IARA, IARAVI – Um dia
Fiietó se apaixonou. E ele com a sua força e firmeza no braço, altivez de porte
e agudez de vista, dominava a mataria brava, seguindo a caça e afrontando o
inimigo, aremessando o arco de sua flecha certeira cortando as carreiras ou os
pulos dos animais, abatendo o voo de carniceiros, estava perdidamente
apaixonado. Justo aquele que ao vogar sobre as águas silenciosas do Una, velejava
alteroso, braços abertos e, ao passar junto ao barranco do rio, as brisas
folionas sacudiam os galhos e derramavam uma chuva de flores sobre seus cabelos
negros e todos os peixes, pássaros e demais seres viventes das profundezas e
das margens fluviais, saudavam-no nas suas peripécias. Justo ele, estava
enamorado. Por conta disso, todas as tardes a sua canoa aparecia no poente,
seguindo solitário pelas sombras da noite adentro, pescaria essa que todos
interrogavam pela vigência dos fantasmas noturnos saltarem das profundas dos
infernos para atomentarem seres viventes que jaziam medrosos escondidos nas
suas moradas. Indagavam do intrépido Fiietó se não ouvira os temerosos
presságios pelos ventos gemedores com suas dores que matam, ele quase nem ouvia
sua mãe aos prantos pela audácia do filho de desafiar os gênios malignos que se
aproveitavam da indomável juventude de suas presas nas horas mortas. Contavam pra
ele histórias repetidas vezes de quantos não houveram encontrados insones com
seus olhos fundos e tristes, cotovelos fincados nos joelhos, pernas pendentes
da rede selvagem, aprisionados pela má sorte, pungentemente hipnotizados na
escuridão. Até sua mãe lamentava com enternecidas palavras, meu filho, não vejo
alegria nos seus olhos, só vagos gestos de quem fora picado no coração, aquele
a quem as moças admiravam, os velhos e guerreiros festejavam as astúcias com
seus cantos entoando seu nome que um dia gozaria supremo na mansão dos bravos. O
que está havendo, meu filho? Estou amando, mãe, quero encontrá-la. Não me diga
que é a Iara! Mãe, quero encontrá-la. Não, meu filho, a Iara não, ela envenenou
seu coração? Mãe, eu a vi, eu a vi, mãe, boiando em flor, linda como a lua nas
noites claras, eu vi, mãe, os cabelos de flores, brilho do Sol, era ela, mãe!
Meu filho! As suas faces, mãe, são formosas que ninguém jamais viu! Ela olhou
pra mim, mãe, estendeu-me os braços, repartiu as águas e me levou encantado
pelas estrelas do céu. Meu filho! Foge, meu filho, foge! Aquela que você viu é
a Iara, aquela que canta a agonia e dos seus olhos só a morte espia. Mãe, eu
vi, é linda! A mãe chorava a perda de filho tão valoroso. Não vá, meu filho,
fuja, fuja enquanto pode, foge da Iara. E ele resoluto, pisou na água e começou
a deslizar mansa e tranquilamente, estava decidido, estava verdadeiramente
apaixonado. E todos na tribo caeté viram-no passar como quem vai pescar nas
trevas. E seguia sozinho no espelho das águas. Logo depois, ouviam-se gritos:
Vem ver, gente! Vem ver, corre, gente, vem ver! Todos pararam atônitas à beira
do Rio Una, Fiietó fendendo as águas, braços abertos como se fosse voar, quando
surgiu ao lado do jovem guerreiro, enlaçando-o a beijá-lo, completamente
ensolarada com sua majestade e corpo harmonioso coroado por sua beleza
indescritível de tão grandiosa maravilha, cabelos esvoaçantes e a jurar de amor
por ele, aquela que cativara o seu coração. A Iara! É ela, a Iara! Todos gritavam
estupefatos com a cena, em uníssono: É Iara! É ela mesmo! E todos correram para
acompanhar o trajeto do casal que iluminava todos os arredores, escondendo-se
para não serem flagrados pela deusa. Dali mais um pouco, Fiietó abraçou-a e
beijaram-se ardentemente, provocando faíscas, relâmpagos e trovões vindos dos céus
e retumbando por toda redondeza. Beijavam-se e o amor celebrava a festa dos
amantes, enquanto os nativos fugiam para mais distante, amedrontados com a cena
e tudo que acontecia. Era Iara, na verdade, era Iaravi, a índia caingang que é bela
como as frescas manhãs de Sol nas águas do Una, transformada em Iara para
demonstrar o seu amor e para ser aquela a quem Fiietó, perdidamente apaixonado,
jurava morrer de amor. (Recriação a partir de A Iara (Selva, 1947), de Afonso
Arinos. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO
TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio
Tataritaritatá
especiais com a música do cantor e compositor Geraldo
Azevedo:
De outra maneira, A luz do solo, Inclinações musicais, Adoro você & Tanto
querer; da pianista e compositora Fernanda
Chaves Canaud
interpretando Radamés Gnatali & Lua Branca de Chiquinha Gonzaga; do
compositor e educador musical Mario Ficarelli: Parasinfonia, O poço e o
pêndulo & Tempestade óssea; da cantora Joan
Baez:
Al star 75th Birthay Celebration Live, Live Concert & Line in the New York.
Para conferir é só ligar o som e
curtir.
PENSAMENTO DO DIA – O
importante é a lembrança dos erros, que nos permite não cometer sempre os
mesmos. O verdadeiro tesouro do homem é o tesouro dos seus erros, a larga
experiência vital decantada por milénios, gota a gota. do
filósofo e ativista político espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955). Veja mais aqui.
SONETO DA MULHER AO SOL
A bordo do Andrea C, a caminho da França
Uma mulher ao sol - eis todo o meu desejo
Vinda do sal do mar, nua, os braços em cruz
A flor dos lábios entreaberta para o beijo
A pele a fulgurar todo o pólen da luz.
Uma linda mulher com os seios em repouso
Nua e quente de sol - eis tudo o que eu preciso
O ventre terso, o pêlo úmido, e um sorriso
À flor dos lábios entreabertos para o gozo.
Uma mulher ao sol sobre quem me debruce
Em quem beba e a quem morda e com quem me lamente
E que ao se submeter se enfureça e soluce
E tente me expelir, e ao me sentir ausente
Me busque novamente - e se deixa a dormir
Quando, pacificado, eu tiver de partir...
Extraído do livro Para viver um grande amor (Companhia das Letras, 1984),
Uma mulher ao sol - eis todo o meu desejo
Vinda do sal do mar, nua, os braços em cruz
A flor dos lábios entreaberta para o beijo
A pele a fulgurar todo o pólen da luz.
Uma linda mulher com os seios em repouso
Nua e quente de sol - eis tudo o que eu preciso
O ventre terso, o pêlo úmido, e um sorriso
À flor dos lábios entreabertos para o gozo.
Uma mulher ao sol sobre quem me debruce
Em quem beba e a quem morda e com quem me lamente
E que ao se submeter se enfureça e soluce
E tente me expelir, e ao me sentir ausente
Me busque novamente - e se deixa a dormir
Quando, pacificado, eu tiver de partir...
Extraído do livro Para viver um grande amor (Companhia das Letras, 1984),
do
poeta, dramaturgo, jornalista, compositor e diplomata brasileiro Vinicius de
Moraes (1913-1980). Veja mais aqui, aqui & aqui.
SENHOR PRESIDENTE - [...] A cidade grande, imensamente grande para a
sua fadiga, foi ficando pequena para a sua aflição. Noites de espanto, seguidas
por dias de perseguição. Acossado pela gente que, não satisfeita em gritar-lhe:
“Bobalhãozinho, domingo você vai casar com sua mãe... aquela velhinha... seu
pirado... animal, vagabundo!”, batiam nele, arrancavam-lhe a roupa a pedaços.
Perseguido pela molecada, refugiava-se nos bairros pobres, mas ali sua sorte
era pior; ali, onde todos andavam às portas da miséria, era não só insultado,
mas quando o viam correr apavorado atiravam-lhe pedras, ratos mortos e latas
vazias. Vindo de um desses bairros, chegou ao Portal do Senhor num dia
qualquer, na hora da missa, ferido na testa, a cabeça descoberta, arrastando a
rabiola de uma pipa que, arremedando um remendo, haviam-lhe grudado atrás.
Assustava-se com as sombras dos muros, os cachorros passando, as folhas que
caíam das árvores, o rodar desigual dos carros... Quando chegou ao Portal,
quase de noite, os mendigos, virados para a parede, contavam e recontavam seus
ganhos do dia. Mulamanca discutia com o Mosquito, a surda-muda esfregava a mão
na barriga, para ela inexplicavelmente grande, e a cega se remexia, sonhando-se
dependurada em um gancho, coberta por moscas, como carne de açougue. [...] E mais não disse. Arrancado do chão pelo
grito, o Bobalhão saltou em cima dele e, sem lhe dar tempo para usar suas
armas, enterrou-lhe os dedos nos olhos, despedaçou-lhe o nariz a dentadas e
golpeou-lhe as partes com os joelhos, até deixá-lo inerte. Os mendigos fecharam
os olhos horrorizados, a coruja passou de novo e o Bobalhão fugiu pelas ruas
escuras enlouquecido e tomado por espantoso paroxismo. Uma força cega acabava
de tirar a vida do coronel José Parrales Sonriente, vulgo o homem da mulinha.
Amanhecia. [...]. Trechos da obra O
senhor presidente (Mundaréu, 2016), do escritor, jornalista, diplomata
guatemalteco Miguel Angel Asturias
(1899-1974), ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1967. Veja mais aqui.
ARTE DE CAMILLE CLAUDEL
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