TEHURA DE GAUGUIN – Chega uma
hora em que se tem que se valer só de si e o que fazer da vida. Emigrei com Le mariage de Loti, e o meu diário de viagem, Noa Noa. Na busca
incessante por criar, saí de casa para ter paz e
tranquilidade, me livrar do mundo decadente, abandonado por todos. Atravessei
privações, doenças, indigência e incompreensões. Estava sufocado, tudo podre ao
redor, enregelante situação. A quem amava, via-me pelas costas, intolerante,
esperneio de mimada. Tudo numa degradação física e psicológica, entediado
com o mundo das artes, aventurar além-mar era o que podia: havia vida além da
contaminada civilização, tinha certeza. Viagens e
boêmia mundo afora, o que pude, e nele todas as mulheres do Panamá, Peru,
Copenhagen, Bretanha, Martinica, Brasil, Polinésia, até o Taiti, onde encontrei
colorido, inspiração e liberdade. Insulado, descurava: a podridão colonial
espancava uma prostituta à beira-mar. Indignação de encarar meu arredado exílio
voluntário, miserável entre o bucólico exótico e selvagem erótico. Era tudo
isso. Permaneci
entre as ninfas de Corot, dançando no bosque sagrado de Ville-d'Avray e os infinitos
mistérios cambiantes. Não havia como escapar e a vida na pobreza de Papeete, ao lado
da doença, falência e miséria. Sem mantimentos, incapaz
de pescar no Platô de Taravao, tropecei faminto, exausto, até desmaiar na volta
para La Maison du Jouir, minha
cabana, meu abrigo solitário com a diabete, a sífilis e um ataque
cardiovascular. Ao acordar, a bela jovem Tehura dançava sensualmente à luz do
fogo, na ilha vulnerável de Fa’ane, inspirando Manao tupapau - Espírito dos
mortos em vigília. Uma menina-moça de Huahine, era ela, na verdade, Teha’amana,
a doadora da força, impenetrável, com a flor tiare vermelha no ouvido, uma cicatriz na
sobrancelha direita, de uma queda dum pônei na infância. Realçava essa Eva
primitiva, nativa vahine, entre mangas maduras, glifos, o mar azul-turquesa, paisagens
verdejantes, montanhas sombrias e rostos de pedra divididos por cachoeiras
espumantes, um paraíso edênico. Durante a
refeição formalizei meu amor por ela, ao dispor de frutas
silvestres, sabores de fruta-pão, bananas, peixes, camarões e porcos. Ofereciam
comida aos forasteiros, um ato de caridade. Cheio de
felicidade, entre beijos e sexo, conversamos sobre as estrelas e me contou
histórias de sua gente, para embalar meu coração exilado: O enigma que se esconde no fundo de seus olhos infantis
ainda é incomunicável para mim. Ela deslizava
por um bosque daquela desabitada beleza num vestido branco sensual, para ir à
igreja. Os seus olhos azuis nórdicos agitou-me a rebeldia: essa barbárie me
rejuvenesceu. Esculpi seu semblante, o meu
terno amor. Dei-lhe colares
de miçangas e anéis de latão, e para ela fiz a Merahi metua no Tehamana, o
busto Tête tahitienne e uma escultura
em madeira. Uma
paixão tão dolorosa, circunstâncias terríveis, a vida explodiu. Deu-me o místico pensar: De onde viemos? O que somos? Para onde vamos?
Meus olhos se fechavam e, sem entender, viam o sonho no
espaço infinito que se estende, esquivo, diante de mim. A natureza
exuberante e indomável, intimamente. Permanentemente empobrecido, me vi numa frustrada
tentativa de suicídio com arsênio: sou escravo
da sensualidade febril das mulheres polinésias. As minhas feridas sifilíticas
fizeram-na me recusar. Conflitos, efeitos da doença, as manchas de pele ao Sol,
a barba mal feita, um olhar alucinado, a penúria de uma vida marcada por
frustrações. Não era pouco, pior a sua recusa. Passava fome, trabalhava como estivador,
a saúde extremamente debilitada. Falo francamente: sou difícil e podem me
chamar de hedonista. Fiz para me livrar das convenções e desbravar a vida
libertária. Sei das minhas questionáveis escolhas entre o sonho e a loucura,
era o meu projeto de vida inteira. Nunca fui fácil nem herói incólume, um vasto
abismo: tudo muito delicado. Eu amei, muito. Dei-me o direito de ousar tudo e
não neguei meus mestres. Amei com a minha possessividade sexual, a alma
invadida por lembranças profundas. Amei demais e nunca me contentei em sonhar:
a vida vinga o sonho na poesia. Amei desmedidamente e embora pensem que sou um
mito ou algo inventado por todos, sou apenas o amor e a quem amo, mesmo
incompreensível. Contudo, sou forte porque nunca
sou jogado fora do curso por outras pessoas e porque faço o que há em mim. Tanto sofrimento
me fez aprender e me libertar no amor e para me enterrar aqui nas remotas ilhas
de Marquesas, a morrer de amor. © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais abaixo e aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] Utilizando a
temática que a vida nordestina lhe fornecia, compôs seus poemas, cheios de
ternura e de ironia, de romantismo e de malícia, fixando, muitas vezes, num
verso, numa frase, um aspecto típico da região, de um personagem, da psicologia
de uma sociedade e de um povo. Gostava de, ele próprio, declamar seus versos,
numa toada de jeito popular, que dava um sabor e um toque todo especial à sua
poesia. [...] em que reevoca a vida
nordestina, o seu folclore, os seus costumes, as suas figuras típicas, tudo
numa misturada de malícia, de sensualidade, de ironia, de sátira, de
sentimentalismo, de romantismo, de alegria e de tristeza, que tornava sua
poesia de sabor inesquecível. [...] Escrevia,
sim, em muitos dos seus poemas, na linguagem simples do povo, com seus
modismos, seus idiotismos, mas não descurava de fazer poemas em linguagem
correta e letrada. A sua poesia estava toda impregnada da sua terra, do seu
barro, das águas de seus rios, de seus mangues, das suas frutas, da sua
viração, das suas noites de luar, do dengue de suas mulheres, de suas alegrias
e de suas dores.
Trechos da crônica O
grande descanso de Ascenso, extraído da obra Tempo de Pernambuco – ensaios críticos (EdUFPE, 1971), do advogado,
crítico literário, tradutor e escritor Oscar
Mendes (1902-1983). Veja mais da obra aqui & de Ascenso Ferreira aqui.
A POESIA DE NAZIK AL-MALAIKA
CALENDÁRIO: Para os nossos passos houve um
passado; está morto / Por centenas de anos. / Os anos apagaram sua memória / E eles o colocaram entre os mortos. / Nós procuramos por muito tempo / Suas estrelas desaparecidas / Nós recorremos ao impossível / Para restaurar sua vida. / Nós tentamos, atravessando os séculos, / Traga-o de volta ao seu começo, / Na esperança de recuperar nossos sentimentos, / E nós retornamos de mãos vazias. / Nós passamos pela escuridão / Franked o impassível, imóvel, / Desenterrando ossos empilhados / E nós não encontramos o perdido. / Nós vimos frentes lá / Que eles não viram porque eram cegos, / Olhos auto-absorvidos na vida / Silencioso, porque eles eram mudos. / Nós vimos restos de corações / Embalsamado com a memória. / Em vão tentaram encontrar / O significado... eram restos. / Nós vimos lábios vazios / Eles não fizeram reclamações ou sentem fome / E mãos murchas e dobradas / Cujo infortúnio não causou lágrimas. / Nós nos perguntamos sobre o nosso passado / E nós nos deparamos com um caixão. / Lá, no túmulo, o tempo se desvaneceu. / Voltamos ao calendário: / Você pode enganar os dias? / E ouvimos gritos nos restos / Depois do sarcasmo das figuras. Nós vimos o esperado amanhã / Arrastando sua metade paralisada, / Arrastando sua metade desprezada, / Está meio congelado, inerte. / Lá, um livro fechado / E a velha música acabou. / Amanhã a vida germinará / Nas feridas do tempo doloroso. / A voz de ontem será perdida / No turbilhão profundo do tempo / E nos sentiremos em nossos óculos / A palpitação do sonho que acorda. /
Poemas da obra Faíscas e cinzas
(1949), da poeta iraquiana Nazik
Al-Malaika (1923-2007). Veja mais aqui & aqui.
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POEMAS DE JOSÉ
ALOISE BAHIA
O PAÍS QUE NÃO
CONHEÇO DEU-ME UM BISAVÔ: o país
que não conheço deu-me um bisavô, / navegante simples em seu barco cheio/ de
peixes, que sempre volta à terra firme. / o país que não conheço deu-me um
bisavô, / encantador de histórias do céu, fogo e ar. / lá no meio da baía
vislumbra um castelo./ lá no meio da baía vislumbra um cardume./ o país que não
conheço deu-me um bisavô, / bisavô dourado feito sol em ondas extensas, / bisavô
que tarda e não falha a içar às velas, / bisavô que cedo madruga: que faz
despertar / o mar que em mim se agita, me embarca / em tamanha travessia e
liberta imagens / que chegam num turbilhão de norte a sul...
SONETOS NUM CORPO
DILACERADO: Pelas
fagulhas cortantes do desejo, de tão quente, queimam o rosto. Bambeiam as
pernas. Faz amolecer os braços. Dispara a circulação. Ofega o pulmão. Decepa
tudo. O tronco subsiste devido à presença do suco gástrico recheado de 14
linhas apropriadas contra o ataque de qualquer veneno disponível no campo do
olhar.
NOVELO NUM CARRETEL:
De uma infância distante e radical, onde
rolavam cilindros dinâmicos, para um fluxo maduro: a desintegração num encontro
explosível em manchas de cores aleatórias. Fundo, forma espaço — embate pessoal
nas entranhas. Evidências do impossível no labirinto branco da tela revelam uma
ponte: Minotauro palpitante.
Poemas do
poeta e jornalista mineiro José Aloise
Bahia. Veja mais aqui.
A ARTE
DE DANI ACIOLI
Eu tenho uma produção que surge num
repertório. É um repertório de construção do feminino, da mulher no mundo, na
história, sobre como a gente sempre foi subjugada na construção de uma
identidade cultural feminina. O lugar do feminino nessa relação sempre foi uma construção
social de subjugação, de ser colocada no lugar da castidade ou no oposto disso.
A arte da artista visual e jornalista Dani Acioli. Veja
mais aqui.
A OBRA DE GAUGUIN
Devo confessar que também sou mulher e que estou sempre
preparado para aplaudir uma mulher que é mais ousada do que eu e é igual a um
homem na luta pela liberdade de comportamento Eu fecho meus olhos para ver.
A arte inspirada
na sua musa Tehura – a vahine, ou seja, a esposa nativa taitiana
também nomeada Teha'amana, que é tratada no filme
Gauiguin: Voyage to Tahiti (2017), dirigido por Edouard Deluc e inspirado no
diário Noa Noa (Poseidon, 1943), quando o pintor Paul Gauguin decidiu por conta
próprio exilar-se no Taiti. Lá ele espera reencontrar a pintura livre,
selvagem, fora dos códigos morais, políticos e estéticos europeus, enfrentando
a solidão, a pobreza e a doença. É quando ele se reúne com Tehura, a quem
dedica terno amor e a transforma em tema de suas obras.
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