PÃO-POR-DEUS - Creolinalda
passou a maior parte da sua vida muito triste. Aparentemente, duas razões
básicas e quase óbvias motivavam sua consternação: a primeira, o capricho
paterno de lhe pôr este nome que ele achava a coisa mais linda do mundo, o que
levou a mãe, providencialmente, a apelidá-la de Dadá, prevendo vexames futuros.
A segunda, era que nunca via seus pedidos atendidos, fossem às vésperas do
aniversário, no natal, ou data que fosse, sempre preterida. Esta a razão que a levou
ao padrinho, isso ela com apenas quatro anos de idade, instar o porquê de não
ter sua alegria satisfeita. O protetor, na maior saia-justa, achou por bem de
ensiná-la a escrever bilhetinhos com seus pedidos e depositá-los em envelopes
para endereçamento postal ao respectivo solicitado. Ah! Ela achou uma ótima
ideia e logo correu para o pai, pedindo um caderno para escrever suas cartinhas
já, o que foi logo providenciado. Pronto, agora ela estava entretida com suas
ideias, pedidos muitos, coisas tidas por realizáveis. Contudo, não sabia
escrever. E agora? Pai, quero aprender a ler e escrever. Ah, minha filha,
quando você tiver idade. Ah, não! A tia-madrinha Vertigilda, a Gildinha do
coração, socorreu e serviu-se a tal préstimo. Ensinou-lhe tudo direitinho: as
vogais, consoantes, o tempo passando, ela inheta: Quê mais? Sílabas, palavras,
nomes, frases, ávida por logo já sair contando história para cima e para baixo.
Ao cabo de meses de dedicação, aprendeu a formular suas frases. Aí ela pensou,
pensou e começou: primeiro uma carta para Deus - fazer todas as crianças
felizes. Pronto. Veio-lhe outra, agora para o Papai Noel: uma bicicleta linda
para sair por aí, toda amostrada e feliz. Ah, uma escola para estudar e ser
gente na vida. Sim, um avião para ela viajar pelo mundo todo. Também, um navio
para todas as águas. E amiguinhos, muitas amiguinhas, muito dinheiro e coisa e
tal. E saiu escrevendo, uma a uma, escolhendo destinatários que surgiam de sua
cabeça de menina. Depois, identificava caprichosamente nos envelopes os
respectivos destinatários: Mãiêê, onde Deus fica? No céu. Certo. E o papa? No Vaticano.
Beleza. E Papai Noel? No Polo Norte! Vixe, cada lugar estranho! Juntou tudo e
entregou ao pai para passá-las ao padrinho e coloca-las nos correios. Cheia de
recomendações, explicou cada uma delas, tintim por tintim. E debruçou-se sobre
o assunto de novas escritas. Como seus pedidos demoravam a ser atendidos, logo
ela tomou a iniciativa de compreender que podiam estar ocupados e saiu
reenviando outras para o presidente do país; também, para o governador, outra
para o prefeito e assim foi, pedindo a um e a outro, deputados, locutores,
artistas, autoridades distantes, quem lhe viesse à mente. Assim foi crescendo,
todo dia, e já adolescente mais se ocupava nisso. Bastava alguém mencionar
algo, logo a ideia lhe vinha à cabeça: Vou escrever uma carta. Embora não tendo
sido atendida em nenhum de seus pleitos, manteve o costume, especializando-se
em escrevê-las para pretensos namorados, parentes, amigos, ídolos, até pessoas
que não lhe caíam às graças, com algum desaforo recatado. Passaram-se os anos
e, um dia, sua contrariedade maior, de mesmo, foi, já quase de maior, constatar
que todas as suas correspondências, tidas por enviadas, estavam intactas em
suas respectivas envelopes, reunidas e guardadas em um monturo escondido num
quarto escuro que havia no quintal, repleto de coisas imprestáveis. Como é? Chorou
e muito. Todavia, apesar da desconfiança instaurada a partir da descoberta,
levou na boa: Por isso que eu nunca tive meus desejos atendidos. Tá bom. Não há
de ser nada. Sentou-se com seus guardados, leu o conteúdo de cada uma e começou
um diário. Ali passou a registrar todas as suas desventuras, desde o engodo do
pai e do padrinho, ao vexame da risadagem com seu nome na hora da chamada do
professor na sala de aula. Não poupou os lamentos: o príncipe encantado que
nunca dava as caras, as pessoas que nunca entendiam suas preferências; as viagens
sonhadas, os anseios jamais atendidos nem pelos programas da tevê e do rádio,
nem por ninguém. Pudera, nunca foram realmente enviadas. Lamentou bastante. Refez-se
e consignava no seu diário, refazendo a missiva, agora em versos ou não, alguns
rimados, outros nem tanto, e aperfeiçoando suas solicitações com uma certa
graça e esmero. Era a sua forma de pedir aos da sua devoção, fosse do panteão
hagiológico cristão, ou dos fabricados pela idolatria dos membros de fã-clube
das celebridades. Agora, os endereçados eram secretos, só ela sabia, mais
ninguém. Ela que encaminhava e tinha na conta da certeza, até as que
inadvertidamente esquecia encaminhar. Empenhou-se por si própria,
decididamente. E danava-se a esperar na janela a realização, todos os dias. Escrevia
e, debruçada na janela do quarto, sonhava vê-los todos atendidos. Sonhou tanto,
muito e deveras, vivendo como se fossem reais, encantada com sua imaginação. Menina,
vem-te embora! Já vou, mãe! A escola, Dadá! Já vou, mãe! Hora do almoço! Já
vou, mãe! A janta está na mesa! Já vou, mãe. Até um dia que ela bem cansada, deitou-se
e ousou dormir e sonhar. Resolveu, então, nunca mais acordar e viveu para
sempre em seus devaneios. © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] a polissemia
do conceito de cultura exige que busquemos novas formulações capazes de
evidenciar a interação entre uma cultura dita erudita, considerada através dos
séculos como superior, e uma cultura adjetivada como popular, de massa,
espetacular, enfim, inferior. A dicotomia superior/inferior parece ter perdido
a razão de ser. [...] O panorama econômico
que envolve a produção televisiva implica em vincular os hábitos da recepção a
atitudes de consumo que passam a desempenhar papel preponderante em uma era que
privilegia a lógica do mercado. [...] Trabalhar
a representação das classes políticas brasileiras pela via dos processos
expressivos da antropofagia e da carnavalização concerne a evidenciar o
relacionamento das séries telefictícias com um conjunto cultural nacional. O riso
literário enquanto substrato ideológico advindo de épocas de rupturas tem
deixado identidades semióticas que ajudam a roteirizar as práticas discursivas
destinadas a revelar os abusos de poder. [...] A dissolução de fronteiras entre cultura erudita e cultura popular (de
massa), postulada como um novo traço formal que redireciona a vida social na
nova ordem econômica, continua sendo vista como um dos grandes momentos da
pós-modernidade. [...].
Trechos extraídos da obra Televisão e cultura: análise semiótica da ficção seriada
(SCT/FCEBA, 2003), da professora e pesquisadora Licia Soares de Souza.
A NASCENTE TODA A VIDA FOI ALI
[...] Quando terminou a novena, nós saímos de lá
[...] Quando nós chegamos lá pro lado do
Sítio Velho, nós reparamos que tinha uma nuvem... era uma nuvem bem aqui assim,
não era uma nuvem de alarmar não, uma nuvem normal. [...] Aí, andamos, andamos ligeiro. Aí já começou
a nuvem engrossando e foi subindo, e foi espalhando pra acolá, aí começou a
cair umas pinguera [...] Quando foi
um pouco, começou o trovão. Trovão geral, começava e saía arrodeando. O trovão
e o relâmpago, com um pouco abriu as porta do céu e haja chuva. Agora isso era
chuva do pingo banguelo, chuva segura, cada pingo desse tamanho assim. [...]
Daqui a pouco, mãe escutou e disse “olha
essa chuva é de gelo. Essa chuva é de pedra”. Aí começou com pedra. E tome,
tome, tome chuva. Choveu assim uma base de uns 30 minutos, daqui um pouco
parou. Aí mãe disse “a chuva parou, vamos dormir”. Oxe, com um pouco, outra do
mesmo rojão. Do mesmo jeito. Sustentou o rojão até quatro e meia da manhã. Agora,
chuva de rolo mesmo! O dia tava clareando. A casa coberta de palha de coco, não
molhou nada. A chuva foi muita chuva, mas não foi chuva de molhar a casa não. Quando
foi daqui um pouco só ouvia a fala: “Ô Joana!” Mãe disse: “O que é tio João?” “Vem
olhar que coisa bonita”. O pobre do véio com umas alpercatas de couro, cum uma
tira de sola desse tamanho de couro cru, com uma correia. “Vamos olhar Joana,
que coisa bonita”. Aí nós chegamos, descemos por ali. Do jeito que tava o rio
era um pano d’água só. Aquela cacimba ali, ninguém nem sabia onde era cacimba
mais. Aí mãe disse “Ai, meu Deus, terra molhada tem muita”.
Trechos
extraídos da obra Um rio de gente:
histórias, causos e lendas do Capibaribe (Andararte, 2010), do premiado jornalista
Inácio França, com fotografia de Tuca Siqueira. Veja mais aqui.
A DANÇA
DE LUCIMAR CERQUEIRA
Eu gostaria que as meninas negras se valorizassem como elas são. Foi
aqui que aprendi a valorizar minha estética, minha beleza. Não existem padrões,
mas sim a beleza de cada um. Com a autoestima elevada, você pode chegar a
qualquer lugar.
A arte
da bailarina e percussionista educadora Lucimar
Cerqueira que foi eleita a Deusa de Ébano 2011. Veja mais aqui.
A OBRA DE BAKHTIN
Ser significa ser para o outro, E, através dele, para si.
A obra do
filósofo e pensador russo teórico da cultura e das artes Mikhail Bakhtin
(1895-1975) aqui, aqui aqui & aqui.