DIÁRIO DO GENOCÍDIO NO FECAMEPA – UMA: SABE
AQUELA... DO APOCALIPSE JÁ! - Meu olhar vai além
da minha rua estreita onde eu moro, extrapola meus limites e a cidade é repleta
dos passos daqueles que precisam cavar o ganha-pão e que são muitos no
paroxismo da fome e cruzam outros tantos famélicos do consumo com suas
gargalhadas alheias à mortandade, como se uma festa sobre cadáveres para celebrarem
as explosões de Beirute e as chamas de um posto em Volgogrado e as cinzas nuvens
da erupção do Sinabung lá de Sumatra, só que tudo aqui e ao mesmo tempo. Ouço o alarido entre vozes que sussurram um Pai
nosso que estais no banco, duzentos reais, por favor! Ave Maria cheia de grana,
uma moeda de real ao menos! Jesus, manda um milagre aí, vai! Seja louvado! E nos
templos do tórax dele saísse um implacável para queimar no inferno aqueles que se
encontrassem lá fora da fé geral que é só deles! Ah, nada de mais, só ameaça do
vírus rondando com as queimadas amazônicas e pantaneiras, passando boiada e lucros,
como se a cena mostrasse quem pisasse pescoços, joelhos espremessem faces no
asfalto, mãos ao alto e a desordem dos que mandam! Há quem grite no meio do pandemônio:
Cidadão, não; beije meu anel que sou doutor e melhor que você! Quantos sonâmbulos
desumanos! Alguém sobrevive aí? Não sei, só a normose fabricada na loucura
racional econômica – alguém bate o olho, pelo menos? Não, estou submersos ao zoadeiro
no pé do ouvido, até no baticum há quem diga: se eu não endoidar, eu morro! E
atiram sua fuzilaria em todas as direções, chafurdam e se empulham com a
indigência dos bestializados: aviltar não é nenhuma novidade com a liderança da
estupidez porque tudo parou em ponto morto. Querem apenas qualquer coisa para
se livrarem do tédio, como se comessem filé na latrina, e os outros que se
danem comendo ratos, pouco importa. Cenário dantesco, há quem precise desanuviar,
mesmo que tudo esteja destroçado, desunião geral. No pandemônio, Kabenguele Munanga me diz algo e quase nem consigo ouvir: É preciso unir as lutas, sem abrir mão das
especificidades. Nosso racismo é um crime perfeito. Não
sei aonde vamos, se é que sabemos parar, só a vertigem dos fatos.
DUAS DOS DITOS & DESDITOS: OUTRA VEZ
ENTRE TANTAS OUTRAS – Não dá para
raciocinar direito, tudo muito rápido. Estou como quem errasse o alvo sem nunca
ter acertado mosca alguma, mesmo que me valha dos meus bons antecedentes,
enquanto macróbio no orgulho de outras idades, outrora tão firmes, sempre
encontrava uma saída e agora não mais, só a surpresa do torpor geral. Enid Blyton me avisa: Acho que as pessoas fazem seus próprios rostos, conforme
crescem. Os olhos dela, a face dela linda e eu não sei, nos outros são muitos disfarces, máscaras sobrepostas,
devem ter lá suas razões, talvez dissimulações para se defenderem dos seus
próprios simulacros. Não sei, talvez eu nem saiba que a pedra filosofal fosse
um caleidoscópio e, por um instante, eu tomasse pé da situação, mesmo que para isso
fosse nada mais que meu próprio equívoco, não sei, estou aqui.
TRÊS RELANCES DA PEDRA FILOSOFAL, CENAS E
ESTÁTUAS - Sou quase cenas de Fernando Arrabal e uma criança diante do assassinato do pai tivesse o exílio só porque
me disseram e não ouvi direito que tinha que amar o meu país e me sacrificar
por ele, e que me orgulhasse dos heróis fabricados pelo comando e respeitasse a
ordem implantada para denunciar os traidores e odiar os inimigos e que eu não
fosse tão inflexível a ponto de desobedecê-los nem desconsiderá-los. Mas eu
sabia: Os fanatismos que mais devemos temer são aqueles que
podem ser confundidos com tolerância. Sim, como você a minha
Melilha é o meu desterro na França, também preciso evitar a loucura a qualquer
preço: Portanto,
devo praticar algumas formas falsas de loucura. E ter
uma falsa vida e me enganar o quanto for possível, fazendo de conta, para na
intimidade eu possa entrar em convulsão e cometer a arte de Liza Lou, ouvindo-a escondido: Você é atraído pelo grande volume de material, forma, cuidado
e amor. Meu trabalho quase argumenta que o prazer de olhar faz parte do que é
estar vivo. Sim, sei o que vejo e deixo que me vejam como se
estivesse completamente enganado de tudo, a fazer de conta que vou com eles no
redemoinho deles porque eu sou tal como e neles vida e sonho.
A ARTE DE VILLARES
A arte do escultor,
pintor, desenhista e caricaturista Lauro de Vasconcelos
Villares (1908-1987). Veja mais aqui.