MANDALA LÍRICA – Outoninverno, o
calor do nublado no meio de dias curtos e tanto a fazer. No meu sobrenome sabia:
o frio vai durar toda vida e ainda não era o meu prazo. Era como se estivesse em
YZ Ceti b contemplando a órbita de uma estrela anã vermelha. Umas passadas a mais
e, do outro lado do muro, zuniam as balas do sectarismo messiânico com todos os
seus próceres et caterva dedado por Lukács. Logo me distanciei e
na boca de um túnel negro algo estranho e logo percebi que não era o gênio
maligno de Descartes - quem dera a dúvida hiperbólica, ou que fosse pelo
menos a dúvida cética, ora, e a metafísica nas raízes à mostra no chão, a
física ao tronco e as ciências escapulindo pelos galhos! Mas não, não era. E como
aprendi que um mais um são três, o poeta sorriu atrás do muro para dizer: Mácula
acumula e como micula. Ora, eu também, meu! E sorrio. Tudo que vem logo
vai. Nem deu tempo findar a frase e da boca do túnel surgiu Rufus – ah,
não pode ser! E o pior: devidamente acompanhado duma dupla maligna breganeja e escatológica
- Little Boy & Fat Man. Um trio nada agradável, eu previa. Queria
lá fazer cócegas na cauda dum dragão, oxe! Tá doido, é? Bafejaram em uníssono: Bem,
isso é tudo! Não, não era. Neguei o quanto pude! Contudo, a besta furiosa com
seus comparsas queria mesmo era me torrar. Sou lá Daghlian ou Stolin, meu? Cai fora!
Cuspi alerta: a minha chave de fenda é meu corpo fechado, espero. E, para me
lascar, não era mesmo. Tentei escapar e uma das serpentes de Tirésias se
aninhou ao redor dos meus pés. Ela fitou-me e senti logo que havia sido
condenado pelo Basilisco de Roko, Singleton. Agora deu! Só me faltava
essa! O quarteto logo me acuou na tentativa de me aprisionar no cérebro de
Matriosca do Bradbury e já adivinhava: hoje cessará e logo será ontem, não sei
amanhã. Procurei canto para me socar, mão aos olhos aprontando pra carreira e
tudo estreitava. Qual é? Onde estou eu, afinal? Senti-me póstumo e pra não
arrear de vez puxei conversa com os algozes, parecia mais que eu falava era grego.
Não adiantou, mesuras inúteis. Encostado na parede, pressentia dali sangue na
canela até o pescoço. Estava rendido, deveras. Matutei no cúmulo da fuga: uma
carta na manga. Respirei fundo, pneuma no sangue: fui pro tudo ou nada e
à forra, perdido por um ou por mil, tanto faz. Não me acovardei, centupliquei-me
- afinal a lição: o que não me liquida me fortalece. Saquei e foi tiro e queda:
as marteladas de Nietzsche! Dessa me safei, foi por pouco. Mais uma.
Será que terei outra chance? Ah, deixa pra lá. O que vale é que cá estou no
meio do caminho entre o micro e o macro, assobiando os acordes do meu theremin
imaginário. Até mais ver.
Imagem: A vida e os sonhos renascem muitos... (Acervo
ArtLAM).
DITOS & DESDITOS –O dia mais
perdido de todos é aquele em que não se riu. O amor, tal como existe na
sociedade, não passa da troca de duas fantasias e do contato de duas epidermes.
O amor é como as epidemias: quanto mais o tememos, mais expostos a ele estamos.
Amar é uma necessidade do coração; fazer amor é uma ocupação do espírito. As
paixões fazem o homem viver, a sua sabedoria apenas o faz durar. A palavra mais
acertada que já foi dita sobre celibato e matrimônio é esta: qualquer partido
que escolhas tu te arrependerás. Quem não tem caráter não é homem, é coisa... Pensamento
do dramaturgo e escritor francês Nicolas de Chamfort (Sébastien-Roch
Nicolas – 1840-1794).
ALGUÉM FALOU: Eu quero
investigar o que me assusta e me preocupa. Você fez o que você fez, você não
fez o que você não fez, e agora você está pronto para julgamento. As pessoas
podem ser todas as espécies de implacáveis e podem ser todos maravilhosos. Confie
em si mesmo para que os erros que você fizer sejam os que foram feitos e não
algo que você fez porque você estava com medo de fazer o que queria fazer.
Possua seus erros, então você pode possuir seus sucessos. A alegria no que faço está em fazer
isso. E então há a parte em que as pessoas vão ver o que eu
ofereci e gostei ou elas vão ver o que eu ofereci e desejo que elas não puderam
fazer... Pensamento da cineasta, roteirista e escritora
estadunidense Jennifer Lynch.
A TRISTEZA DURA PARA SEMPRE...
São vastas
extensões de trigo sob céus tempestuosos e não tive dificuldades para expressar
a tristeza e a extrema solidão... Tanto na vida como na pintura, posso muito
bem ficar sem Deus; mas não posso, sem sofrer, ficar sem algo que é maior do
que eu, que significa a minha vida inteira: a força de criar... Há leis de
proporção, de luz, de sombra e de perspectiva, que é preciso conhecer para
desenhar um motivo; se essa ciência nos falta, arriscamos travar eternamente
uma luta estéril e não conseguimos nunca criar.
Pensamento
do pintor do pós-impressionismo holandês, Vincent van Gogh (1853-1890).
(Imagem acervo ArtLAM: A mulher contempla a cadeira de van Gogh). Veja mais
aqui e aqui.
QUEM TEME
A MORTE - [...] Criaturas defeituosas e imperfeitas! Isso é o que nós dois somos, oga! Isso é o que TODOS nós somos! [...] Ser algo anormal significava servir ao normal. E se você recusasse, eles te
odiavam... e muitas vezes os normais te odiavam mesmo quando você os servia [...] Eu era jovem, mas odiava como um homem de meia-idade no
final de seu auge. [...] Nunca saberemos exatamente por que
somos, o que somos e assim por diante. Tudo o que você pode fazer é seguir seu caminho até o deserto, e então
continuar porque é assim que deve ser.[...]. Trechos da obra Who Fears Death (DAW, 2014), da premiada escritora e educadora
nigeriana-americana Nnedi Okorafor (Nnedimma
Nkemdili Okorafor ou também conhecida como Nnedi Okorafor-Mbachu).
ORDEM DO
TEMPO - [...] As crianças crescem e descobrem que o mundo
não é como parecia dentro das quatro paredes de suas casas. A humanidade como
um todo faz o mesmo. [...] A diferença entre passado e futuro... causa e
efeito... memória e esperança... arrependimento e intenção... nas leis
elementares que descrevem os mecanismos do mundo, não existe tal diferença.
[...] O mundo é feito de eventos, não de coisas. [...]. Trechos
extraídos da obra The Order of Time (Riverhead, 2018),
do físico e cosmologista italiano Carlo Rovelli.
QUEM SABE...
A longa noite me negou refrigério, /
Alfin a aurora nasceu. / No leste, o céu é tingido de ouro, / E toda estrela
está morta. / Quem sabe se é verdade que existe um Deus lá em cima! / Um Deus
que ama e conforta! / - Penso em você que não me ama mais, / E para minha
falecida mãe...
Poema extraído da obra Lírica
(BiblioLife, 2009), da poeta italiana Annie Vivanti (1866-1942). (Imagem:
Acervo ArtLAM). Veja mais aqui.
UNA-SE, O RIO É SEU...
Pela Serra do Quati ouvia o canto repetititvo: cáa-poera, Capoeirã! Oxe e tome bis com o refrão: Quando não é mata cortada, é roça tomada pelo mato. O rio é seu, una-se... (Tributo ao Município de Capoeiras – Pernambuco. Imagem: Valuna: Capoeiras – Acervo ArtLAM).