domingo, janeiro 04, 2015

GIOVANNA FRENE, NANCY LEE, JHUMPA LAHIRI, HELEN CRESSWELL & NINA DE CALLIAS.

 


NINA DE CALLIAS - Era Anne-Marie aquela canceriana filha do advogado de Lyon e que era Gaillard antes do seu casamento com o conde Callias do Le Figaro. Na verdade era Nina, conhecida por seu salão literário e artístico de Paris, aquela mesma do caso de amor que inspirou o Le Coffret de santal do Cross. Sim, era a Parisiena com um soneto decorado pela paixão. Era a Dame aux éventails de Manet deitada preguiçosamente no sofá e eu um simples jovem que ao seu redor me embevecia com o Parnassians, em seu apartamento da Chaptal. Tão sedutora ao piano, eu me encantava com La Jalousie du jeune Dieu. Era a Odalisc de Manet com o seu apaixonante dedilhado no Tristan & Iseult. Era cortejada, celebrada aos versos, admirada nas festas. Mas a Guerra Franco-Prussiana a fez fugir para Genebra adotando exilada o sobrenome materno Villard. Ao retornar na primavera teve participação efetiva no Dixains Réalistes e no The Hydropaths. E me embalou ao som da Fantaisie sur Rigoletto instalada perto da barreira de Clichy. Desprezada por todos, sou a ela fiel e viajei por seu Noturno, fui atento ao seu Romance e me esbaldei diante do Souvenir de Vichy. O seu salão era tido por suspeito, desclassificado, marginal, mas foi ali que testemunhei o Feuillets parisiens, vivi o La Duchesse Diane, me encantei com La Jalousie du jeune Dieu. Era a poeta pianista encantadora e talentosa, uma apaixonante mulher que vivia sua fantasia independente e fora das regras sociais, despreocupada e mundana à loucura e à morte. Insone e nervosa, alcoolizada e morta-viva. Eu quis dançar com ela para sempre à sua Valse Brillante. O meu tributo para a compositora, pianista e escritora francesa Anne-Marie Gaillard (1843-1884), a Nina que era de Villard e de Callias. Veja mais aqui, aqui e aqui.

 


DITOS & DESDITOS - As máquinas são o ópio das massas. Se todas as máquinas fossem lançadas amanhã no Mar do Norte, estaríamos de volta ao Jardim do Éden. E o tempo provavelmente melhoraria. A mãe e o pai dizem que devemos nos orgulhar das conquistas. Dizem que é um erro inato subestimarem-se. Seu pecado favorito é o orgulho que imita humildade... Você deve ter a coragem de suas convicções... A única boa razão para nadar, até onde posso ver, é escapar de um afogamento. Nasci na família errada. O senso de humor é considerado um sinal de saúde mental - além dos trocadilhos excessivos, que é outra questão. Um véu de segredo deve ser preservado... Pensamento da escritora inglesa Helen Cresswell (1934-2005).

 

ALGUÉM FALOU: Você ainda é jovem, livre. Faça um favor a si mesmo. Antes que seja tarde demais, sem pensar muito nisso primeiro, arrume um travesseiro e um cobertor e veja o máximo que puder do mundo. Você não vai se arrepender. Um dia será tarde demais... Pensamento da premiada escritora estadunidense de origem indiana. Jhumpa Lahiri, que no livro Interpreter of Maladies (Mariner, 1999), expressou que: [...] Mesmo assim, há momentos em que fico perplexo com cada quilômetro que viajei, cada refeição que comi, cada pessoa que conheci, cada quarto em que dormi. Por mais comum que tudo pareça, há momentos em que está além da minha imaginação. [...] Enquanto os astronautas, heróis para sempre, passaram apenas algumas horas na Lua, eu permaneci neste novo mundo durante quase trinta anos. Eu sei que minha conquista é bastante comum. Não sou o único homem a buscar fortuna longe de casa e certamente não sou o primeiro. Mesmo assim, há momentos em que fico perplexo com cada quilômetro que percorri, cada refeição que fiz, cada pessoa que conheci, cada quarto em que dormi. Por mais comum que tudo pareça, há momentos em que está além da minha imaginação. [...]. No The Lowland (Vintage, 2014), expressou que: [...] O isolamento oferecia a sua própria forma de companheirismo: o silêncio confiável dos seus quartos, a tranquilidade inabalável das noites. A promessa de que encontraria as coisas onde as colocasse, de que não haveria interrupção, nenhuma surpresa. Ele a cumprimentava no final de cada dia e ficava quieto com ela à noite. [...]. Já no Unaccustomed Earth (Vintage, 2009), expressou que: […] Ele possuía uma câmera cara que exigia reflexão antes de apertar o obturador, e eu rapidamente me tornei seu modelo favorito, rosto redondo, falta de dentes, minha franja grossa precisando de um corte. Ainda são as fotos minhas que mais gosto, pois transmitem aquela confiança de juventude que não possuo mais, principalmente diante de uma câmera. [...]. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

 

GAROTAS MORTAS - [...] Você tenta separar aquele garoto da sua vida. A cirurgia é complicada, como algo cortado na selva sem anestesia. Você desconfia das suas preferências, dos seus hábitos, dos seus habituais, se pergunta quais você adotou por causa dele. Quando você começou a preferir os americanos aos cappuccinos? Quando você decidiu que cinquenta dólares era muito para pagar pelo jantar? Na fila de um supermercado, você vasculha sua bolsa em busca do talão de cheques. Você já se perguntou se foi sugestão dele comprar orgânicos, pular o corredor dos cereais e nunca comprar manteiga de amendoim ou laranja da Flórida. [...]. Trecho extraido da obra Dead Girls (Faber & Faber, 2004), da escritora canadense nascida no País de Gales, Nancy Lee, que na obra The Age (McClelland & Stewart, 2014), expressou que: […] Urgentes, necessários e poderosos, estes poemas expõem a hipocrisia de uma sociedade que exige a verdade e depois destrói sistematicamente aqueles que ousam dizê-la. Com destreza lírica e visão impressionante, Amber Dawn detalha a difícil trajetória de criar arte a partir da vida enquanto navega em instituições mergulhadas na opressão estrutural. Não há como exagerar o valor e a importância deste livro, uma tábua de salvação para os sobreviventes, um ponto de viragem, um acerto de contas. [...].

 

DESCRIÇÃO - Eles colocam as mãos em torno de seu sexo primeiro \ enquanto ele ainda está seminu.\ Seus olhos estão bem abertos e ele não sente vergonha.\ Sua boca também está tão aberta que ele não consegue\ falar ou talvez ninguém tenha tempo de ouvi-lo.\ Em segundo lugar, enquanto ele ainda está deitado,\ limpam-lhe o corpo com uma esponja macia,\ apoiando-o nas costas ou nos braços para que não se canse.\ Precisamos prepará-lo como um banquete. Você não pode\ perder a festa\ quando ela estiver preparada.\ Não é hora de ter vergonha de todas aquelas mulheres.\ Eles andam de um lado para o outro \ eles andam para cima e para baixo\ na sala como abelhas em um jardim de inverno.\ Sua voz se perde no zumbido. Eles procuram\ o melhor vestido\ os sapatos mais pretos.\ O que ele deve estar pensando enquanto olha para o teto\ quase surpreso... \ Em terceiro lugar, eu queria dizer,\ agora que estou vestido, não posso falar\ com esse curativo na cabeça e não posso\ ver com minhas pálpebras tão abaixadas.\ Eu olho para suas mãos acima do peito\ transversalmente.\ Um morto não tem pulmões para respirar fundo: está todo\ concentrado na sua morte,\ não pensa no amanhã:\ amanhã \ não existe. Poema da escritora italiana Giovanna Frene (pseudônimo de Sandra Bortolazzo), autora das obras Immagine di voci (Facchin, 1999); Mudança. Poema para a memória (Lietocolle, 2000); Datità, (Manni, 2001); Estado aparente (Lietocolle, 2004); Sara ri (D'If, 2007); O conhecido, o novo (Transeuropa, 2011); e Técnica de sobrevivência para o Ocidente que afunda (Arcipelago Itaca, 2015).

 

SACADOUTRAS


 

PENSAMENTO DO DIA – “Estamos numa época de transição para a humanidade. Uma tomada de consciência se opera, certamente bastante incompleta e imperfeita, mas algo de novo se esboça. [...] Não somos joguetes de uma força obscura ou luminosa. Nosso destino está em nossas mãos, tanto no plano individual quanto no coletivo. [...] Cada um é livre para pensar e agir como melhor lhe convier, segundo suas convicções, suas próprias experiências, seu meio, sua profissão, etc. [...]” (Christian Bernard, Tomada de posição). Veja mais aqui

Imagem: Nu, do artista plástico brasileiro Julio Hübner.

Ouvindo: The Köln Concert, álbum musical premiado pelo Grammy Hall of Fame, de 1975 – ECM Records, de Keith Jarrett.


O GÊNESE AFRICANO: LENDA DA CRIAÇÃOQuando as coisas não existiam ainda, Mebere, o Criador, fez o homem de argila. Tomou a argila e modelou um homem. Assim começou este homem e começou-o como lagarto. Mebere pôs o lagarto num charco de água do mar. Cinco dias se passaram: passou cinco dias com ele no charco das águas e manteve-o lá dentro. Sete dias: esteve dentro sete dias. No oitavo dia, Mebere foi olhar e eis que o lagarto salta, e eus que salta para fora. Transforma-se num homem. E dia ao Criador: Obrigado. (Maravilhas do Conto Africano, organizado por Fernando Correia da Silva. São Paulo: Cultrix, 1962). Veja mais aqui


UNS ACHADOS E DITOS DE NEWTON – O cientista, físico, alquimista, astrônomo e matemático inglês Isaac Newton, além de ser o nome da ciência moderna, sempre saía com umas das suas. Uma delas: “Não sei o que possa parecer aos olhos do mundo, mas aos meus pareço apenas ter sido como um menino brincando à beira-mar, divertindo-me com o fato de encontrar de vez em quando um seixo mais liso ou uma concha mais bonita que o normal, enquanto o grande oceano da verdade permanece completamente por descobrir à minha frente”. Apesar de ouvir cobras e lagartos – das doenças, de Liebniz e de outros matemáticos seus contemporâneos - a respeito desse grande cientista, outra dele merece destaque: “Se fiz descobertas valiosas, foi mais por ter paciência do que qualquer outro talento”. Veja mais aqui


UMA DE POETA – O grande poeta Casimiro de Abreu (1837-1860), quando tentou publicar a sua coletânea dos poemas da juventude, As Primaveras, em 1859, teve de, genuflexo, suplicar ao pai que bancasse o livro. O zoadeiro no juízo do impaciente paterno foi tão grande, que o mesmo pensou consigo: “Vou dar logo esse dinheiro para ver se esse menino tira esse negócio de poesia da cabeça”. Ledo engano. Com a empreitada exitosa, o poeta que, então, se assinava apenas Casimiro Abreu, narrou o fato numa carta que seus poemas desse livro são: “[...] flores que o vento esfolhará amanhã e que valem apenas como promessas dos frutos do outro” e arrematou: “Aumentei o meu nome com o “de”; fica mais aristocrático, o que, no entanto, não priva da pessoa ficar plebeia como sempre”. (Ilka Laurito, O destemido caçador de borboletas). Veja mais aqui e aqui.


O TANGO DE SAURA – Entre os tantos filmes do cineasta espanhol Carlos Saura que me extasiaram, um deles quero destacar agora: Tango. Lindíssimo, extraordinário, cheio de muita sensualidade e maravilha. Envolvente, uma dança que invejo e que jamais aprendi, tocante principalmente nas cenas em que eu podia sacar amiudadamente a beleza da Mia Maestro. Veja mais aqui.


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