava, / Das brancas
plumas e de azul e branco / Vestido, e de galões coberto e cheio, / Que traz a
rica cruz no largo peito? / Geraldo, que os conhece, lhe responde: / É o
ilustre Meneses, mais que todos / Forte de braço e forte de conselho. / Toda
essa guerreira infanteria, / A flor da mocidade e da nobreza / Como ele azul e
branco e ouro vestem. / Quem é, continuava o castelhano, / Aquele velho
vigoroso e forte, / Que de branco e amarelo e de ouro ornado / Vem os seus
artilheiros conduzindo? / Vês o grande alpoim. Este o primeiro / Ensinou entre
nós por que caminho / Se eleva aos céus a curva e grave bomba / Prenhe de fogo;
e com que força do alto / Abate os tetos da cidade e lança / Do roto seio
envolta em fumo a morte. / Seguiam juntos o paterno exemplo / Dignos do grande
pai ambos os filhos. / Justos céus! E é forçoso, ilustre Vasco, / Que te
preparem as soberbas ondas, / Longe de mim, a morte e a sepultura? / Ninfas do
amor, que vistes, se é que vistes, / O rosto esmorecido e os frios braços, / Sobre
os olhos soltai as verdes tranças. / Triste objeto de mágoa e de saudade, / Como
em meu coração, vive em meus versos. /Com os teus encarnados granadeiros / Também
te viu naquele dia o campo, / Famoso Mascarenhas, tu, que agora / Em doce paz,
nos menos firmes anos, / Igualmente servindo ao rei e à pátria, / Ditas as leis
ao público sossego, / Honra de Toga e glória do Senado. / Nem tu, Castro
fortíssimo, escolheste / O descanso da pátria: o campo e as armas / Fizeram
renovar no ínclito peito / Todo o heroico valor dos teus passados. / Os últimos
que em campo se mostraram / Foram fortes dragões de duros peitos, / Prontos
para dous gêneros de guerra, / Que pelejam a pé sobre as montanhas, / Quando o
pede o terreno; e quando o pede / Erguem nuvens de pó por todo o campo / Co’
tropel dos magnânimos cavalos. / Convida o General depois da mostra, / Pago da
militar guerreira imagem, / Os seus e os espanhóis; e já recebe / No pavilhão
purpúreo, em largo giro, / Os capitães a alegre e rica mesa. / Desterram-se os
cuidados, derramando / Os vinhos europeus nas taças de ouro. / Ao som da
ebúrnea cítara sonora / Arrebatado de furor divino / Do seu herói, Matúsio
celebrava / Altas empresas dignas de memória. / Honras futuras lhe promete, e
canta / Os seus brasões, e sobre o forte escudo / Já de então lhe afigura e lhe
descreve / As pérolas e o título de Grande. / Levantadas as mesas, entretinham
/ O congresso de heróis discursos vários. / Ali Catâneo ao General pedia / Que
do princípio lhe dissesse as causas / Da nova guerra e do fatal tumulto. / Se
aos Padres seguem os rebeldes povos? / Quem os governa em paz e na peleja? / Que
do premeditado oculto Império / Vagamente na Europa se falava / Nos seus
lugares cada qual imóvel / atende da sua boca: atende em roda / Tudo em
silêncio, e dá princípio Andrade: / O nosso último rei e o rei de Espanha / Determinaram,
por cortar de um golpe, / Como sabeis, neste ângulo da terra, / As desordens de
povos confinantes, / Que mais certos sinais nos dividissem / Tirando a linha de
onde a estéril costa, / E o cerro de Castilhos o mar lava / Ao monte mais
vizinho, e que as vertentes / Os termos do domínio assinalassem. / Vossa fica a
Colônia, e ficam nossos / Sete povos, que os Bárbaros habitam / Naquela
oriental vasta campina / Que o fértil Uraguai discorre e banha. / Quem podia
esperar que uns índios rudes, / Sem disciplina, sem valor, sem armas, / Se
atravessassem no caminho aos nossos, / E que lhes disputassem o terreno! / Enfim
não lhes dei ordens para a guerra:/ Frustrada a expedição, enfim voltaram. / Co’
vosso general me determino / A entrar no campo juntos, em chegando / A doce
volta da estação das flores. / Não sofrem tanto os índios atrevidos: / Juntos
um nosso forte entanto assaltam. / E os padres os incitam e acompanham. / Que,
à sua discrição, só eles podem / Aqui mover ou sossegar a guerra. / Os índios
que ficaram prisioneiros / Ainda os podeis ver neste meu campo. / Deixados os
quartéis, enfim partimos / Por diversas estradas, procurando / Tomar no meio os
rebelados povos. / Por muitas léguas de áspero caminho, / Por lagos, bosques,
vales e montanhas, / Chegamos onde nos impede o passo / Arrebatado e caudaloso
rio. / Por toda a oposta margem se descobre / De bárbaros o número infinito / Que
ao longe nos insulta e nos espera. / Preparo curvas balsas e pelotas, / E em
uma parte de passar aceno, / Enquanto em outra passo oculto as tropas. / Quase
tocava o fim da empresa, quando / Do vosso general um mensageiro / Me afirma
que se havia retirado: / A disciplina militar dos índios / Tinha esterilizado
aqueles campos. / Que eu também me retire, me aconselha, / Até que o tempo
mostre outro caminho. / Irado, não o nego, lhe respondo: / Que para trás não
sei mover um passo. / Venha quando puder, que eu firme o espero. / Porém o rio
e a forma do terreno / Nos faz não vista e nunca usada guerra. / Sai furioso do
seu seio, e toda / Vai alagando com o desmedido / Peso das águas a planície
imensa. / As tendas levantei, primeiro aos troncos, / Depois aos altos ramos:
pouco a pouco / Fomos tomar na região do vento / A habitação aos leves passarinhos.
/ Tece o emaranhadíssimo arvoredo / Verdes, irregulares, e torcidas / Ruas e
praças, de uma e de outra banda / Cruzadas de canoas. Tais podemos / Co’a
mistura das luzes, e das sombras / Ver por meio de um vidro transplantados / Ao
seio de Ádria os nobres edifícios, / E os jardins, que produz outro elemento. /
E batidas do remo, e navegáveis / As ruas da marítima Veneza. / Duas vezes a
lua prateada / Curvou no céu sereno os alvos cornos, / E inda continuava a
grossa enchente. / Tudo nos falta no país deserto. / Tardar devia o espanhol
socorro. / E de si nos lançava o rio e o tempo. / Cedi, e retirei-me às nossas
terras. / Deu fim à narração o invicto Andrade / E antes de se soltar o
ajuntamento, / Com os régios poderes, que ocultara, / Surpreende os seus, e os
ânimos alegra, / Enchendo os postos todos do seu campo. / O corpo de dragões a
Almeida entrega, / E Campo das Mercês o lugar chama. Veja mais aqui, aqui e
aqui.
O
TEATRO E A CIÊNCIA – No livro Estudos sobre teatro (Nova Fronteira, 1978), do dramaturgo e poeta alemão Bertolt
Brecht (1898-1956), encontro, entre outros, textos, O teatro e a ciência,
na parte dedicada ao Teatro Recreativo ou Teatro Didático, o qual destaco a
seguir: Mas que tem a ciência a ver com a arte?
Sabemos perfeitamente que a ciência pode ser motivo de diversão, mas nem tudo o
que diverte tem cabimento num palco. Já muitas vezes, ao apontar os
incalculáveis serviços que a ciência moderna, devidamente empregada, pode
prestar à arte e, em especial, ao teatro, me contestaram que a arte e a ciência
são dois domínios valiosos, mas totalmente diversos, da atividade humana. Tal
asserção é, naturalmente um terrível lugar-comum, o que não nos impede de
afirmar, desde já, de fato, certa, como a maioria dos lugares-comuns. A arte e
a ciência atuam de maneiras muito diferentes, não o nego. No entanto, devo
confessar, por muito que vos fira a sensibilidade, que não me é possível
subsistir como artista sem me servir da ciência. É possível que esta afirmação
suscite em muitas pessoas sérias dúvidas acerca das minhas aptidões artísticas.
Estão habituadas a ver nos poetas seres sem par, seres quase anormais, que, com
uma certeza verdadeiramente divina, conhecem coisas que aos outros só é dado
conhecer com grande esforço e muita aplicação. É, naturalmente, desagradável
ter de admitir que não pertencemos ao número desses seres eleitos. Não podemos,
porem, deixar de admiti-lo. Não podemos também deixar de objetar a que se
considerem as tarefas científicas daqueles que declaradamente as professam ocupação
secundárias (como tal perfeitamente admissível) que são desempenhadas ao serão
depois do trabalho feito. Bem sabemos que Goethe se dedicou também às ciências
naturais e Schiller à história e que estes fatos são muito condescendentemente
tolerados como uma espécie de mania. Não pretendo acusar ambos, sem mais nem
menos, de terem necessitado destas ciências para a sua atividade poética, não
pretendo desculpar-me com eles, mas devo dizer que, por mim, necessito das
ciências. E tenho, mesmo, de admitir que não vejo com bons olhos quem não
esteja ao nível de um conhecimento científico, isto é, que cante tal como as
aves, ou como se supõe cantarem as aves. Não quer isso dizer que rejeite uma
bela poesia que tenha por tema o paladar que se encontra numa solha ou o prazer
que se tem numa excursão náutica,. Apenas porque o autor não estudou
gastronomia ou ciência náutica. Mas creio que só poderão ser cabalmente
conhecidos aqueles grandes e complexos acontecimentos do mundo dos homens que,
para melhor compreensão, chamarem a si todos os recursos possíveis. Suponhamos
que havia a representar grandes paixões ou acontecimentos, desses que
influenciam o destino dos povos. O instinto do Poder, por exemplo, surge-nos,
hoje em dia, como uma grande paixão. Supondo que um poeta sentia este instinto,
supondo que pretendia mostrar-nos alguém que ambicionasse o Poder – como poderá
esse poeta conhecer o complicado mecanismo exterior adentro do qual se luta,
hoje, pelo Poder? Se o herói que nos propõe é um politico, como se faz, hoje, a
política? Se é um homem de negócios, como se fazem, hoje, os negócios? Mas há
poetas que se interessam muito menos apaixonadamente pelo instinto do Poder do
individuo do que pelos negócios ou pela política! Como deverão eles proceder
para conseguirem os necessários conhecimentos? Limitando-se a andarem por aí,
de olhos abertos, pouco averiguarão e, contudo, isso já seria mais do que
apenas revirar os olhos num ataque de loucura. A função de um jornal como
Volkischen Beobachter ou de uma firma como a Standard Oil é algo bastante
complexo, algo que não se poderá conhecer por simples milagre. A psicologia é
um importante domínio para os dramaturgos. Há quem suponha que, conquanto um
homem vulgar não seja capaz de descobrir, sem um esclarecimento cabal, os
motivos que levaram alguém a um assassínio, um poeta dispõe dessa
possibilidade; poderá dar, baseando-se em si próprio, a imagem do estado de
espirito do assassino. Para tal, bastará olhar para dentro de si mesmo e por,
além disso, a fantasia a trabalhar, se preciso for... Quanto a mim, uma vasta
série de motivos me impede de abandonar-me à agradável esperança de conseguir
bastar-me a mim próprio de uma forma tão cômoda. Já não consigo encontrar em
mim próprio todos os fundamentos de ação observador no homem que vem
transcritos em artigos de jornais ou de publicações científicas. Tal como
sucede a um vulgar juiz no momento em que é proferida a condenação, sou incapaz
de imaginar satisfatoriamente o estado de espirito de um assassino. A moderna
psicologia, da psicanalise ao behaviorismo, proporciona-me conhecimentos que me
facilitam uma apreciação totalmente diversa do caso em questão, muito
especialmente se tomar em conta os dados da sociologia e não desprezar a
economia e a história. Dir-me-ão que o que proponho é complicado, ao que não
poderei responder senão afirmativamente. Talvez acabem por se convencer e por
concordar comigo em que há uma boa porção de literatura que é bastante
primitiva, mas, perguntem ainda, profundamente preocupados: uma noite de teatro
não passará, então, a ser uma coisa tremenda? A resposta é negativa. Tudo o que
uma poesia contiver de caracter cientifico tem de estar completamente
transposto para o plano da poesia. Este aproveitamento poético de elementos
científicos bem também contribuir para o prazer que nos advém do aspecto
poético propriamente dito. Porém, para que tal transposição não resulte em
prejuízo do prazer científico, é necessário aprofundar o pendor para uma intima
penetração nas coisas, é necessário cultivar o desejo de tornar o mundo
susceptível de ser dominado: deste modo, nos asseguraremos, numa época de
grandes descobertas e invenções, da fruição da sua poesia. Veja mais aqui, aqui,
aqui e aqui.
A
RAINHA MARGOT – O drama histórico A
rainha Margot (La reine Margot, 1994), dirigido pelo cineasta, ator,
realizador, encenador e produtor francês, Patrice Chéreau, baseado no livro de Alexandre Dumas, com
roteiro de Danièle Thompson e Patrice Chéreau, contando a história dos últimos
anos da Casa de Valois, como casa real da França, com as perseguições
religiosas aos protestantes, incluindo o massacre da noite de São Bartolomeu,
de 24 de agosto de 1572. O filme arrebatou diversos prêmios, entre eles o Cesar
1995 de melhor atriz para a belíssima francesa Isabelle Adjani e recebeu o Premio do Júri do Festival de Cannes,
em 1994. A atriz tem sempre sido destacada aqui por sua beleza incomparável e seu premiadíssimo talento confirmado nas suas participações nos mais diversos filmes que tive oportunidade de conferir. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
DOAÇÃO
DE LIVROS – O Clube Literário de
Andrelândia (CLAN-MG), por meio da poetamiga Sonia Medeiros Imamura, está recebendo doação de livros para a
Biblioteca CLAN que será inaugurada no final de agosto e que será denominada de
Biblioteca Escritor Mario Cleber da Silva, um dos fundadores do Clube falecido
recentemente. Os interessados em enviar doações, enviem para Clube Literário de
Andrelândia (CLAN - Fundação Guairá) Av. Nossa Senhora do Porto da Eterna
Salvação, 271 Andrelândia, MG – Brasil 37.300-000. Maiores detalhes confira
aqui.
IMAGEM DO DIA
A arte do
artista plástico, ator e agitador cultural Rollandry Silvério.
VAMOS APRUMAR A CONVERSA?
Aprume aqui.
Veja mais sobre:
Palco da vida, A terceira mulher de Gilles Lipovetsky,
Toda palavra de Viviane Mosé, A vida mística de Jesus de Harvey Spencer Lewis,
a música de Andersen Viana, Roseli Rodrigues & Balé
Teatro Guaíra, a pintura de Maria Szantho & Katia
Kimieck, a arte de Maxime des Touches & Vavá Diehl aqui.
E mais:
O dia fora do tempo, Vida pra
o consumo de Zygmunt Bauman, Salambô de Gustave Flaubert, Hino à beleza
de Charles Baudelaire, Lisístrata de Aristófanes, a música de Jean-Philippe Rameau, Valeria Messalina, a arte de Alan Moore, a pintura de Anita Malfatti & Jaroslav Zamazal aqui.
Auto-de-fé de Elias Canetti, a música de Alfredo Casella & Celia Mara, Gestão de Pessoas, a arte de Paula Valéria de Andrade
& Lou Albergária aqui.
O ser humano e seus
papéis construtivos e não-construtivos
aqui.
Errâncias da paixão aqui.
Dhammapada de Acharya Buddhrakkhita, Natureza humana de Abraham Maslow, Educação de
José Carlos Libâneo, Responsabilidade civil da propriedade, a arte de Kristina
Laurendi Haven aqui.
Cadê o padre Bidião?, História
da criança e da família de Philippe Ariès, O sol também se levanta de
Ernest Hemingway, Espelho convexo de Celina Ferreira, O teatro e o seu duplo de
Antonin Artaud, a música de Catherine
Malfitano & Mawaca, o cinema de Lizzie Borden & Sean Young, a pintura de Emil Orlik & Miles Mathis, Programa Tataritaritatá & muito mais aqui.
Entre as pinoias duns dias de antanho & a
pintura de John La Farge aqui.
A vida é uma canção de amor & a
arte de Milo Manara aqui.
&
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na
Terra:
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.