CREOLINALDA, A
REENCARNAÇÃO DE FRINEIA... – (Imagem: art by Hamish Blakely) Creolinalda vivia todo dia só de escrever
no diário e resolveu partir pra ação. Sim, justo no dia que tomou conhecimento da
vida de Frineia Mnesarete, que colhia alcaparras e tinha vários nomes - entre
eles o de memória da virtude, que ela mesmo mudou porque comparavam-na com uma
rã. Em verdade chamavam-na de Saperdion, nome que depois até assumiu. Era uma
cortesã de extraordinária beleza e muito rica da Beócia. Uma história
fascinante aos seus olhos e, tal qual ela, para lá de injustiçada: Sou a
reencarnação dela. E pesou prós e contras, aferiu o resultado e mandou ver
assumindo a persona. Começou encarando logo um conflituoso enfrentamento com
seu pai Epicles – até nisso, talqualzinho. Depois deu um trato nas madeixas,
hidratou a pele, vestiu-se dum maiô menor que o seu tamanho e, pôs por cima, um
vestido provocativo com decote pronunciado, saias soltas e colado dos quadris
aos ombros. Pronta foi desfilar pelas ruas provocando olhos esbugalhados com
seu rebolado: Pronde ela vai tão faceira? Foi até à margem do rio, exibiu sua
formosura, soltou os cabelos, despiu-se e entrou nua nas águas, à vista do povo
que a perseguia. Milagre! Para quem presenciou era a ressurreição de Afrodite.
Os marmanjos da cidade testemunharam em peso, todos pendurados delirantes - uns
às quedas de maduro; outros se sustentavam entre galhos e capoeiras, como
podiam. Lá pras tantas ela emerge exuberantemente faceira, veste-se e retorna
desfilando para sua residência. Por dias foi o assunto dominante nas fofocas
simpatizantes e antipatizadas da cidade. Não faltou assédio dos mais
atarantados machos, até um ricaço que chegou com um buquê de flores, coração na
carteira e chamando-a de Sapozinho. Artistas assediavam-na para posar em suas
pretensas obras de artes e não se fez de rogada: foi Maria Madalena para os
pincéis de Apeles, foi Vênus para as telas de Praxíteles, foi santa beldade nua
para os desenhos de Knidos. Essa moça virou puta! -, gritava-lhe o pai revoltado
com uma ruma de descarados poetas a sacudir-lhe versos apaixonados. Não
faltaram à sua porta saraus apaixonados promovidos por pretensos Bilac,
Baudelaire e Rilke, outros tantos poetastros com zis versos afetados, uma suposta
ópera de Saint-Saens, um pretenso filme de Blasetti e a nomeação de um
asteróide pelos fanáticos cientistas locais. Até um padre desencaminhou-se para
exaltar com todo tipo de apologias a hetera de Téspias. Dali em diante começou
a usar umas saias justas e curtas, um decote pronunciado, um rebolado cativante
e, todo dia, ia tomar banho no rio para desespero de espectadores ávidos. Dizem
que até Luís Gonzaga sapecou um xote tataritaritatá pra ela. Mais provocante
exibia-se na janela enxugando os cabelos, esfregando-se sedutora. Como nunca
usou de maquiagem, sua beleza era verdadeira e plena. As suas feições eram
naturais: você é crente minha filha? Não, senhor. Prestimosa começou a ajudar
senhores viúvos, passou a ser educada com os marmanjos enamorados e a ter
amigas de má reputação, ganhando o opróbrio popular. Nem aí. Num disse: essa
menina se perdeu mesmo! Alheia aos escárnios ela participava de apostas com
outros rapagões e, quando perdia, nem se acanhava de exibir suas partes
pudendas pros sortudos presentes, razão pela qual cochichavam que ela era mais
bonita nas partes que não se viam. Adotou de vez, por isso, o nome de batalha
Frinéia de Mnesarete. E se manteve firme. Todos queriam pintá-la, poetá-la,
fotografá-la, movimentando a economia do lugar: todos queriam comprar as artes
que ela inspirava, principalmente os recitais com epigramas os mais lascivos em
sua homenagem e a fruição visual completa do corpo da deusa no centro da cena.
Tributaram-na com um monumento: uma escultura talqualzinha ela era, virou ponto
turístico de massa. Até um maníaco sexual foi flagrado e preso porque queria
fazer amor ali, na frente de todo mundo, com ela. Teve até endoidados que
queriam casar com a estátua, até ser roubada, mas logo descoberta: o sujeito
havia sido acometido da loucura de Pingmalião e venerava para que ela
envivecesse. Como? Lascou. Ao resgatá-la aos puxavanques, porque o sujeito guerreou
até a morte para não devolvê-la nem a pulso. Fatos estranhos até deram conta de
que das pinturas ela aparecia vivinha da silva, passando a viver maritalmente
com o seu comprador. Por conta disso não faltaram jovens levados à tentação da mão
hábil em sua homenagem e com suas poses impressas:
vai que ela ganhasse vida na frente deles, hem? Essa era a esperança deles.
Episódios de agalmatofilia retumbaram, incidentes com casos de acasalamento com
a imagem e os que não conseguiam torná-la viva se matavam – foram suicídios em
cadeia, tanto de jovens mancebos, como de empirocados marmanjos e provectos. Descobriu-se
até um ritual devocional em sua honra, findando todos mortos exauridos de
êxtase sexual. Afora os tantos de ricos que apareciam dispostos a despender
grandes somas para adquiri-la, fulminados pela bancarrota. Evidente que ela se aproveitou
disso e angariou fama e riqueza, afora autocelebrar-se, aparecendo furtivamente
em trajes provocativos, destinados a causar agitação, ou através do uso de
aparições públicas cenográficas, raras e estudadas. Seu nome passou a ser
rabiscado nos muros, quando não gravado nos edifícios públicos. Eis que um dos
vitimados se passou por ex ressentido pelos ciúmes e acusou-a de extorsão e
traição instaurada pelo escândalo
da mutilação dos Hermes. Como?
Foi que um jovem não suportando ser recusado por ela, atirou no próprio pênis,
decapitando-o e tornando-se eunuco dali por diante. Além disso novas acusações
de gananciosa, de inescrupulosa, de monstra, exibicionista, traiçoeira e
ruinosa pros apaixonados amantes sujeitos à rapacidade, vez que ela subjugava
seus pretendentes, extorquia dissolutos, era o que diziam, batiam o pé. Ela nem
aí. Queixas amontoavam na delegacia, ofensas ditas graves e reiteradas, a ponto
do promotor exigir sua prisão e condenação à pena de morte. Foi julgada e
sentenciada pela condenação: a cidade em peso acompanhou-lhe a prisão. Na hora
da execução emergiu um defensor exigindo o Tribunal do Júri. Durante o
julgamento público ela foi levada sob escolta policial e o acusador ao vê-la foi
castigado com a mudez e nunca mais deu nem um pio pra remédio, tendo sido
cassado e condenado a pagar as custas processuais. O tribunal ficou em
polvorosa com a sua presença, nem o seu defensor conseguiu balbuciar qualquer
palavra em sua defesa. Ela então ofereceu-se à condenação despindo-se: Podem me
matar, sou condenada. Uma ovação! Ela foi absolvida sob a condição de aparecer
publicamente uma vez por semana para limpar os olhos dos infelizes admiradores.
Veja mais abaixo e aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.
DITOS &
DESDITOS - É estranho como um coração deve ser
partido com frequência antes que os anos o tornem sábio... pensamento da poeta estadunidense Sara Teasdale
(1884–1933), que na obra The Collected Poems (Digireads, 2012) apresenta
um de seus poemas: Pensei em você e em
como você ama essa beleza, \ E caminhando pela longa praia sozinho \ Ouvi as
ondas quebrando em trovões medidos \ Como você e eu uma vez ouvimos seu tom
monótono. \ Ao meu redor estavam as dunas ecoando, além de mim \ A prata fria e
brilhante do mar \ - Nós dois passaremos pela morte e as eras se alongarão \ Antes
que você ouça esse som novamente comigo. Veja mais
aqui e aqui.
ALGUÉM FALOU: O mal não está em falar da tristeza ou da
angústia. O mal é não encontrar saída para a desesperação... Pensamento da poeta, pianista e
militante comunista Lila Ripoll (1905-1967), autora do poema: Solidão brinca comigo um jogo de esconde,
esconde.\ Desaparece um momento e surge não sei de onde.\ Solidão se esconde e
volta, moe a vida, o sonho, o amor.\ Ah! Jogo de esconde, esconde, esconde
também a dor. E doutro poema: Não me estendas a mão, \ que o tempo endureceu meu peito.\ Sou
poeta. Obrigatório é para mim o sonho.\ Concede-me o direito de sonhar.
Também de Pedido: Não me falem de tristezas \ que eu as conheço de cor. \ Falem-me
sim de alegrias,\ que tem um gosto melhor.\ De tristezas — o meu peito \ gastou
anos a chorar.\ Tirei um curso de mágoas. \ Ninguém me pode ensinar. Veja
mais aqui e aqui.
O BEBEDOR DE
VINHO DE PALMA - [...] Eu era um bebedor de vinho de palma desde
que eu era um menino de dez anos de idade. Eu não tinha outro trabalho além de beber vinho de palma na minha vida. - - - Mas quando meu pai percebeu que eu
não conseguia fazer nenhum trabalho além de beber, ele contratou um
especialista em vinho de palma para mim; ele não tinha outro trabalho além de bater vinho de palma todos os dias. Então meu pai me deu uma fazenda de
palmeiras que tinha nove milhas quadradas e continha 560.000 palmeiras, e esse
tapador de vinho de palma estava batendo cento e cinquenta barris de vinho de
palma todas as manhãs, mas antes das 2 da tarde, eu bebia tudo; depois disso ele ia e batia outros 75
barris. [...]. Trechos extraídos da obra The Palm-Wine
Drinkard (Faber
& Faber, 2014), do escritor nigeriano Amos Tutuola (1920-1997), que no livro Ajaiyi and His
Inherited Poverty (Faber & Faber, 2015), expressa que: […]
O falcão brinca com o pombo e o pombo fica feliz, mas não
sabe que está brincando com a morte. [...] Eu
tinha esquecido que as coisas poderiam mudar no futuro e que essa promessa era
uma dívida [...]. No livro L’ivrogne dans la brousse (Gallimard, 1952),
ele expressa que: [...] A cada vez que os mortos nos viam, eles faziam ouvir
barulhos desagradáveis que mostravam que eles nos odiavam e também que estavam
furiosos por os ver vivos. [...]. No livro The
Village Witch Doctor and Other Stories (Faber
& Faber, 2014), ele traz: […] Se
continuarmos a pagar "mal" por "mal", o mal nunca acabará
na Terra [...].
Por fim, no livro My Life in the Bush of Ghosts (Faber & Faber, 2014): […] Tendo deixado esta vila a uma distância de uma milha, este mágico fantasma
veio até mim no caminho, ele me pediu para deixar nós dois compartilharmos os
presentes, mas quando eu recusei, ele mudou para uma cobra venenosa, ele queria
me morder até a morte, então eu mesmo usei meu poder mágico e mudei para um
longo bastão no mesmo momento e comecei a bater nele repetidamente. Quando ele sentiu muita dor e quase
morreu, então ele mudou da cobra para um grande fogo e queimou este bastão até
as cinzas, depois disso ele começou a me queimar também. Sem hesitar, eu mesmo mudei para chuva,
então eu o apaguei imediatamente. [...]. E
dele destaco o pensamento: Depois de viajarmos por dois dias e meio,
chegamos à estrada dos Mortos, de onde os bebês mortos nos expulsaram, e quando
chegamos lá, não pudemos viajar por ela por causa dos bebês mortos
assustadores, etc., que ainda estavam lá.
DOIS POEMAS - O HOMEM NO MEIO SOCIAL - O Homem com toda
fortaleza \ é um fraco.\ Enquanto está bem esconde\ sua fraqueza.\ Quando está
só\ Busca em Deus que tenha dó. \ Reza, promete, implora,\ Fala, grita e chora.
CORPO A CORPO - Foi uma luta tão limpa, \ Cristalina, transparente, evidente,\ Clarividente,
serena.\ Carne contra carne,\ Músculos contra músculos,\ Sangue, sangue,
sangue...\ Foi um luta tão limpa!
Poemas do poeta carioca radicado em Rondônia. Selmo Vasconcellos, editor
do Lítero Cultural, do jornal Alto Madeira e colaborador do Rondônia ao vivo. Ele
é autor dos livros Rever verso inverso (1991), Nictêmero (1993), Pomo
de discórdia (1994), Resquícios ponderados (1996) e Leonardo, meu
neto (antologia,2004). Veja mais aqui e aqui.
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