TRÍPTICO DQP – A
palavra calada... - Ao som dos álbuns Um cravo bem variado (Vol. 1,1996
– Vol. 2, 2006) e Um pouco de tudo (A Little bit of Everything, 2016) da
pianista Regina Schlochauer. - Lá vou
eu dia mais dia menos insulado em minhas
próprias ideias e arroubos. Sigo como quem perdeu a vírgula e foi expatriado,
quando não estranho em meu próprio país. Apesar de esgotado como se não tivesse
mais nada a fazer, não preciso agradar, nem quero, diante de mim só desvios por
descaminhos e bifurcações, nenhum pouso certo. Escapo e me seguro como posso para
não ser levado de roldão, porque não quero me salvar dessa enlouquecida dissimilitude
no meio de dogmas, superstições e notícias falsas - quantas insuficiências,
privações. Na verdade, quanta gente ofendida, mal-humorada, umbigocentrista com
seus acicates... Vira e mexe, o que rende? Não mais que loas irreveláveis. Vale
dizer, o que quer que se faça, a crassa ignorância de acólitos vetores
ressentidos, abraçados com seus próprios rancores e a repetirem aos borbotões o
que nunca leram do vetusto Oráculo
manual y arte de prudência (Sextante, 2006), do escritor espanhol Baltasar
Gracián y Morales (1601-1658): Não se
vive seguindo uma só opinião, um só costume ou um só século... Não há nada tão
amável quanto a virtude, nem tão detestável quanto o vício. Só a virtude basta
a si mesma. Faz-nos amar os vivos e lembrar os mortos... Um homem atento
percebe que é ou será visto. Sabe que as paredes têm ouvidos e que o que é
malfeito acaba sendo conhecido... Ah, não! Quantas
máscaras pros seus disfarces de homo habilis,
rudolfensis, erectus, heidelbergensis, neanderthalensis, ergasters,
sapiens, fabers, communicans, o ludens do Huizinga, o videns do Sartori, – até o Homo Deus de Yuval Noah Harari:... estamos à beira de uma revolução importante.
Os humanos correm o risco de perder seu valor econômico porque a inteligência
está se desvinculando da consciência... -
e o retrocedens
(Vixe! Nossa! Será mesmo?). Nada por acaso. É como se um guarda-chuva encontrasse
de novo uma máquina de costura sobre a mesa de autópsia para copularem desordenada
e explicitamente. E, por causa disso, o tempo parasse de não mais. Sou salvo
porque, de repente, ela chega e ao presenciar todo meu espanto, recitou-me um
trecho d’O haver de Vinicius de Moraes: Resta, acima de tudo, essa capacidade de
ternura / Essa intimidade perfeita com o silêncio / Resta essa voz íntima
pedindo perdão por tudo / - Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter
nascido... Ah, como é prazeroso
tê-la ali, revê-la, ouvi-la. Em retribuição, saquei do violão e entoei a canção
que fiz para A palavra calada de Vital Corrêa de Araújo: desfibra a palavra quando cala / quando o
caule da árvore da fala / que é vento verbo e alicerce / anoitece / quando as
seivas todas são sugadas / e o trêmulo das folhas proibido / quando os
discursos são lacrados / dentro das praças sitiadas / e o som negado aos
ouvidos / e o grito cortado na garganta / e o medo aberto no meio abrupto do
dia / desfibra a palavra quando a árvore da fala / e os frutos dos gritos são
demolidos / pelos silêncios vivos. Sim, anoitecia. Ao final, ela me premiou um
sorriso, sabia: era a minha forma de escapar da loucura.
Não era apenas uma... – Imagem: arte da artista visual Juliana Valverde: Sigo meu caminho rumo a regeneração fazendo colagens, recortando
colando ressignificando ideias relações inquietações através arte arquitetura
educação. - Sim, ela me salvou da loucura extrema,
muito embora eu saiba que não detenho nenhuma sanidade mental no meio desse
genocídio que virou o meu país, no meio desse tempo escatológico de últimos
instantes. Sim, foi nos braços dela de Vênus
restaurada de Man Ray, como se
fosse Juba na pele da atriz neozelandesa Kerry Fox, a me envolver nas cenas do Intimité (2001)
de Patrice Chéreau, por todas as
manhãs, tardes e noites: embaraçados e sem tem ter o que dizer se não sabíamos
nada um do outro. Nela, nada se equiparava: a vida é música e sequer sei em que direção sopra o vento. Para quem audiófilo ou
melômano tanto faz – afinal, como já dissera o ensaísta e critico literário
inglês, Walter Pater (1839-1894): Toda arte aspira à condição de música. E
ela era música e nela sequer sabia por quantos anos consecutivos. Era ela, nada
mais.
A semana passou... – Tudo
passou e passa. E era Admmauro Gommes
no Congresso Nacional de Escritores que a Semed-Palmares promoveu no meio da
exposição da Biblioteca Municipal das
artes do Pintando na Praça,
oportunidade em que revi amigamigos & outras personagens de décadas
passadas. No Teatro Cinema Apolo, o Carlos Calheiros me levou para um bate-papo
na Associação dos Artesãos Palmarenses e, todos os dias, sem desgrudar das
comemorações da antologia dos 70
Setembros, do poetamigo Juareiz
Correya e o seu Poema vago olhando a
cidade: Minha cidade / ficará
gravada / num poema lívido e vago. / Não será preciso citar becos e ruas / inevitáveis
em sua anatomia. / Nem correr com a memória / as lembranças, e os minutos de
agora. / Minha cidade / não será vista / num poema sentimental. / Conservarei
oculto até o seu nome / neste poema / de amor silente / às suas coisas, a ela
mesma. E esta
cidade sou eu dedilhando a minha canção para o poema dele Ponte sobre águas turvas
e a gente às gaitadas cultuando Ascenso
e festejando Hermilo com os versos do
Americanto amar América e eu me
sentisse abraçado com José Terra e João Guarani ainda meninos na sala da minha casa, com a maior torcida por
Mariama, cantando juntos como se eu fosse Paulo Diniz no Poema para Léa. E era a Livro7 e os sonhos do Recife, os
amigos e as rodadas dos pileques exaltados por becos e ruas, os versos e os
desenganos, a teimosia, o abraço fraterno e a urgência de vida... Saudades demais...
E a salvação novamente é dela no meio do meu naufrágio, sussurrando nua Jhumpa Lahiri ao meu ouvido: Há momentos em que me assombro com cada
quilômetro que viajei, cada refeição que fiz, cada pessoa que conheci, cada
quarto em que dormi. Por comum que pareça, há momentos em que tudo fica além da
minha imaginação... Esta é a verdade sobre os livros: eles permitem que você
viaje sem mover seus pés. Tudo é vivo,
transpira e geme... Até mais ver.
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