sexta-feira, agosto 23, 2019

GAUGUIN, NAZIK AL-MALAIKA, ASCENSO & OSCAR MENDES, DANI ACIOLI, ALOISE BAHIA & INJUSTIÇA


TEHURA DE GAUGUIN – Chega uma hora em que se tem que se valer só de si e o que fazer da vida. Emigrei com Le mariage de Loti, e o meu diário de viagem, Noa Noa. Na busca incessante por criar, saí de casa para ter paz e tranquilidade, me livrar do mundo decadente, abandonado por todos. Atravessei privações, doenças, indigência e incompreensões. Estava sufocado, tudo podre ao redor, enregelante situação. A quem amava, via-me pelas costas, intolerante, esperneio de mimada. Tudo numa degradação física e psicológica, entediado com o mundo das artes, aventurar além-mar era o que podia: havia vida além da contaminada civilização, tinha certeza. Viagens e boêmia mundo afora, o que pude, e nele todas as mulheres do Panamá, Peru, Copenhagen, Bretanha, Martinica, Brasil, Polinésia, até o Taiti, onde encontrei colorido, inspiração e liberdade. Insulado, descurava: a podridão colonial espancava uma prostituta à beira-mar. Indignação de encarar meu arredado exílio voluntário, miserável entre o bucólico exótico e selvagem erótico. Era tudo isso. Permaneci entre as ninfas de Corot, dançando no bosque sagrado de Ville-d'Avray e os infinitos mistérios cambiantes. Não havia como escapar e a vida na pobreza de Papeete, ao lado da doença, falência e miséria. Sem mantimentos, incapaz de pescar no Platô de Taravao, tropecei faminto, exausto, até desmaiar na volta para La Maison du Jouir, minha cabana, meu abrigo solitário com a diabete, a sífilis e um ataque cardiovascular. Ao acordar, a bela jovem Tehura dançava sensualmente à luz do fogo, na ilha vulnerável de Fa’ane, inspirando Manao tupapau - Espírito dos mortos em vigília. Uma menina-moça de Huahine, era ela, na verdade, Teha’amana, a doadora da força, impenetrável, com a flor tiare vermelha no ouvido, uma cicatriz na sobrancelha direita, de uma queda dum pônei na infância. Realçava essa Eva primitiva, nativa vahine, entre mangas maduras, glifos, o mar azul-turquesa, paisagens verdejantes, montanhas sombrias e rostos de pedra divididos por cachoeiras espumantes, um paraíso edênico. Durante a refeição formalizei meu amor por ela, ao dispor de frutas silvestres, sabores de fruta-pão, bananas, peixes, camarões e porcos. Ofereciam comida aos forasteiros, um ato de caridade. Cheio de felicidade, entre beijos e sexo, conversamos sobre as estrelas e me contou histórias de sua gente, para embalar meu coração exilado: O enigma que se esconde no fundo de seus olhos infantis ainda é incomunicável para mim. Ela deslizava por um bosque daquela desabitada beleza num vestido branco sensual, para ir à igreja. Os seus olhos azuis nórdicos agitou-me a rebeldia: essa barbárie me rejuvenesceu. Esculpi seu semblante, o meu terno amor. Dei-lhe colares de miçangas e anéis de latão, e para ela fiz a Merahi metua no Tehamana, o busto Tête tahitienne e uma escultura em madeira. Uma paixão tão dolorosa, circunstâncias terríveis, a vida explodiu. Deu-me o místico pensar: De onde viemos? O que somos? Para onde vamos? Meus olhos se fechavam e, sem entender, viam o sonho no espaço infinito que se estende, esquivo, diante de mim. A natureza exuberante e indomável, intimamente. Permanentemente empobrecido, me vi numa frustrada tentativa de suicídio com arsênio: sou escravo da sensualidade febril das mulheres polinésias. As minhas feridas sifilíticas fizeram-na me recusar. Conflitos, efeitos da doença, as manchas de pele ao Sol, a barba mal feita, um olhar alucinado, a penúria de uma vida marcada por frustrações. Não era pouco, pior a sua recusa. Passava fome, trabalhava como estivador, a saúde extremamente debilitada. Falo francamente: sou difícil e podem me chamar de hedonista. Fiz para me livrar das convenções e desbravar a vida libertária. Sei das minhas questionáveis escolhas entre o sonho e a loucura, era o meu projeto de vida inteira. Nunca fui fácil nem herói incólume, um vasto abismo: tudo muito delicado. Eu amei, muito. Dei-me o direito de ousar tudo e não neguei meus mestres. Amei com a minha possessividade sexual, a alma invadida por lembranças profundas. Amei demais e nunca me contentei em sonhar: a vida vinga o sonho na poesia. Amei desmedidamente e embora pensem que sou um mito ou algo inventado por todos, sou apenas o amor e a quem amo, mesmo incompreensível. Contudo, sou forte porque nunca sou jogado fora do curso por outras pessoas e porque faço o que há em mim. Tanto sofrimento me fez aprender e me libertar no amor e para me enterrar aqui nas remotas ilhas de Marquesas, a morrer de amor. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS:
[...] Utilizando a temática que a vida nordestina lhe fornecia, compôs seus poemas, cheios de ternura e de ironia, de romantismo e de malícia, fixando, muitas vezes, num verso, numa frase, um aspecto típico da região, de um personagem, da psicologia de uma sociedade e de um povo. Gostava de, ele próprio, declamar seus versos, numa toada de jeito popular, que dava um sabor e um toque todo especial à sua poesia. [...] em que reevoca a vida nordestina, o seu folclore, os seus costumes, as suas figuras típicas, tudo numa misturada de malícia, de sensualidade, de ironia, de sátira, de sentimentalismo, de romantismo, de alegria e de tristeza, que tornava sua poesia de sabor inesquecível. [...] Escrevia, sim, em muitos dos seus poemas, na linguagem simples do povo, com seus modismos, seus idiotismos, mas não descurava de fazer poemas em linguagem correta e letrada. A sua poesia estava toda impregnada da sua terra, do seu barro, das águas de seus rios, de seus mangues, das suas frutas, da sua viração, das suas noites de luar, do dengue de suas mulheres, de suas alegrias e de suas dores.
Trechos da crônica O grande descanso de Ascenso, extraído da obra Tempo de Pernambuco – ensaios críticos (EdUFPE, 1971), do advogado, crítico literário, tradutor e escritor Oscar Mendes (1902-1983). Veja mais da obra aqui & de Ascenso Ferreira aqui.

A POESIA DE NAZIK AL-MALAIKA
CALENDÁRIO: Para os nossos passos houve um passado; está morto / Por centenas de anos. / Os anos apagaram sua memória / E eles o colocaram entre os mortos. / Nós procuramos por muito tempo / Suas estrelas desaparecidas / Nós recorremos ao impossível / Para restaurar sua vida. / Nós tentamos, atravessando os séculos, / Traga-o de volta ao seu começo, / Na esperança de recuperar nossos sentimentos, / E nós retornamos de mãos vazias. / Nós passamos pela escuridão / Franked o impassível, imóvel, / Desenterrando ossos empilhados / E nós não encontramos o perdido. / Nós vimos frentes lá / Que eles não viram porque eram cegos, / Olhos auto-absorvidos na vida / Silencioso, porque eles eram mudos. / Nós vimos restos de corações / Embalsamado com a memória. / Em vão tentaram encontrar / O significado... eram restos. / Nós vimos lábios vazios / Eles não fizeram reclamações ou sentem fome / E mãos murchas e dobradas / Cujo infortúnio não causou lágrimas. / Nós nos perguntamos sobre o nosso passado / E nós nos deparamos com um caixão. / Lá, no túmulo, o tempo se desvaneceu. / Voltamos ao calendário: / Você pode enganar os dias? / E ouvimos gritos nos restos / Depois do sarcasmo das figuras. Nós vimos o esperado amanhã / Arrastando sua metade paralisada, / Arrastando sua metade desprezada, / Está meio congelado, inerte. / Lá, um livro fechado / E a velha música acabou. / Amanhã a vida germinará / Nas feridas do tempo doloroso. / A voz de ontem será perdida / No turbilhão profundo do tempo / E nos sentiremos em nossos óculos / A palpitação do sonho que acorda. /
Poemas da obra Faíscas e cinzas (1949), da poeta iraquiana Nazik Al-Malaika (1923-2007). Veja mais aqui & aqui.
&
POEMAS DE JOSÉ ALOISE BAHIA
O PAÍS QUE NÃO CONHEÇO DEU-ME UM BISAVÔ: o país que não conheço deu-me um bisavô, / navegante simples em seu barco cheio/ de peixes, que sempre volta à terra firme. / o país que não conheço deu-me um bisavô, / encantador de histórias do céu, fogo e ar. / lá no meio da baía vislumbra um castelo./ lá no meio da baía vislumbra um cardume./ o país que não conheço deu-me um bisavô, / bisavô dourado feito sol em ondas extensas, / bisavô que tarda e não falha a içar às velas, / bisavô que cedo madruga: que faz despertar / o mar que em mim se agita, me embarca / em tamanha travessia e liberta imagens / que chegam num turbilhão de norte a sul...
SONETOS NUM CORPO DILACERADO: Pelas fagulhas cortantes do desejo, de tão quente, queimam o rosto. Bambeiam as pernas. Faz amolecer os braços. Dispara a circulação. Ofega o pulmão. Decepa tudo. O tronco subsiste devido à presença do suco gástrico recheado de 14 linhas apropriadas contra o ataque de qualquer veneno disponível no campo do olhar.
NOVELO NUM CARRETEL: De uma infância distante e radical, onde rolavam cilindros dinâmicos, para um fluxo maduro: a desintegração num encontro explosível em manchas de cores aleatórias. Fundo, forma espaço — embate pessoal nas entranhas. Evidências do impossível no labirinto branco da tela revelam uma ponte: Minotauro palpitante.
Poemas do poeta e jornalista mineiro José Aloise Bahia. Veja mais aqui.

A ARTE DE DANI ACIOLI
Eu tenho uma produção que surge num repertório. É um repertório de construção do feminino, da mulher no mundo, na história, sobre como a gente sempre foi subjugada na construção de uma identidade cultural feminina. O lugar do feminino nessa relação sempre foi uma construção social de subjugação, de ser colocada no lugar da castidade ou no oposto disso.
A arte da artista visual e jornalista Dani Acioli. Veja mais aqui.

A OBRA DE GAUGUIN
Devo confessar que também sou mulher e que estou sempre preparado para aplaudir uma mulher que é mais ousada do que eu e é igual a um homem na luta pela liberdade de comportamento Eu fecho meus olhos para ver.
A arte inspirada na sua musa Tehura – a vahine, ou seja, a esposa nativa taitiana também nomeada Teha'amana, que é tratada no filme Gauiguin: Voyage to Tahiti (2017), dirigido por Edouard Deluc e inspirado no diário Noa Noa (Poseidon, 1943), quando o pintor Paul Gauguin decidiu por conta próprio exilar-se no Taiti. Lá ele espera reencontrar a pintura livre, selvagem, fora dos códigos morais, políticos e estéticos europeus, enfrentando a solidão, a pobreza e a doença. É quando ele se reúne com Tehura, a quem dedica terno amor e a transforma em tema de suas obras.
Veja a obra do pintor do pós-impressionismo francês Paul Gauguin (1848-1903) aqui, aqui & aqui.
&
Dia Internacional de Combate a Injustiça aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.


PATRICIA CHURCHLAND, VÉRONIQUE OVALDÉ, WIDAD BENMOUSSA & PERIFERIAS INDÍGENAS DE GIVA SILVA

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