O DISFARCE DA EMPAREDADA – Naquela rua, um olhar invisível e imantado, perseguia meus passos. Todos
os dias e vezes, a qualquer hora, essa impressão me acossava por todo percurso.
Não conseguia identificar, tanto que procurasse. Foi preciso um dia de chuva
torrencial. Ao me abrigar, meus sentidos se aguçaram. Pude vê-la, ali ao meu
lado, com seu olhar cândido em minha direção. Era ela. A ventania e o
molhadeiro trouxeram-na mais para perto. Ali estávamos espremidos com outros
desabrigados. Fui me ajeitando e encostei nela, trêmula e delicada, inquieta e
achegada. Ousei falar: Que chuvada! Ela encolheu-se de frio, vulnerável. E fitou-me
firme, desamparada. Ajeitei-me para deixá-la mais confortável, de repente virou-se
como se procurasse algo distante, deu-me as costas e apoiou-se a mim. Senti seu
perfume, minhas mãos tímidas à sua cintura, tateando delicadamente, deu-me a
dimensão de sua escultural emanação. Logo, com a aproximação e contato, ela se
arrepiava com minha respiração à nuca e melhor se acomodava indefesa e comprimida
entre meus braços. Aproveitamos o possível desse longo tempo de intimidade.
Retirei meu casaco e coloquei sobre seus ombros aquiescentes, protegendo-a. Tomou-me
as mãos, recolhendo-as aos fartos seios, agradecida. Cada vez mais íntima com o
temporal que trazia mais gente para ali se abrigar no aperto. Demoramos assim e
ao estiar, de repente, puxou-me por uma das mãos apressadamente, seguimos sem
saber para onde me levasse, entramos por uma íngreme e estreita escadaria que
deu num corredor mal-iluminado de muitas portas fechadas, até alcançarmos uma
área livre do primeiro andar que dava para o mundo e lá, volveu seu corpo de
costas contra a parede e puxou-me para beijá-la prolongadamente. Ela arfava
enquanto minhas mãos audaciosas e buliçosas contornavam sua geografia, a
concavidade dos seus seios de deusa luxuriante, gigantesca e admirável. Levantei
seu vestido, não usava roupa íntima, nuínha por baixo das vestes, sexo úmido,
entregue, lânguida, inebriada, indulgente, pronta para ser penetrada flutuando com
a intromissão do meu sexo no seu, toda resplandescente e tantalizada. Gozamos despudoradamente.
Abraçados, ela me sussurrou: Preciso de você. Assim, todos os dias seguintes, o
vício, o amor, o desejo imperioso por escadarias, vãos, corredores, recantos,
cortinados, esquinas, genuflexório, pilastras. Obcecada por minha virilidade, ela
se dissolvia aos meus toques e apertos, contagiada por minhas estocadas e
repetia sussurrando: Não consigo ficar longe disso. Como um animal selvagem no
cio, ela se agachava a se masturbar, enquanto sua língua sedenta deslizava
suavemente a minha glande com lambidas prazerosas, as mãos friccionavam todo
meu pênis que pulsava febril para que pudesse beber meu sêmen, recolhendo o
líquido precioso do amor. Dias, semanas, meses, um ano depois, quase nenhuma
palavra, até me dizer que nela jazia oculta tragédia. Contou-me. Ao completar
15 anos, o presente de aniversário: Fui molestada por meu pai. Todas as noites
ele me estuprava no quarto escuro do quintal. Indaguei da minha mãe, ela
completamente anulada. Sofri sua dor, sofremos juntas. Ao me flagrar no sexo
com meu namorado, supliquei-lhe não delatar ao meu pai, nosso acordo: o meu
amor tornou-se seu amante. Nossa cumplicidade. A relação incestuosa perdurou
até o dia em que engravidei, meu pai soube e queria saber quem me emprenhou. Delações
deram-lhe o paradeiro, o assassinato. Perdi meu amor e, minha mãe, seu amante. Meu
pai tomou ciência de tudo, era estéril e eu não era sua filha, não sabia disso.
Procurei minha mãe, ela em estado de choque, omitiu mergulhada em lágrimas. Por
vingança, meu pai me atacou pela última vez e encerrou-me num cubículo, emparedada,
fui enterrada viva. Meu pai fugiu com minha mãe e deixou-me ali sufocada,
agonizante. Isso há mais de um século. Minha mãe morreu louca, meu pai voltou
para me ver anos depois e eu o atormentei até ele se jogar no precipício da sua
ruindade para nunca mais. Desde então, preciso falar: sou viciada e
incorrigivelmente insaciável, atraída e fixada por um belo e duro pênis, ah,
que lindeza, preciso de homem a todo instante, uma necessidade sórdida de ser
demolida e seviciada, sou obstinada pelo prazer. Preciso ser violentamente possuída,
subjugada, corrompida, aniquilada, espremida contra a parede, ardendo para ser
penetrada e devastada pelas carícias de sexo bestial, preciso, suplico,
imploro. Estou perdida. E desapareceu com todo pesar na sua voz, criada por uma
lenda. © Luiz Alberto Machado.
Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] Então, a ciência, como um domínio cognitivo,
existe e se desenvolve como tal sempre expressando os interesses, desejos, ambições,
aspirações e fantasias dos cientistas, apesar de suas alegações de objetividade
e independência emocional [...] somos
observadores no observar, no suceder do viver cotidiano na linguagem, na
experiência da linguagem. Experiências que não estão na linguagem, não são. Não
há modo de fazer referência a elas, nem sequer fazer referência ao fato de
tê-las tido [...] A existência é
independente do observador. [...] há
tantas realidades – todas diferentes, mas igualmente legítimas – quantos
domínios de coerências operacionais explicativas, quantos modos de reformular a
experiência, quantos domínios cognitivos pudermos trazer à mão [...] As explicações científicas não se referem à
verdade, mas configuram um domínio de verdade. A ciência é um domínio cognitivo
válido para todos aqueles que aceitam o critério de validação das explicações
científicas [...] Assim, pensar é
agir no domínio do pensar, refletir é agir no domínio do refletir, falar é agir
no domínio do falar, e assim por diante, e explicar cientificamente é agir no
domínio do explicar científico [...] A
diferença entre nossa operação na vida cotidiana como cientistas e como
não-cientistas depende de nossas diferentes emoções, de nossos diferentes
desejos de consistência e impecabilidade em nossas ações e de nossos diferentes
desejos de reflexão sobre o que fazemos [...] As noções de falseabilidade, verificabilidade ou confirmação
aplicar-se-iam à validação do conhecimento científico apenas se este fosse um
domínio cognitivo que revelasse, direta ou indiretamente, por denotação ou
conotação, uma realidade transcendente independente do que o observador faz, e
se a segunda condição do critério de validação das explicações científicas
fosse um modelodessa realidade transcendente, em vez de um mecanismo gerativo
que faz surgir a experiência a ser explicada tal como é apresentada na primeira
condição [...].
Trechos
extraídos da obra Cognição, ciência e
vida cotidiana (Ed UFMG, 2001), do neurobiólogo chileno e criador da teoria
da autopoiese e da biologia do conhecer, Humberto
Maturana, que na obra A ontologia da realidade (EdUFMG, 2002), explica que o sistema autopoiético é o acoplamento
estrutural e a deriva natural, uma vez que tal sistema é uma unidade definida
pela sua estrutura autopoiética, que constitui um domínio fechado de relações
especificadas e que compõem essa organização. Estas relações, segundo o autor, são:
constitutivas, cujos componentes constituem a materialização da autopoiese,
seus limites físicos, sua topologia; de especificação, cujos componentes são
definidos por sua participação na autopoiese, por sua identidade, pelas
propriedades de seus componentes; e de ordem, cuja concatenação dos componentes
nas três relações sejam especificadas pela dinâmica da organização
autopoiética. Assim sendo, o sistema autopoiético é definido a partir das
condições para se estabelecer um espaço autopoiético, o que se dá através da
organização autopoiética num ambiente, onde os componentes podem atuar. Veja
mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.
O TEATRO DE CICI PINHEIRO
Não dou confiança para
mágoas. Minha luta no teatro foi tão desigual. Fui perseguida, fui massacrada,
mas saí íntegra.
O teatro da teatróloga, cineasta e atriz Cici Pinheiro (Floracy
Alves Pinheiro - 1929-2002), fundadora da primeira Companhia de Teatro
Profissional de Goiás, a Cia. Cici Pinheiro, atuando como diretora de
radionovelas e telenovelas, bem como pioneira do cinema naquele estado. Sua
estreia foi na peça Vila Rica, da Agremiação Goiana de Teatro, em Goiânia, em
1949, passando em seguida a integrar o elenco do Teatro Brasileiro de Comédia
(TBC), enveredou pelo cinema com a produção do filme O Ermitão de Muquém, até
encerrar sua carreira em 1989, com a peça teatral Gimba, O Presidente dos
Valentões. Veja mais aqui.
A FOTOGRAFIA DE CASS BIRD
A arte
da fotógrafa e artista visual e multimídia estadunidense, Cass Bird. Veja mais aqui.
A
EMPAREDADA DA RUA NOVA
[...] Durante as noites,
acontecia-lhe acordar sobressaltado como se houvessem soado ao pé de si gemidos
lúgubres e abafados. Outras vezes parecia-lhe ver surgir ao seu lado o espectro
esquálido e medonho da sua mulher ou a figura branca e vaporosa de sua filha. [...].
Trecho do romance A emparedada da Rua Nova (1886),
republicado entre os anos 1909-1912, como folhetim no Jornal Pequeno, de
Recife, pelo escritor Joaquim Maria
Carneiro Vilela (1846-1913). A obra inpirou George Moura, Sérgio
Goldenberg, Flávio Araújo e Teresa Frota a escreverem a minissérie Amores Roubados (2014), da Rede Globo.
Depois, foi transformada na minissérie Jugar
com fuego (2019), adaptada por Julia Montejo e José Luis Acosta, para a
Telemundo. Veja mais aqui.
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A OBRA DE ASCENSO FERREIRA
Minha filhinha, Papai Noel! É uma figura
tragicômica! Não se iluda com os seus enredos! Pois que no meio dos seus
brinquedos! Virá um dia a bomba atômica!