DIÁRIO DO GENOCÍDIO NO FECAMEPA – UMA: SABE
AQUELA... CORAÇÃO PAÍS, PAÍS CORAÇÃO... - Quando
só coração, sou mortal e apenas uma certeza no meio de emoções, afetos,
epiderme e vísceras, sístoles, diástoles. Ademais, interrogações demais. Assim
seja. Ouço Czesław Miłosz: A voz da paixão é
melhor do que a voz da razão. Quem não tem paixão não pode mudar a história.
E sobrevivo três refeições do dia, paixões demais, sono
incontrolável, sede, esperas e previsões, dias livres e fartos, senão felizes
ou não, diferente que seja destes tão deprimentes, horrores e ameaças. Lá fora
talvez algum consolo, ninguém sabe pior ou melhor, valho-me do que sou: duas mãos,
braços, pernas, olhos, músculos, ossos, ah quem tem um não tem nenhum, melhor três,
assim tudo era melhor, por que não quatro ou mais, não sei, desperdiçam até o
que tem de pouco e querem mais só por querer, talvez tédio ou insatisfação do possuído,
só pelo maravilhamento da posse, ou lembrar do que tem ou não, afinal para alguma
coisa serve a memória ao que do coração e o insondável, a inevitável catábase
para que saiba da sujeição e resistência, interstícios e totalidade, a queda para
as dores da tirania e depressão, abandono e torpor. É a vida e seja como for eu
vou.
DOIS SUPAPOS & UM SUSTO – Imagem: Arte da pintora, desenhista,
gravadora e professora Liliane Dardot.
- Quando não só coração entre notícias e alarmes,
avisos de que a vida passa e eu sozinho entre músicas para alegrar o âmago e
ver que a vida não é tão grave assim. E Goethe
me diz que: Na
plenitude da felicidade, cada dia é uma vida inteira. E da
felicidade que sei eu além dos instantes a cada semáforo
para saber aonde fui ou onde estive, o rio corre solto ali enquanto preciso de recursos
para me dizer quando seguir ou parar, segurança e prevenção. O verde diz estar
livre, talvez por isso desmatem ou queimem tantas matas e florestas; o amarelo diz
atenção, talvez por isso a riqueza não seja para todos, careça de cuidado para
não se empanturrar e enlouquecer; o vermelho diz do perigo, tudo tão iminente
agora, talvez por isso o sangue da vida não valha nada, razão pela qual se
lavam honras e abatem-se vivos, quantos mortos que não são só estatísticas, um
a mais e a dói fundo na alma. E tudo se faz de silêncios, barulhos, choros e
risos, açodamentos e preocupações, suspeitas e danos. Entre otimismo e
pessimismo vivo, eu sei mais: acho que nem tudo é só péssimo e ótimo, cada qual
suas diversas formas de percepção e gradação, na verdade era só necessário um pouco
mais de compaixão, eu sei e a dor é grande.
TRÊS VERSOS & MEIA PROSA – De coração para coração, eu aqui e outro ausente, são confusões
sem ter nem pra quê, coisa do vai ou racha, e acelerar, frenar, debrear, seguir
adiante, paralisar, não quero nada disso, só quero amar. Ih! E agora? Muitos contrariados
esbravejam, poucos contemplados seguem felizes e a vida é essa corda bamba ou
sorteio de loteria. O poder está louco, eu sei, e enlouquecemos juntos nessa
meritocracia, mera dissimulação, escolhas escusas, eu sei e tudo vai escorrendo
e descendo a ladeira, escapo o que posso para não ser levado de roldão e
naufragar na areia movediça desse tempo louco. Então abro os olhos e parte do
que posso compreender me é revelado, ainda bem. Ao fechá-los, o universo
acontece em mim: clausura e voo entre o lírico e o épico, mansardas de
antinomias, falar ou não, ter o que dizer, lembrar ou fazer e eu vencido num
canto da sala. Até que tudo nela brilha e queima &
ela, Ryane Leão: ouça suas cicatrizes
só elas sabem o segredo da sua cura. Preciso curar minhas dores e já. Ao ver-me
escurecido, quase inválido ali aos trapos, ela me disse um verso amável: meu corpo enredo pedindo o seu carnaval.
Quase salto aos olhos, já nem sei quem
governa o tempo porque nunca soube, ninguém sabe, nem quero saber, porque assim
vivo quase sem saber de nada que acontece do outro lado da rua nem da esquina
em diante, essa vida entre a vontade e a loucura, entre os instantes de gozo e
o que há de tanta espera. Assim sou e há muito mais, combatente ou ambulante,
sigo e voo. Até mais ver.
ITAMARACÁ, UMA CAPITANIA FRUSTRADA
[...] a freguesia da ilha de Itamaracá, que
compreendia tanto a ilha como uma porção do continente que ficava limítrofe com
Igarassu, já em Pernambuco. Na ilha, a vila da Conceição, com a matriz de Nossa
Senhora, Casa da Câmara, candeia e pelourinho, era o principal centro, enquanto
à beira mar ficavam duas povoações, a de Nossa Senhora do Pilar e a de Nossa
Senhora do Ó. Na ilha existiam três engenhos de açúcar e várias salinas
[...]. No continente localizava-se o povoado
de Pasmado [...]. As facas fabricadas
em Pasmado foram famosas até as primeiras décadas do século XX. A importância desta freguesia era grande, de
vez que, além das atividades artesanais, da produção de açúcar dos seus
cinquenta e um engenhos, da produção de sal, da criação de gado, da pesca, de
variadas lavouras, dispunha de cinco mil e seiscentos e trinta e cinco fogos e
vinte e quatro mil e trinta e quatro pessoas de desobriga. [...].
Trecho extraído
da obra Itamaracá, uma capitania
frustrada (CEHM-Coleção Tempo Municipal, 1999), do escritor, historiador,
geógrafo, advogado e professor Manuel
Correia de Andrade (1922-2007). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui,
aqui & aqui.