O SONHO REVELADOR – Imagem:
arte do artista australiano Craig Ruddy.
- Delzuito não sabia mais o que fazer: o avençado se desmanchava; o caminho
certo, topava errado; o que inventasse fazer, era desconstruído no mesmo
instantinho, tudo lhe fugia entre os dedos. Nem adiantava agarrar a situação
pelos cornos, soltava-se a perder de vista. Disparava em todas as direções,
alvos indiferentes; nada dava liga, tudo esgarçado, aos trapos. Pergunta-se o
que tinha feito para merecer tudo isso, essa vida tão miserável, não podia ser,
Deus estava castigando demais e isso, para ele, era injusto, não aceitava,
queria, pelo menos, saber o porquê de tanto sofrimento, tantas mazelas, tantos
infortúnios encarreados pra seu suplício sem fim. Restava pegar no ronco e
esperar que no dia seguinte alguma luz surgisse no fim do túnel. Depois de
catar os fiapos das quedas, restava sonhar vitórias. No sonho era outra pessoa,
não tinha a sua feição, mas era como se fosse ele noutro tempo, coisas de mais
de século atrás. Era ele, tinha certeza, diferente do que era agora, como se
outra pessoa, um notável senhor de muitas posses e serviçais. Sabia ele que já
havia sido abolida a escravatura, todavia, ao seu dispor muitos escravos e aos
berros: A pobreza é o mal da humanidade! Inexorável, pisava a todos, negociando
vidas na defesa dos seus interesses. A qualquer obstáculo, removia desafetos do
caminho como quem descarta o indesejável pra lata do lixo. Pronto, resolvido.
Agora, maior do que eu só Deus! Abaixo Dele, quem manda sou eu, até aonde a
vista alcançar, tudo meu. E tripudiava carrasco contra indefesos ou débeis,
tirava proveito de tudo, até da inocência dos imaturos: Chapéu de otário é
marreta! Quando queria, estava disposto a tudo: desmoralizar, subjugar,
submeter ao mando e gosto. Quando não, atrapalhava a vida de quem ousasse medir
forças. De repente acordou esbaforido: Que sonho é esse? Coisa estranha. Levantou-se
aturdido e, ao fazer a micção, encarou o espelho: não era ele agora, era aquele
do sonho. Como? Esfregou os olhos: isso mesmo, ele era aquele com quem sonhara.
Não pode ser? Impossível isso. Virou-se do lado, passou as mãos à face,
retornou ao espelho, não era mais, agora ele mesmo. Aliviou-se e voltou pra
cama. Tentou dormir enquanto o que sonhara martelava na cabeça. Cochilou e já
se encontrava noutro sonho. Era ele agora outra pessoa diferente da anterior,
diferente dele mesmo, armado até os dentes, à caça de gente malévola, fugindo
da lei, bufando com a mão no crucifixo da volta ao pescoço, mão no cabresto determinando
o rumo pro cavalo e a outra na arma do coldre, vigilância de não pregar os
olhos por nada, montaria extenuante de dias, cansaço no encontro do chão com o
horizonte, terras sem fim. Não era ele como agora, era ele noutro tempo, uns
duzentos anos atrás, seguindo estrada afora, a fuga indômita. Viu-se numa
cilada, muitos cavalos, tiros, gritos, tudo vinha em sua direção, fugir. Acordou-se
lavado em suor. Levantou-se até o espelho: era o mesmo do sonho. Como pode ser?
Fechou os olhos, era o do sonho anterior; virou-se de lado e voltou a encarar o
espelho: era ele mesmo. Olhou bem firme, ora era ele agora, ora sua face
transmudava para as fisionomias dos sonhos, ele antes, ele antes do de antes, tudo
era ele. Como podia ser? O que isso quer dizer, hem? Eu ser outros enquanto eu mesmo? Que coisa! Sabia, era ele nos sonhos,
fisionomia diferente, porém era ele, sabia, que sonhos loucos! Será que estou
endoidando? Não sei, melhor não pensar, sonho é coisa tola, invenção da cachola,
só pode. Só em sonho coisas mais sem pé nem cabeça. Se pensar eu endoido, arre.
Melhor cuidar da vida. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais aqui.
RÁDIO
TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio
Tataritaritatá
especiais com a música do cantor e compositor Lenine: Acustico MTV, Live in Cité
& O dia em que faremos contato; a cantora russa Sainkho
Namtchylak:
Stempmother city, Alpha Co & Ethno Orchestra & Delco Session & Ned
Rothenberg; da cantora e pianista canadense Diana
Krall:
Live in Rio de Janeiro, Heineken Jazzaldia & Live@Home; do músico e
compositor Edson Natale: Viajante, Toque de Fada,
Pequena canção para uma mulher nua, Alfacinha, Guaimbé & Nina Maika. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...] O
Brasil tinha já fornecido grande cópia de homens ilustrados pelos conhecimentos
adquiridos em diferentes universidades da Europa, e a maior parte das
brasileiras (mesmo as das primeiras cidades) não logravam a vantagem de
aprender a ler. [...] Dizia-se
geralmente que ensinar-lhes a ler e escrever era proporcionar-lhes os meios de
entreterem correspondências amorosas, e repetia-se, sempre, que a costura e
trabalhos domésticos eram as únicas ocupações próprias da mulher. Este
preconceito estava de tal sorte arraigado no espírito de nossos antepassados,
que qualquer pai que ousava vencê-lo e proporcionar às filhas lições que não as
daqueles misteres, era para logo censurado de querer arrancar o sexo ao estado
de ignorância que lhe convinha. [...]. Trechos da obra Opúsculo humanitário (M.A. da Silva Lima, 1853), da poeta,
educadora e escritora Nisia Floresta
(1810-1885). Veja mais aqui e aqui.
O MELHOR AMIGO – [...] Conhecia
bem a mãe, sabia que não haveria apelo: tinha dez minutos para brincar com seu
novo amigo, e depois… ao fim de dez minutos, a voz da mãe, inexorável: – Vamos,
chega! Leva esse cachorro embora. – Ah, mamãe, deixa! – choramingou ainda: –
Meu melhor amigo, não tenho mais ninguém nesta vida. – E eu? Que bobagem é essa, você não tem sua mãe? – Mãe e
cachorro não é a mesma coisa. – Deixa de conversa: obedece sua mãe. Ele saiu, e
seus olhos prometiam vingança. A mãe chegou a se preocupar: meninos nessa
idade, uma injustiça praticada e eles perdem a cabeça, um recalque, complexos,
essa coisa. – Pronto, mamãe! E exibia-lhe uma nota de vinte e uma de dez: havia
vendido seu melhor amigo por trinta dinheiros. – Eu devia ter pedido cinqüenta,
tenho certeza que ele dava murmurou, pensativo. Trecho da crônica extraído
da obra A vitória da infância (Ática, 1995), do escritor e jornalista mineiro Fernando Sabino (1923-2004). Veja
mais aqui e aqui.
AS DEZ MÃES DO ANO & COQUETEL FASCINATION - As dez mães do ano: Mãe
moderna é a que faz da filha uma amiga, da amiga uma irmã,do marido um filho,
do filho um pai e do pai, pai mesmo, porque pai é pai. Mãe frustrada é a que
tenta dezoito vezes ter um filho e tem dezoito filhas. Mãe ingênua é a que
sempre diz às suas amigas: "Felizmente, a minha filha foi criada de outra
maneira". Mãe aflita é a que espera sua filha chegar do baile do sábado,
mas que diabo, hoje já é segunda. Mãe caxias é a que faz tricô de ouvido: passa
a noite inteira mexendo com as mãos, mas não tira o olho do noivo. Mãe zelosa é
a que vai jogar cartas e se lembra que esqueceu de dar a mamadeira pro menino,
pára de jogar, vai lá, depois volta. Mãe vaidosa é a que vive diminuindo a
idade da filha, só para poder diminuir a sua, e só não diminui mais senão acaba
perdendo a filha. Mãe indecisa é a que tem dois filhos gêmeos e não sabe qual
vai se chamar Ricardo, se este ou aquele. Mãe orgulhosa é a que mostra a
fotografia do filho no jornal e diz: "Este é meu filho", sem perceber
que a seção é policial. Mãe realizada é a que põe seu filhinho no colo e diz:
"Agora você já pode casar, meu filho, hoje você completa noventa
aninhos". Coquetel fascination: Arranje uma loura de dezoito a 25 anos. Nem
menos, nem mais. Que seja bonita e esteja de biquíni. Depois peça a ela pra
segurar o copo e comece a despejar, na seguinte ordem: duas azeitonas, duas
cerejas, um pouco de cinzano, um pouco de gim, um pouco de martini, um pouco de
uísque, um pouco de vodca, um pouco de vinho branco, um pouco de Coca-Cola. Ao abrir
a Coca-Cola, verifique se não ganhou um Volkswagen. Se ganhou, largue tudo no
chão e vá buscar o prêmio. Mas o mais certo é que não ganhe, pois esses
concursos quase levaram à falência a indústria automobilística, tanto que
acabaram. Os concursos, digo. Então deixe de fazer divagações, largue a
chapinha da Coca-Cola e veja se a loura ainda está segurando o copo. Se não
está, bobeou — porque sujeito que tem uma loura de dezoito anos na sua frente,
de biquíni, e insiste em preparar coquetel, vou te contar. Extraídos da
obra O homem ao cubo
(Francisco Alves, 1979), do escritor e jornalista Leon Eliachar (1922-1987). Veja mais aqui e aqui.
SONHAR
Sonhar é transportar-se em asas de ouro e aço
Aos páramos azuis da luz e da harmonia;
É ambicionar o céu; é dominar o espaço,
Num vôo poderoso e audaz da fantasia.
Fugir ao mundo vil, tão vil que, sem cansaço,
Engana, e menospreza, e zomba, e calunia;
Encastelar-se, enfim, no deslumbrante paço
De um sonho puro e bom, de paz e de alegria.
É ver no lago um mar, nas nuvens um castelo,
Na luz de um pirilampo um sol pequeno e belo;
É alçar, constantemente, o olhar ao céu profundo.
Sonhar é ter um grande ideal na inglória lida:
Tão grande que não cabe inteiro nesta vida,
Tão puro que não vive em plagas deste mundo.
É ambicionar o céu; é dominar o espaço,
Num vôo poderoso e audaz da fantasia.
Fugir ao mundo vil, tão vil que, sem cansaço,
Engana, e menospreza, e zomba, e calunia;
Encastelar-se, enfim, no deslumbrante paço
De um sonho puro e bom, de paz e de alegria.
É ver no lago um mar, nas nuvens um castelo,
Na luz de um pirilampo um sol pequeno e belo;
É alçar, constantemente, o olhar ao céu profundo.
Sonhar é ter um grande ideal na inglória lida:
Tão grande que não cabe inteiro nesta vida,
Tão puro que não vive em plagas deste mundo.
Poema
extraído da obra Viagem no Espelho e vinte e um poemas inéditos (Criar, 2001), da
poeta Helena Kolody (1912-2004). Veja mais aqui.
Veja mais:
Faça seu
TCC sem Traumas: livro, curso & consultas aqui.
Livros Infantis do Nitolino aqui.
&
Agenda de Eventos aqui.
LÁGRIMA DE UM CAETÉ
Lá,
quando no Ocidente o sol havia
Seus
raios mergulhado, e a noite triste
Denso-ebânico
véu já começava
Vagarosa
a estender por sobre a terra;
Pelas
margens do fresco Beberibe,
Em seus
mais melancólicos lugares,
Azados
para a dor de quem se apraz
Sobre a
dor meditar que a Pátria enluta!
Vagava
solitário um vulto de homem,
De
quando em quando ao céu levando os olhos,
Sobre a
terra depois triste os volvendo...
Poema da poeta, educadora e escritora Nísia Floresta (1810-1885). Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
A ARTE DE CRAIG RUDDY
A arte do artista australiano Craig Ruddy.