O JANTAR DOS COMPADRES – Imagem:
xilogravura da exposição Transfigurações – 20 aos pedaços, do artista plástico Francisco de Almeida. - Mais de
trinta anos separava o compadrio figadal entre Dejandro e Zé-Cantão. A amizade
entre eles nascera num pacto de sangue embaixo dum abacateiro no quintal da
infância, emendado por anos de estripulia pela adolescência, para se perderem
nas quebradas da vida. O reencontro dos já sexagenários numa esquina do tempo foi
regado a muitos abraços e gaitadas puxadas da memória. Mas, diga lá, compadre
Cantão, como vai a comadre Filó? Ah, compadre, aquilo é um estrupício, sempre
trambecando pra lá e pra cá, comendo o restinho da minha paciência. E a comadre
Filó bonitona? Ah, aquilo é meu pecado mortal, sabe como é, né? E a afilhada? Ah,
a Duilinha puxou ao pai, sempre bonita, faceira, me deu dois netos lindos que são
a alegria da minha vida. E os seus netos? Ah, quisera, compadre, a Filó é tão
ruim que nem me deu filho nem netos. Não diga, compadre! Conversa vai, pilhéria
vem, remorsos, sacadas, enterros, feridas, espalhafatos. Um lembrava das
astúcias do outro e leseiras da muita na maior risadagem. Debulharam o passado,
tantas aprontações, revestrés, ciladas, desatinos. Depois de horas: Olha só,
compadre Cantão, sábado eu quero você lá em casa, vou fazer um jantar para
selar o nosso reencontro. Quero você e a comadre lá, sem falta, tome aí meu
endereço. Ah, pode deixar, compadre Dejão, estararei lá com meu encosto na hora
acertada, podexá. E se separaram depois de horas de puxa-encolhe, abraços e
promessas. Um dia atrás do outro e, no horário marcado, lá estavam Cantão e
Brisa trajando a domingueira e diante dum palacete. Vixe, homem, vamos embora,
isso é um palácio, a gente pode ser preso. Vambora, mulher, isso é a casa do
compadre, veja aqui o número do endereço, é aqui mesmo, onde é que fica mesmo a
cigarra, hem? E eu lá sei, se você que é todo metido a sabichão não sabe,
imagine eu. Cala boca, mulher, o homem está vindo. Sim? É aqui a casa do
compadre Dejão? Sim, residência do Dr. Dejandro Jacobina, sim, senhor. O que
deseja? Ah, eu sou Zé-Cantão, compadre dele. Como? Sou o compadre dele. Um
momento, aguardem aí. Demorou um pouco, seguraram nos cambitos a espera e quase
hora depois no sereno: Pois não, podem entrar. Vixe, mulher, vê tudo isso? Isso
é que casa, macho, pra você tomar vergonha na cara e ver que esses anos todos
não fez nada que prestasse na vida. Danou-se, veja como a comadre Brisa
continua bonitona, veja! Isso é uma piscina? Ô mulher, sai daí que se cair eu
deixo morrer de vez, visse? E se abraçaram e rolou tudo do bom e do melhor: sorrisos,
falsidades, supresas, lembranças, pitu, camarão, lagosta, uísque, prato disso,
prato daquilo, mordomo, maior fausto de encher os olhos admirados do humilde
casal convidado. Já passava das duas da manhã, os compadres se despediram com o
acerto de que no próximo sábado o jantar seria na casa do Cantão. Tudo justado nos
conformes da amizade: Até sábado, compadre! Inté. Lá se foi Cantão procurando
condução madrugada afora, Brisa claudicando e reclamando da falta de sorte
deles de não ter nem uma borreia de nada pra levá-los àquela hora pra casa. Rodaram,
toraram aço, esperaram no ponto. Lá pras tantas, pegaram o cata-corno e, depois
de muita volta, chegaram, finalmente, ao lar. O dia já amanhecia. Ô Cantão,
como é que a gente vai fazer sábado que vem? Ah, Filó, vou ter que me virar
essa semana pra arrumar dinheiro e fazer uma festa aqui pro compadre. Acredito não.
Acredite, mulher, nem que seja a última coisa que eu faça na vida. Não posso
fazer desfeita com o compadre! A semana passou mais rápido que de um dia pra
outro, foi só piscar o olho: Vixe! Ainda ontem era domingo, hoje já é sábado. Se
pudesse voltava pra sábado passado, aquilo sim é que é jantar que se ofereça. Daí
a pouco parou um automóvel de luxo na porta e o motorista perguntou: O senhor
pode me informar onde fica o palacete do Dr. José Cantão? Ah, que doutor? Dr.
José Cantão! Tem esse não, aqui mora Zé-Cantão, seu criado. Foi então que o
vidro traseiro arriou e ouviu-se: Está me estranhando, compadre? Ah, compadre, é
aqui mesmo, pode encostar aí. Dejandro e Brisa logo desceram e os abraços e
risos deram o tom da festa. Cadê a afilhada Duilinha, veio não? Ah, ela não
pode vir porque está de plantão no hospital, fica pra próxima. Adentraram a
meia-água, se aboletaram no sofá irregular que ameaçava desabar, exigindo
ajeitado constante, e tome conversa. O compadre quer tomar uma pinga? Pinga?
Sim, posso fazer uma caipirinha tinindo, quer? Pinga, compadre? Sim, ou quer
cerveja? Posso mandar comprar na venda ali, quer? Não, não, estou sem beber
hoje. Querem um docinho de jaca? Não, comadre, estou de regime. Tome blábláblá.
Até que enfim, chegou a hora do jantar: Mulher, não enrole mais não, ajeite a
mesa pra gente beliscar. Tudo pronto, venham. Ah, agora sim! O que é isso,
compadre? Sopa! Sopa? É, compadre, comprei uns taquinhos de carne hoje na feira
e a mulher inventou essa gororoba aí pra gente, e pela cara está pra lá de muito
gostosa! Sopa? Sim, sim, compadre, e da boa. Ah, compadre, me dê uma licencinha
que eu e a Brisa vamos ali buscar um remédio e a gente volta já, tá? Já passava
da meia noite quando Cantão perguntou pra Filó: Será que o compadre ainda
volta? © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje
na Rádio Tataritaritatá especiais com a música do compsitor alemão Max Bruch (1838-1920): Scoth
Fantasy e Concert Violin 1 com Janine Jansen; a pinista Ligia Moreno interpretando Etude Poétique de Scriabin, Concerto
para piano de Grieg & Etude Chopin; cantor, compositor e ator
da cena underground brasileira, Carlos Careqa com seus álbuns Palavrão: múisica infantil para adultos, Os homens são todos
iguais e Um pouco de veneno; e a cantora e compositora Luiza Possi com os álbuns Seguir cantando, Sobre o amor e o tempo
& Bons ventes sempre chegam. Para
conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA - O homem é uma criação do desejo, não uma criação
da necessidade. [...] É preciso que cada
um destrua mais cuidadosamente as suas 'filias' que suas fobias e suas
simpatias pelas intuições primeiras [...] o
amor é a primeira hipótese científica para a reprodução objetiva do fogo [...] Estas correspondências das imagens com a palavra
são as correspondências verdadeiramente salutares., A cura para um psiquismo
dolorido, para um psiquismo desorientado, para um psiquismo vazio será ajudada
pela frescura do riacho ou do rio. Mas é preciso que esta frescura seja falada.
É preciso que o ser infeliz fale com o riacho. Venham, meus amigos, na clara
manhã, cantar as vogais do riacho! Onde nosso sofrimento primeiro? É que nós
temos hesitado em dizer... Ele nasceu naquelas horas em que acumulamos em nós
muitas coisas silenciadas. O riacho lhes ensinará a falar apesar de suas dores
e suas recordações, ele lhes ensinará a euforia pelo eufemismo, a energia pelo
poema. Ele lhes dirá, a cada instante, alguma bela palavra bem redonda que rola
sobre pedregulhos. Trechos extraídos da obra A psicanálise do
fogo (Martins Fontes, 1999), do
filósofo, crítico literário e epistemólogo francês Gaston Bachelard (1884-1962). Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
HISTÓRIA DA MÚSICA - A vida é som. Continuamente estamos cercados
de sons e ruídos oriundos da natureza e das várias formas de vida que ela
produz. O homem fala e canta há incalculáveis milhares de anos e, graças ao seu
ouvido maravilhosamente construído que se parece a uma harpa com infinidades de
cordas, percebe sons e ruídos, embora apenas uma parte insignificante da
imensidão de tudo quanto soa [...] Talvez
cantassem os raios de sol nas montanhas que se aqueciam todas as manhãs, como
ainda hoje cantam misteriosamente nas colunas egipcias de Memnon; durante
tempos sem fim deve ter ressoado o órgão natural da gruta de Fingal, muito
antes que os celtas lhe chamassem Ilgaimh bin, gruta da música, e muito antes,
ainda, que um compositor romântico, Mendelssohn, transferisse aqueles sons
naturais para a moderna orquestra. É o estranho ouvido de Dionísio, da Sicilia,
aumentou, com certezas, todos os sons que o penetravam, muito antes que um ser
humano lá se achasse para comprovar o milagre. A terra a abrir-se na mocidade,
as fontes a jorrar, os vulcões e as montanhas a explodir, as águas do dilúvio a
subir, tudo deve ter constituído gigantesca sinfonia que ninguém nos descreveu.
[...] Davi toca harpa para afugentar os
maus pensamentos do Rei Saul; Farinelli, com o auxilio da música, cura a
terrível melancolia de Filipe V. Timoteo provoca, por meio de certa melodia, a
fúria de Alexandre, o Grande, e acalma-o por meio de outra. Os sacerdotes
celtas educam o povo com a música; somente eles conseguem, abrandar os costumes
selvagens. Diz-se que Terpandro, tocando flauta, abafou a revolta dos
lacedemônios. [...]. Trechos da obra História Universal da Música (Melhoramentos, 1944), do compositor, musicólogo e regente austríaco Kurt Pahlen. Veja mais aqui.
RUÍNAS DA ALMA - [...]
Fechou os pequenos ataúdes com pregos.
Rezou. Os meninos respiravam,, fiapos de respiração, respiravam. Ismael
colocou=os nos braços, pesados, eram bem pesados, ele não imaginava que
pesassem daquela forma. Andou, atravessou o mangue, entrou no rio, soltou dos
dois brancos, branquíssimos, empurrou-se para longe, para onde ninguém pudesse
alcançá-los. Entrou no caixão, exímio artesão, parafusou por dentro. Suor e
cansaço. Agora só a lembrança dos meninos nas águas. Dois belos e perfeitos
ataúdes correndo para o mar. [...]. Trecho da obra As
sombrias ruínas da alma: ficções (Iluminuras, 1999), do premiado escritor,
crítico, editor e jornalista pernambucano Raimundo
Carrero. Veja mais aqui e aqui.
MOTE GLOSADO - Como dois astros banhados / num clarão puro
e divino, / num semblante purpurino, / vi dois brilhantes cravados, / e os
anjos, ali, postados, / como que, a Deus, servindo / e ela contente e rindo, /
como se no paraíso: / mostrando, de Deus, o riso, / num rosto moreno e lindo.
Do poeta-vaqueiro Luís Dantas Quesado
(1850-1930), autor da obra Glosqas sertanejas (1922). Veja mais aqui e aqui.
AGENDA 21 DA CULTURA – Um compromisso das
cidades e dos governos locais para o desenvolvimento cultural - Nós, cidades e
governos locais do mundo, comprometidos com os direitos humanos, a diversidade
cultural, a sustentabilidade, a democracia participativa e a criação de
condições para a paz, reunidos em Barcelona nos dias 7 e 8 de Maio de 2004, no
IV Fórum de Autoridades Locais de Porto Alegre para a Inclusão Social, no marco
do Fórum Universal das Culturas – Barcelona 2004, aprovamos esta Agenda 21 da
cultura como documento orientador das políticas públicas de cultura e como
contribuição para o desenvolvimento cultural da humanidade. I. PRINCÍPIOS 1. A
diversidade cultural é o principal patrimônio da humanidade. É o produto de
milhares de anos de história, fruto da contribuição coletiva de todos os povos,
através das suas línguas, imaginários, tecnologias, práticas e criações. A
cultura adota formas distintas, que sempre respondem a modelos dinâmicos de
relação entre sociedades e territórios. A diversidade cultural contribui para
uma “existência intelectual, afetiva, moral e espiritual satisfatória”
(Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural, artigo 3), e
constitui um dos elementos essenciais de transformação da realidade urbana e
social. [...] 35.
Convidar criadores e artistas a comprometerem-se com as cidades e com os
territórios, identificando problemas e conflitos da nossa sociedade, melhorando
a convivência e a qualidade de vida, ampliando a capacidade criativa e crítica
de todos os cidadãos e, muito especialmente, cooperando para contribuir à
resolução dos desafios das cidades.
Veja mais:
Terceira idade aqui.
A música de Max Bruch aqui.
A arte de Carlos Careqa aqui.
Faça seu
TCC sem Traumas: livro, curso & consultas aqui.
Livros Infantis do Nitolino aqui.
&
Agenda de Eventos aqui.
A ARTE DE MARCEL DUCHAMP