UMA TAPA & A HONRA ENGASGADA NA MEMÓRIA –
Imagem: arte do pintor, desenhista, artista gráfico e ilustrador belga Jules De Bruycker (1870-1945). - Mais
de trinta anos separavam Terdílio e Disonaldo. O reencontro foi festivo,
abraços, lorotas, humilhações mútuas ressaltando a esperteza de um sobre o
outro, viradas de copos, cada qual mais ufano pela enrolada na leseira do
parceiro, dois bicudos que não se beijavam, mas que se consideravam por conta
das estripulias da juventude. Disonaldo humilhava o amigo revelando as dedadas,
os desacertos, molecagens e trapalhadas do Terdílio que à época, apesar de tão
franzino quase tísico, não abria nem prum trem na horagá da arenga. Quanto mais
Disonaldo gastava soberba, Terdílio relevando, riso tímido, todo na sua, bebericando
de leve e exaltando as astúcias do metido, até a hora que o sabido lembrou De uma
tapa dada por ele e guardada na memória. Tapa? Sim, lembra? Tapa? Isso mesmo, você
me deu uma tapa da porra! Lembro não. Realmente, Terdílio não lembrava disso,
puxando no passado, franzindo o cenho e estranhando a existência do fato. Você deve
já estar bêbado, lembro disso não, reiterou. Ah, quem dá não se lembra, quem
leva nunca esquece. E sorriram desancando um ao outro pelas presepadas. Lá pras
tantas, depois de muita mangação, Terdílio se despediu e prometeu tomarem umas outras
juntos em breve, agora precisava ir pra casa arrumar as coisas que ainda estavam
aos monturos pela mudança recente de endereço. A despedida, abraços afetuosos e
compromisso asseverado de novo encontro. Quando Terdílio deu as costas, Disonaldo
ficou remoendo e virando copo atrás de gole: a tapa não lhe saía engasgada na
ideia. Dois dias depois, lá ia Terdílio sóbrio voltando pra casa, quando dá de
frente com Disonaldo completamente embriagado: meu amigo, pronde vai? Pra casa,
ainda estou ajeitando as coisas da mudança. Vamos tomar uma! Não dá, agora não,
mas no final de semana a gente emenda os bigodes numa cachaçada boa. É bom
mesmo, não se esqueça da tapa, você me deve! Que tapa? Não se lembra mesmo?
Não! Oxe, você deu uma tapa da porra! Lembro disso não. Destá, final de semana
a gente relembra tomando uma. Dias depois, lá ia Terdílio com o pão pro jantar
e Disonaldo trocando as pernas quase desequilibrado na calçada, atravessou seu
caminho: Meu amigo, vamos tomar uma! Tenho que levar a comida pro jantar, final
de semana a gente toma todas! Você está me enrolando! Estou não, ainda não
arrumei tudo em casa por causa da mudança, mas desse final de semana não passa.
Aos abraços se despediram e Disonaldo ficou maquinando, aos tombos seguiu os
passos do Terdílio, perdeu de vista, desgraçado, dali então, todos os dias no
encalço, a tapa, a pinga, a meiota, a lavada com a cerveja, o juízo se
apertando, a tapa desajustando tudo, outra lapada, meiota, litro e meio, duas cervejas
lavando o sangue e a sobriedade, trôpego, meio lá meio cá, equilibrista a
pulso, meteu a mão nos bolsos: Eita! só mixaria. Cadê meu dinheiro? Será que o
porra do Terdílio tomou meu dinheiro e eu não vi, ele me paga, ah, vai me pagar
dobrado, a tapa e meus trocados que ele embolsou e eu não, filho da puta! O dia
amanheceu e pela primeira vez o primeiro pensamento de Disonaldo foi Terdílio:
Danou-se! Sonhei a noite toda com esse porra! Acordo com ele no meu juízo! Que
droga é essa? Remexeu os bolsos, não havia nada. Foi até a gaveta da
petisqueira, tinha algumas cédulas, pegou o cartão do banco, foi até o caixa do
atendimento automático, errou a senha: O filho da puta do Terdílio já me roubou
a senha? Pode não! Refez a operação, saíram cédulas, tudo certo. Dinheiro pra
ele era só pra beber, comer e cagar, mais nada. Isso mesmo: beber, comer e
cagar! Serve para mais alguma coisa? Serve sim, para eu pegar Terdílio e vingar
da tapa e de todo prejuízo que ele me casou esses anos todos. Ah, vou foder a
alma do Terdílio, ah, se vou! Destá. Saiu decidido. Encheu o copo com a
aguardente, era seu desjejum. Virou uma meiota de vez, pediu uma cerveja, bebeu
no gargalo, trocou os olhos, dor de cabeça da peste, engasgou-se, tossiu, bateu
na caixa dos peitos, manda outra! Virou a garrafa todinha goela adentro,
apertou a vista, tudo estreito, tudo em dupla, olhou pras mãos: não tremiam. Agora
estava no ponto, pronto pro que desse e viesse. Ao virar a esquina, deu de cara
com o amigo desafeto. Eita! Teve um troço, foi bater no hospital, três dias em
coma, ao acordar-se: Que é que estou fazendo aqui? Dê graças a Deus ao seu amigo
ter-lhe salvado a tempo, senão hoje era mais um prestes a ser homenageado com
missa de sétimo dia. Eita! Mais uma? Esse filho de uma quenga me paga! © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje
na Rádio Tataritaritatá especiais com a música do
cantor, compositor e ativista estadunidense de causas humanitárias e sociais Stevie
Wonder: Live at last: A Wonder summer’s
night; da musicista especializada em Viola de Gamba, integrante do Conjunto de
Música Antiga da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenadora dos
cursos de extensão em Música, KristinaAugustin interpretando Bach em
parceria com Mário Orlando; do violonista e compositor inglês Stanley Myers (1930-1993):
Kaleidoscope, Catavina & Echoes; da harpista, cantora e compositora Cristina Braga interpretando Stairway
to heaven, Love parfait, No silêncio na chuva, Bem e mal, Brasileirinho e Ária
de Emília. Para
conferir é só ligar o som e curtir.
O LUCRO OU AS
PESSOAS - As conseqüências
econômicas dessas políticas têm sido as mesmas em todos os lugares e são exatamente
as que se poderia esperar: um enorme crescimento da desigualdade econômica e
social, um aumento marcante da pobreza absoluta entre as nações e povos mais
atrasados do mundo, um meio ambiente global catastrófico, uma economia global
instável e uma bonança sem precedente para os ricos. Diante desses fatos, os
defensores da ordem neoliberal nos garantem que a prosperidade chegará
inevitavelmente até as camadas mais amplas da população – desde que ninguém se
interponha à política neoliberal que exacerba todos esses problemas! No final,
os neoliberais não têm como apresentar, como não apresentam de fato, a defesa empírica
do mundo que estão construindo. Ao contrário, eles apresentam – ou melhor,
exigem uma fé religiosa na infalibilidade do mercado desregulado, que remonta a
teorias do século 19 que pouco têm a ver com o nosso mundo. O grande trunfo dos
defensores do neoliberalismo, no entanto, é a alegada inexistência de
alternativas.
[...] As hordas são uma
visão aterradora: “elas incluíam sindicatos, lobistas ambientais e dos direitos
humanos e grupos de pressão que se opõem à globalização” – quer dizer, a
globalização na forma particular exigida pelo “público interno”. A horda
turbulenta subjugou as estruturas de poder patéticas e impotentes das ricas
sociedades industriais. Ela é dirigida por “movimentos marginais que defendem
posições extremadas” e possui uma “boa organização e sólidas finanças” que a capacitam
“a manejar a sua grande influência com a mídia e com os membros dos parlamentos
nacionais”.
[...] Mesmo sabendo que
o poder e o privilégio com certeza não vão descansar, as vitórias populares
devem ser inspiradoras. Elas ensinam lições sobre o que se pode conquistar
mesmo quando a desigualdade das forças em luta é tão bizarra quanto à do
confronto em torno do AMI. É verdade que são vitórias defensivas. Mas elas
impedem, ou pelo menos adiam, o enfraquecimento ainda maior da democracia e a
transferência de mais poderes para as mãos das tiranias privadas em rápido
processo de concentração, que querem administrar os mercados e se constituir
num “Senado virtual” que dispõe de diversos meios de frustrar o desejo popular
de usar as formas democráticas em benefício do interesse do público: a ameaça
da fuga de capitais, a transferência das unidades de produção, o controle da
mídia e outras formas de coação. Devemos prestar muita atenção ao medo e ao
desespero dos poderosos. Eles compreendem muito bem o alcance da “arma definitiva”
e só esperam que aqueles que buscam um mundo mais livre e justo não adquiram
essa mesma compreensão e a coloquem efetivamente em uso. Trechos da obra O lucro ou as pessoas (Bertrand Brasil,
2002), do filósofo, linguista, cientista cognitivo e ativista
político norte-americano, Noam Chomsky. Veja mais aqui e aqui.
O ESCRITOR, A FAMA
E A SOCIEDADE - [...] Se
tivesse recebido ao menos uma linha, uma linha de caráter pessoal com uma das
notas de recusa, ter-se-ia sentido mais animado. Mas nenhum dos editores dera
tal prova de sua existência. E ele só podia concluir que não havia seres
humanos do lado de lá, mas rodas, apenas rodas, bem lubrificadas, acionando a
máquina para um funcionamento perfeito. [...]. Trecho da obra Martin Eden (Nova
Alexandria, 2003), do escritor, jornalista e ativista estadunidense Jack
London (1876-1916). Veja mais aqui.
HOLLYWOOD - Para ganhar o pão, cada
manhã / vou ao mercado onde se compram mentiras. / Cheio de esperança / ponho-me
na fila dos vendedores. Poema do dramaturgo, encenador e poeta
alemão Bertolt Brecht
(1898-1956), extraído de O duplo
compromisso de Bertolt Brecht, do livro O
arco-íris branco (Imago, 1997), de Haroldo de Campos. Veja mais aqui.
BIBLIOTECA FENELON BARRETO
Conversando com o público
nos eventos da Biblioteca Fenelon Barreto, coordenado pelo diretor João
Paulo Araújo.
Veja mais:
A música de Stevie Wonder aqui.
O talento musical de Cristina Braga aqui.
&
A ARTE JULES DE BRUYCKER
A arte do pintor, desenhista, artista gráfico
e ilustrador belga Jules De Bruycker
(1870-1945).