O DIA É HOJE,
AGORA! Imagem: arte do fotógrafo italiano Giácomo Sinapsi.- Tivera eu tanta ventura quanto alvíssaras, flores de maio nas
chuvas de outubro. Pudera, porque não, rente a alvorada até o crepúsculo:
quantas acontecências, aos montes nas bifurcações pras bandas do sem fim. Nada é
demais pra quem já foi além da conta. Amanhece, bom dia, outra manhã, vou em frente,
sempre, passo a passo, idas e vindas. A labuta sou eu que faço: mãos e pernas
na coluna esticada, paisagens de ontem renovadas agora como se nunca estivessem
ali, o gosto da primeira vez, mesmo com sabor de desbotadas ou do ponto
passadas, avalie. Quase devaneio, tudo não passa da incerteza, semeio o
presente: não há como trilhar em linha reta com toda minha assimetria, sou
movimento até depois do meio dia. Já é boa tarde! Quantos nãos com a porta
fechada na cara, as costas das circunstâncias. Quem sabe um sim no meio de
tantas adversidades, afinal o sim é bem-vindo de qualquer jeito, até com má
vontade, ah, pelo menos. Assim, quase nem vale, o melhor pode acontecer a
qualquer momento. Como se a mulher amada, qual Simone iluminada, me fizesse de
Jean-Paul: quero essa sua cabeça emaranhada, é tudo que quero, sua sapiência, o
que trama e pensa. Não acha que quer demais? E eu, priápico desvalido, abri-lhe
a braguilha expondo o falo loucamente enrijecido: você tem essa cabeça! Quer? É
só o que tenho. Ela abre os olhos, dá-me uma olhadela risonha e sedutora de
batom vivo, verga elegantemente carregada de vestes e jeitos, quase genuflexa,
beija a minha glande e fela até arrancar das minhas entranhas o vulcão
explosivo da minha eruptiva ejaculação. Ah, demais. E ela, tão Simone quanto,
ao sorver o meu extravaso premia o prazer com seu lindo riso no canto da boca,
a sussurrar: agora tenho você dentro de mim, você é meu! Mais que grato,
dou-lhe o que sou, com boa noite e tudo, e dela: a vida é só agora, amanhã não
sei, agora. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especiais com a música de Djavan ao vivo + Ária + Um amor puro; a
célebre cantora lírica soprano brasileira Bidú Sayão (1902-1999),
interpretando a Bachiana nº 5 & Floresta amazônica de Villa-Lobos & La
demoiselle élue de Debussy; da saxofonista, flautista,
compositora e arranjadora Daniela Spielmann com Brazilian Breath,
Saudades do Paulo com Cliff Korman & Chorinho pra você com Paulo Moura; e
do cantor e compositor Zé
Ripe com Amigos em pé de serra & Santanna O Cantador,
Predestinação, Nordestinos do Forró, Bobeira & Perdi Você. Para conferir é
só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...] a mulher
tanto da nova como da antiga diáspora não tem como assumir o papel de agente
crítica da sociedade civul – papel esse que constitui o sentido mais pleno da
cidadania – para lutar contra as depredações da “cidadania econômica global”.
[...]. Pensamento da professora, crítica e teórica indiana Gayatri Chakravorty Spivak. Veja mais aqui e aqui.
LAGOA DOS GATOS – [...] O sítio do
Peri-peri “comelava no cabeço mais alto da serra que vem do Gato e ia direto a
Bebida do Gado e cortava rumo direto a outra serra que vem do Boqueirão, onde
topava com terras do mesmo comprador”. Esses limites eram, nos dias de hoje, os
seguintes: o cabelo mais alto da serra que vem do Gato é o serrote da Nazaré no
Pau Ferrado; dali, cortando para o norte, vinha ao Entroncamento; cortava na
direção do poente, pelas cumiadas atravessando o lajeiro do Imbiruçu, até as
atuais divisas de Lage Dantas com Riachão de Fora; dali, na direção sul,
voltando com uma linha reta entre as atuais divisas do Peri-peri e Lagoa de
Patos, alcançava um ponto qualquer, nas terras à montante do açude e dali com
terras do comprador José Fragoso de Albuquerque. [...] possuíam os limutes da grande data que se estendia desde Garanhuns às
proximidades do rio Una aqui por cima da povoação de Capoeiras. [...]. E a ribeira do rio do Gato, situada já na
quase extremidade da sua linha divisória ao sul, era um desses grandes colossos
desconhecidos, encravados segundo os vagos conhecimentos territoriais dos seus
donos, nas terras da fazenda das Panelas. [...]. Era natural que sendo a terra desconhecida, inculta e desabitada, não
tivesse nenhum nome. [...] que se
fixaram no lugar da Ribeira do Rio do gato, desbravando-o os que lhe deram
nome, revivendo, longe da pátria, a toponímia do torrão natal. Daí, a Ribeira
do Rio do Gato, que mais tarde passou a chamar-se de Barra dos Gatos,
principalmente na parte que se aproxima da sua foz, no rio conhecido sempre com
o nome de rio Panelas. [...]. Lagoa
dos Gatos, fundada a 23 de agosto de 1804: [...] Essa lagoa existiu até a segunda metade do século passado, quando no
ano de 1856, oitenta anos depois de sua descoberta, homens do lugar já
povoação, entenderam de fechar-lhe o escoadouro que a comunicava com a corrente
do riachgo, cavando da outra margem e carregando arrastada em couro de boi, a terra
com que fizeram uma barragem, formando o baldo do açuide que ainda hoje existe.
Daí para baixo, o rio ficou conhecido por Rio do Gato, passando pelos lugares
Bebida, Morcego, Cangalha, Brejinho, Gatos e Barra dos Gatos, onde deságua no
seu suserano, o rio Panelas. [...] Numa
dessas manhãs, não puderam apanhar água; pois, um gato domestico que por ali
andara caçando durante a noite anterior, caira dentro do referido poço,
morrendo afogado. Aquelas aguadeiras, voltaram chamando aquele lugar de...
Lagoa do Gato. [...] um dia, ao pino
do sol, um pescador sonolento, quase à modorra, mal sustinha o anzol, olhos
semi-cerrados, assustara-se com a presença inesperada de um grupo de gatos do
mato, de várias cores, pintados, mouricos, grandes, pequenos, mas todos algres
e vivazes, enrolando-se uns aos outros naquela festiva manifestação do prazer
irracional e aproximaram-se da bebida. O negro, entrementes, tomara grande
susto. Pressentidos pelo importuno sonolento, debandaram em disparada. Aquele,
chegando em casa, maravilhado pelo que vira, contara o fato ao senhor e dizem
que daí, em diante, ficaram chamando aquela bebida de Lagoa dos Gatos. [...].
Trechos extraídos da obra História de
Lagoa dos Gatos (CEHM, 1981), do funcionário público, historiador e
jornalista João Pereira Callado. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
HUMOR JURÍDICO – Ao ouvir do juiz
Lessa Ferreira, da comarca de Palmares, a sua sentença, condenando-o a cumprir
a pena de 29 anos e seis meses de reclusão, o réu, revoltado com a redução
insignificante da pena ampliada, disse em voz alta para o juiz – Arredonde,
doutor. Na comarca de Bodocí, houve a necessidade de uma justificação de óbito.
É que sepultaram um homem sem o necessário atestado da causa morte. Como
testemunha do enterro, foi intimiado, é claro, o velho coveiro da cidade para
prestar esclarecimento. Quando o juiz indagou do depoente qual era a sua
profissão, surgiu a resposta com a gentileza indesejável: - Coveiro, para
servir a V. Excia. O juiz não perdeu tempo e aconslehou a testemunha a oferecer
primero seus serviços profissionais ao escrivão, por ser mais velho. Num
julgamento pelo Tribunal do Juri em Campina Grande, na Paraíba, tinha o
advogado grande dificuldade para fixar a tese da defesa, razão pela qual vacila
muito no tribunau. No intervalo para o jantar, recebeu de um dos jurados a
seguinte quadra: Doutor sustente a defesa / do jeito que achar forte / ou negue
logo esse crime / ou justifique essa morte. Trechos extraídos da obra Antonio de Brito Alves: o príncipe dos
advogados (AIP, 1991), do jornalista Carlos
Cavalcante (1949-2011).
INSTINTO DE INEZ - [...] Isso vais
contar ao homem que te impelirá de parir teu filho como querias, tu sozinha [...]
estendendo os braços para tu mesma
receberes a criança com a dor que esperarás naturalmente mas acrescida de outra
dor que não será natural, que te quebrará as costas pelo esforço que farás ao
receber a criança tu mesma, sem ajuda de ninguém, como sempre fez. Antes. [...].
Trecho extraído da obra Instinto de Inez (Rocco,
2003), do escritor e diplomata mexicano Carlos Fuentes (1928-2012). Veja mais aqui.
DEIXA PASSAR O MEU POVO - Noite
morna de Moçambique / e sons longínquos de marimbas chegam até mim / -- certos
e constantes -- / vindos nem eu sei donde. / Em minha casa de madeira e zinco, /
abro o rádio e deixo-me embalar... / Mas as vozes da América remexem-me a alma
e os nervos. / E Robeson e Maria cantam para mim / spirituals negros do Harlem. / Let my people go /-- oh deixa passar o meu povo, / deixa passar
o meu povo --, / dizem. / E eu abro os olhos e já não posso dormir. / Dentro de
mim soam-me Anderson e Paul / e não são doces vozes de embalo. / Let my people go. / Nervosamente, / sento-me
à mesa e escrevo... / (Dentro de mim, / oh
let my people go...) / deixa passar o meu povo. / E já não sou mais que
instrumento / do meu sangue em turbilhão / com Marian me ajudando / com sua voz
profunda -- minha Irmã. / Escrevo... / Na minha mesa, vultos familiares se vêm
debruçar. / Minha Mãe de mãos rudes e rosto cansado / e revoltas, dores,
humilhações, / tatuando de negro o virgem papel branco. / E Paulo, que não
conheço / mas é do mesmo sangue e da mesma seiva amada de Moçambique, / e
misérias, janelas gradeadas, adeuses de magaíças, / algodoais, e meu
inesquecível companheiro branco, / e Zé -- meu irmão -- e Saul, / e tu, Amigo
de doce olhar azul, / pegando na minha mão e me obrigando a escrever / com o
fel que me vem da revolta. / Todos se vêm debruçar sobre o meu ombro, / enquanto
escrevo, noite adiante, / com Marian e Robeson vigiando pelo olho luminoso do
rádio / -- let my people go, / oh let my people go. / E enquanto me
vierem do Harlem / vozes de lamentação / e meus vultos familiares me visitarem /
em longas noites de insônia, / não poderei deixar-me embalar pela música fútil /
das valsas de Strauss. / Escreverei, escreverei, / com Robeson e Marian
gritando comigo: / Let my people go,
/ OH DEIXA PASSAR O MEU POVO. Poema extraído da obra Sangue negro (União dos Escritores de Moçambique, 2001), da poeta,
tradutora, jornalista, militante política e mãe dos poetas moçambicanos Noémia Sousa (1926-2002). Veja mais
poetas moçambicanos aqui, aqui e aqui.
PASSAPORTE PARA O PARAÍSO
[...] Eu, que tudo fiz por teu bem-estar: mourejei diligentemente, para que nada faltasa a ti e a nosso filho; concordei em que ele fosse batizado; os míseros tostões que percebias como datilógrafa, transmutei-os em generosa mesada [...] Pudera! Já fui literaturo um dia (lembra-te de como nos conhecemos?)! Literatura não enche barriga de ninguém, a não ser de uma meia dúzia, vamos e venhamos! Sim, confesso ter-me excedido. Nunca me exigiu o diretor que eu fizesse serão quase todas as noites: fi-lo porque qui-lo. Entretanto, fui recompensado com a subgerência, que me permitiu adquirir vistoso automóvel do ano. Não precisaria ter passado tantos anos sem férias: o diretor nunca o demandou de mim. Poderíamos ter desfrutado temporadas na praia, na montanha (ou mesmo na Europa)... No entanto, ingrata Helena, com a remuneração em espécie das férias não gozadas, completei a entrada de nosso belo apartamento de cobertura, em prédio de centro de terreno, com sauna, piscina e duas vagas na garagem. Ou isso não tem importância? [...] Ars longa, vita brevis. Já passa da meia-noite e, antes que o sono me domine (apesar dos vários cafezinhos que tomei), pretendo concluir a história da vinda do Messias...
[...] Eu, que tudo fiz por teu bem-estar: mourejei diligentemente, para que nada faltasa a ti e a nosso filho; concordei em que ele fosse batizado; os míseros tostões que percebias como datilógrafa, transmutei-os em generosa mesada [...] Pudera! Já fui literaturo um dia (lembra-te de como nos conhecemos?)! Literatura não enche barriga de ninguém, a não ser de uma meia dúzia, vamos e venhamos! Sim, confesso ter-me excedido. Nunca me exigiu o diretor que eu fizesse serão quase todas as noites: fi-lo porque qui-lo. Entretanto, fui recompensado com a subgerência, que me permitiu adquirir vistoso automóvel do ano. Não precisaria ter passado tantos anos sem férias: o diretor nunca o demandou de mim. Poderíamos ter desfrutado temporadas na praia, na montanha (ou mesmo na Europa)... No entanto, ingrata Helena, com a remuneração em espécie das férias não gozadas, completei a entrada de nosso belo apartamento de cobertura, em prédio de centro de terreno, com sauna, piscina e duas vagas na garagem. Ou isso não tem importância? [...] Ars longa, vita brevis. Já passa da meia-noite e, antes que o sono me domine (apesar dos vários cafezinhos que tomei), pretendo concluir a história da vinda do Messias...
Trechos extraídos da obra Passaporte para o paraíso
(Fragmentos, 2017), do poeta, lexicólogo, filósofo, fotógrafo,
blogueiro e tradutor Ivo Korytowski. Veja
mais aqui.
Veja mais:
A arte e a entrevista de Genésio Cavalcanti aqui.
A
resistência dos versos:
neste sábado, dia 28/10, no anfiteatro da
Praça Paulo Paranhos, Palmares – PE, acontecerá o lançamento do livro A resistência dos versos, do cantor,
compositor e poeta Zé Ripe, com
extensa programação. Veja a entrevista aqui e mais do autor aqui.
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