QUANDO DÁ ERRADO, MELHOR PUXAR O CARRO – Imagem: arte
do pintor e desenhista Claudio Tozzi.
- Judlinho não dava uma dentro, as paqueras só nos foras: quero não que você
tem as meias com o dedão de fora! Como? Era mesmo. Quando não eram emendadas
por remendos escandalosos, os dedos tudo aparecendo, maior vergonha quando
tinha de tirar os sapatos. Ou: quero não, sua cueca tem um buraco no furico! Eita!
De fato, maior risadagem: só tinha uma cueca, descolorida, desbotada, nódoa de
freio no rego da bunda e o orifício no tecido por conta das rajadas de
flatulências catingosas. Ou, ainda: quero não, você é o maior peidão! Pense na
moganga, o rei dos borborigmos desagradáveis. Pois é, ele já vivia cabreiro:
que é que falta essas meninas saberem dele, hem? Tudo sabiam: dos comichões nas
partes pudendas que findavam em bronhas desajeitadas, carreira de grude na gola
das camisas, sovaqueira da maior inhaca, trejeitos de variado tipo chega dava agonia
em quem estivesse por perto, olhadelas indiscretas, que coisa! Estão me
brechando, só pode! Sabem tudo de mim, ou tem caboeta na roda queimando o meu
filme. Nada de descobrir. Aquietou-se no flerte com as colegas de classe,
passou a evitar as do seu tope, todas metidas a besta, beiçudas de ventas
empinadas, tudo cu-doce. Começou azarar nas outras classes, viagem perdida:
ninguém queria papo com um sujeito broco xexelento daquele, ora! Já havia
desistido de flertar, quando apareceu a oportunidade de invadir outro nicco: debandou
pras empregadas domésticas, tratadas por ele por piniqueiras: vá escovar os
dentes, meu filho! Ou: vá tirar a catinga do mijo que você só anda fedendo. Ou,
então: vá arrumar o que fazer, crescer, juntar dinheiro e apareça depois disso,
viu? Invocou-se, viu que não levava jeito pra namoricos. Vivia no maior aperto,
só amainado certa tarde quando apareceu a professora Nedilicia! Eita! Pra ele a
coisa mais linda do universo. Tomou jeito, deu uma repaginada geral e esticou
os cambitos na maior dedicação. Oxe, era outro: para quem nunca vira o sujeito
agarrado a livros e cadernos, os pais passaram a pensar que ele havia tomado
gosto pelos estudos definitivamente. Agora vai. Era não, mas engatou primeira e
ia levando como podia, aprendendo a debrear para ver se no papo engatava
segunda, nada até agora. Virou aluno da primeira fila, bastava ela cruzar o
batente da sala, já se levantava para apagar o quadro negro, ajudá-la a
carregar os livros e cadernetas, todo oferecido e pronto para fazer o mundo
rodar ao contrário, acaso fosse o desejo dela: é a professora mais encantadora
do mundo! A mais bonita, a melhor! Era ele sonhando enquanto ela ministrava os
assuntos para todos, sem nem dar conta da presença dele por ali. Era sempre o
primeiro a responder as perguntas, nunca faltava uma aula, fazendo de tudo para
chamar atenção dela. E ela, nem, nem. Resolveu, então, esperá-la na entrada da
escola para ajudá-la a descer do automóvel sobrecarregada de coisas: Pode
deixar, professora, eu ajudo a levar. E esmerou-se no carregamento, tornando-se
o seu serviçal. E assim, todo dia, já no costume, ganhando um sorriso e até
alisado no cocuruto, mais nada. Isso até o dia em que ela chegou apoquentada, estacionou
na maior freada, gritou por ele e jogou meio mundo de coisas nos seus braços,
com a recomendação: Pelo amor de Deus, não vá derrubar nada, por favor! Mal
acabara de dizer, ele partiu na carreira e, ao atravessar a pontezinha pra
entrada do colégio, desequilibrou-se de soltar tudo e findar mergulhado no
esgoto, melando-se todo e botando tudo a perder. A professora teve um ataque de
nervos de gritar: Isso é coisa que se faça, seu desastrado? Mudo, acabrunhado,
restou apenas se levantar, sair juntando as coisas no meladeiro, tentar limpar
tudo o quanto pode, murchar o rabinho entre as pernas e sair de fininho pra
nunca mais. Consigo: É, não levo jeito mesmo pra nada com as mulheres. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje
na Rádio Tataritaritatá especiais com a música da
cantora e compositora islandesa Björk:
Vulnícura live, Travessia & Live Royal Opera House; do premiado compositor
e saxofonista Livio Tragtenberg: Mirroir merengue, A dama da lua & Nervous
City Orchestra; do violonista, compositor e arranjador brasileiro
Paulo Bellinati: Lira
brasileira, Choros & Waltzs of Brazil & Garoto; e da da cantora Marisa Ricco: Meu cais, Um sábio
& Reconvexo. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA
- [...] as
grandes cidades da terra tornaram-se centros asquerosos de fornicação e cobiça
– a fumaça que se exala de seus pecados penera na face dos céus como a fornalha
de Sodoma; e sua poluição putrefaz e pulveriza os ossos e as almas da gente do
campo que vive ao redor delas, como se cada uma fosse um vulcão cujas cinzas
arrebentassem em pústulas sobre homens e animais [...]. Trecho da obra The Lord's prayer and the church (1880),
do escritor, crítico de arte e crítico social britânico John Ruskin (1819-1900).
DESCONSTRUÇÃO
& DIFERENÇA – [...] “Desconstruir” a filosofia seria, assim, pensar a genealogia
estrutural de seus conceitos da maneira mais fiel, mais interior, mas, ao mesmo
tempo, a partir de um certo exterior, por ela inqualificável, inominável,
determinar aquilo que essa história foi capaz – ao se fazer história por meio dessa
repressão, de algum modo, interessada – de dissimular ou interditar. Nesse
momento, produz-se – por meio dessa circulação ao mesmo tempo fiel e violenta
entre o dentro e o fora da filosofia (quer dizer, do Ocidente) – um certo
trabalho textual que proporciona um grande prazer. [...] Nada – nenhum ente presente e in-diferante [indidifférant]
– precede, pois, a différance e o espaçamento. Não existe qualquer sujeito que
seja agente, autor e senhor da différance, um sujeito ao qual ela sobreviria,
eventualmente e empiricamente. A subjetividade – como a objetividade – é um
efeito de différance, um efeito inscrito em um sistema de différance. É por
isso que o da différance lembra também que o espaçamento é temporização, desvio,
retardo, pelo qual a intuição, a percepção, a consumação, em uma palavra, a relação
com o presente, a referência a uma realidade presente, a um ente, são sempre
diferidos. Diferidos em razão do princípio mesmo da diferença que quer que um
elemento não funcione e não signifique, não adquira ou forneça seu “sentido”, a
não ser remetendo-o a um outro elemento, passado ou futuro, em uma economia de
rastros
[...]. Trechos extraídos da obra Posições (Autêntica, 2001), do
filósofo francês Jacques Derrida (1930-2004). Veja mais aqui e aqui.
AS IMAGINAÇÕES PECAMINOSAS - [...]
Podia ver o dr. Saturnino à vontade: os
mínimos gestos, as mãos grandes e peludas, o timbre da fala grave e distinta,
os olhos parados nas nuvens, um jeito de sonhoso. Ele se distraia, brincava
girando o anel de chuveiro no dedo, olhava o céu azul estalando sem nuvens, o
jardim que via pela janela, lá do alto do estrado. Os olhos detrás das lentes
brilhantes dos óculos, o aro de metal. Pedro via os mínimos gestos, os seus
mínimos traços, mesmo a ruga entre as sobrancelhas quando voltava a prestar
atenção no que lia o escrivão, seu o Tomásio. A atenção certamente fingida, devia
saber de cor e salteado aquelas páginas, ele próprio que comandou o processo.
Mesmo assim o olhar preso, o ouvido atento de quem está ouvindo pela primeira
vez um assunto. Será que na verdade ele finge, pra dar o exemplo? Devia ser,
senão tudo não passaria de pantomima, matéria de desocupados. E no entanto ali
iam dar um destino à sua vida. A assistência quieta, não se ouvia nenhum
sussurro, nenhuma outra voz além da do escrivão Tomásio Preto, que apesar do
nome era branco. Só uma vez todo mundo rui, e o dr. Saturnino teve de soar a
campainha? Quando leu o lado do exame cadavérico. A linguagem arrevezada do dr.
Viriato, que demandava interprete (seu Bê, quando na rua), falando das partes
baixas da criação. Do seu cercado de balaustrada feito grade de comunhão, até
os jurados riram. O padre Matias, aquele homenzarrão, se encurvava todo para
lhe meter a hóstia na boca. Ele menino, depois de grande não ficava bem, podiam
dizer que ele era beato ou veado. Com padre Matias não teria acontecido aquilo,
o outro era novinho, padre Joel parecia um seminarista [...]. trecho da
obra As imaginações pecaminosas (Record,
1982), do escritor, advogado e jornalista Autran Dourado
(1926-2012). Veja mais aqui.
A POESIA LÍRICA DE KALJU LEPIK – Praga: / Se destruíres nosso povo / Que a chuva
vire pedra sobre teus campos. / Que a pedra dispare brotos de pedra. / Que pão
de pedra esteja em tua mesa. / Que pétreo seja o chão em que pisas. / Que
pétreo seja teu céu acima. / Que o mar vire pedra. / Vire pedra como teu
coração é de pedra / Contra nossa terra e nosso povo. Poema Uma poesia por dia, nem sabe o bem que lhe
faria, do poeta lírico estoniano Kalju
Lepik (1920 – 1999).
BIBLIOTECA FENELON BARRETO
Batendo papo com a
estudantada, a professora e escritora Socorro Durán & o diretor da
Biblioteca, João Paulo Araújo.
Veja mais:
Crença pelo direito de viver e deixar viver aqui.
A arte musical de Livio Tragtenberg aqui.
A poesia de Catulo da Paixão Cearense aqui.
A arte de Paulo Bellinati aqui
O talento musical de Marisa Ricco aqui.
&
A ARTE DE IRVING PENN
A arte do fotógrafo
estadunidense Irving Penn (1917-2009).