Imagem: Acervo ArtLAM.
Ao
som de Low End (Live Big Ears Festival 2022), Tornasol
(2021), Campos Flotantes (2024), Sinfonía Isleña (2023) e The Place
We Are (2014), da performática compositora e muti-instrumentista porto riquenha
Angélica Negrón, que integra a
banda Balún e é artista residente
no National Sawdust trabalhando na ópera de dublagem labial, Chimera, atua como professora no programa Very Young Composers da Filarmônica de Nova York e do Lincoln
Center Education.
Uma
noite longa, solstício de inverno... - Que bom! Salve! De antemão: meu
beijabração por recepção. Achegue-se! Pra começo de conversa: se chegou aqui é
porque teve alguma indicação. Não acredito em acasos, digo logo. Do contrário,
assim mesmo: venha! Sei que a gente nem pode pular o muro alto do vizinho, um
cachorro daqueles bem brabo nos espera, né? Um vexame! Muito menos atravessar a
porta fechada de quem mora ao lado. Uma barra. Sou da vida conversável do Agostinho:
“Magia
incandescente do verbo”. E como Descartes: converso com livros. Mas vem cá
(só puxando assunto pro maior palratório ou dedinho de prosa que seja), para abrideira
pode vir com aranzéis de taramelas, de não parar o badalo, nem fechar a matraca
contando hestórias de assombrações ou de petas galrões com a maior prolixidade,
viu? Proponho pro bate-papo: como as coisas funcionam ao seu modo de ver? Pode abrir
suas experiências, se quiser, estreitando o compadrio com potocas loquazes. Ou levar
um lero facundo sobre a papagaiada de gaiatos linguarudos, a lorotagem dos
caboetas ou dos que arremedam como os metidos a crisóstomos doctiloquentes, dos
chatos de galocha com seus carões homiléticos – cada qual sua certeza
inabalável, irredutível! Valho-me daquela do Quinus Horacius: tô só
cutucando, sabe? Talvez melhor um colóquio sobre umas e outras, perdão e
esgares, o lema do desatino entre os dentes e o despudor de epístolas e
pistolas, que venham nas fronteiras da convivência; ou uma confabulação sobre
hematomas herdados nos desmentidos fraudulentos, das consequências invertidas
no desamparo das subnotificações e estatísticas manipuladas, ou mesmo um
diálogo sobre fobias ou síndrome do pânico, psicoses, atrofias, de tudo fora da
órbita, coisas assim, fazer o quê? Ou ficar com o fôlego suspenso acaso os detalhes
por minúcias nos levem a entender que desde que o mundo é o que é, entre o
verossímil e o sofismável, as ressalvas e os remendos, as gambiarras, e não
perder o fio da meada, apesar dos pesares, conquanto, se puder relaxe,
compareça e mande ver nas patranhas, pilhérias, vanilóquios, vale tudo! Com tanto
que se sinta confortável. Querendo pode até se encolher, se estirar, ficar de
bruços ou se espreguiçar num pufe ou numa poltrona, deitar na cama, plantar
bananeira, ou ficar em pé secando os cambitos ou escorando-se na parede,
atrepando-se num muro, cê que sabe! Onde estiver: no ônibus, montando um jegue,
no trono do banheiro, de cabelo em pé por soltar uma flatulência inesperada, o
crível na escusa e o mundo se desfazendo na incerteza. Taí. Há quem escolha
episódios mais notáveis; outros, os mais pungentes, patéticos: ninguém está
feliz com sua própria sorte, né? E o tempo volta de vez em quando só pra
aumentar a desordem e a gente na indomável obstinação, a solidão insular, as
façanhas inglórias, as coisas sempre nesse pé e a gente querendo fazer o melhor
que puder. E ter de encarar a espessa poeira da recorrente ameaça de guerra há
décadas e a qualquer momento: teibei! Aí é só os que viraram adubo, quem levou
a melhor, penitências pro perecível: de mão em mão a última chance. Vírgulas e
pontos, pelo menos. Se a barra tiver pesada a gente pode mudar de tema e você contar
dos seus tédios, fadigas, angústias, lembranças flutuantes que se espatifaram
ao espelho, a fuga dos solilóquios, os monólogos do umbigo, como transpôs seus precipícios,
feridas reabertas, túmulos revolvidos, apaziguados, pelo menos. Olhe: não faça
careta, vamos comer uma cocada que é bom! Aceita? As hestórias já contam por
si, quem sabe, há sempre aquelas lacerações oriundas da pedra sobre o tutano
das memórias apagadas de tudo, a felicidade ínfima além das galáxias. Do contrário,
pode abordar, por exemplo, o que espera da vida, o descontrole e a
impulsividade. Se puder nem tenha papas na língua e ponha a mão no fogo, defenda
seu ponto de vista com o curso regular dos acontecimentos duplicados. Sei, segredos
ao pé do ouvido, confiar em quem? Assim solte pinoias como quem bebeu água de
chocalho, falatório pelos cotovelos, mímicas, onomatopeias, êpa! Ditos impublicáveis,
lorotas verbosas, porque desse jeito a gente pode abusar de adágios tagarelas,
clichês de boquirrotos e seja lá o que quem quer que seja quiser!!! Dê as
caras, a gente pode se empolgar oxigenando no passeio, curtindo uma performance
musical da Angélica Negrón ou, se for ao gosto ocasional,
a Facilita do Ramalho no balanço do Gonzagão:
Tataritaritatá!!!!... Pode balançar o esqueleto enquanto ouvimos sobre as viagens
de Chimamanda Ngozi, ou do que procura Barbara
Rachko, ou as atitudes de Catherine Millet, uns poemas da Carolina Sampaoli, da leitura que
fiz do Mistério do tempo da Kaliane Bradley,
ou dos estudos sobre a simbiossexualidade de Sally Johnston, apreciar a arte de Oriana Duarte, que tal? Ou mesmo da minha releitura
desta semana: Se um viajante uma noite de inverno... Doidice? Ora! Quem goza de saúde
mental nestes tempos, hem? Acertemos: doravante, duma coisa tenha certeza: aqui
não tem Amanaci chamando chuva, nem relógio pra determinar calendário. A gente
só tem o presente para se livrar das tentações do consumo, impaciente com uma
fila que não anda, da depressão com o que passou e da ansiedade pelo que virá. Tudo
passa. Aliás, já passou. Vale mesmo a interlocução, afinal uma boa conversa
segura o mundo! Acho. E saiba: sua chegada é a maior festa, um prêmio com um
rosário de alvíssaras, pelo menos pra mim. Salve! Volte sempre! Até mais ver.
Chimamanda Ngozi Adichie: Acho que você viaja para procurar e volta para casa para se encontrar lá... Veja mais aqui & aqui.
Barbara Rachko: As coisas com as quais você se preocupava se foram: algumas são
esquecidas, outras são menos urgentes...Veja mais aqui.
Catherine Millet: As atitudes
da sociedade em relação ao sexo são moldadas pelo medo e pela ignorância... A
liberdade sexual é um direito humano fundamental... A sexualidade é fluida e
está em constante evolução... O corpo é um campo de batalha, onde as
expectativas sociais entram em conflito com os desejos pessoais... A satisfação
sexual é uma necessidade humana básica... Veja mais aqui.
DOIS POEMAS
Imagem: Acervo ArtLAM.
A MENINA NA JANELA - Eu observava sua silhueta atrás da cortina, borrada,
ela se contorcia na redoma de vidro da noite. \ Ela cantava, embalando minhas
dificuldades. A espuma cobria o esplendor de sua infância. Ela se encolheu
diante do meu olhar profundo, suas maçãs do rosto rosadas, sua pele imaculada.
Ela continuou cantando como se nada tivesse acontecido. Ela cantou seus versos
para mim, me convidando para dançar com ela na água. \ Eu a segui desconfiado;
seus olhos verdes poderiam ter sangrado sob aquela intimidação, mas ela se
calou. Finalmente, um fluido incolor, a dança continuou embalando nossas
línguas, ofegantes, movimentos descendentes, ascendentes, suspiramos em
uníssono. \ Meus olhos não conseguiam captar uma paisagem tão deliciosa, a
nudez completa de seu corpo escultural, o rugido de seu sexo, sua agitação
digna, mas subestimada. \ Nós nos rendemos ao encontro, lambendo os contornos
dos corpos um do outro. \ Ela nunca fechou suas luas brilhantes e encantadoras;
ela teria ficado tonta neste caso. Ela me observou obscenamente, recomeçando de
acordo com todos os seus desejos insensatos, dívidas ainda não quitadas.
OITAVO DIA - Vi, cheirei, toquei, senti a morte perto, muito perto.
\ Seu olhar vazio de significado, seu perfume neutro, sua silhueta vazia. \ Elusiva,
furtiva, como o suco diáfano que migra enquanto sua pele permanece. \ É o nada
imutável, o silêncio absoluto, o esquecimento... \ Tudo o que é descrito é
absorvido, toda forma perece, nem mesmo um sussurro de calma... Tudo o que
posso nomear é inominável. \ Nada é nada... Ruído, tontura são irrelevantes na
falta de memória... \ Desde que ela me beijou, temo os vivos... \ Suas
propostas de flerte... \ Seu olhar que me faz evocar a espera das ondas se
fundindo com o horizonte cinzento. \ O nascimento da onda perfeita sendo parte
da imensidão. \ O surgimento de um ser de aço, pura magnificência, corrompendo
meu corpo enquanto me cobre de espuma. \ Equilibro-me em sua força que me
arrasta, em seu rugido, na música celestial que a solidão do oceano me dá... \ Renascido
entre nós, cessando de reivindicar esta masturbação, \ entrego-me contigo para
desfrutar desta vida terrena. \ Não escrevo mais... Vamos aproveitar? \ Dê-me a
sua mão, pegue a minha, vamos rabiscar... Estou de volta, aqui.
Poemas
da escritora e pintora argentina Carolina Sampaoli (María Carolina López Sampaoli).
O
MISTÉRIO DO TEMPO – [...] Se
você se apaixonar, será uma pessoa que estará apaixonada pelo resto da vida [...] O perdão, que te leva de volta à pessoa que
você era e te permite redefini-la. A esperança, que existe em um futuro em que
você é novo. O perdão e a esperança são milagres. Eles te permitem mudar de
vida. Eles são viagem no tempo [...] Não quero parecer pessimista. Só o
faço porque vejo o quão erradas foram minhas escolhas. Não faça assim. Não
entre acreditando que você é um nó em um grande empreendimento, que seu passado
e seu trauma definirão seu futuro, que os indivíduos não importam. A coisa mais
radical que já fiz foi amá-lo, e eu nem fui a primeira pessoa nesta história a
fazer isso. Mas você pode acertar, se tentar. Você terá esperança e foi
perdoado. Perdão, que te leva de volta à pessoa que você era e te permite
redefini-la. Esperança, que existe em um futuro no qual você é novo. Perdão e
esperança são milagres. Eles permitem que você mude sua vida. Eles são viagem
no tempo. [...] A vida é uma série de portas batendo. Tomamos decisões
irrevogáveis todos os dias. Um atraso de doze segundos, um deslize, e de
repente sua vida toma um novo rumo. [...] Você não pode tornar a vida à
prova de traumas, e não pode tornar seus relacionamentos à prova de mágoas.
Você tem que aceitar que causará danos a si mesmo e aos outros. Mas você também
pode errar feio e não aprender nada com isso, exceto que estragou tudo. O mesmo
acontece com a opressão. Você não ganha nenhum conhecimento especial sendo
marginalizado. Mas você ganha algo ao sair da sua mágoa e examinar os andaimes
da sua opressão. [...] O perdão e a esperança são milagres. Eles
permitem que você mude de vida. São viagens no tempo. [...] Tudo o que
já aconteceu poderia ter sido evitado, e nada disso aconteceu. A única coisa
que você pode consertar é o futuro. [...]. Trechos extraídos da
obra The Ministry of Time (Avid
Reader Press/Simon & Schuster, 2024), da escritora e editora inglesa Kaliane Bradley (Kaliane Mong Huxham Bradley).
SIMBIOSSEXUALIDADE – [...] os
participantes deste estudo descreveu um desejo por uma
dinâmica, algo maior do que a soma das partes de um casal. [...] a
simbiosexualidade oferecerá apoio a esta minoria sexual tanto nas
comunidades especificamente formadas para apoiar pessoas - pessoas com orientações sexuais e de relacionamento marginalizadas (como a comunidade poliamorosa) e na comunidade
tradicional configurações da
comunidade [...] Concepções e suposições
dominantes sobre sexualidade e desejo, incluindo mononormatividade, políticas
de respeitabilidade em comunidades poliamorosas e concepções atuais de desejo
no discurso ocidental, contribuem para a invisibilidade simbiossexual. Essa
invisibilidade prejudica diversos grupos de minorias sexuais, especialmente
mulheres e minorias de gênero dentro desses grupos. [...] A possibilidade de um poder
erótico intensificado advindo da consciência e da abertura a múltiplas fontes
de prazer, e até mesmo a múltiplas pessoas, ao mesmo tempo, não é nova no
discurso sobre sexualidade [...] a simbiossexualidade
permanece não reconhecida nas arenas científicas. Adotar o conceito de
simbiossexualidade pode facilitar a expansão de conceituações teóricas sobre
desejo e orientação sexual no campo da sexualidade humana. [...] Talvez,
para alguns indivíduos, combinar desejos que se complementam ou atender a
múltiplos desejos simultaneamente aumente a energia erótica e o prazer. Além
disso, assim como as narrativas do Oriente Médio e dos povos indígenas sobre
sexualidade e desejo oferecem diferentes concepções de desejo, talvez o
reconhecimento do desejo simbiossexual possa facilitar as percepções
individuais e acadêmicas de diferentes formas ou qualidades de desejo e atração.
[...] Espero que o reconhecimento da simbiosexualidade possa oferecer
validação e apoio a essa minoria sexual. [...] As premissas e concepções
culturais dominantes sobre desejo e sexualidade funcionam para ignorar,
obscurecer e/ou desvalorizar a simbiosexualidade. A mononormatividade
(especificamente, a suposição da "correção" da dinâmica sexual e de
relacionamento entre duas pessoas) contribui amplamente para o desvalor e o
descrédito da simbiosexualidade. [...] Oferecer uma nova linguagem pode
promover a autocompreensão e a autorrealização, o que, para alguns, pode
incluir a adoção do termo simbiossexual ou a recuperação da identidade de
unicórnio como descritiva de uma pessoa empoderada que experimenta desejo simbiossexual
e prazer sexual com casais. [...]. Trechos extraídos do estudo Symbiosexual Attraction: An Integrated
Mixed-Methods Study (PubMed/National Library of Medicine, 2024), da professora
antropóloga e socióloga estadunidense, Sally W. Johnston, do Programa de Estudos
sobre Mulheres, Gênero e Sexualidade, da Faculdade de Artes e Ciências daUniversidade de Seattle, que ainda acrescenta: Precisamos repensar a
natureza da atração e do desejo humanos como experiências apenas individuais.
Também precisamos desafiar o estigma e a discriminação contra essa atração
dentro da comunidade poliamorosa. Espero que este trabalho reduza o estigma em
comunidades monogâmicas e não monogâmicas e expanda as conceituações de desejo
nos estudos sobre sexualidade. Explica a professora que o conceito de
simbiosexualidade surgiu de observações em discursos culturais e acadêmicos de
que algumas pessoas são atraídas pelos relacionamentos entre outras pessoas, em
vez de pelos próprios indivíduos. Apesar disso, o fenômeno permaneceu
amplamente inexplorado, com a maioria das discussões sobre atração humana se
concentrando na dinâmica individual. Indivíduos que sentem essa atração são às
vezes chamados de "unicórnios" — um termo que descreve alguém
disposto a se envolver em relacionamentos românticos ou sexuais com casais já
estabelecidos.
A
ARTE DE ORIANA DUARTE
ITINERARTE
– COLETIVO ARTEVISTA MULTIDESBRAVADOR:
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