DIÁRIO DO GENOCÍDIO NO FECAMEPA – UMA: SABE
AQUELA... DÍVIDA IMPAGÁVEL... Quem aquele só por
ter nascido já o culpado de sempre, sem nem ao menos cometer um mínimo ato ou
qualquer ação. Quem aquela inocente do amor já com a pena da inveja de todas as
acusações, sequer uma escolha que lhe cause o desagrado. De uma, a borboleta
carrega as culpas da lagarta, isso é outra coisa, todos pagam. De outra ainda é
quem do nada para todos os olhos, o brilho da beleza, a festa do escolhido,
algozes ocultos, ardis e manobras. Ou Adua (Nos, 2018), de Igiaba Scego: [...] Sabia que visavam a meu corpo.
Não era tão ingênua. Sabia que antes ou depois eu teria que pagar aquele
imposto. [...]. E aquela voz
da historia e a melhor forma possível de contá-la sobre seus sonhos mais
distantes, a mutilação genital e a infâmia. Ou seja, quem herdeiro vítima das
previsíveis insatisfações dos postulantes ao poder, ou dos ali agarrados e o rondam
no afã da queda, ou a mais inaudita das frustrações mais enraizadas no íntimo
daqueles ruminantes contendores de nenhuma perda aceitável para si e só o ganho
a qualquer custo e forma. Esses assaltam posse alheia, o direito, o justo; são
vencedores na marra com seus golpes de sempre, tristes infelizes por jamais suportarem
a felicidade alheia, tristes daqueles com suas ideias inferiores à medição do
seu próprio tamanho, porque aos tacanhos os seus próprios destroços e nenhuma
poesia há de lhe cair à graça jamais, porque o poema é a redenção e só a quem merece.
DOIS VERSOS E OUTROS
DA SAUDADE RECORRENTE – Imagem:
ilustração do EP Saudade (Record Sleeve Design, 2019), da banda Soma Soma, cujo som se dá com a fusão
de samba, hi-life, afrobeat e bossa – Quem da boca para fora o coração aceso
pode sorrir sem sangrar a ausência doída. Aonde for se paisagem esplêndida ou
corrimão solitário, o talho de ontem e agora na língua desde a dor anímica. Feito
o verso de Bento Prado Júnior: Resta a exaustão, / mãos
trêmulas, a cara contra o chão, / resta o lamento. Resta o reinício, / a longa
e calcinada espera. Resta-me / reter a força para o outro gesto. O poema
lava a alma e eu aprendi com Josué Montelo: Quem tem
saudades nunca está só. E a minha voz é o eco das vozes comigo de
todos os choros e risos.
TRÊS SÃO PORQUE TUDO É POESIA – Choro e sorrio, a saudade é extrema, a
vida prossegue. Sou pela poesia e nela me refaço a todo o momento, como no Teardrop – Monument to Being Earthbound
(1984), da artista conceitual húngara Agnes
Denes: Lamento muitas coisas sobre a vida
humana, sobre a natureza humana. Eu me preocupo com o
lado inferior da humanidade, o pensamento ruim versus o bom. Admiro muitas coisas sobre a humanidade, mas também estou ciente de
muitos erros que vamos cometer. Isso pode me fazer querer
me preocupar com o futuro. Mas acho que vamos conseguir. E é a
poesia que me leva até onde não sou e posso estar para enfim ser, como no
versar da poeta Paula Glenadel: Atualmente,
assim se mostra a poesia para mim: uma ginástica interior visando a uma
liberdade maior, a uma espécie de alforria, um modo de naufragar bem, quer
dizer, de naufragar bastante e alegremente, de entrar no não-saber da coisa
toda, de sustentar o vício da dúvida entre perceber e conhecer, tudo isso na
certeza visceral de que pensar pesa. E assim voo porque tudo é poesia, a poesia
é tudo. Até mais ver.
ROSAS A MACHADO, DE ANA LISBOA
A arte da gravadora, artista
plástica, pesquisadora e professora universitária Ana Lisboa - Ana Elizabeth Lisboa Nogueira Cavalcanti.
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