DIÁRIO DO GENOCÍDIO NO FECAMEPA – UMA: SABE
AQUELA... DIALETOS & ALGARAVIAS - Somos uma só língua,
quantos sotaques, tantos dialetos. Há os que juram amor eterno & coração na
mão, um olho fechado e o outro, nem nem, pálpebra de vigia. Há os que professam
fé imorredoura, enquanto dão expediente ora pro santo, ora pro capeta, assim,
assado. Há os que vivem e apenas, nada mais, são levados. Também os banguelas que
soletram monossílabos esquálidos imitando gnomos e outras invencionices, isso
para diálogos verossímeis, quando não coaxam para abolir a gramática, enquanto
contam cédulas e moedas, benzodeus. Há os que gostam de solfejar verbo
estrangeiro e se passam por imitação de poliglotas para embuste de querelantes
inclementes, afinal daqui nada presta, dizem eles peito estufado, vergonha na
lama, ora, ora. Há os que contam histórias engravatadas com suas parlapatices bem
comportadas de conquistas e vitórias, cheias de lábias enquanto pigarreiam para
determinação de preços e ganhos na sua matemática inventada pelas crises
manipuladoras das projeções do desastre e se montam na mentira com gracejos
deslavados para cócegas na turba hipnotizada. Desses, os que digladiam
proparoxítonas decassilábicas com justaposições de étimos a ditar leis
carregadas de neologismos, em tons de charadas e adivinhas, e só bestas cumprem
por não saberem que os sabidos corrompem salvos pela impunidade com o que é seu
e os seus. Afora os que jogam pulhas, latem, mugem, piam e outras onomatopeias
impudicas para risadagem ridicularizante de quem quer que seja. Ainda há os que
trabalham por não terem tempo a perder e cultuam o acaso à espera de um milagre
cair dos céus para usarem seus gestos apontando para tudo onde nada acontece e
tudo passa. Ah, têm os que zumbem suas dores no meio da colmeia dos infelizes e
resmungam com rangidos de dentes cerrados nas mandíbulas dos guturais exageros.
Tem mais e nem sei desses muitos. Só o que Bertolt Brecht provocou: Apenas
quando somos instruídos pela realidade é que podemos mudá-la. Somos apenas
uma língua e agora não há entendimento, dialetos da nossa Babel.
DUAS DOS VERSOS DITOS & DESDITOS - Meu coração é o eco do nosso desencontro. Até onde sei,
estamos na mesma embarcação pela correnteza do incerto. E todos lamentamos e
com dizeres diversos a nossa mesma sina. Como sei do Poder das Palavras de Letitia Elizabeth Landon, ela aproveitou
e me recitou versos solidários do Peregrino:
Volte, com oração e lágrimas, volte / aqueles que choram
em casa; / Para secar suas lágrimas, mais use, / Esse é um mundo para viajar. Beijei suas mãos,
eternamente grato. Só que soou mais alto os
versos de Angelina da Lila Ripoll: Ninguém junto ao leme, /ninguém no comando. As palavras e os versos
nas vozes das poetas, de mãos dadas, cantamos o sonho possível da nossa
remissão.
TRÊS FOLHAS AO VENTO & UMA CANÇÃO NO
PEITO - Nossas mãos eu cantei Entrega. Abri o peito e nossa voz aos
ventos medonhos. Os dialetos da outra esquina são muitos Brasis em cada canto,
que Deus nos livre do pecado de tudo igualzinho. E
seguimos Uma folha ao vento, de Pipilotti Rist: ...em última análise, a uma certa ausência de fronteiras: as
folhas são transportadas pelo vento ou pelos sapatos dos transeuntes da entrada
da embaixada, e os desejos que se transmitem neles são distribuídos lentamente
pela cidade. Somos varridos e onde houver sonhos a vida prospera.
Até mais ver.
RECIFE QUIROMÂNTICO
Eis aí o Recife / - a mão aberta. / Difícil cidade fácil, / muito aberta
sem se dar. / Todo mundo que a conhece / sabe que ela se conhece, / dispensa
apresentações. Espalmada, / meio concha, / aconchegante / num gesto / de
consentimento e de entrega. / Assim, / como alguém muito consciente / de seu
próprio destino, / que se permite ao aperto / de cada mão que aperta / num
gesto / de consentimento e de entrega. / Uma leitura de mão, / quase.
Poema extraído
da obra Recife Quiromântico: roteiro
sentimental ou repoetagem de uma cidade invicta (Bagaço, 1997), do
jornalista e escritor Ronildo Maia Leite (1930-2009). Veja mais aqui,
aqui & aqui.