EMBALO DA VIDA - Imagem: O violeiro, de Luiz Viola - Anda mais duns quarenta anos, bem mais, acho, que
botei as ventas no mundo e dei de cara com a trupe de fazedores de emboanças, sons
amolestados e tons desafinados, telengotendo, xenhenhem! E a cavilação: ou você
me paga o que deve ou um de nós perde a vida e a vida bate o aço a judiar! Simbora!
O galope só é bom quando é à beira-mar! Lá ia eu metido a besta entre parceiros,
doidos e sãos, repicando aboios e toadas, aliterações e gemidos, um poema atrás
do outro feito bandeirinhas de São João que não acabam mais nas mais de mil e
uma estripulias por dias como espelhos e noites de meter os pés pelas mãos,
desapeando para abancar, todo ancho no meio de oitava antiga ou dez de queixo
caído, nada que possa valer mais que de Serra da Prata para Serro Azul, de
Pirangi pra Paul, Mata Sul pernambucana, terra dos Palmares, de João de Zé das
quantas, Maria de partos, flores e rumores, dos erros do tino e acertos no
milhar, do tudo e do muito, maleitas, aporrinhações, sacanagens e engodos. Acha
pouco, é? Vá atentar o diabo que ele gosta! É não! É! Você diz que não cai, mas
cai no quebradinho: cai quem não gosta da vida, cai quem da morte tem medo. E eu
ia danado pra Catende com vontade de chegar. É de lá que vem cantando Zé Ripe e
eu aplaudindo olhos acesos, de cócoras com a saparia, foi não foi, foi, amoitado
na casa de taipa com o sereno que vinha do som no pé da orelha e via atalhos e
tocaias que perturbam nossa poesia sem amanhã, agarrado ao desespero para
vencer o medo de fugir da obscuridade pro futuro redentor. Era bom demais, Zé
Ripe cantando coisas da gente dessas terras que são minhas até que a peitica
cantou e lá vinha a chuva dos sapos pedirem aos céus clemência, foi, não foi,
foi, enquanto eu a duras penas ouvia cantarem louvores aos céus para livrá-los
dos horrores sem saber o domínio do destino. E eu que ouvia e se havia com o
amiudar dos galos, saía no oitão de rede rasgada e terreiro afora na força da
munheca, engolindo brasa de fogo, pegando corisco nos ares, já sabia: não presto
nem pra mim mesmo! E ia contra o muro e voltava, pé na rua, no meio da vida, quantos
baques, muitas quedas: quebra cabeça é assim! Segura o rojão: quando eu ia ela
voltava, quando eu voltava ela ia. Ia e vinha e nada, só no mote ineivado: isso
é que é mourão voltado, isso é que é voltar mourão. E lá ia eu solto na lapa do
mundo dos oito pés em quadrão, acelerado feito xexéu: quando eu disser meia
quadra, você diz que é quadra e meia, quando eu disser quadra e meia, você diz
que é meio quadrão. Quem não canta gabinete, não sabe o que é cantar! E eu que
não sou de aguentar desaforo, não sou de arrastar mala e abria os peitos: quem não
canta gabinete, não é cantor pra ninguém. Aí convocava: vamos fazer um baião de
viola ou bota a viola no saco! Aí eu que já me achava maior que o troço, feito
quem tem mais opinião que informação, todo cheio de nove horas, já estava com um
fastio grande porque abusei da comida com a inhaca da desgraça, aguentei tempo
o de longe, injuriado até o gogó, pra amansar no balançado do xote do Zé Ripe
com o trancelim e laço de fita, sujeito bom cantador que me ensinava que cabeça
não foi feita só para separar as orelhas, a me embalar entre as senhoras, viúvas
e moças amojadas nesse Brasil de caboclo, Mãe Preta e Pai João, coisas da minha
vicariante prosopopéia, porque sei que nada morre antes do tempo, nem corre sem
vê de quê. E a minha infância, quer você queira ou não, parece mais que criou
pena, bateu asas e voou pra nunca mais, o adulto que envelhece e arenga: aqui só
canta um galo que sou eu nesse terreiro. Aprendi desde cedo que cantador que se
dá a preço, não se areia nem faz troça e na boca traz tanto repente chega de
sobrar e cair no chão pra quem quiser, isso é que é bom, porque para cantar
nunca teve semana, nem dia, nem hora, nem mês. Vamos simbora, Zé Ripe, vamos desmanchar
o enredo pra não ficar cego de raiva nem ter o diabo por guia, a gente vai que
vai, não tem quem não cuspa pra cima que não lhe caia na cara! Vamos ver o
desafio malcriado rompendo a cantoria! E vamos aprumar a conversa &
tataritaritatá! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais
aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje
na Rádio Tataritaritatá especiais com a música de Djavan ao vivo + Ária + Um amor puro; a
célebre cantora lírica soprano brasileira Bidú Sayão (1902-1999),
interpretando a Bachiana nº 5 & Floresta amazônica de Villa-Lobos & La
demoiselle élue de Debussy; da saxofonista, flautista,
compositora e arranjadora Daniela
Spielmann com Brazilian Breath, Saudades do
Paulo com Cliff Korman & Chorinho pra você com Paulo Moura; e do cantor e
compositor Zé
Ripe com Amigos em pé de serra &
Santanna O Cantador, Predestinação, Nordestinos do Forró, Bobeira & Perdi
Você. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA - Conhecer a verdade do Buda é conhecer a si mesmo. Conhecer a si mesmo é
esquecer-se de si mesmo. Esquecer-se de si mesmo é ser confirmado por todos os
Darmas. Ser confirmado por todos os Darmas é deixar seu corpo e sua mente e o
corpo e a mente do mundo externo desaparecerem. Todo indício de iluminação
desaparece, e essa iluminação sem indício prossegue indefinidamente. Pensamento
do mestre zen-budista Dōgen Zenji (1200-1253), extraído do artigo Os ensinamentos rosacruzes e o zen (O
Rosacruz, 2015), de Atsushi Honjo. Veja mais aqui.
EDUCAÇÃO DE HOJE DE MATTÉI - [...] Na educação moderna, o estudante é apenas
objeto de um discurso administrativo [...] Como eu digo em A barbárie interior, os métodos educacionais consistem
em substituir o aluno, o homem, por uma espécie de sujeito social que não tem
mais relação o pensamento, com o conhecimento, com a erudição, com a formação
do saber. A educação moderna – em Dewey, por exemplo- substituiu a finalidade
da educação como hominização pela socialização: o aluno é somente um ser social
administrativo, encerrado em uma rede administrativa. [...] Não há aí possibilidade de relação do aluno
ou da criança com o mundo, com o saber ou com o pensamento. [...] o que conta são procedimentos, a educação
moderna é procedimental, como falam os educadores norte-americanos. [...]. Trechos
da entrevista Modernos e bárbaros
(Cult, janeiro 2003), ao jornalista Manoel da Costa Pinto, pelo filósofo francês Jean-François
Mattei (1941-2014), sobre a obra A
barbárie interior: ensaio sobre o i-mundo moderno (UNESP,
2002). Veja mais aqui.
HONESTIDADE, VIRTUDE & EVOLUÇÃO HUMANA - [...] vi que nunca tivemos a intenção de libertar,
mas a de subjugar aquele povo. Fomos até lá para conquistar, não para salvar.
[...] Parece-me que nosso prazer e dever
seria tornar livres aquelas pessoas e deixar que elas próprias resolvessem sozinhas
as suas questões internas. E é por isso que sou antiimperialista. Eu me recuso
a aceitar que a águia crave suas garras em outras terras. [...] A alma e a substância do que geralmente se
chama patriotismo é covardia moral, e sempre foi. [...] anseia apenas por ficar do lado do vencedor.
[...] O dogma do patriotismo monárquico
é: “O Rei nunca erra”. Nós adotamos com todo o seu servilismo, com uma
insignificante mudança de palavras: “Nossa pátria, certa ou errada”. [...] Jogamos fora, e com ele tudo o que havia de
respeitável nessa palavra grotesca e ridícula, patriotismo. [...] Não é verdade que existem dezenas de tipos
de honestidade que não podem ser medidas pelo padrão do dinheiro? Traição é
traição – e há mais de uma forma de traição; a forma dinheiro é apenas uma
delas. [...] não existe um único
homem honesto em lugar nenhum. E neste caso nem a mim eu faço exceção.
[...] Toda pessoa nela incluída é honesta
de uma ou de várias formas, mas nenhum de seus membros é honesto de todas as
formas exigidas – exigidas por quê? Por seu próprio padrão. Fora essa, da forma
como eu entendo, não existe para ela outra obrigação. E eu sou honesto? Dou-lhe
minha palavra de honra (particular) de que não sou. [...]. É verdade, arte eu sou desonesto. Não de
muitas formas, mas de algumas. Acho que são 41. Somos todos honestos de uma ou
de muitas formas – todos os homens no mundo -, embora eu às vezes tenha a
impressão de ser o único que tem uma lista negra tão curta. Às vezes me sinto
isolado nessa altaneira solidão. [...] o
século XIX trouxe progresso – o primeiro progresso depois de “eras e eras” -,
um progresso colossal. Em quê? Materialidades. Fizeram-se aquisições
maravilhosas com coisas que aumentam o conforto de muitos e tornam mais difícil
a vida de outros tantos. Mas e o aumento da virtude? É possível descobri-lo? Acho
que não. As materialidades não foram inventadas em beneficio da virtude [...].
lutam febrilmente por dinheiro. O dinheiro
é o ideal supremo – todos os outros ficam relegados ao décimo lugar para o
grosso das nações conhecidas. A febre do dinheiro sempre existiu, mas na
história do mundo ela não foi a loucura em que se transformou no seu tempo e no
meu. Esta loucura corrompeu essas nações; tornou-as duras, sórdidas, cruéis,
desonestas, opressivas. [...] Se houve
algum progresso em direção à virtude desde o início da Criação – do que, na
minha inabalável honestidade, sou forçado a duvidar – acredito que devamos
limitá-lo a 10% das populações da Cristandade (mas deixando de fora a Rússia, a
Espanha e a América do Sul). Isso nos dá 320 milhões dos quais tirar dez por
cento. Ou seja, 32 milhões avançaram para a virtude e o o Reino de Deus desde
que as “eras e eras” começaram a corre, e Deus lá sentado, admirando. Bem, isso
deixaria 1 bilhão e 200 milhões fora da corrida. Continuam onde sempre
estiveram; não houve mudança. [...]. Trechos extraídos da obra Patriotas e traidores: Antiimperialismo, política e
crítica social (Fundação Perseu Abramo, 2003), do escritor e
humorista norte-americano Mark Twain
(1835 – 1910). Veja mais aqui.
A QUEM SERVISTE HOJE? - Toda a Natureza é um desejo de serviço. / Serve
a nuvem, serve o vento, servem os vales. / Onde haja uma árvore que plantar,
planta-a tu; / Onde haja um erro que emendar, emenda-o tu; / Onde haja um
esforço que todos evitam, aceita-o tu. / Sê aquele que afasta a pedra do
caminho, / O ódio dos corações e as dificuldades de um problema / Existe a
alegria de ser são, e a alegria de ser justo, / Mas existe sobretudo, a formosa
a imensa alegria de servir. / Como seria triste o mundo se tudo já estivesse
feito, / Se não houvesse um roseiral que plantar, uma empresa que iniciar! / Que
não te atraiam somente os trabalhos fáceis. / É tão belo fazer a tarefa a que
outros se esquivam! / Mas não caias no erro de que só se conquistam méritos / Com
os grandes trabalhos; / Há pequenos serviços que são imensos serviços: / Adornar
a mesa, arrumar os bancos, espanar o pó. / Aquele é o que critica, este é o que
destrói; / Sê tu o que serve. / O serviço não é tarefa só de seres inferiores./
Deus, que dá o fruto e a luz, serve. / Poder-se-ia chamá-lo assim: Aquele que
serve. / E Ele, que tem os olhos em nossas mãos, nos pergunta todo dia: / “Serviste hoje? A quem? À árvore, a teu amigo, à tua mãe?” Poema da poeta chilena Gabriela Mistral (1889-1957), Prêmio
Nobel de Literatura em 1945. Veja mais aqui e aqui.
GEMEDEIRA DE BENJAMIM
MANGABEIRA
Geme o rico sem saúde
Geme o moço sem dinheiro
Velho vendo moça nova
Geme sem ter paradeiro
E o miserável do pobre
Ai! Ai! Ui! Ui!
Esse geme o tempo inteiro
Vamos gemer sem ter dor
Para o povo apreciar
Quem precisa de ganhar
Geme pra fazer favor
Para ser bom cantador
Eu faço tudo por mim
Antes de chegar ao fim
Mostre sua gemedeira
Me acompanhe na regra inteira
Ai! Ai! Ui! Ui!
Gemer de dois é assim.
Gemedeira criada
por Benjamim Mangabeira (Benjamim José de Almeida: 1904-1975), extraída
da obra Cartilha do cantador (Recife, 1985), de Aleixo Leite Filho. Veja mais
aqui e aqui.
Veja mais:
A arte musical de Bidu Sayão aqui.
A arte musical de Daniella Spielmann aqui.
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ENTREVISTA DE ZÉ RIPE
A ARTE DE ISMAEL NERY